Brasil volta ao
normal no mercado de trabalho
O
Banco Central decide dia 3 de maio a taxa Selic (13,75% ao ano) e os rumos da
política monetária nos próximos meses em meio a indicadores contraditórios na
economia. Enquanto a inflação em 12 meses cai a 4%, pela baixa dos preços dos
alimentos, e o mercado de trabalho reflete a desaceleração da economia, com
aumento do desemprego, o impacto da forte produção agropecuária no 1º
trimestre, com aumento de mais de 10% na supersafra de grãos, fez o IBC-Br (a
prévia do PIB do Banco Central) crescer 3,32% em fevereiro sobre janeiro,
quando caiu 0,04%. E acumular alta de 0,82%, em termos dessazonalizados, no
trimestre dezembro-janeiro e fevereiro. A inflação pode cair mais com a baixa
de 9,9% no preço do óleo diesel nas refinarias da Petrobras, a partir de
amanhã. Um empurrão para facilitar a movimentação da safra agrícola e aliviar o
transporte público.
A
contradição vem do cotejo dos números do Caged (Cadastro Geral de Empregados e
Desempregados), divulgados ontem pelo Ministério do Trabalho e Previdência, que
apresentou em março a criação líquida de 195,2 mil postos de trabalho formal,
quase 100 mil vagas acima das previsões do mercado, com os da Pesquisa Nacional
por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgada hoje pelo IBGE,
que apontou no trimestre janeiro-março aumento na taxa de desocupação para
8,8%, contra os 7,9% no último trimestre de 2022.
Os
dados do Caged refletem a efetiva movimentação do mercado de trabalho. Os da
PNAD do IBGE são uma amostragem da movimentação. Em ambos os casos deve ser
aplicada a desazonalidade dos dados apurados. O Caged mostrou no 1º trimestre a
criação de 526,2 mil postos de trabalho, uma queda de 87 mil vagas ante os
619,3 mil postos do 1º trimestre de 2022. Na PNAD, a taxa de desocupação de
8,8% no 1º trimestre é a menor desde os 8,0% de 2015. Mas o número de
desocupados aumentou em 860 mil pessoas e chegou a 9,4 milhões, enquanto a
população ocupada encolheu 1,6% no trimestre (1,5 milhões de pessoas), ficando
em 97,8 milhões.
A
explicação vem da coordenadora de Trabalho e Rendimento do IBGE, Adriana
Beringuy: todo começo de ano, quando uma multidão de jovens completa a faculdade
ou o ensino fundamental, cresce a procura de emprego, o que aumenta a taxa de
desocupação, pois o mercado de trabalho reage mais lentamente. Só em 2022 houve
exceção no comportamento, porque o setor de serviços, o que mais emprega na
economia, estava retomando as atividades. Assim, conclui Adriana Beringuy:
“Esse resultado do 1º trimestre pode indicar que o mercado de trabalho está
recuperando seus padrões de sazonalidade, após dois anos de movimentos
atípicos”.
Os
analistas econômicos usam argumentos da dinâmica da economia para sustentar uma
resiliência do mercado de trabalho. Concordo, mas acrescento algo mais: a
mudança de governo, com a posse de Lula, apesar de a Justiça do Trabalho não
ter retomado as sessões presenciais na sua plenitude (muitos julgamentos de
ações trabalhistas seguem sendo feitas por vídeo conferências, nas quais os
juízes favorecem majoritariamente os trabalhadores) levou muitos empresários da
área de serviços e da construção civil a registrarem os trabalhadores com
carteira assinada, o que engrossa as estatísticas do Caged, sem mudar o quadro
da PNAD Contínua.
Para
fazer jus ao Auxílio Brasil, muitos deles se recusavam a assinar carteira,
preferindo um contrato temporário durante o governo Bolsonaro. Quando o
contrato temporário terminava, muitos trabalhadores iam aos sindicatos
reivindicar horas-extras e uma série de direitos trabalhistas, sempre
exagerados pelos advogados, que levam de 20% a 30% da causa. No governo
Bolsonaro, a Justiça do Trabalho pendia mais para o lado dos patrões.
No
governo Lula, com o setor de serviços retomando o ritmo, está ocorrendo o
contrário: os juízes decidem a favor dos trabalhadores. Nesses julgamentos,
muitos patrões só conseguiram evitar a condenação ao provar o desfrute do
benefício social de emergência por parte do trabalhador (quem está recebendo
seguro-desemprego também não pode trabalhar com carteira assinada).
• Bradesco prevê PIB de 1,8% em 2023
Ao
analisar os dados da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS, com alta de 1,1% em
fevereiro) e de emprego formal, acima do esperado, o Departamento de Estudos
Econômicos do Bradesco concluiu que eles “são compatíveis com uma economia mais
resiliente neste início de ano”, o que seria confirmado pelos 3,32% do IBC-Br
de fevereiro. O Bradesco assinala que o crescimento do emprego nos mais
variados setores coloca “um viés positivo para o consumo ao longo do ano”, e
ressalta que “os dados da PMS apresentaram alta de 1,7% da atividade do setor
de serviços entre janeiro e fevereiro. O crescimento ocorreu na maioria dos
segmentos, com destaque para aqueles com maior correlação com o PIB”.
Com
base nessas informações, somadas a outros dados desta semana, o Bradesco
reforçou sua “visão mais construtiva com o crescimento econômico em 2023”,
passando a projetar crescimento de 1,8%”. A título de comparação, é um ponto
percentual acima dos 0,8% previstos pelo Santander.
