Elogio da recusa ao trabalho
hiper-precarizado
Antes de mais nada,
parece-me importante não jogar fora o bebê da emancipação junto com a água do
banho da crítica ao trabalho no regime capitalista. Por mais sedutores que
possam parecer, os discursos sobre a recusa ao trabalho e o elogio à preguiça
frequentemente se enquadram em um certo dandismo, para não dizer um esteticismo
burguês (que muitas vezes esquece que, a partir do momento em que há um lar,
como ressalta Maud Simonet, sempre há alguém – e na maioria das vezes uma
mulher – que trabalha). Além disso, o objetivo de uma crítica progressista à
“valorização do trabalho” não é tanto se opor ao trabalho “produtivo”, mas sim
alcançar um debate coletivo sobre quem tem o direito de julgar se um trabalho é
produtivo. Quem tem o direito de dizer o que é útil, quando fazemos algo?
Para entender o lugar
que a valorização do trabalho ocupa na sociedade atual, parece-me importante
relembrar duas rupturas históricas: o século XVI e os anos 1980.
Em primeiro lugar, é
importante lembrar que o discurso conservador, segundo o qual um homem
verdadeiro é um homem que trabalha, nem sempre foi majoritário. No final do
século XVI, o ascetismo produtivo, característico de algumas congregações
monásticas, escapou dos muros dos conventos e invadiu as classes dominantes do
Ocidente. As causas dessa revolução são alvo de controvérsias entre
historiadores, mas as consequências são amplamente aceitas.
A partir dessa época,
consolida-se progressivamente a moral capitalista atual, segundo a qual é
preciso ser produtivo neste mundo. Surge a ideia de que “tempo é dinheiro”, ou
seja, não produzir é uma perda de tempo e uma falha moral. Essa revolução intelectual
opera tanto no nível individual quanto no coletivo. Uma grande nação passa a
ser aquela que é próspera e cujos cidadãos são capazes de produzir coisas.
A revolução industrial
só ocorre em um segundo momento, mas ela vem confirmar a pertinência dessa
ruptura. Entre as classes dominantes, há a sensação de que essa moral permite a
criação de riquezas como nunca antes. Disso resulta uma grande pressão sobre
tudo e todos para gerar algum valor.
É complicado negar
essa moral e esperar, a curto prazo, sua subversão. Certamente, ela constitui
uma pedra angular do pensamento conservador, mas está praticamente generalizada
nas classes médias e superiores. Nesses meios, dos quais faço parte, temos dificuldade
em fazer algo… por nada. Mesmo quando estamos de férias. Descansamos para
sermos mais produtivos na volta. Tiramos fotos para impressionar. As noites de
slides foram certamente suplantadas pelo Instagram, mas a abordagem é
rigorosamente comparável. A leitura de livros ou a visita a museus constituem,
ao mesmo tempo, passatempos sinceros e instrumentos de distinção tanto dentro
do próprio grupo quanto em relação a outros grupos sociais.
Esse princípio nunca é
tão poderoso quanto na educação burguesa: evitar os prazeres em si, não fazer
nada por nada, mas, ao contrário, tornar os prazeres produtivos. O uso de telas
pelas crianças, tão criticado nos discursos institucionais, é, na verdade,
canalizado para direcionar os jovens a conteúdos valorizáveis na esfera escolar
e, a longo prazo, no mercado de trabalho.
Embora macroscópico e
talvez abstrato demais, esse parêntese nos parece crucial, pois pensar em uma
alternativa progressista que negue essa componente da moral ocidental dominante
pode implicar o risco de se contentar com uma utopia sem meios de propagação. É
preciso confrontar esse imperativo: somos incapazes de fazer coisas por nada e,
por extensão, é difícil conceber que os outros não façam nada. A existência
precisa ser útil.Daí uma proposta à qual retornarei mais adiante: é importante
nos reapropriarmos do debate sobre o que é útil e o que não é.
Com o surgimento do
capitalismo moderno ao longo do século XVII, é sobretudo em dinheiro vivo que o
útil é pensado. Mas a avalanche de riquezas — até então despercebida — gerada
pela revolução industrial traz como corolário o surgimento de um pauperismo endêmico
– ou seja, o fato de que pessoas trabalham como forçados e ainda assim vivem em
dificuldades –, algo que não se esperava ou que não se queria ver.
A história que se
segue, o século XIX e o XX, poderia então ser resumida como um braço de ferro
entre, de um lado, as pessoas “honestas” – a burguesia – que acusam as classes
trabalhadoras de serem pobres porque não trabalham o suficiente e gastam mal seu
dinheiro; esses discursos têm o objetivo de justificar os baixos salários dos
operários.
