5 pontos polêmicos
do PL das Fake News
A
Câmara dos Deputados avalia votar nesta terça-feira (2/5) um amplo — e
controverso — projeto de lei que busca reforçar a regulamentação e fiscalização
sobre plataformas digitais, como redes sociais, aplicativos de trocas de
mensagens e ferramentas de busca.
Popularmente
conhecida como PL das Fake News ou PL 2630, a proposta pretende instituir a Lei
Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
A
discussão da matéria — que tramita na Câmara desde 2020, após ser aprovada no
Senado — voltou a ganhar fôlego depois dos recentes ataques violentos em escolas e dos atos antidemocráticos de 8 de
janeiro,
quando bolsonaristas radicais invadiram as sedes dos Três Poderes, em Brasília.
Seu conteúdo, porém, é alvo de críticas.
Defensores
da proposta dizem que a nova lei vai melhorar o combate à desinformação, ao
discurso de ódio e a outros conteúdos criminosos no ambiente digital, enquanto
opositores apontam riscos de as novas regras ferirem a liberdade de expressão.
Um
ponto especialmente sensível é qual será o órgão responsável por fiscalizar a
aplicação de lei e, eventualmente, punir as plataformas, já que críticos temem
algum tipo de censura. A proposta estabelece multa de até 10% do faturamento do
grupo econômico no Brasil, caso a lei não seja cumprida.
Mas
as novas regras contra conteúdos criminosos não são a única polêmica. O texto
que tramita na Câmara também trouxe dispositivos novos em relação ao aprovado
no Senado, ampliando o escopo do PL. A nova versão da proposta prevê, por
exemplo, que grandes empresas de tecnologia remunerem os autores de conteúdo
jornalístico e artístico compartilhados em suas plataformas.
Essa
medida é apoiada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), a Associação
Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT) e artistas como Marisa
Monte, Glória Pires e Caetano Veloso.
Por
outro lado, grandes empresas afetadas (big techs), como Meta (dona do Facebook,
Instagram e WhatsApp) e Google (também dono do YouTube), dizem que a forma como
o PL estabelece essas remunerações obrigatórias pode inviabilizar a oferta de
serviços gratuitos, como ocorre hoje.
A
votação da proposta na Câmara será uma oportunidade para medir o tamanho da
base do governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que apoia a aprovação do PL.
Já a oposição mais ferrenha vem de parlamentares bolsonaristas.
Caso
a proposta receba o aval da Câmara, ainda terá que ser aprovada novamente no
Senado, antes de seguir para sanção presidencial.
Entenda
a seguir cinco pontos especialmente sensíveis do projeto de lei.
·
Combate a conteúdo criminoso ou risco de censura?
O
PL das Fake News cria novas regras para a moderação de conteúdo por parte das
plataformas digitais, que poderão ser punidas com elevadas multas se não agirem
“diligentemente para prevenir e mitigar práticas ilícitas no âmbito de seus
serviços”. Essa nova abordagem é inspirada em uma legislação mais dura
recentemente adotada pela União Europeia, a Lei dos Serviços Digitais (DSA, na
sigla em inglês).
Segundo
as regras atuais brasileiras, estabelecidas no Marco Civil da Internet, as big
techs não têm responsabilidade pelo conteúdo criado por terceiros e
compartilhado em suas plataformas. Dentro desse princípio, as empresas só são
obrigadas a excluir conteúdos no Brasil em caso de decisão judicial.
Se
o projeto de lei for aprovado, as plataformas poderão ser responsabilizadas
civilmente pela circulação de conteúdos que se enquadrem nos seguintes crimes
já tipificados na lei brasileira: crimes contra o Estado Democrático de
Direito; atos de terrorismo e preparatórios de terrorismo; crime de
induzimento, instigação ou auxílio a suicídio ou a automutilação; crimes contra
crianças e adolescentes e de incitação à prática de crimes contra crianças e
adolescentes; racismo; violência contra a mulher; e infração sanitária, por
deixar de executar, dificultar ou opor-se à execução de medidas sanitárias
quando sob situação de Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional.
De
acordo com o PL das Fake News, são duas as situações em que as empresas podem
ser punidas pela circulação desses conteúdos criminosos:
1)
quando esse conteúdo for patrocinado ou impulsionado (ou seja, a plataforma
receber algum pagamento para a exposição desse material);
2)
quando as empresas falharem em conter a disseminação de conteúdo criminoso,
obrigação prevista em seu “dever de cuidado”, um dos conceitos importados da
legislação europeia (entenda melhor ao longo da reportagem).
