Estados Unidos: a
direita com rótulo diferente
A
política norte-americana situa-se cada vez mais à direita, em especial entre os
adeptos republicanos. Nenhuma das duas grandes agremiações se dispõe a frear o
deslocamento, ainda que uns considerem, posto que equivocados, os democratas
localizados à esquerda.
Isso
seria possível se fosse observado o posicionamento republicano, hoje de maneira
predominante de ultradireita, como se fosse apenas de centro-direita. Todavia,
análise além da superfície do contexto estadunidense esvai a avaliação.
Como
exemplo do enfraquecimento de sociedade com perfil supostamente
socialdemocrata, basta evocar os índices oficiais de desigualdade no século 21.
É
concebível vislumbrar um e outro parlamentar na esfera progressista, porém a
maioria do partido, representada na Casa Branca, distancia-se da prática,
conquanto se valha de discursos constantes nesse rumo. A postura não é inédita,
nem única, uma vez que se repete ao redor do mundo como em países da América do
Sul.
Siglas
constituídas na Guerra Fria, onde predominava a rivalidade bipolar, ou mesmo
antes já não representam a realidade da posição das direções partidárias
atuais, desejosas de se instalar no poder – quer executivo, quer legislativo -
ou nele se conservar.
Destarte,
não se importam as lideranças com o caráter das alianças eleitorais, alicerçado
na manutenção do status quo econômico e, portanto, desfavorável à parcela mais
desapercebida da população. Na retórica a votantes, maquila-se a característica
conservadora.
Após
o fim da discórdia amero-soviética, parcela da antiga esquerda anunciar-se-ia
como Terceira Via, uma amálgama em tese de virtudes do capitalismo e do
socialismo; no entanto, seria o modo disfarçado de aderir ao ideário de direita
– o neoliberalismo - embora não de forma total ou com ritmo menos acelerado
como nos Estados Unidos democratas, no Brasil socialdemocrata ou na
Grã-Bretanha trabalhista durante a década de 90.
Pouco
depois, a ultradireita se consolidaria como neoconservadora à feição
norte-americana. O dístico de via alternativa ou de equilíbrio se esboroaria,
em decorrência da insuficiência de resultados sociais positivos.
Entre
o final dos anos 90 e o início dos do corrente milênio, expectativas de reação
estruturada ao pêndulo deslocado à direita adviriam; citem-se a França do
socialismo, o Brasil do trabalhismo ou a Venezuela do bolivarianismo. Nenhuma
delas iria no seu ápice abalar a base do capitalismo neoliberal; no máximo,
sacudi-lo de modo efêmero, ao reduzir de maneira modesta a desigualdade de
renda.
Contudo,
o invólucro da direita conservadora modifica-se em roda viva, ou seja, sem
pausa. Nos últimos anos, ela embala-se sob o rótulo do populismo republicano em
solo estadunidense, ao misturar nacionalismo em função da decepção com as
consequências econômicas da globalização e, ao mesmo tempo, intolerância com
seus contraditores, já não considerados meros opositores, porém inimigos
viscerais.
Assim,
equipara-se a arena política a campo de batalha, onde a intimidação – virtual
ou física – se torna frequente, de sorte que até invasão a um símbolo maior do
país como o Capitólio tenha ocorrido em janeiro de 2021. Com revestimento
populista, os republicanos propõem-se a voltar em 2024 à Casa Branca.
Aguarde-se o contraponto dos democratas.
Ø
Ameaça
do gigante chinês. Por Frei Betto
A
“Newsweek” noticiou que o ex-presidente Jimmy Carter recebeu telefonema de
Trump, preocupado com o crescimento geopolítico da China. Carter reagiu:
"Você tem medo que a China nos supere, e concordo com você. Sabe por que a
China nos superará? Eu normalizei relações diplomáticas com Pequim em 1979, e
desde aquela data sabe quantas vezes a China entrou em guerra com alguém?
