segunda-feira, 1 de maio de 2023

Blindagem a políticos põe em risco efetividade de lei para combater fake News

A previsão de imunidade parlamentar no PL das Fake News pode dificultar ainda mais o combate à desinformação nas redes sociais, avaliam especialistas.

De forma geral, eles lembram que o STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos anos relativizou o alcance desse direito, o que pode minimizar os danos da medida.

Parte dos estudiosos, no entanto, pondera que a previsão pode induzir a inação das plataformas em relação aos congressistas e servir de argumento no Judiciário para disseminadores de mentiras com assento no Congresso.

Conhecido como PL das Fake News, o projeto teve urgência na tramitação aprovada na Câmara na terça (25). Com isso, não precisará passar por comissões e, se aprovado em plenário, segue para o Senado.

O projeto de lei diz que a imunidade parlamentar "estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada".

O texto faz referência ao artigo 53 da Constituição, que prevê que "deputados e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos".

O projeto elenca como "contas de interesse público" as de presidente, governadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas, ministros, secretários estaduais e municipais, e de dirigentes de entidades da administração indireta, como autarquias.

Os titulares dessas contas não poderão restringir o alcance de suas publicações, bloqueando críticos, por exemplo. Mas poderão ajuizar ação em caso de "decisões de provedores que constituam intervenção ativa ilícita ou abusiva" e, nesses casos, o Judiciário poderá obrigar as plataformas a restabelecer as contas em até 24 horas.

"É muito perturbador porque aumenta o poder de quem está no poder e diminui o de quem é tutelado", diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.

Ele lembra a decisão de plataformas como o Twitter de suspender a conta do então presidente americano Donald Trump, ainda no cargo, por risco de incitação à violência, na esteira da invasão do Capitólio.

No Brasil, diz, plataformas seriam inibidas de tomar medidas similares diante do que está previsto na proposta.

A disseminação de desinformação por agentes políticos ganhou ainda mais relevância após os ataques golpistas de 8 de janeiro, quando contas de bolsonaristas como Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) foram suspensas por determinação de Alexandre de Moraes, ministro do STF e do TSE (Tribunal Superior Eleitoral).

A suspensão derivou de entendimento que vem sendo consolidado pelo Supremo segundo o qual a imunidade parlamentar não é absoluta. Valeria apenas para discursos relacionados ao mandato —não abarcaria ataques à integridade das eleições, por exemplo.

Bia Barbosa, integrante do coletivo DiraCom - Direito à Comunicação, avalia que, da forma como está redigido, o artigo não impede a atuação das plataformas, mas pode ser usado como argumento em ações judiciais.

Ela integra também a Coalizão Direitos na Rede, uma das cem organizações da sociedade civil que assinam documento que defende a regulação das plataformas, mas faz ressalvas a alguns pontos do projeto.

Reunidas na Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD), as entidades se posicionam contra a suspensão de contas de detentores de mandatos por decisão das plataformas, mas defendem que as publicações deles devem ser submetidas às mesmas regras de moderação de conteúdo de todos os usuários.

Em outra nota sobre o projeto, pesquisadores do grupo de pesquisa Democracia Constitucional, Novos Autoritarismos e Constitucionalismo Digital, do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão), sugerem a modificação da redação do parágrafo do PL sobre imunidade.

Eles propõem um acréscimo para que o texto passe a dizer que "a imunidade parlamentar material, quando exercida nos limites do Estado democrático de Direito, estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de redes sociais".

Para um dos signatários, o advogado Ilton Norberto Robl Filho, o Judiciário deve continuar a aplicar seu entendimento independentemente da nova lei, mas a redação do jeito que está pode deixar uma lacuna.

Autora de "Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital" (ed. Fórum, 2022), a advogada Luna Van Brussel avalia que o único cenário em que o artigo do projeto de lei garantiria maior proteção aos congressistas do que aos demais usuários seria se o discurso fosse protegido pela imunidade parlamentar, mas violasse os termos de uso das plataformas.

Ainda assim, pondera, dificilmente algo protegido pela imunidade parlamentar violaria os termos de uso.

Em entrevista recente à GloboNews, o relator do PL, Orlando Silva (PC do B-SP), defendeu o dispositivo, afirmando que a imunidade parlamentar é uma conquista democrática e que, em caso de crime, o Judiciário pode ser acionado.

Professor da USP especialista em direito digital e sócio do escritório Opice Blum, Juliano Maranhão ressalta que a previsão do tema na lei é reveladora do contexto da desinformação no Brasil.

Não é só a imunidade parlamentar que causa controvérsia. Em concessão à bancada evangélica, o relator incluiu o aval à "exposição plena" dos dogmas e livros sagrados, bem como a livre expressão dos cultos.

Outro ponto que causa divergências é a remuneração das plataformas por conteúdo jornalístico em um sistema de negociação similar ao previsto na Austrália.

As plataformas se opõem à ideia, e entre os veículos há dissenso. Entidades como Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha, defendem o PL; veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.

 

       Com o texto final aprovado, deputados discutem PL das ‘fake news’ nesta semana

 

A Câmara deve discutir nesta semana o Projeto de Lei 2.630/2020. A matéria institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, conhecida como PL das Fake News. O PL tramita em regime de urgência na Casa, após votação atribulada na última terça-feira (25). O relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), entregou o texto final para apreciação na quinta-feira.