Segundo
o PL das Fake News, as plataformas terão que produzir “relatórios de avaliação
de risco sistêmico e transparência”, que serão usados para fiscalizar se as
empresas estão cumprindo determinadas obrigações, como evitar a difusão de
conteúdos ilícitos e garantir o direito à liberdade de expressão, de informação
e de imprensa.
E,
caso seja identificado “risco iminente de danos à dimensão coletiva de direitos
fundamentais” ou “descumprimento das obrigações estabelecidas na seção da
avaliação de risco sistêmico”, poderá ser acionado um “protocolo de segurança
pelo prazo de até 30 dias, procedimento de natureza administrativa cujas etapas
e objetivos deverão ser objeto de regulamentação próprio”.
É
durante a vigência desse protocolo que as plataformas poderão ser punidas se
falharem no seu “dever de cuidado”. E, para identificar se houve falha, o órgão
fiscalizador vai analisar notificações dos próprios usuários sobre conteúdos
criminosos disseminados na plataforma. O PL prevê que não haverá punição por
casos específicos, mas por eventual falha generalizada em conter esses
conteúdos denunciados por usuários por meio das notificações.
A
incorporação de conceitos da legislação europeia pelo PL brasileiro é
considerada positiva pelo jurista Ricardo Campos, professor na Universidade
Goethe, em Frankfurt e diretor do LGPD (Legal Grounds for Privacy Design),
instituto voltado à proteção de dados. Na sua visão, isso vai dificultar que as
empresas argumentem que não é possível seguir a lei, caso o PL seja aprovado.
“Essa
versão (do projeto de lei) está se orientando nos pilares centrais do
regulamento europeu. E isso é ruim para as plataformas porque, se passar (a
aprovação do PL), como na Europa vai seguir a lei e no Brasil não?”, ressaltou.
As
grandes empresas, por sua vez, dizem que incertezas sobre o que se enquadraria
na lei poderão levar a retirada de conteúdos legítimos.
“Sem
os parâmetros de proteção do Marco Civil da Internet e com as novas ameaças de
multas, as empresas seriam estimuladas a remover discursos legítimos,
resultando em um bloqueio excessivo e uma nova forma de censura”, disse o
Google, em uma manifestação.
“Quando
pensamos no YouTube ou na Busca do Google, que já têm mecanismos de denúncia
disponíveis para usuários, a redação atual do PL 2630 cria um sistema que pode
incentivar abusos, permitindo que pessoas e grupos mal-intencionados inundem
nossos sistemas com requerimentos para remover conteúdos sem nenhuma proteção
legal”, reclama ainda a empresa.
Na
véspera da votação da proposta, o Google apresentava em sua página inicial um
link para um hotsite que reunia manifestações da empresa contra o projeto de
lei, com a chamada “O PL das fake news pode aumentar a confusão sobre o que é
verdade ou mentira no Brasil”.
Relator
do projeto de lei na Câmara, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) reagiu à
medida.
“É
o maior jogo sujo já feito por uma empresa para interferir em um debate
político. O Google mancha sua marca com o sangue de crime estimulado pelas
plataformas. PL 2630 PELAS CRIANÇAS!”, tuitou.
·
Quem vai fiscalizar?
Outro
ponto alvo de intenso debate é qual órgão, afinal, será responsável por
fiscalizar a aplicação da lei e, eventualmente, punir as empresas.
Inicialmente,
o PL dava ao Poder Executivo a prerrogativa de criar uma entidade autônoma de
supervisão, que poderia instaurar processos administrativos e aplicar sanções.
Devido
à forte resistência de parte da Câmara, em especial de parlamentares
bolsonaristas, isso foi retirado da última versão apresentada pelo relator.
Opositores
da medida diziam que esse órgão, ao ser criado pelo governo, seria uma espécie
de “Ministério da Verdade”, em referência à instituição descrita no livro 1984,
de George Orwell, que controlava de forma autoritária a circulação de
informação.
“Sabe
esses protestos contra Lula em Portugal, feitos pelos portugueses no Parlamento
e nas ruas que vocês estão vendo em vários perfis nas redes sociais? Então, se
o PL das Fakes News passar, com apenas UMA DENÚNCIA na sua publicação, o
‘Ministério da Verdade’ que será criado com a lei, irá remover sua publicação”,
criticou o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), sem explicar como o projeto de lei
permitiria isso.
