Pólio e sarampo:
como imunização em escolas pode ajudar a reverter queda da cobertura vacinal
As
campanhas de vacinação contra o sarampo e a poliomielite começam no mês de maio
e vão estar disponíveis em escolas públicas — uma estratégia dos Ministérios da
Saúde e da Educação com o objetivo de tentar recuperar parte da cobertura da
imunização contra as doenças, que ficou muito abaixo do esperado em 2022.
Para
a poliomielite, a faixa de cobertura vacinal recomendada é de 80%. No ano
passado, mesmo com a prorrogação da campanha, o reforço da vacina chegou a
somente 54% das crianças brasileiras entre um e quatro anos.
Já
contra o sarampo, apenas 47,08% das crianças receberam o imunizante em 2022,
sendo que a meta de cobertura vacinal é 95%.
Em
2016, o Brasil recebeu o certificado de país livre do sarampo pela (Organização
Pan-Americana da Saúde), mas o perdeu em 2019, após a confirmação de um caso da
doença no Pará.
No
ano passado, casos em São Paulo
reacenderam o alerta para a importância da proteção contra a doença.
Em
resposta à BBC News Brasil, o Ministério da Saúde afirmou que vai reforçar o
Programa Saúde na Escola, mas ainda não há detalhes de quais serão as
estratégias usadas para isso.
Embora
o público-alvo sejam crianças menores de cinco anos de idade, a ideia do plano
é alcançar também aquelas que estão com as doses atrasadas.
O
sucesso da vacinação em escolas em campanhas anteriores
A
eficácia dessa estratégia varia de acordo com o contexto e a doença em questão,
mas há evidências de que ela pode ser bastante efetiva em aumentar a cobertura
vacinal.
No
Brasil, por exemplo, a vacinação em escolas públicas foi responsável por
aumentar a cobertura vacinal contra a poliomielite, em 2011, protegendo
crianças de 5 a 6 anos, e um ano antes, contra a meningite C, esta campanha
focada em jovens de 11 a 19 anos.
Em
2014, outro exemplo de sucesso bastante celebrado entre os médicos: o
Ministério da Saúde lançou a campanha de vacinação contra o HPV em escolas
públicas para meninas de 11 a 13 anos, as doses eram dadas dentro do ambiente
escolar, e a primeira dose teve adesão de 92% na época.
"Depois,
na segunda dose, já caiu bastante, mas quando passou para o ambiente de postos
de saúde, no ano seguinte, caiu ainda mais", disse a oncologista clínica
Andréa Guimarães, coordenadora do Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos
(EVA) à BBC News Brasil em uma reportagem sobre o HPV, explicando que, para o
público jovem, levar a imunização até eles é considerada uma boa estratégia
para aumentar a adesão, mas que requer um planejamento forte de logística.
Em
2017, a campanha foi estendida para meninos de 12 a 13 anos. Dados levantados
pelo Grupo Brasileiro de Tumores Ginecológicos (EVA) no DataSUS, do Ministério
da Saúde, indicam que 72% menos meninas e 52% menos meninos foram imunizados,
após o primeiro ano de vacinação no Brasil (entre 2015 e 2021 e 2018 e 2021,
respectivamente).
·
A
confiança na vacinação em escolas
Pelo
menos 6 em cada 10 mães brasileiras relatam que já atrasaram a vacinação dos
filhos ou deixaram de imunizá-los por motivos como falta de tempo, distância
entre sua casa e o local da aplicação, perda da carteirinha ou dificuldades
para lembrar das datas das doses.
Os
dados são de uma pesquisa recente conduzida pelo Instituto Locomotiva a pedido
da Pfizer, com a participação de 2 mil mães de crianças e adolescentes com
idade até 15 anos nas cinco regiões do Brasil. A pesquisa considerou as mães
como as principais responsáveis pela saúde dos filhos.
Entre
as entrevistadas, 68% disseram já terem se sentido confusas sobre a imunização
dos filhos, 39% já deixaram de vacinar por dificuldades de chegar aos postos e
56% relatam que já acabaram esquecendo as datas de vacinação dos filhos.
Cerca
de 35% das participantes indicam que já atrasaram a vacinação dos filhos ou
deixaram de imunizá-los por residirem longe do local de vacinação, e essa taxa
sobe para 41% entre aquelas das classes D/E, chegando a 51% na região Norte.
Também são as mães nortistas as que mais relatam a experiência de perder um dia
de trabalho para poder levar a criança para se vacinar.
"Esse
[o Programa Nacional de Imunização] é o maior programa de inclusão social do
Brasil - está disponível para todos. Mas quando se olha de perto, reconhecemos
que não é bem assim, não está chegando para todos de fato. A pandemia absolutamente
escancarou a maneira que há problemas no acesso da saúde e educação",
avalia Renato Kfouri, pediatra e presidente do departamento de imunologia da
Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Na
sequência, a pesquisa oferece a imunização nas escolas como uma possível
solução - e as respostas demonstram uma alta aceitação entre as participantes.
Oito
em cada dez mães concordaram com a frase "seria muito prático se a
vacinação do/da meu/minha filho/filha pudesse ocorrer dentro da escola";
91% das mães afirmam que provavelmente autorizariam os filhos a receber as
doses na escola. Entre elas, três em cada quatro dizem que a decisão
independeria, inclusive, do tipo de vacina administrada.
Os
desafios da vacinação em escolas
"Os
motivos que fazem as classes menos favorecidas do país não se vacinar não são
os mesmos motivos das classes mais altas. Entre as famílias mais pobres, falta
o acesso ao local, dinheiro para transporte, informação. Ainda falta muita
gente nas classes mais elevadas. O que falta é confiança nas vacinas e a
percepção de risco [do que pode acontecer à uma criança não vacinada]",
aponta Kfouri.
Também
é importante lembrar que a estratégia é focada em parte específica da
população, já que as crianças brasileiras começam a frequentar escolas aos
quatro anos de idade.
"Ela
não aumenta, por exemplo, a imunização no primeiro ano de vida, que também é
fundamental", comenta o pediatra Renato Kfouri, presidente do Departamento
Científico de Imunizações da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).
Outro
desafio, na avaliação de Kfouri, é o investimento financeiro.
"É
preciso o Ministério estabelecer que essa realmente é uma prioridade do ponto
vista de investimentos. Para funcionar, equipes das unidades de saúde precisam
ser deslocadas, e esses profissionais precisam de transporte e substitutos, por
exemplo. A gente não vai sair desse lugar com todas as ideias maravilhosas que
a gente possa ter e o reconhecimento de todos os problemas existentes se não
tiver verba destinada à estratégia."
Fonte:
BBC News Brasil
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