Blindagem a
políticos põe em risco efetividade de lei para combater fake News
A
previsão de imunidade parlamentar no PL das Fake News pode dificultar ainda
mais o combate à desinformação nas redes sociais, avaliam especialistas.
De
forma geral, eles lembram que o STF (Supremo Tribunal Federal) nos últimos anos
relativizou o alcance desse direito, o que pode minimizar os danos da medida.
Parte
dos estudiosos, no entanto, pondera que a previsão pode induzir a inação das
plataformas em relação aos congressistas e servir de argumento no Judiciário
para disseminadores de mentiras com assento no Congresso.
Conhecido
como PL das Fake News, o projeto teve urgência na tramitação aprovada na Câmara
na terça (25). Com isso, não precisará passar por comissões e, se aprovado em
plenário, segue para o Senado.
O
projeto de lei diz que a imunidade parlamentar "estende-se aos conteúdos
publicados por agentes políticos em plataformas mantidas pelos provedores de
redes sociais e mensageria privada".
O
texto faz referência ao artigo 53 da Constituição, que prevê que "deputados
e senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas
opiniões, palavras e votos".
O
projeto elenca como "contas de interesse público" as de presidente,
governadores, prefeitos, parlamentares de todas as esferas, ministros, secretários
estaduais e municipais, e de dirigentes de entidades da administração indireta,
como autarquias.
Os
titulares dessas contas não poderão restringir o alcance de suas publicações,
bloqueando críticos, por exemplo. Mas poderão ajuizar ação em caso de "decisões
de provedores que constituam intervenção ativa ilícita ou abusiva" e,
nesses casos, o Judiciário poderá obrigar as plataformas a restabelecer as
contas em até 24 horas.
"É
muito perturbador porque aumenta o poder de quem está no poder e diminui o de
quem é tutelado", diz Ronaldo Lemos, diretor do Instituto de Tecnologia e
Sociedade do Rio de Janeiro e colunista da Folha.
Ele
lembra a decisão de plataformas como o Twitter de suspender a conta do então
presidente americano Donald Trump, ainda no cargo, por risco de incitação à
violência, na esteira da invasão do Capitólio.
No
Brasil, diz, plataformas seriam inibidas de tomar medidas similares diante do
que está previsto na proposta.
A
disseminação de desinformação por agentes políticos ganhou ainda mais
relevância após os ataques golpistas de 8 de janeiro, quando contas de
bolsonaristas como Carla Zambelli (PL-SP) e Nikolas Ferreira (PL-MG) foram
suspensas por determinação de Alexandre de Moraes, ministro do STF e do TSE
(Tribunal Superior Eleitoral).
A
suspensão derivou de entendimento que vem sendo consolidado pelo Supremo
segundo o qual a imunidade parlamentar não é absoluta. Valeria apenas para
discursos relacionados ao mandato —não abarcaria ataques à integridade das
eleições, por exemplo.
Bia
Barbosa, integrante do coletivo DiraCom - Direito à Comunicação, avalia que, da
forma como está redigido, o artigo não impede a atuação das plataformas, mas
pode ser usado como argumento em ações judiciais.
Ela
integra também a Coalizão Direitos na Rede, uma das cem organizações da
sociedade civil que assinam documento que defende a regulação das plataformas,
mas faz ressalvas a alguns pontos do projeto.
Reunidas
na Sala de Articulação contra a Desinformação (SAD), as entidades se posicionam
contra a suspensão de contas de detentores de mandatos por decisão das
plataformas, mas defendem que as publicações deles devem ser submetidas às
mesmas regras de moderação de conteúdo de todos os usuários.
Em
outra nota sobre o projeto, pesquisadores do grupo de pesquisa Democracia
Constitucional, Novos Autoritarismos e Constitucionalismo Digital, do IDP
(Instituto Brasileiro de Ensino, Pesquisa e Extensão), sugerem a modificação da
redação do parágrafo do PL sobre imunidade.
Eles
propõem um acréscimo para que o texto passe a dizer que "a imunidade
parlamentar material, quando exercida nos limites do Estado democrático de
Direito, estende-se às plataformas mantidas pelos provedores de aplicação de
redes sociais".