Do outro lado,
encontramos trabalhadores e trabalhadoras que se mobilizam para poder viver
dignamente de seu trabalho, com uma dignidade tanto material quanto simbólica:
a jornada de oito horas, a criação de aposentadorias para idosos e inválidos, a
relação de trabalho progressivamente regulamentada e envolta em quadros que
acabarão sendo chamados de “emprego”, ou seja, um trabalho dentro de um
estatuto que oferece proteção.
Ao longo dessa
história, também se passa a chamar de “trabalho” todas as atividades das
pessoas que dependem de seus próprios braços para sobreviver, em oposição ao
capital — ou seja, às pessoas que podem se sustentar graças à sua renda, graças
à propriedade. No final dessa história, a “valorização do trabalho” adquire
dois significados que não são necessariamente opostos, mas que é preciso
distinguir bem para não contribuir com discursos moralizantes sobre as pessoas
privadas de emprego: a “valorização do trabalho” é ao mesmo tempo uma moral
segundo a qual é desejável fazer algo com seu tempo, ser produtivo, gerar
valor. Mas também é a dignidade daqueles que só têm seus braços para viver, uma
dignidade sempre frágil, nunca garantida, pois, como dizia Ambroise Croizat, o
patronato nunca se desarma.
• “Melhor um trabalho indigno do que uma
assistência digna“
Entender o que se diz
hoje ao desempregado pressupõe levar em conta a confusão entre esses dois
aspectos da “valorização do trabalho” e a inversão moralizadora daí resultante:
já que as classes populares são laboriosas, aqueles que não trabalham não seriam
traidores da causa? As políticas públicas têm, desde os anos 1980, a vocação de
reintegrar ao trabalho aqueles que são improdutivos. Essa abordagem não é
completamente nova. Ao longo da história do capitalismo, encontramos
regularmente iniciativas destinadas a forçar os humildes a trabalhar, para seu
próprio bem. Desde oficinas de caridade até asilos e conventos-fábricas, as
tentativas são comuns. No entanto, tratava-se de iniciativas privadas que
pretendiam ser filantrópicas.
Desde o final dos anos
1970 e a revolução conservadora, houve um retorno progressivo à origem do
discurso sobre os pobres e as classes populares: não seria o gosto pela
ociosidade que os tornaria pobres? Após uma fase planificada e keynesiana,
durante a qual a pobreza era vista como consequência da ocupação de empregos na
base da escala salarial, retorna-se progressivamente a um discurso sobre a
preguiça dos assistidos. A novidade, nas últimas décadas, consiste em ver o
próprio Estado organizar essa inserção dos mais humildes no trabalho.
Essa doutrina vai se
formalizar na Inglaterra, na Nova Zelândia e nos Estados Unidos nos anos 1980.
No entanto, não se trata de uma moral especificamente anglo-saxônica.
Recorrente entre os liberais, essa doutrina se solidifica mais fortemente onde
eles retomam o controle sobre o Estado. Nesses países, e depois, em todo o
Ocidente, ressurge a ideia de que as políticas de solidariedade impedem a
participação dos mais pobres no mercado de trabalho. Elas os impedem de serem
produtivos.
Não é uma ideia nova,
aliás, é muito próxima do que se ouvia um século antes sobre a ajuda aos mais
pobres oferecida por obras de caridade. Mas, nesse ínterim, um amplo Estado
social, um Estado “providência”, se desenvolveu.A reconfiguração ideológica leva
não só à negação dos mecanismos de solidariedade coletiva para aqueles que não
trabalham o suficiente, mas, além disso, esses mesmos mecanismos passam a ser
utilizados para colocar no trabalho os mais vulneráveis.
Essa doutrina assume
diferentes formas, mas pode ser resumida da seguinte maneira: em termos de
solidariedade, o emprego prevalece (Employment first). A solidariedade ou as
ajudas oferecidas aos desempregados devem servir para ajudá-los a encontrar um
emprego e não para subsistirem dignamente.
Encontram-se
diferentes indícios do surgimento dessa doutrina, tanto na França quanto em
outros lugares. Por exemplo, desde os anos 1980, a ideia de que o
seguro-desemprego é uma garantia é negada pelos representantes do patronato que
participam das negociações das convenções de seguro-desemprego. Eles consideram
as prestações do seguro-desemprego como caridade. Considerações semelhantes são
encontradas no caso do Rendimento Mínimo de Inserção, criado em 1988. Enquanto
alguns de seus idealizadores o viam como uma renda de subsistência, outros
atores políticos consideravam desde sua criação que deveria envolver
contrapartidas e certos compromissos.
