Incentivos de
Bolsonaro à exploração da Amazônia desafiam governo Lula
"Infelizmente,
a primeira notícia é a mais forte." É assim que Marcelo Cwerner, um dos
quatro brigadistas voluntários de Alter do Chão (PA) presos pela Polícia Civil
do Pará no final de 2019, sob a acusação de incendiar uma APA (Área de Proteção
Ambiental), percebe ainda hoje o estrago em sua reputação causado pelo
episódio.
Já
no dia seguinte ao anúncio da prisão, a Folha de S.Paulo revelou que o
inquérito policial não trazia evidências para a acusação. Dois dias depois, o
governador do Pará, Helder Barbalho (MDB), trocou o delegado do caso e os
brigadistas foram soltos.
O
caso subiu para a Polícia Federal com outra linha de investigação e, em pouco
mais de um ano, foi arquivado pela Justiça Federal.
Ainda
assim, quatro anos depois, os brigadistas continuam a lidar com boatos que se
multiplicam nas ruas de Alter do Chão —onde moram três dos quatro acusados— e
voltam a repercutir até mesmo em suas casas, quando recebem um prestador de
serviço, ou no trabalho.
"Há
alguns meses fui fazer um curso da Marinha e o professor citou os ‘brigadistas
que tocaram fogo em Alter’, sem saber que eu era um deles", conta João
Romano, brigadista que também foi preso.
Na
Capadócia, parte da APA Alter do Chão atingida pelos incêndios, é fácil chegar
até os locais que queimaram: placas de venda de terrenos orientam o caminho.
Próxima a uma praia movimentada, a área do incêndio está "limpa",
desprovida de vegetação, e loteada.
A
ação de grileiros já era a principal suspeita do Ministério Público Federal na
época dos incêndios, embora a investigação não tenha chegado a acusações.
Esclarecida
pela imprensa, a desinformação sobre o caso começou com costas quentes. O então
presidente Jair Bolsonaro (PL) já havia culpado ONGs ambientalistas por
incêndios na Amazônia em setembro de 2019 —quando a crise das queimadas ganhou
proporções internacionais e a Polícia Civil do Pará deu início à investigação
do incêndio na APA Alter do Chão.
No
final daquele ano, Bolsonaro ainda elogiou o inquérito da Polícia Civil do
Pará, criticou a soltura dos brigadistas e envolveu até o ator Leonardo
DiCaprio em acusações sem provas —de que seria financiador de ONGs que
queimariam a floresta para afetar a imagem do governo.
Na
Amazônia, os ataques a ambientalistas compõem o tripé da estratégia
antiambiental bolsonarista, que persiste no tempo e se coloca entre os
obstáculos do governo Lula (PT). Além da perseguição a ambientalistas, o tripé
contou com o apoio político a atividades ilegais e com as "boiadas"
—apelido dado pelo então ministro Ricardo Salles (Meio Ambiente) para a desregulamentação
de normas.
O
desafio imposto à nova gestão implica sair do atual patamar de 11 mil km2 de
desmate anual e retornar para taxas anteriores de 7.000 km2 e 4.500 km2, rumo
ao desmatamento zero no final da década.
As
ações no período Bolsonaro tiveram repercussão global. De 2019 para cá, o mundo
assistiu, além da prisão de brigadistas voluntários acusados de causar os
incêndios que combatiam, à ida a campo de Salles para liberar madeira
apreendida pela Polícia Federal, no início de 2021. Outro destaque do período,
em janeiro de 2022, foram as imagens da mudança de cor do rio Tapajós,
contaminado pelo garimpo.
Esses
três escândalos se concentraram na região do Baixo Tapajós, no Pará. A
reportagem percorreu a região, entre os municípios de Santarém e Itaituba, para
ouvir as perspectivas de quem convive com a exploração da madeira, do ouro e da
terra.
Partindo
de lancha de Santarém, as águas se estreitam quando deixam a imensidão do rio
Tapajós para adentrar as curvas do rio Arapiuns até a vila de Cachoeira do
Aruã. Na viagem, de cerca de quatro horas, passa-se por balsas carregadas de
madeira e por um porto usado por madeireiras.