Para
um dos signatários, o advogado Ilton Norberto Robl Filho, o Judiciário deve
continuar a aplicar seu entendimento independentemente da nova lei, mas a
redação do jeito que está pode deixar uma lacuna.
Autora
de "Liberdade de Expressão e Democracia na Era Digital" (ed. Fórum,
2022), a advogada Luna Van Brussel avalia que o único cenário em que o artigo
do projeto de lei garantiria maior proteção aos congressistas do que aos demais
usuários seria se o discurso fosse protegido pela imunidade parlamentar, mas
violasse os termos de uso das plataformas.
Ainda
assim, pondera, dificilmente algo protegido pela imunidade parlamentar violaria
os termos de uso.
Em
entrevista recente à GloboNews, o relator do PL, Orlando Silva (PC do B-SP),
defendeu o dispositivo, afirmando que a imunidade parlamentar é uma conquista
democrática e que, em caso de crime, o Judiciário pode ser acionado.
Professor
da USP especialista em direito digital e sócio do escritório Opice Blum,
Juliano Maranhão ressalta que a previsão do tema na lei é reveladora do
contexto da desinformação no Brasil.
Não
é só a imunidade parlamentar que causa controvérsia. Em concessão à bancada
evangélica, o relator incluiu o aval à "exposição plena" dos dogmas e
livros sagrados, bem como a livre expressão dos cultos.
Outro
ponto que causa divergências é a remuneração das plataformas por conteúdo
jornalístico em um sistema de negociação similar ao previsto na Austrália.
As
plataformas se opõem à ideia, e entre os veículos há dissenso. Entidades como
Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão), Aner (Associação
Nacional de Editores de Revistas) e ANJ (Associação Nacional de Jornais), que
reúne os principais veículos de mídia, entre eles a Folha, defendem o PL;
veículos menores temem perder financiamento por terem menor poder de barganha.
Com o texto final aprovado, deputados
discutem PL das ‘fake news’ nesta semana
A
Câmara deve discutir nesta semana o Projeto de Lei 2.630/2020. A matéria
institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na
Internet, conhecida como PL das Fake News. O PL tramita em regime de urgência
na Casa, após votação atribulada na última terça-feira (25). O relator,
deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), entregou o texto final para apreciação na
quinta-feira.
Enquanto
isso, parlamentares da extrema direita utilizam de todas as armas para impedir
sua aprovação. Resumidamente, a matéria é um instrumento para reduzir a
circulação de desinformação, mentiras e discurso de ódio nas redes sociais.
Para
tentar impedir o avanço da legislação, pessoas ligadas ao bolsonarismo e a
espectros radicais de direita adotaram como tática central justamente o que o
PL tenta evitar: o disparo massivo de mentiras. Na última semana, o deputado
federal Deltan Dallagnol (Podemos-PR), ex-promotor da Lava Jato, chegou a
divulgar que o PL baniria das redes trechos da Bíblia. Contudo, mais do que não
falar sobre isso, o texto sagrado dos cristãos contará com proteção especial no
PL.
• Liberdade no projeto
Logo
no artigo 5º, parágrafo 1º, o projeto deixa claro que “vedações não implicarão
restrição ao livre desenvolvimento da personalidade individual, à manifestação
artística, intelectual, de conteúdo satírico, religioso, ficcional, literário
ou qualquer outra forma de manifestação cultural”. Ao contrário do que versam
os radicais, a legislação tem como norte a mínima intervenção do Estado nas
redes. Contudo, faz-se necessário, diante da realidade destes ambientes
virtuais, a regulamentação para evitar abusos e crimes, especialmente.
Então,
mais do que prever qualquer intervenção, o texto legal cobra transparência de
redes sociais e provedores. Desta forma define o artigo 1º. “Esta lei
estabelece normas, diretrizes e mecanismos de transparência de redes sociais e
de serviços de mensageria privada através da internet, para desestimular o seu
abuso ou manipulação com potencial de dar causa a danos individuais ou
coletivos.”
• Ministério da Verdade e Teletela
Um
dos pontos mais atacados da proposta era a criação de um Conselho de
Transparência e Responsabilidade na Internet. Após pressões, o relator retirou
do projeto a previsão do órgão. As grandes empresas que comandam as redes
sociais (big techs) se aliaram à extrema direita nos ataques sobre este ponto
da lei. Eles apelam, em conjunto, para um discurso falacioso, um sofisma. Eles
dizem que o órgão seria algo como o “Ministério da Verdade”, em referência à
obra 1984, do escritor inglês George Orwell.
