segunda-feira, 11 de novembro de 2024

Comunidades indígenas no Pará denunciam abandono e falta de estrutura na educação

LIDERANÇAS INDÍGENAS dos povos Gavião, Munduruku e Tembé relatam dificuldades persistentes no acesso à educação básica no Pará. Escolas prometidas não foram construídas, obras ficaram inacabadas e há carência de professores e profissionais de apoio.

A situação impacta aldeias próximas a Marabá, Itaituba e outras cidades, prejudicando centenas de estudantes indígenas que dependem de políticas educacionais específicas para suas comunidades, segundo lideranças e especialistas indígenas ouvidos pela Repórter Brasil.

“Estamos numa luta constante não só contra o garimpo e o desmatamento, mas também pela educação dos nossos jovens. Enquanto isso, a escola cai na cabeça de quem tenta estudar”, afirma Alessandra Korap Munduruku, uma das principais ativistas indígenas do país.

        Comunidades da Terra Indígena Mãe Maria pedem abertura de novas escolas

Na Terra Indígena Mãe Maria, em Marabá, o pedido da cacica Adilene Ribeiro Aironpokré, do povo Gavião, para a criação de uma escola na aldeia Airompokrejokri ainda aguarda resposta oficial.

Formada em licenciatura intercultural indígena pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), Adilene relata que, desde janeiro deste ano, tenta garantir um local de ensino para pelo menos 27 estudantes, que incluem desde alunos do ensino fundamental até participantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

A falta de respostas levou a comunidade a realizar um protesto em abril, bloqueando a BR-222, rodovia que atravessa a terra indígena. “Realizamos um manifesto para pedir a criação e a reforma de escolas na região. Fechamos a BR-222 por dois dias e, só então, a Seduc [Secretaria de Educação do Estado do Pará] mandou um representante”, relatou Adilene.

Segundo a cacica, o secretário adjunto da educação, Patrick Tranjan, se comprometeu a contratar professores em junho e funcionários de apoio, como merendeiras e vigias, até agosto, mas nenhuma dessas contratações foi efetivada até o momento.

Durante a reunião de abril, Tranjan teria declarado que não aprovaria escolas com menos de dez alunos, decisão que a comunidade não aceitou. “Nossa cultura é diferente. Queremos ver nossos filhos de perto, acompanhar o que eles estão aprendendo e quem são seus professores”, afirmou Adilene.

A proposta da Seduc de concentrar os estudantes nas três escolas existentes na TI e prover transporte escolar para as aldeias menores foi rejeitada, pois a distância entre as aldeias dificultaria o acesso e o monitoramento das crianças pelos pais, dizem as lideranças.

O transporte escolar prometido pela secretaria também não foi disponibilizado. “Em cada reunião, nos prometem algo que nunca é cumprido. É muita mentira e promessas vazias”, lamenta a cacica. Ela menciona que, em reunião posterior em Belém, sugeriu abrir a escola somente para as séries iniciais até o sexto ano, mas até agora não houve resposta.

“A gente foi atrás do secretário de educação e ele falou que a Casa Civil não quer reconhecer as escolas. O governador, né, não quer reconhecer as escolas indígenas que estão surgindo agora e a gente tem muitas crianças sem aula”, reitera a liderança indígena Aiteti Gavião, que também é da etnia Tembé.

Diante da situação, o povo Gavião bloqueou a rodovia mais uma vez em outubro, durante novo protesto.

O governo do Pará e o secretário-adjunto Patrick Tranjan foram procurados, mas não se manifestaram até a publicação da reportagem.

        Na TI Sawré Muybu, Mundurukus aguardam conclusão de obra há uma década

Na TI Sawré Muybu, às margens do rio Tapajós, a realidade é semelhante. Em 2016, a gestão da então prefeita de Itaituba Eliene Nunes (PSD) iniciou a construção de uma escola para atender os estudantes do povo Munduruku, mas o projeto foi abandonado antes da conclusão.

A comunicadora indígena Aldira Akai Munduruku, do Coletivo Daje Kapap Eypi, explica que, desde então, a comunidade tem que improvisar salas de aula em barracões de palha para atender 48 estudantes. Ela diz que a comunidade aguarda há anos pela continuidade das obras, mas até hoje não há sinal de quando a construção será concluída.