O emprego prevalece, e
a solidariedade torna-se um meio de inserção no emprego. Contudo, ao mesmo
tempo, os empregos – e principalmente os empregos dignos – tornam-se cada vez
menos numerosos nos anos 1980, 1990 e 2000. Pois, no mesmo movimento de tomada
de poder dos liberais sobre o Estado, testemunha-se uma grande ofensiva contra
as conquistas dos trabalhadores. As principais proteções relacionadas ao
emprego serão colocadas em questão, especialmente para os menos qualificados.
Observa-se então uma mudança, bem documentada por Fabrice Colomb: passa-se
progressivamente do slogan “o emprego prevalece” para “a atividade prevalece”.
O que agora parece
desejável, moralmente positivo, não é tanto trabalhar em troca de um salário. O
simples fato de trabalhar é suficiente para a dignidade. Levantar-se pela
manhã, fazer algo com as próprias mãos, com subordinação de alguém para quem
essa atividade é útil, constitui em si algo valorizável. Quase
independentemente da remuneração. Esse é, por exemplo, um componente crucial no
programa chamado “serviço cívico”.
O fato de eles e elas
trabalharem é percebido como algo positivo. O fato de serem pagos abaixo do
salário mínimo por hora não é questionado. Um exemplo disso é a transição do
programa Pôle Emploi para France Travail: os usuários não são mais incentivados
a encontrar um emprego, mas a encontrar um trabalho.
É preciso reconhecer
que, formalmente, essa imposição é implementada de maneira que pode parecer
pouco autoritária. Não há policiais que forcem os mais humildes a irem para o
trabalho. Esses discursos são, em grande parte, apenas palavras. No entanto, essa
visão satura os mecanismos de solidariedade. Tornou-se quase impossível acessar
qualquer tipo de ajuda sem se comprometer a realizar várias ações destinadas a
encontrar trabalho. Na maioria das vezes, as pessoas inscritas nesses programas
são obrigadas a assinar um contrato, que pode ser usado contra elas se seu
comportamento não for considerado positivo.
Diversos exemplos
permitem sustentar essa argumentação:
– O RSA é uma renda de
subsistência, mas, em troca, implica a realização de operações específicas, em
uma certa ordem, com o objetivo final de retorno a um trabalho remunerado.
– O seguro-desemprego
não é um direito adquirido pelas contribuições. Ele constitui uma ferramenta
para incentivar os trabalhadores a retornarem ao trabalho. No contexto das
reformas do seguro-desemprego implementadas desde 2018, as prestações não são
mais estabelecidas com base nas contribuições passadas. Elas são configuradas
para incentivar o retorno ao trabalho, independentemente da qualidade desse
trabalho.
– Os programas
destinados aos mais jovens ou às pessoas com deficiência também são concebidos
dentro do mesmo quadro doutrinário: é verdade que o acesso ao mercado de
trabalho é visto como mais restrito, mas o objetivo é justamente “remover os
obstáculos” ao retorno ao emprego.
– Os dias de carência
no seguro de saúde contribuem para incentivar os trabalhadores a continuarem a
trabalhar, mesmo quando estão doentes.
– A pensão de
aposentadoria torna-se cada vez mais difícil de obter antes que a pessoa tenha
dificuldades físicas para trabalhar.
Uma das versões mais
recentes dessa doutrina encontra-se na lei do pleno emprego, votada no outono
de 2023, que determina que os solicitantes de emprego – especialmente os
beneficiários do RSA – podem ser obrigados a cumprir 15 horas de atividade
semanal. Nesse contexto, beneficiar-se da solidariedade nacional não pode ser
gratuito. Não pode ser em vão. Em troca, espera-se que os beneficiários sirvam
para algo, que sejam úteis a um empregador.Se o mercado de trabalho tradicional
não é capaz de oferecer emprego, ainda assim é desejável participar – mesmo
gratuitamente – da produção de um serviço associativo ou público.
• Retomar o poder sobre a definição do que
é útil
Podemos então oferecer
elementos de resposta à questão que nos colocamos no contexto desta reflexão:
por que uma focalização tão intensa dos programas de solidariedade no trabalho
produtivo? Pode-se argumentar que as pessoas na origem desses programas consideram
que é ilegítimo não fazer nada por outrem. É ilegítimo escolher por si mesmo o
que se pode fazer com seu tempo. Dessa forma, espera-se que o mercado de
trabalho determine quais atividades é moral realizar.
