O papel da Europa
para tentar conter a violência no Sudão
Diante
da violência que eclodiu no Sudão por causa dos
embates entre 2 grupos militares rivais, a onda de manifestações que, em 2019,
exigiu a deposição do
ditador Omar al-Bashir parece parte
de um passado distante.
Embaixadas
e organizações internacionais ainda tentam retirar seu pessoal
do país, mas muitos já se perguntam o que podem fazer para evitar que a
violência resulte em uma guerra civil que pode se mostrar devastadora.
Em
24 de abril, ministros do Exterior da União Europeia, reunidos em Luxemburgo,
falaram a jornalistas sobre os esforços de seus países para retirar cidadãos do
Sudão. Mas alguns foram além.
·
UE
pode fazer mais
O
chefe da diplomacia do bloco, Josep Borrell, apelou às duas
partes, lideradas pelo general Abdel Fattah al-Burhan, das Forças
Armadas, e Mohammed Hamdan Dagalo, do grupo
paramilitar RSF (Forças de Apoio Rápido), a considerarem baixar as armas e
negociar. “É necessário parar a guerra, baixar as armas e começar a
conversar e a procurar uma solução política porque não há uma solução militar“,
disse Borrell.
O
ministro do Exterior da Finlândia, Pekka Haavisto, disse que não é
justo que todos os estrangeiros deixem o Sudão em um momento como esse e
alertou que a Rússia pode ocupar o
espaço vago. “Se sairmos [do Ocidente], também deixamos
espaço para soldados do [Grupo] Wagner e da Rússia
jogarem o jogo deles“, declarou, em referência ao grupo privado de
mercenários do empresário russo Yevgeny Prigozhin, ligado ao
presidente Vladimir Putin. “Penso que a
Europa deve elevar seu papel no Sudão“, disse Haavisto.
O
ministro da Finlândia disse que a União Europeia deve assistir não apenas seus
cidadãos, mas também os residentes de Cartum, capital sudanesa. “A UE pode
fazer mais“, afirmou.
·
Próximos
passos
O
especialista Theodore Murphy, do Conselho Europeu de Relações Externas,
observou que não apenas a Rússia, mas vários outros países têm interesses no
Sudão.
“Acho
que não é producente encarar isso como envolvendo apenas a Rússia. Soldados do
Wagner, que sabidamente atuam em vários países instáveis da África, já
estão há algum tempo no Sudão, apoiando as Forças de Apoio Rápido“, disse.
Ele
acrescentou que todos os vizinhos do Sudão têm grandes interesses no destino do
país, assim como os Emirados Árabes Unidos e a Arábia Saudita.
Há
temores de que o conflito possa ultrapassar as fronteiras e se alastrar por
outros países, criando instabilidade regional e econômica, bem como uma grande
onda de refugiados.
A
União Europeia criticou o golpe de Estado de 2021, mas manteve relações com os
líderes de fato do país ao mesmo tempo que sublinhou seu apoio a um governo
civil e democrático.
Murphy
afirmou que, encerradas as retiradas de pessoal, o foco dos atores
internacionais deveria ser um cessar-fogo que permita o ingresso de ajuda
humanitária às pessoas mais vulneráveis.
Depois,
a UE, junto com seus parceiros, deveria avaliar qual influência tem sobre as
partes beligerantes e como exercê-la.
·
A
favor dos civis
A
União Europeia tem sido criticada por financiar projetos supostamente voltados
a controlar a migração oriunda da região.
O
Processo de Cartum, um fórum sobre migração entre a União Europeia e países do
Chifre da África, incluindo o Sudão, começou ainda na ditadura de Al-Bashir,
que governou o país de 1989 a 2019.
A
emissora do Qatar Al Jazeera citou Dagalo
–que já foi acusado pela ONG de direitos humanos Human Rights Watch de supervisionar abusos de
civis, incluindo tortura, assassinatos extrajudiciais e estupros em massa–
afirmando que as Forças de Apoio Rápido estiveram envolvidas nas tentativas da
União Europeia de parar a migração.