Defensores
da proposta tem rebatido esse discurso nas redes sociais. “Pra tentar chamar o
#PL2630 de ‘censura’, a extrema direita recorta trechos e joga na tela, sem
qualquer interpretação. Não há ‘ministério da verdade’, há sim o órgão
regulador, como diversos países da União Europeia estão fazendo. Esse órgão NÃO
PODE DERRUBAR CONTEÚDO NENHUM!”, tuitou o influenciador Felipe Neto.
À
BBC News Brasil, Orlando Silva disse estar em negociação com os deputados para
que outro órgão seja apontado como responsável pela fiscalização. Segundo ele,
uma proposta que tem ganhado força é dar essa atribuição à Agência Nacional de
Telecomunicações (Anatel).
A
mudança, porém, é considerada negativa pela Coalizão Direitos na Rede, grupo
que reúne mais de 50 organizações acadêmicas e da sociedade civil.
“Críticos
ao projeto lançaram acusações equivocadas e sem fundamento de que isso (a nova
entidade autônoma de supervisão) seria um órgão para dar poder ao governo de
dizer o que é e o que não é verdade. Na proposta, essa autoridade teria
autonomia e espaços em que diferentes setores poderiam participar das decisões
importantes”, ressalta a Coalizão em nota sobre o tema.
Para
o grupo de organizações, a Anatel não tem expertise para atuar
na regulamentação de plataformas, já que mexe com infraestrutura de
telecomunicação e não com gerenciamento de conteúdo.
“A
Anatel é historicamente refratária à participação da sociedade civil, o que é
incompatível com o modelo de governança multissetorial e colaborativa da
internet no país. O que precisamos é de um órgão independente com um conselho
multissetorial deliberativo”, diz ainda a Coalizão.
·
Imunidade parlamentar
Também
gerou polêmica a inclusão no PL de uma proteção às manifestações de
congressistas nas plataformas digitais.
A
Constituição estabelece que “Deputados e Senadores são invioláveis, civil e
penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos”. A última versão
do projeto de lei prevê que essa imunidade parlamentar constitucional
“estende-se aos conteúdos publicados por agentes políticos em plataformas
mantidas pelos provedores de redes sociais e mensageria privada”.
Críticos
dizem que a medida dificultará que plataformas digitais removam conteúdos
indevidos publicados por parlamentares.
“Parece
uma autorização para que os parlamentares, que são grandes propagadores de
desinformação, continuem usando suas redes para distribuir essa desinformação”,
disse à Agência Brasil Ramênia Vieira, coordenadora executiva do Intervozes –
Coletivo Brasil de Comunicação Social.
Já
a Coalizão Direitos na Rede não vê problema na medida.
“O
texto reitera o princípio da imunidade parlamentar já estabelecido na
Constituição que protege deputados(as) e senadores(as) por suas opiniões,
palavras e votos. No texto do PL 2630, reitera-se a imunidade parlamentar
material, ou seja, que abrange apenas dentro do exercício do cargo”, avalia a
Coalizão em nota.
“Dessa
forma, o texto da lei não expande a imunidade já prevista nos termos da
Constituição, apenas reitera que as proteções existentes valem também para as
manifestações digitais. Além disso, em caso de ação judicial, o alcance dessa
proteção fica sujeita à interpretação do STF”, diz ainda a Coalizão.
·
Remuneração de conteúdo jornalístico
Durante
a tramitação na Câmara, o PL das Fake News passou a prever que as empresas
remunerem conteúdos jornalísticos que circularem em suas plataformas.
A
proposta estabelece que terá direito à remuneração qualquer empresa em
funcionamento há ao menos 24 meses, mesmo se individual (apenas um jornalista),
que “produza conteúdo jornalístico original de forma regular, organizada,
profissionalmente e que mantenha endereço físico e editor responsável no
Brasil”.
Caso
o texto seja aprovado, a negociação poderá ser feita de forma individual entre
veículos e empresas, ou de forma coletiva.
Os
detalhes sobre como isso será feito, porém, serão fixados em regulamentação
posterior. Mas o PL estabelece que essa regulamentação “disporá sobre
arbitragem em casos de inviabilidade de negociação entre provedor e empresa
jornalística” e “deverá criar mecanismos para garantir a equidade entre os
provedores e as empresas jornalísticas nas negociações e resoluções de
conflito, sem prejuízo para as empresas classificadas como pequenas e médias,
na forma do regulamento”.