Enquanto isso, parlamentares da extrema direita utilizam de todas as armas para impedir sua aprovação. Resumidamente, a matéria é um instrumento para reduzir a circulação de desinformação, mentiras e discurso de ódio nas redes sociais.

Para tentar impedir o avanço da legislação, pessoas ligadas ao bolsonarismo e a espectros radicais de direita adotaram como tática central justamente o que o PL tenta evitar: o disparo massivo de mentiras. Na última semana, o deputado federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-promotor da Lava Jato, chegou a divulgar que o PL baniria das redes trechos da Bíblia. Contudo, mais do que não falar sobre isso, o texto sagrado dos cristãos contará com proteção especial no PL.

•        Liberdade no projeto

Logo no artigo 5º, parágrafo 1º, o projeto deixa claro que “vedações não implicarão restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário ou qualquer outra forma de manifestação cultural”. Ao contrário do que versam os radicais, a legislação tem como norte a mínima intervenção do Estado nas redes. Contudo, faz-se necessário, diante da realidade destes ambientes virtuais, a regulamentação para evitar abusos e crimes, especialmente.

Então, mais do que prever qualquer intervenção, o texto legal cobra transparência de redes sociais e provedores. Desta forma define o artigo 1º. “Esta lei estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou coletivos.”

•        Ministério da Verdade e Teletela

Um dos pontos mais atacados da proposta era a criação de um Conselho de Transparência e Responsabilidade na Internet. Após pressões, o relator retirou do projeto a previsão do órgão. As grandes empresas que comandam as redes sociais (big techs) se aliaram à extrema direita nos ataques sobre este ponto da lei. Eles apelam, em conjunto, para um discurso falacioso, um sofisma. Eles dizem que o órgão seria algo como o “Ministério da Verdade”, em referência à obra 1984, do escritor inglês George Orwell.

No livro, um governo ditatorial possui um órgão responsável por verificar os discursos e narrativas na sociedade. Contudo, em nada se parece com a realidade. De fato, o conselho seria aprovado por um Parlamento democrático e traria uma composição plural, longe do controle do Executivo. Ao contrário, o Planalto sequer participaria do grupo. De acordo com a proposta, fariam parte do conselho 21 pessoas. Entre elas, representantes do Legislativo, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), do Comitê Gestor da Internet no Brasil e da sociedade civil.

Em contrapartida do que falam os radicais de direita e os representantes das big techs, o livro de Orwell encontra semelhança mais precisa com a realidade brasileira em outro trecho da ficção. No livro, todas as casas possuem um aparelho chamado “Teletela”. Trata-se de uma tela preta responsável por passar propagandas, contra a vontade dos usuários, além de ouvir tudo que se fala nas casas dos cidadãos. Algo surpreendentemente parecido com aparelhos celulares que checam cada passo, cada ação do usuário com algorítmos obscuros, com finalidade de promover propagandas agressivas em todas as plataformas.

•        Debate e tramitação

Aqueles que atacam o projeto de diferentes formas também argumentam sobre “pouca discussão”. Contudo, o Parlamento discute a matéria há três anos. A autoria do PL é do senador Alessandro Vieira (PSDB-RS). O político possui histórico de atuação em campos políticos de centro e centro direita. A ele, é atribuído falsamente ligação com a esquerda pelos radicais bolsonaristas. Já o relator do projeto na Câmara, Silva é um político de esquerda habilidoso, que possui ampla janela de diálogo com políticos de todos os espectros ideológicos.

“Acredito que poderemos aprovar o texto. O relatório dialoga com tudo o que ouvi nos últimos dias. O esforço é para garantir a liberdade de expressão, mas também garantir a responsabilização das plataformas digitais”

Orlando SIlva

Dito isso, fica evidente o caráter democrático do debate sobre o tema. Em nada – seja na composição ou em sua tramitação – ele carrega vínculo com qualquer ideologia. Estas características ficam expressas no texto legal. A matéria classifica desinformação como: “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto, manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos, ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”.

•        A lei das fake news

Mesmo sem a criação do conselho, o PL das Fake News segue com previsões relevantes para ampliar a segurança no ambiente virtual. Confira alguns dos principais pontos da matéria:

•        Plataformas deverão elaborar relatórios semestrais, de fácil acesso, sobre práticas de moderação de conteúdo. Esses documentos deverão ser emitidos semestralmente.

•        As empresas gestoras das redes sociais deverão adotar medidas especiais de proteção às crianças e adolescentes.

•        Redes sociais deverão remunerar jornais que tenham mais de dois anos de atividade. Esta previsão tem como inspiração legislação similar da União Europeia.

•        Assim como os jornais, artistas também deverão ser devidamente compensados pelos conteúdos produzidos.

•        Conteúdos pagos e publicidades devem conter um aviso claro de identificação.

•        Possíveis danos de conteúdos pagos serão de responsabilidade compartilhada das redes sociais.

•        As empresas deverão tocar campanhas estruturadas de combate à disseminação de mentiras, desinformação e fake news.

•        Redes sociais serão responsabilizadas caso permitam a divulgação massiva de desinformação por robôs.

•        Plataformas terão 24 horas para remover conteúdos ilícitos.

•        A imunidade parlamentar sobre o discurso, garantida pela Constituição, será garantida nos ambientes virtuais.

•        Entre as punições para o descumprimento das normas, estão multas que chegam a R$ 1 milhão por hora. Outras sanções envolvem suspensão das atividades por tempo determinado; advertências; e proibição definitiva em casos mais graves.

 

Fonte: FolhaPress/RBA

 

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