No
livro, um governo ditatorial possui um órgão responsável por verificar os
discursos e narrativas na sociedade. Contudo, em nada se parece com a realidade.
De fato, o conselho seria aprovado por um Parlamento democrático e traria uma
composição plural, longe do controle do Executivo. Ao contrário, o Planalto
sequer participaria do grupo. De acordo com a proposta, fariam parte do
conselho 21 pessoas. Entre elas, representantes do Legislativo, do Conselho
Nacional de Justiça (CNJ), do Comitê Gestor da Internet no Brasil e da
sociedade civil.
Em
contrapartida do que falam os radicais de direita e os representantes das big
techs, o livro de Orwell encontra semelhança mais precisa com a realidade
brasileira em outro trecho da ficção. No livro, todas as casas possuem um
aparelho chamado “Teletela”. Trata-se de uma tela preta responsável por passar
propagandas, contra a vontade dos usuários, além de ouvir tudo que se fala nas
casas dos cidadãos. Algo surpreendentemente parecido com aparelhos celulares
que checam cada passo, cada ação do usuário com algorítmos obscuros, com
finalidade de promover propagandas agressivas em todas as plataformas.
• Debate e tramitação
Aqueles
que atacam o projeto de diferentes formas também argumentam sobre “pouca
discussão”. Contudo, o Parlamento discute a matéria há três anos. A autoria do
PL é do senador Alessandro Vieira (PSDB-RS). O político possui histórico de
atuação em campos políticos de centro e centro direita. A ele, é atribuído
falsamente ligação com a esquerda pelos radicais bolsonaristas. Já o relator do
projeto na Câmara, Silva é um político de esquerda habilidoso, que possui ampla
janela de diálogo com políticos de todos os espectros ideológicos.
“Acredito
que poderemos aprovar o texto. O relatório dialoga com tudo o que ouvi nos
últimos dias. O esforço é para garantir a liberdade de expressão, mas também
garantir a responsabilização das plataformas digitais”
Orlando
SIlva
Dito
isso, fica evidente o caráter democrático do debate sobre o tema. Em nada –
seja na composição ou em sua tramitação – ele carrega vínculo com qualquer
ideologia. Estas características ficam expressas no texto legal. A matéria
classifica desinformação como: “conteúdo, em parte ou no todo, inequivocamente
falso ou enganoso, passível de verificação, colocado fora de contexto,
manipulado ou forjado, com potencial de causar danos individuais ou coletivos,
ressalvado o ânimo humorístico ou de paródia”.
• A lei das fake news
Mesmo
sem a criação do conselho, o PL das Fake News segue com previsões relevantes
para ampliar a segurança no ambiente virtual. Confira alguns dos principais
pontos da matéria:
• Plataformas deverão elaborar relatórios
semestrais, de fácil acesso, sobre práticas de moderação de conteúdo. Esses
documentos deverão ser emitidos semestralmente.
• As empresas gestoras das redes sociais
deverão adotar medidas especiais de proteção às crianças e adolescentes.
• Redes sociais deverão remunerar jornais
que tenham mais de dois anos de atividade. Esta previsão tem como inspiração
legislação similar da União Europeia.
• Assim como os jornais, artistas também
deverão ser devidamente compensados pelos conteúdos produzidos.
• Conteúdos pagos e publicidades devem
conter um aviso claro de identificação.
• Possíveis danos de conteúdos pagos serão
de responsabilidade compartilhada das redes sociais.
• As empresas deverão tocar campanhas
estruturadas de combate à disseminação de mentiras, desinformação e fake news.
• Redes sociais serão responsabilizadas
caso permitam a divulgação massiva de desinformação por robôs.
• Plataformas terão 24 horas para remover
conteúdos ilícitos.
• A imunidade parlamentar sobre o
discurso, garantida pela Constituição, será garantida nos ambientes virtuais.
• Entre as punições para o descumprimento
das normas, estão multas que chegam a R$ 1 milhão por hora. Outras sanções
envolvem suspensão das atividades por tempo determinado; advertências; e
proibição definitiva em casos mais graves.
Fonte:
FolhaPress/RBA
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