Desde
a operação Handroanthus, da Polícia Federal, que em novembro de 2020 apreendeu
130 mil metros cúbicos de madeira suspeita de extração ilegal —volume que a fez
ser considerada a maior operação já feita nesse setor—, os madeireiros da
região ficaram ariscos, disse, em condição de anonimato, uma das pessoas que
receberam a reportagem em Cachoeira do Aruã.
No
início daquele ano, Salles extinguiu a autorização ambiental para exportação de
madeira, a pedido de associações de madeireiras. A decisão o transformou em
alvo de investigação da Polícia Federal e o levou a deixar o cargo em junho de
2021.
Dois
meses antes, o então ministro ainda foi até a região de Cachoeira do Aruã e
defendeu publicamente a legalidade de toras de madeiras apreendidas pela PF.
O
desafio da rastreabilidade da madeira ilegal está no "esquentamento"
de cargas que pegam carona em lotes regulares, com informações adulteradas
sobre a origem da exploração.
Cachoeira
do Aruã fica na divisa da gleba Nova Olinda com a Reserva Extrativista (Resex)
Tapajós-Arapiuns. A área protegida convive com a invasão de madeireiros
ilegais.
"A
política do setor madeireiro é assim: o papel de fiscalizar não é meu, até pelo
risco de vida. É um setor em que a gente tem histórico de assassinatos, então
não há uma denúncia abundante", diz o engenheiro florestal Murilo Moda,
dono da Ampe Ambiental, empresa responsável pelos projetos de manejo e licenças
ambientais de 9 das 11 madeireiras em operação em Cachoeira do Aruã.
Seu
escritório é a única representação das madeireiras na vila. Em volta dele,
jovens se reúnem para se conectar à internet pela rede da empresa. Para além do
ponto de wifi, a Ampe é vista como parceira por boa parte da comunidade.
Em
conversas com a reportagem, os moradores citam benefícios como asfalto, a
construção de uma escola (financiada em parte por projetos de manejo) em área
mais afastada, além da movimentação do comércio local e a oportunidade de
trabalhos temporários na estação seca, para extração da madeira.
Até
mesmo um banheiro de alvenaria, construído em uma casa de madeira que serve
almoços para os madeireiros, foi feito pelo setor e estampa, logo acima da
porta, a marca da Ampe.
"Aqui
o Estado não chega, então a comunidade tem um desenvolvimento melhor com as
empresas. E elas também exigem contrapartidas sociais, não tem mais comunidade
bobinha", diz Moda.
Fora
da vila, porém, o clima de cooperação entre a comunidade e as madeireiras ganha
outro nome.
"O
que acontece ali chama aliciamento. As comunidades são bastante manipuladas.
Acham que a exploração da madeira vai trazer infraestrutura e isso não
acontece", afirma Ian Camará, 22, enquanto varre o chão do quintal da sua
casa na aldeia Camará.
Parte
do assentamento extrativista Lago Grande, a comunidade é uma das poucas que
recusaram a exploração madeireira na região das margens do Arapiuns.
"[A
atividade] muda a temperatura da água, a cor, a quantidade de peixes, além de
descartar no rio casca de madeira e óleo", descreve Ian, que integra o
grupo ativista Guardiões do Bem Viver e tem puxado "rabetaços",
protestos em rabetas (canoas motorizadas), contra madeireiras.
Se
em Cachoeira do Aruã a madeira domina as atividades, em Itaituba, a
"cidade pepita", o garimpo é o destaque. O município, a 368 km de
Santarém pela rodovia Transamazônica, concentra boa parte das concessões de
lavras garimpeiras do país.
Itaituba
vive uma explosão do garimpo impulsionada, segundo o prefeito Valmir Climaco
(MDB), pela adoção de máquinas retroescavadeiras, na última década, e pelo
aumento do preço do ouro, especialmente de 2020 para cá.