“Como
já ocorre em outros países, a remuneração da atividade jornalística por
plataformas de tecnologia pode ser um elemento decisivo para a formação de um
ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão
da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a
manutenção da própria democracia”, diz nota da Associação Nacional de Jornais
(ANJ).
O
projeto de lei estabelece ainda que “o provedor não poderá promover a remoção
de conteúdos jornalísticos disponibilizados com intuito de se eximir da
obrigação de que trata este artigo (a remuneração), ressalvados os casos
previstos nesta Lei, ou mediante ordem judicial específica”.
Críticos
desse trecho consideram que ele blinda empresas jornalísticas de terem conteúdo
removido, em caso de desinformação, por exemplo. Hoje, as plataformas removem
por conta própria conteúdos que firam suas diretrizes internas.
“Plataformas
terão que remunerar os veículos de notícia por qualquer conteúdo noticioso que
os usuários publiquem. Isso significa que as plataformas serão obrigadas a
remunerar inclusive veículos propagadores de notícias falsas. O projeto de lei
também proíbe que as plataformas removam este tipo de conteúdo, portanto, o PL
cria um ‘custo compulsório’ para as redes. Pior: qualquer veículo que exista há
dois anos - e mesmo que seja uma empresa individual - terá que ser remunerado”,
criticou por meio de nota a Câmara Brasileira da Economia Digital, que tem
entre seus associados empresas como Google, TikTok e Meta.
Em
um comunicado próprio, a Meta diz ainda que a falta de uma definição sobre o
que é “conteúdo jornalístico” cria riscos. “Isso pode levar a um aumento da
desinformação, e não o contrário. Imagine, por exemplo, um mundo em que pessoas
mal intencionadas se passam por jornalistas para publicar informações falsas em
nossas plataformas e sermos forçados a pagar por isso”, disse a empresa em um
comunicado.
Como
alternativa ao proposto no PL, o Google defendeu “a possibilidade de um fundo
de inovação para o jornalismo, administrado de forma independente, que inclua
contribuições de empresas de tecnologia”.
“Um
fundo como esse pode ajudar a garantir a sustentabilidade e independência ao
modelo de fomento do jornalismo de qualidade no Brasil. Esse fundo poderia
oferecer financiamento de acordo com critérios mensuráveis e claramente
definidos, benefícios para toda a indústria – em vez de apenas alguns veículos
ou grupos específicos, e pode estar sujeito a supervisão independente,
impedindo a tomada de decisões políticas”, defendeu ainda a empresa.
·
Remuneração de direitos autorais
Outra
novidade da última versão do PL é a previsão de novas regras para remuneração
de conteúdo protegido por direitos autorais, como músicas e vídeos. Artistas
têm realizado ampla campanha nas redes sociais a favor da aprovação desse
ponto.
“Quando
a profissão dos atores foi regulamentada 45 anos atrás não existia internet. O
ator recebia para trabalhar numa novela, numa série, e isso era exibido uma
única vez, ia ao ar, e pronto. E hoje em dia, com a internet, o que acontece é
que nosso trabalho fica disponível ad infinitum”, disse o ator Caio Blat ao
canal CNN Brasil.
“Com
as novas plataformas, você pode assistir novelas antigas, filmes antigos,
filmes novos, e essas imagens vão ficar disponíveis infinitamente para
assinantes, e vendendo publicidade, e os atores não recebem seus direitos
autorais, os direitos conexos, referentes a sua própria imagem, a sua própria
voz, ao seu trabalho de interpretação que está fixado ali” afirmou ainda o
ator.
O
projeto de lei, porém, prevê que uma regulamentação futura vai abordar “os
critérios, forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos,
transparência e a valorização do conteúdo nacional, regional, local e
independente”. A novidade também provocou reação das empresas.
“A
última versão do projeto propõe, pela primeira vez durante toda a tramitação do
PL 2630, uma complexa mudança no sistema de direitos autorais, que não se
relaciona com o restante do escopo do projeto, que é o combate à
desinformação”, criticou a Câmara Brasileira da Economia Digital.
“Qualquer
alteração nesta Lei, ainda que necessária, deve ser precedida de amplo debate
público. Caso contrário, aumentam-se as chances de incertezas jurídicas e
prejuízo ao que já foi construído até hoje”, defendeu ainda a instituição que
representa empresas do setor.
Fonte:
BBC News Brasil
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