• LCA vê Selic em 12% em dezembro
O
Itaú está prevendo apenas 1,1% de crescimento e a LCA Consultores, que está
prevendo alta de 1,3%. Mas o otimismo da LCA deriva da sua aposta de que a taxa
Selic, atualmente em 13,75% ao ano, começará a cair na reunião do Copom de 2 de
agosto para 13,50%. E descerá até 12% em dezembro.
• Benesses de Bolsonaro geram rombo fiscal
O
setor público consolidado registrou déficit primário de R$ 14,2 bilhões em
março, pior que todas as expectativas do mercado (o Itaú esperava superávit de
R$ 2,3 bilhões). O governo central teve déficit de R$ 7,1 bilhões, com menores
receitas não tributárias e maiores compensações e restituições. Contrariando as
expectativas do mercado, que previam ganhos, os governos regionais (estados e
municípios) tiveram déficit de R$ 4,6 bilhões.
A
surpresa dos números negativos serve para medir o estrago nas finanças públicas
causadas pelas benesses eleitoreiras de Paulo Guedes para tentar reeleger o
presidente Jair Bolsonaro, mediante renúncia de impostos federais e do ICMS de
estados (repartidos aos municípios) sobre combustíveis, sobretudo gasolina e
etanol, energia elétrica e comunicações. A regularização de despesas federais
represadas e a cautela do governo Lula para que a reoneração dos impostos não
pressionasse fortemente a inflação explicam o rombo dos estados (em contraponto
ao superávit esperado).
• Juros explodem e desmente RCN
Medir
a evolução fiscal apenas pelo primário (receitas menos despesas, excluído o
custo do giro da dívida) distorce a situação. Os dados dos juros da dívida em
março, além de assustadores, desmentem a afirmação do presidente do Banco
Central de que os juros são altos porque a dívida é alta. Não dá para entrar
numa discussão tipo “o que veio antes, o ovo ou a galinha”.
Os
números consolidados do setor público divulgados hoje pelo Banco Central falam
por si: os juros nominais apropriados por competência somaram R$ 65,3 bilhões
em março de 2023, mais do que dobrando (112%) sobre os R$ 30,8 bilhões de março
de 2022. Os piores resultados do Banco Central em “swap” cambial pioraram a
conta. Em março do ano passado, o BC ganhou R$ 40,3 bilhões, quantia reduzida a
R$ 11,7 bilhões em março deste ano.
No
acumulado de 12 meses, os juros nominais somaram em março R$ 693,6 bilhões
(6,85% do PIB), um aumento de 71,76% sobre os R$ 403,8 bilhões (4,46% do PIB)
nos 12 meses até março de 2022. Quando se considera os juros, vê-se o seu peso
no resultado nominal consolidado, que foi deficitário em R$ 79,5 bilhões em
março. Em 12 meses, o déficit nominal somou R$ 618,9 bilhões (6,11% do PIB).
• Alta da Selic custa caro
A
dívida pública é composta de títulos regulados pela taxa Selic, por papéis com
juros atrelados à inflação, mais juros fixos e por papéis vinculados à taxa de
câmbio. O Banco Central assinalou na nota técnica desta 6ª feira, 28 de abril,
que cada 1 ponto de alta da taxa Selic custa R$ 40,5 bilhões no acumulado de 12
meses no giro da Dívida Pública Líquida do Setor Público (conceito que exclui
os títulos públicos em carteira do Banco Central). Já o aumento de 1 p.p. no
IPCA onera em R$ 18 bilhões o giro da dívida liquida, que encolhe em R$ 7,6%
para cada 1 ponto de desvalorização na taxa de câmbio (esta poupa recursos em
maior montante na contabilidade da dívida bruta).
Em
março de 2022, a taxa Selic foi elevada no dia 16 para 11,75% (esses 2 p.p.
teriam custado, portanto, R$ 91 bilhões a mais. No entanto, comparados aos
2,75% ao ano, vigente a partir de 18 de março de 2021, no 1º reajuste após a
Selic ser mantida em 2% durante a decretação da pandemia da Covid-19 (em 18 de
março de 2020), quando a Selic foi reduzida de 4,25% a.a. para 3,75% a.a., esse
aumento extraordinário dos juros onera os gastos e ainda trava a economia para
gerar as receitas que poderiam vir do crescimento.
• Bancos silenciam sobre peso dos juros
Como
sublinha o Itaú, ao analisar a proposta do arcabouço fiscal: “O governo
anunciou sua proposta de arcabouço fiscal, com um limite para o crescimento dos
gastos, com exceções bem delimitadas e trajetória ambiciosa de resultado
primário. Os principais desafios à frente estão relacionados à implementação da
trajetória almejada e consequentes ganhos de credibilidade e consolidação da
regra, partindo da recomposição do nível de receitas, após as perdas com
desonerações do ano passado”.
Como
os bancos se beneficiam dos juros altos, evitam, em suas análises, mencionar
seu “telhado de vidro”: os altos juros da economia brasileira. E poucos dizem
que o esforço dos superávits fiscais é para prover recursos para o pagamento
dos juros dos rentistas (a camada mais rica da sociedade), o que priva o
governo de fazer atendimento social aos mais carentes.
Fonte:
Por Gilberto Menezes Côrtes, pata o Jornal do Brasil
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