Nenhuma, enquanto estamos constantemente em guerra. Os EUA são a nação mais
guerreira da história do mundo, querem impor aos Estados se submeterem ao nosso
governo e aos valores americanos em todo o Ocidente, e controlar as empresas
que dispõem de recursos energéticos em outros países. A China, no entanto,
investe seus recursos em projetos de infraestrutura, ferrovias de alta velocidade,
tecnologia 6G, inteligência robótica, universidades, hospitais, portos e
edifícios, em vez de usá-los em despesas militares. Quantos quilômetros de
ferrovias de alta velocidade temos em nosso país? Já desperdiçamos U$ 300
bilhões em despesas militares para submeter países que procuravam sair da nossa
hegemonia. A China não desperdiçou nenhum centavo em guerras e, por isso, nos
ultrapassa em quase todas as áreas. Se tivéssemos U$ 300 bilhões para instalar
infraestruturas, robôs e saúde pública nos EUA, teríamos trens bala
transoceânicos de alta velocidade. Teríamos pontes que não desabam, sistema de
saúde grátis para os americanos não se infectarem por Covid-19, quando se
infectaram mais conterrâneos do que qualquer outro país do mundo. Teríamos estradas
adequadas. Nosso sistema educativo seria tão bom quanto o da Coreia do Sul ou
Xangai".
Os
EUA estão gastando em orçamento militar, neste ano de 2023, quase US$ 800
bilhões. E mantêm mais de 700 bases militares ao redor do mundo. O orçamento
militar da China em 2023 não chega a US$ 300 bi e ela não dispõe de nenhuma
base militar fora de suas fronteiras.
Passei
um mês na China em 1988 e visitei oito províncias. Então, a China era chinesa.
Toda a população vestia a mesma roupa anil estilo Mao Tsé-tung e as diferenças
sociais não eram gritantes. Hoje, diz a anedota que, perguntado se atualmente o
sistema chinês é híbrido, o presidente Xi Jinping respondeu: “Sim, o Conselho
de Estado e o Birô Político são comunistas e, os demais, capitalistas”.
Os
chineses são pragmáticos. E o governo e as empresas, diante da necessidade
alheia, perguntam primeiro pela contrapartida antes do gesto de solidariedade.
É um povo autocentrado. A palavra China significa “país do meio”, o centro do
mundo. Vi nas escolas mapas-múndi nos quais o território chinês se destacava no
centro, assim como muitos mapas no Brasil são eurocentrados.
A
recente viagem de Lula a China incomodou a Casa Branca que, progressivamente,
perde sua hegemonia na América Latina. Sabem quantas vezes o presidente Biden
visitou a América do Sul? Nenhuma. Biden, infelizmente, se relaciona com o
nosso continente mais pautado por Trump do que por Obama. Este flexibilizou as
relações com Cuba, inclusive reatando relações diplomáticas, embora mantendo o
bloqueio, enquanto Trump adotou quase 300 medidas para apertar o bloqueio e
Biden não ousa revogá-las.
A
China é, hoje, o principal parceiro comercial do Brasil. É o país que mais
importa nossos produtos. Em 2022, as exportações brasileiras para a China
(incluindo Hong Kong e Macau) somaram 91,26 bilhões de dólares. O Brasil é o
quarto país no mundo onde a China mais investe. Responde por 5% do total. O
país asiático importou US$ 90 bilhões do Brasil em 2022 e exportou US$ 60
bilhões. As exportações do Brasil para os chineses somaram, no ano passado,
mais do que o total que o país vendeu para os EUA (US$ 37 bilhões) e a União
Europeia (US$ 50,8 bilhões).
Na
afirmação de nossa soberania, Lula decretou o fim do dólar como moeda de
comércio entre a China e o Brasil. E deu um “chega pra lá” no FMI e no Banco
Mundial ao valorizar o banco dos Brics, com sede em Xangai e, agora, presidido
por Dilma Rousseff.
Um
mundo multilateral favorece o surgimento de uma nova governança global, capaz
de assegurar a paz no planeta. Mas, para isso, é preciso que a União Europeia
dê o seu grito de independência em relação à Casa Branca e a ONU sofra uma
profunda reforma, a começar pela democratização de seu Conselho de Segurança.
Fonte:
Correio da Cidadania
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