“A
UE sempre afirmou que não financiou diretamente as Forças de Apoio Rápido, o
que pode mesmo ser verdade“, comentou o especialista Gerrit Kurtz, do SWP (Instituto Alemão para Relações
Internacionais e de Segurança, na sigla em alemão). “Mas países-membros
aparentemente cooperaram com elas“.
Al-Burhan
e Dagalo se uniram para derrubar Al-Bashir em 2019 e se uniram novamente em
2021 para afastar o governo civil. Por fim, voltaram-se um contra o outro em
uma ferrenha luta pelo poder.
Kurtz
observou que a UE, nos seus esforços de paz, deveria valorizar o papel central
que as instituições civis têm nos processos políticos e não permitir que sejam
os generais a ditarem termos e condições.
Ø
Conflito
no Sudão leva 100 mil a fugirem pela fronteira e ameaça crise regional
O
conflito no Sudão já provocou a fuga de aproximadamente 100 mil pessoas pelas
fronteiras e está criando uma crise humanitária que pode se estender para
outros países, alertou nesta terça (2) as Nações Unidas. No total, 528 mortes
foram confirmadas desde que os combates iniciaram, no último dia 15.
Segundo
a ONU, o conflito pode se transformar em um desastre ainda maior, uma vez que
os vizinhos já lidam com crises de refugiados e os combates dificultam a
entrega de ajuda no Sudão, um dos países mais pobres do mundo e onde dois
terços dos 45 milhões de habitantes dependem de algum tipo de auxílio externo.
Os
alertas foram feitos enquanto tiros e explosões ecoavam na capital, Cartum,
após várias tentativas fracassadas de cessar-fogo entre as forças do Exército
sudanês, lideradas pelo general Fatah al-Burhan, e do grupo paramilitar RSF
(Forças de Apoio Rápido), comandadas pelo também general Mohamed Hamdan Dagalo,
conhecido como Hemedti.
Ao
manifestar preocupação com uma expansão da crise, o presidente do Egito,
Abdel-Fattah al-Sisi, disse que o Cairo forneceria apoio ao diálogo. Ao mesmo
tempo, ele se mostrou cauteloso e disse que estava tendo cuidado para não
interferir nos assuntos domésticos do país vizinho.
"Toda
a região pode ser afetada", afirmou al-Sisi nesta terça, quando um
representante do Exército sudanês se reuniu com autoridades egípcias no Cairo
para discutir o conflito.
Diante
das dificuldades, funcionários das Nações Unidas informaram que o coordenador
de ajuda emergencial da ONU, Martin Griffiths, pretendia visitar o Sudão nos
próximos dias, segundo a agência de notícias Reuters. Já o Programa Mundial de
Alimentos informou nesta segunda (1º) que estava retomando o trabalho nas áreas
mais seguras do país —a agência havia
interrompido a operação por questões de segurança
no começo do conflito, quando três funcionários
foram mortos.
"O
risco é que não seja apenas uma crise no Sudão, mas uma crise regional",
reforçou Michael Dunford, diretor do Programa Mundial de Alimentos para a
África Oriental.
Na
terceira semana do conflito, os líderes dos grupos rivais não mostram sinais de
recuo, tampouco parecem capazes de garantir uma vitória rápida. Isso aumenta os
temores de um conflito prolongado, além da interferência de forças externas.
Ø
Combates
prosseguem apesar da trégua no Sudão, com situação humanitária no limite
Bombardeios,
tiros e explosões voltaram a sacudir o Sudão nesta segunda-feira (1), apesar da
nova trégua, anunciada pelo exército e por paramilitares, deixando a situação
humanitária do país africano à beira do colapso, alertou a ONU.
“Aviões
de combates sobrevoam” a capital, Cartum, com cinco milhões de habitantes, e em
vários bairros são ouvidos explosões e tiros, disseram testemunhas à AFP.