Na
cidade, são comuns as lojas de equipamentos para garimpo e as agências de
compra de ouro. Nos carros, o adesivo "Garimpeiro não é bandido, é
trabalhador" pode ser visto com frequência.
Na
virada para 2022, a lama movimentada pelo garimpo tornou barrentas as águas,
geralmente cristalinas, do rio Tapajós. As imagens do rio contaminado na região
turística de Alter do Chão, conhecida como caribe amazônico, foram destaque na
mídia internacional.
As
licenças ambientais do município para o garimpo facilitam o
"esquentamento" da exploração ilegal. Segundo estudo da UFMG
(Universidade Federal de Minas Gerais) em cooperação com o MPF (Ministério
Público Federal), a região de Itaituba foi origem de 81% do ouro ilegal
explorado no país 2019 e 2020.
A
prefeitura publicou uma nova instrução normativa relativa ao licenciamento um
mês após a operação Caribe Amazônico, da Polícia Federal, ter destruído 21
escavadeiras em garimpos ilegais em Itaituba e Jacareacanga, em fevereiro de
2022.
"Agora
toda vez que vamos dar uma licença, nós mandamos para o ICMBio [Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade] dar o aval", diz Climaco, que
também é dono de garimpo, madeireiro e fazendeiro. "Reconheço que algum
ouro tirado de terra indígena se legaliza com as licenças que nós damos."
Apesar
do reforço normativo, Climaco sinaliza que a "cidade pepita" manterá
a tradição.
"O
mercúrio não contamina ninguém. Essa cor de água barrenta que você está vendo
aí não tem nada a ver com mercúrio", diz.
Na Agrishow, Bolsonaro manda indireta
para Lula e faz discurso para o agro
O
ex-presidente da República Jair Bolsonaro (PL) chegou na manhã desta
segunda-feira, 1º de maio, à principal feira de tecnologia agrícola do País, a
Agrishow, realizada em Ribeirão Preto (SP). Bolsonaro entrou no evento
acompanhado do governador paulista Tarcísio de Freitas (Republicanos), que deve
entregar títulos de revitalização fundiária, tratores e assinar títulos de
assentamento estadual.
A
Agrishow é um reduto eleitoral do ex-presidente, que ainda mantém fortes
ligações com o setor, ele foi saudado algumas vezes com o grito de
"mito". Bolsonaro aproveitou a passagem pelo evento para acenar com o
agro dizendo que o setor precisa de políticos que não atrapalhem o setor como
fez "ao longo do seu mandato, com seus ministros" e criticou o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) por assinar a demarcação de terras
indígenas.
"Vocês
devem saber que há 400 pedidos de demarcações de terras indígenas e pelo menos
3.500 de quilombolas. E aquele cara disse que faria o possível para atender os
anseios das comunidades. Se 10% forem atendidos, para onde irá nosso agro? Peço
a Deus para isso não acontecer", declarou o ex-presidente.
Em
seu discurso, Tarcísio disse que "não é mistério para ninguém a
gratidão" que tem pelo ex-presidente: "Sempre trouxe para sua equipe
os louros, sempre deu o crédito para aqueles que o acompanhavam". O
governador de São Paulo ainda afirmou que não vai tolerar invasões de
propriedades privadas no Estado.
Conflito
na Agrishow
A
presença de Bolsonaro no evento foi motivo de atrito entre a organização da
feira e membros do governo federal. O ministro da Agricultura, Carlos Fávaro,
afirmou que a organização do evento sugeriu a ele que fosse apenas no segundo
dia do evento, para evitar constrangimentos diante da presença de Bolsonaro na
abertura. O gesto foi recebido no Palácio do Planalto como uma "descortesia"
e como demonstração de uma priorização do ex-presidente.
Tradicionalmente,
a feira recebia autoridades oficiais do governo na abertura. No começo deste
mês, quando perguntada em coletiva de imprensa sobre a presença desses
interlocutores, inclusive para articulação sobre crédito, a organização da
feira mencionou a expectativa de presença do ministro da Agricultura ou do
vice-presidente, Geraldo Alckmin.
Fonte:
FolhaPress/Agencia Estado
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