Nesse discurso, a
atividade vale por si mesma. Mas, na prática, ela só tem valor desde que seja
útil à economia. Nesse contexto, obter um emprego seria quase um privilégio
concedido pelos empregadores criadores de emprego a candidatos que buscam sair
da exclusão. O fato de que trabalhadores produzem valor com seu trabalho e de
que o empregador obtém lucro disso desaparece da reflexão.
O caráter ideológico,
moral ou doutrinário dessa concepção de “valorização do trabalho ” — a
valorização da dignidade associada à atividade de trabalho — surgiu de forma
crua no período pós-Covid. Entre 2021 e 2023, observou-se uma queda
significativa no desemprego. Nos setores onde as condições de trabalho são mais
difíceis, os empregadores queixaram-se das dificuldades em encontrar pessoal
mantendo as mesmas condições de trabalho. O funcionamento dos mecanismos de
mercado e a atração por empregos melhor remunerados e mais protegidos,
tornaram-se, de fato, um problema para esses empregadores. Eles então se
mobilizaram para limitar as possibilidades de escolha dos trabalhadores.
Foi assim que o
programa Pôle Emploi, seguido pelo France Travail, implementou ferramentas de
coerção – por meio do seguro-desemprego e do controle da busca por emprego –
para candidatos capazes de exercer ocupações chamadas de “em tensão”. Agora,
pessoas que trabalham na construção civil, na assistência ou na logística não
são mais consideradas legítimas para receber seguro-desemprego,
independentemente de sua condição física ou psicológica, sua situação familiar
ou seus desejos de conciliar vida profissional e pessoal. O valor atribuído à
dignidade do trabalho, que se vê favorecida em períodos de tensão, pois os
mecanismos de mercado deveriam facilitar a migração para melhores empregos, se
dissipa na vontade de preencher empregos de pior qualidade. A “valorização do
trabalho” aparece, nesse contexto, em seu caráter ideológico e disciplinar.
Observa-se, então, uma
confusão entre duas abordagens da “valorização do trabalho”. De um lado, aquela
que remete ao desejo de ser remunerado dignamente por sua utilidade; de outro,
aquela que designa a superioridade moral de ser ativo. Essa confusão é instrumentalizada
para dar forma a um chamado hipócrita à ordem disciplinar, visando incitar os
menos qualificados a trabalhar, apesar das condições de trabalho e de
remuneração deploráveis.
• O que fazer?
Para propor elementos
de conclusão mais construtivos, é importante destacar que o campo progressista
nem sempre se sente confortável para criticar essas políticas até a raiz. O
fato de que o trabalho deve ser útil, de que ser útil é algo bom, são argumentos
difíceis de contestar. Quando Fabien Roussel [candidato do Partido Comunista às
últimas eleições presidenciais da França] estigmatiza “a esquerda das
assistências”, ele é ridicularizado – com razão – sem que, no entanto, a reação
seja realmente coerente ou compreensível. Devemos responder-lhe que as
assistências constituem um valor positivo em si? Ou retrucar que a esquerda se
encarna também, e principalmente, no campo daqueles que trabalham? Consideramos
que os cidadãos têm o direito de viver dignamente sem contribuir, ou é
necessário que tenham contribuído para poderem beneficiar da solidariedade?
Encontram-se em François Ruffin [jornalista, documentarista e deputado francês,
eleito pela França Insubmissa mas hoje rompido com ela] tons comparáveis, mantendo
uma ambiguidade calculada sobre o fato de que os bairros trabalham e as torres
se beneficiam.
É importante
ressaltar, antes de tudo, que o discurso sobre o assistencialismo não tem
confirmação estatística. Para o bem e para o mal, as classes populares
trabalham, e trabalham muito. O desemprego é um problema quando não há
atividade econômica, como foi o caso entre 2008 e 2016. Mas, assim que há uma
retomada da atividade, todos os que podem trabalham.Não há uma recusa massiva
do trabalho. Pelo contrário, há uma vontade de trabalhar ainda mais.
Como explicar isso,
apesar das condições de trabalho difíceis e da precarização das situações de
emprego? O discurso sobre a “valorização do trabalho” é tão poderoso, tão
hegemônico do ponto de vista cultural, que vai muito além das classes médias e
privilegiadas. Não é apenas um discurso público. Não procede dos programas
sensacionalistas na mídia sobre a “rua das assistências”. Trata-se de uma moral
enraizada em nós há vários séculos. O trabalho de campo junto às pessoas que
acumulam pequenos empregos corroboram essa ideia: as pessoas querem trabalhar.