Milhões
de sudaneses permanecem entrincheirados em suas casas desde que teve início, em
15 de abril, uma guerra pelo poder entre o exército do general Abdel Fatah al
Burhan e os paramilitares das Forças de Apoio Rápido (FAR), lideradas pelo
general Mohamed Hamdan Daglo.
“A
escala e a rapidez com que os eventos se desenvolvem no Sudão (são) sem
precedentes”, alertou no domingo a ONU, que enviou seu encarregado de assuntos
humanitários, Martin Griffiths, à região.
“Estou
a caminho (…) para estudar como podemos dar ajuda imediata” aos moradores,
declarou Griffiths, que assegurou que “a situação humanitária está chegando ao
limite”.
O
saque maciço a escritórios e armazéns humanitários “esgotou a maior parte de
nossos estoques”, acrescentou. “Buscamos meios rápidos para entregar e
distribuir” suprimentos adicionais, explicou o alto funcionário da ONU em um
comunicado.
Neste
contexto, o Programa Mundial de Alimentos levantou “imediatamente” a suspensão
de suas atividades, que tinha sido determinada após a morte de três
funcionários.
Horas
antes do vencimento, à meia-noite de domingo (19h de Brasília), de um
cessar-fogo de três dias, Burhan e Daglo acordaram prorrogar uma trégua,
alcançada com a mediação dos Estados Unidos e da Arábia Saudita.
Mas,
desde o começo do conflito, foram anunciadas várias tréguas, que foram violadas
imediatamente depois. Segundo os especialistas, estas tréguas garantem a
manutenção de corredores seguros para a evacuação de estrangeiros e a
continuidade das negociações, que são realizadas no exterior.
Até
agora, os dois generais se recusam a participar de negociações diretas.
–
Milhares de deslocados –
Até
agora, os combates deixaram 528 mortos e 4.599 feridos, segundo números
oficiais, considerados muito abaixo do balanço real.
Um
primeiro avião com oito toneladas de ajuda conseguiu pousar no domingo em Porto
Sudão, 850 km ao leste de Cartum, segundo o Comitê Internacional da Cruz Vermelha.
A
ONG Médicos sem Fronteiras (MSF) suspendeu “a quase totalidade de suas
atividades” devido à violência.
Segundo
a ONU, 75.000 pessoas tiveram que fugir para outras regiões do país e outras
milhares para países vizinhos, como o Chade e o Sudão do Sul.
No
total, até 270.000 pessoas poderiam ter que fugir dos combates neste país de 45
milhões de habitantes, de acordo com estimativas da ONU.
–
Situação “insustentável” –
Os
habitantes que não conseguiram fugir, tentam sobreviver em meio à falta de
comida, água e eletricidade.
As
autoridades do estado de Cartum deram permissão para os funcionários públicos
da cidade não irem ao trabalho “até nova ordem” e a polícia se mobiliza para
impedir novos saques.
A
maioria dos hospitais do país está fora de serviço e naqueles que estão
abertos, “a situação é insustentável” porque não há material, segundo Majzub
Saad Ibrahim, um médico em Ad Damir, ao norte de Cartum.
A
Liga Árabe se reúne nesta segunda, no Egito, para “discutir sobre o Sudão”.
Os
Emirados Árabes Unidos, aliados do general Daglo, segundo os especialistas,
anunciaram ter feito contato com o chefe do exército. O ministro saudita das
Relações Exteriores recebeu no domingo um emissário do general Burhan.
Além
disso, a Arábia Saudita pediu uma reunião na quarta-feira da Organização de
Cooperação Islâmica.
Para
especialistas do Carnegie Middle East Center, Daglo tenta ganhar tempo: “quanto
mais tempo puder manter suas posições em Cartum, maior será seu peso na mesa de
negociações”.
Segundo
a ONU, cerca de cem pessoas morreram em Darfur do Oeste, uma região que ainda
está muito marcada pela guerra civil da década de 2000.
O
secretário-geral da ONU, António Guterres, alertou para uma situação
“terrível”, com “tribos que, agora, tentam se armar”.
Fonte: Deutsche Welle/FolhaPress/IstoÉ Dinheiro
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