Comunidades indígenas no Pará denunciam
abandono e falta de estrutura na educação
LIDERANÇAS INDÍGENAS
dos povos Gavião, Munduruku e Tembé relatam dificuldades persistentes no acesso
à educação básica no Pará. Escolas prometidas não foram construídas, obras
ficaram inacabadas e há carência de professores e profissionais de apoio.
A situação impacta
aldeias próximas a Marabá, Itaituba e outras cidades, prejudicando centenas de
estudantes indígenas que dependem de políticas educacionais específicas para
suas comunidades, segundo lideranças e especialistas indígenas ouvidos pela Repórter
Brasil.
“Estamos numa luta
constante não só contra o garimpo e o desmatamento, mas também pela educação
dos nossos jovens. Enquanto isso, a escola cai na cabeça de quem tenta
estudar”, afirma Alessandra Korap Munduruku, uma das principais ativistas
indígenas do país.
• Comunidades da Terra Indígena Mãe Maria
pedem abertura de novas escolas
Na Terra Indígena Mãe
Maria, em Marabá, o pedido da cacica Adilene Ribeiro Aironpokré, do povo
Gavião, para a criação de uma escola na aldeia Airompokrejokri ainda aguarda
resposta oficial.
Formada em
licenciatura intercultural indígena pela Universidade do Estado do Pará (Uepa),
Adilene relata que, desde janeiro deste ano, tenta garantir um local de ensino
para pelo menos 27 estudantes, que incluem desde alunos do ensino fundamental
até participantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A falta de respostas
levou a comunidade a realizar um protesto em abril, bloqueando a BR-222,
rodovia que atravessa a terra indígena. “Realizamos um manifesto para pedir a
criação e a reforma de escolas na região. Fechamos a BR-222 por dois dias e, só
então, a Seduc [Secretaria de Educação do Estado do Pará] mandou um
representante”, relatou Adilene.
Segundo a cacica, o
secretário adjunto da educação, Patrick Tranjan, se comprometeu a contratar
professores em junho e funcionários de apoio, como merendeiras e vigias, até
agosto, mas nenhuma dessas contratações foi efetivada até o momento.
Durante a reunião de
abril, Tranjan teria declarado que não aprovaria escolas com menos de dez
alunos, decisão que a comunidade não aceitou. “Nossa cultura é diferente.
Queremos ver nossos filhos de perto, acompanhar o que eles estão aprendendo e
quem são seus professores”, afirmou Adilene.
A proposta da Seduc de
concentrar os estudantes nas três escolas existentes na TI e prover transporte
escolar para as aldeias menores foi rejeitada, pois a distância entre as
aldeias dificultaria o acesso e o monitoramento das crianças pelos pais, dizem as
lideranças.
O transporte escolar
prometido pela secretaria também não foi disponibilizado. “Em cada reunião, nos
prometem algo que nunca é cumprido. É muita mentira e promessas vazias”,
lamenta a cacica. Ela menciona que, em reunião posterior em Belém, sugeriu
abrir a escola somente para as séries iniciais até o sexto ano, mas até agora
não houve resposta.
“A gente foi atrás do
secretário de educação e ele falou que a Casa Civil não quer reconhecer as
escolas. O governador, né, não quer reconhecer as escolas indígenas que estão
surgindo agora e a gente tem muitas crianças sem aula”, reitera a liderança indígena
Aiteti Gavião, que também é da etnia Tembé.
Diante da situação, o
povo Gavião bloqueou a rodovia mais uma vez em outubro, durante novo protesto.
O governo do Pará e o
secretário-adjunto Patrick Tranjan foram procurados, mas não se manifestaram
até a publicação da reportagem.
• Na TI Sawré Muybu, Mundurukus aguardam
conclusão de obra há uma década
Na TI Sawré Muybu, às
margens do rio Tapajós, a realidade é semelhante. Em 2016, a gestão da então
prefeita de Itaituba Eliene Nunes (PSD) iniciou a construção de uma escola para
atender os estudantes do povo Munduruku, mas o projeto foi abandonado antes da
conclusão.
A comunicadora
indígena Aldira Akai Munduruku, do Coletivo Daje Kapap Eypi, explica que, desde
então, a comunidade tem que improvisar salas de aula em barracões de palha para
atender 48 estudantes. Ela diz que a comunidade aguarda há anos pela continuidade
das obras, mas até hoje não há sinal de quando a construção será concluída.