Para o cacique Juarez Saw, a situação é crítica: “A obra está parada há oito anos. O prédio foi coberto, mas já está caindo, com telhas quebradas”.

A situação em relação ao ensino médio também é delicada. Em outras aldeias Munduruku, estruturas escolares foram iniciadas, mas não finalizadas. “Na nossa aldeia, não temos sequer a promessa de uma escola de ensino médio”, lamenta Juarez, destacando a carência de estrutura para atender os estudantes de séries mais avançadas.

“Precisamos de escolas para nossos jovens, mas as promessas são sempre adiadas”, complementa Alessandra Korap Munduruku.

Apesar das condições precárias, as lideranças indígenas têm mantido esforços para garantir que as aulas continuem. Honésio Dace Munduruku, professor e secretário da Associação dos Servidores da Educação Escolar Indígena do Médio Tapajós, afirma que as aulas na aldeia Sawré Muybu foram improvisadas em um barracão comunitário, além de usarem também algumas salas da escola em construção. Uma merendeira e um auxiliar de serviços gerais dão apoio às atividades.

Em setembro deste ano, ele participou de uma reunião com autoridades federais e estaduais, incluindo representantes do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação) e da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), na qual discutiram a retomada do projeto de construção. Até o momento, porém, a comunidade não recebeu uma resposta.

A coordenadora de Educação Multirracial da Secretaria Municipal de Educação de Itaituba, Maria da Conceição Pires da Silva, afirma que, mesmo improvisada, a escola na aldeia está regularizada. “A escola é formal sim, os professores são pagos, só não tem estrutura”, diz Conceição.

A prefeitura de Itaituba foi procurada, mas não retornou até a publicação da reportagem. O espaço segue aberto a manifestações.

        Na Terra Indígena Alto Rio Guamá, faltam professores e profissionais de apoio

Outro ponto de preocupação das lideranças é a legislação estadual que regula a contratação de profissionais de educação para as escolas indígenas. Kamirã Tembé Tenetehara, cacique da aldeia São Pedro, na Terra Indígena Alto Rio Guamá, critica a lei 10.046/23, que, segundo ele, dificulta a contratação de profissionais de apoio, como merendeiras, auxiliares de serviços gerais e orientadores educacionais, essenciais para o funcionamento das escolas.

“Essa lei foi discutida com o movimento indígena para garantir direitos, mas não contempla profissionais de apoio. Isso gera um caos na educação escolar indígena, pois precisamos desses serviços para que as escolas funcionem bem”, pontua o cacique.

Diante dessa situação, Kamirã enviou ofícios à Secretaria dos Povos Indígenas do Pará, à Alepa (Assembleia Legislativa do estado), à PGE (Procuradoria Geral do Estado), à Casa Civil e ao MPF (Ministério Público Federal), solicitando a revisão da lei para incluir esses trabalhadores.

O interesse dos Tembé se deve também ao fato de eles enfrentarem contínuos problemas para contratação de profissionais. Em outubro de 2022, o MPF ingressou com uma ação civil pública exigindo a contratação de professores para suprir a carência nas escolas da Terra Indígena Alto Rio Guamá.

Segundo a ação, várias escolas indígenas estavam sem professores a apenas três meses do fim do ano letivo, o que comprometeria o desenvolvimento educacional dos estudantes. Em resposta, a Seduc informou na época que os contratos dos professores indígenas seriam renovados em janeiro de 2023, mas a situação ainda não foi resolvida.

A Constituição Federal de 1988 e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) garantem o direito à educação diferenciada para os povos indígenas, incluindo o uso das línguas maternas e o respeito às tradições e processos de ensino próprios de cada comunidade. No entanto, as lideranças relatam que as políticas públicas não têm sido suficientes para garantir esses direitos.

O cacique relembra que a primeira experiência com a educação escolar indígena no Pará aconteceu na década de 1980, quando o povo Parkatêjê iniciou um projeto em parceria com o estado, criando a primeira escola indígena. “A nossa reivindicação é pela melhoria física e pedagógica das escolas, para que, de fato, a gente possa ter uma educação de qualidade”, ressalta o cacique.

 

Fonte: Repórter Brasil

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