Esse resultado também
aparece nas grandes pesquisas estatísticas. Percebe-se, então, que as políticas
conservadoras lutam para forçar os usuários da assistência a adotar um
comportamento que eles já assumem… Não é necessário desmantelar o
seguro-desemprego para que os trabalhadores prefiram trabalhar a não fazer
nada. Por boas e más razões, o trabalho é uma componente crucial de nossa
identidade e da forma como nos posicionamos na competição social. Essa não é a
única arena de competição. Há competição na decoração da sala, no carro que
dirigimos (ou não), na escola para onde podemos enviar nossos filhos, na
qualidade dos livros que lemos neste verão, nos vegetais orgânicos que
compramos.
Mas tudo isso está
profundamente enraizado nas cartas que cada um pode jogar graças à sua
profissão. Devido, claro, à remuneração que ela permite, mas não apenas. Há
também mais ou menos prestígio em jogo, dependendo dos empregos. Os
trabalhadores raramente aderem aos discursos sobre o fim do trabalho.
Certamente, são muito críticos em relação às suas condições de trabalho e de
remuneração. Não são ingênuos quanto às estratégias de seus empregadores. Mas o
acesso a um trabalho estrutura sua possibilidade de viver dignamente entre os
seus. A boêmia, a divagação, são vistos como um luxo pequeno-burguês. Muito
concretamente, todos desejam evitar serem chamados de “inúteis”. Trata-se de um
poderoso elemento de rejeição.
A questão do valor da
atividade de trabalho, tal como é instrumentalizada pelos conservadores, é,
portanto, um discurso que não está completamente desconectado do mundo
social.Parece difícil contestá-lo por meio de decretos. Deve-se então desistir
frente a esses mecanismos de distinção interna ao grupo de trabalhadores?
Primeiramente, é
necessário voltar-se para as pessoas que não podem trabalhar, temporária ou
permanentemente. Nesse ponto, é preciso defender e justificar a utilidade e a
moralidade da solidariedade. De maneira um pouco ingênua, é possível, por
exemplo, reconhecer a utilidade… de não participar diretamente do processo
produtivo capitalista. Desse ponto de vista, os clichês sobre desertores que
questionam o sentido de seu trabalho, as fábulas sobre engenheiros que dão as
costas às indústrias de combustíveis fósseis – embora não apareçam nas
estatísticas – contribuem, intelectualmente e ideologicamente, para legitimar a
ideia de que o capitalismo provavelmente não é o melhor juiz da utilidade de
nosso trabalho.
E, para contribuir com
as estratégias futuras, parece interessante brincar com as palavras, travar uma
guerrilha intelectual para fazer entender que ajudar as pessoas a viverem
dignamente é, de fato, útil para a coletividade.Um argumento estratégico que me
parece bastante eficaz consiste, por exemplo, em destacar que as reformas do
seguro-desemprego vão empobrecer os menos qualificados, muitos dos quais têm
filhos. E questionar: queremos realmente forçar crianças a crescerem na extrema
pobreza?
Por outro lado, é
preciso pensar em maneiras de tentar desmonetizar o conceito de útil. Embora
muitas pesquisas microeconométricas provem que colocar as crianças na escola é
bom para o PIB, isso não é o que justifica o direito à educação. O campo do
progresso defende há muito tempo a educação das crianças até a maioridade, por
si mesma. Porque julgamos útil não deixar a educação apenas a cargo das
famílias. Esse raciocínio deve ser estendido a outras funções, a outras
atividades. Se o trabalho designa o que é útil, é preciso defender a
possibilidade de decidir coletivamente o que é útil, sem se limitar à taxa de
lucro.
É necessário refletir
como debater coletivamente as atividades que queremos valorizar. Claro, há o
voto, mas expressar-se a cada 4 anos – no regime político atual e sua
influência na mecânica interna dos partidos – parece bastante limitado.
Aplaudimos muito os profissionais de saúde, sem distinção de cargo ou status,
durante a pandemia. Mas qual é o próximo passo? Como fazer para valorizar
efetivamente seu trabalho? Devemos deixar para a negociação salarial interna
dos hospitais ou para o nível setorial a responsabilidade de determinar o valor
de seu trabalho em um contexto de austeridade?
Embora não sejam uma
resposta completa a essas questões, o seguro-desemprego e sua gestão coletiva
poderiam ser uma ferramenta coletiva para proteger as pessoas das pressões do
mercado de trabalho e favorecer a orientação de cada um para atividades que julgue
úteis. Em vez disso, ele se transformou em um estímulo ao empobrecimento e ao
constrangimento. É preciso reagir
Fonte: Por Jean-Marie
Pillon, em Contretemps | Tradução: Antonio Martins, em Outras Palavras
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