Para o cacique Juarez
Saw, a situação é crítica: “A obra está parada há oito anos. O prédio foi
coberto, mas já está caindo, com telhas quebradas”.
A situação em relação
ao ensino médio também é delicada. Em outras aldeias Munduruku, estruturas
escolares foram iniciadas, mas não finalizadas. “Na nossa aldeia, não temos
sequer a promessa de uma escola de ensino médio”, lamenta Juarez, destacando a
carência de estrutura para atender os estudantes de séries mais avançadas.
“Precisamos de escolas
para nossos jovens, mas as promessas são sempre adiadas”, complementa
Alessandra Korap Munduruku.
Apesar das condições
precárias, as lideranças indígenas têm mantido esforços para garantir que as
aulas continuem. Honésio Dace Munduruku, professor e secretário da Associação
dos Servidores da Educação Escolar Indígena do Médio Tapajós, afirma que as aulas
na aldeia Sawré Muybu foram improvisadas em um barracão comunitário, além de
usarem também algumas salas da escola em construção. Uma merendeira e um
auxiliar de serviços gerais dão apoio às atividades.
Em setembro deste ano,
ele participou de uma reunião com autoridades federais e estaduais, incluindo
representantes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e da
Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), na qual discutiram a retomada do
projeto de construção. Até o momento, porém, a comunidade não recebeu uma
resposta.
A coordenadora de
Educação Multirracial da Secretaria Municipal de Educação de Itaituba, Maria da
Conceição Pires da Silva, afirma que, mesmo improvisada, a escola na aldeia
está regularizada. “A escola é formal sim, os professores são pagos, só não tem
estrutura”, diz Conceição.
A prefeitura de
Itaituba foi procurada, mas não retornou até a publicação da reportagem. O
espaço segue aberto a manifestações.
• Na Terra Indígena Alto Rio Guamá, faltam
professores e profissionais de apoio
Outro ponto de
preocupação das lideranças é a legislação estadual que regula a contratação de
profissionais de educação para as escolas indígenas. Kamirã Tembé Tenetehara,
cacique da aldeia São Pedro, na Terra Indígena Alto Rio Guamá, critica a lei
10.046/23, que, segundo ele, dificulta a contratação de profissionais de apoio,
como merendeiras, auxiliares de serviços gerais e orientadores educacionais,
essenciais para o funcionamento das escolas.
“Essa lei foi
discutida com o movimento indígena para garantir direitos, mas não contempla
profissionais de apoio. Isso gera um caos na educação escolar indígena, pois
precisamos desses serviços para que as escolas funcionem bem”, pontua o
cacique.
Diante dessa situação,
Kamirã enviou ofícios à Secretaria dos Povos Indígenas do Pará, à Alepa
(Assembleia Legislativa do estado), à PGE (Procuradoria Geral do Estado), à
Casa Civil e ao MPF (Ministério Público Federal), solicitando a revisão da lei
para incluir esses trabalhadores.
O interesse dos Tembé
se deve também ao fato de eles enfrentarem contínuos problemas para contratação
de profissionais. Em outubro de 2022, o MPF ingressou com uma ação civil
pública exigindo a contratação de professores para suprir a carência nas escolas
da Terra Indígena Alto Rio Guamá.
Segundo a ação, várias
escolas indígenas estavam sem professores a apenas três meses do fim do ano
letivo, o que comprometeria o desenvolvimento educacional dos estudantes. Em
resposta, a Seduc informou na época que os contratos dos professores indígenas
seriam renovados em janeiro de 2023, mas a situação ainda não foi resolvida.
A Constituição Federal
de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) garantem o direito à
educação diferenciada para os povos indígenas, incluindo o uso das línguas
maternas e o respeito às tradições e processos de ensino próprios de cada comunidade.
No entanto, as lideranças relatam que as políticas públicas não têm sido
suficientes para garantir esses direitos.
O cacique relembra que
a primeira experiência com a educação escolar indígena no Pará aconteceu na
década de 1980, quando o povo Parkatêjê iniciou um projeto em parceria com o
estado, criando a primeira escola indígena. “A nossa reivindicação é pela melhoria
física e pedagógica das escolas, para que, de fato, a gente possa ter uma
educação de qualidade”, ressalta o cacique.
Fonte: Repórter Brasil
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