Haddad
é ótimo para o mercado, mas não sei se é tão bom para o Brasil, diz aliado de
Lula
O presidente nacional do PSB, Carlos Siqueira, faz
um balanço positivo dos primeiros meses de governo Lula (PT), mas vê como
preocupante o arcabouço fiscal aprovado na Câmara dos Deputados, por avaliar
que ele limita investimentos.
Siqueira diz que o ministro Fernando Haddad
(Fazenda) tem uma política alinhada ao mercado e afirma ter dúvidas sobre a
condução da pasta pelo petista.
O ministro é apelidado por correligionários como o
petista mais tucano. "Ele [Haddad] é mais aberto ao mercado e isso tem
suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas para o país, não sei se [é] tão
bom assim", diz Siqueira em entrevista à Folha.
Para o dirigente do PSB, partido do vice-presidente
Geraldo Alckmin, a articulação política tem se esforçado nesse início de
governo. No entanto, o Palácio do Planalto deveria dar agilidade à liberação de
emendas e nomeações políticas.
LEIA A ENTREVISTA:
* Pergunta - Qual balanço o sr. faz dos primeiros
meses de governo?
Carlos Siqueira - Faço um balanço positivo.
Primeiro, a eleição do presidente Lula e a formação de um novo governo
[permitiu ao país] sair de uma reta de retrocesso. Vejo também como
interessante a iniciativa do governo em priorizar essa questão econômica. Acho
que o arcabouço fiscal tem limites, digamos assim, do investimento, por isso eu
acho preocupante que o Estado brasileiro possa ficar muito limitado para
iniciativas importantes de grande porte.
• O sr.
está falando da aprovação do arcabouço. Avalia que esse projeto pode acabar gerando
problemas políticos para o governo futuramente?
Há setores da esquerda que têm uma visão crítica
sobre essa política econômica, assim, muito relacionada aos interesses do
mercado. Mas eu acho que temos que cair na realidade que, politicamente, é o que
é possível fazer nesse momento. Por isso mesmo o PSB acompanhou firmemente a
votação do arcabouço fiscal, mas não deixa de ser preocupante.
* O sr. endossa as críticas feitas, então?
Acho que elas têm razão de ser, embora a realidade
política nos chame para responder a desafios que são possíveis. Acho que a
política exige realismo e isso precisa ser encarado na prática.
* O Planalto conseguiu amarrar o PT, que votou a
favor do arcabouço, mas com críticas. Isso gera instabilidade no governo?
Não diria instabilidade. Quando você olha para a
área econômica do governo, vê claramente que tem um horizonte que é mais
sintonizado com ele. As críticas são de que podíamos ter uma margem maior de
investimento, e não temos por conta de limites que foram criados, e que
decorrem do excesso de liberalismo do passado recente. Então, são coisas que
tanto um lado como o outro têm suas razões.
* A medida partiu do ministro da Fazenda, Fernando
Haddad, que tem sido criticado por setores do PT, que o consideram
excessivamente liberal. O sr. concorda?
Eu não diria excessivamente. Excessivamente era no
Bolsonaro. No governo Bolsonaro era o [Paulo] Guedes, né? Ele [Haddad] é mais
aberto ao mercado e isso tem suas consequências. Para o mercado, ótimas, mas
para o país, não sei se [é] tão bom assim.
* Por que o sr. diz isso sobre Haddad?
Eu até gosto muito do Haddad, mas acho que as
políticas que foram feitas nas últimas décadas no país estão muito
sintonizadas. O poder do sistema financeiro nacional e internacional é muito
grande e ele se reflete no mundo da política de uma maneira que as pessoas nem
sequer percebem. Há uma predominância hoje disso aí, inclusive a própria
composição do Congresso e as dificuldades do governo são reflexo dessa
influência.
* Um dos planos do Ministério da Fazenda é zerar o
déficit no próximo ano. O sr. concorda com isso?
O país tem R$ 600 bilhões de renúncia fiscal. Haddad
está propondo uma recuperação de R$ 150 bilhões do lado da receita. Tem que ter
espaço para investimentos. Há que se ter responsabilidade fiscal, mas também
com margem para investimentos e direitos sociais, como educação, saúde etc.
* O governo sofreu uma derrota nos decretos do
saneamento, inclusive com voto do PSB. Qual sua avaliação sobre a articulação
política?
*Carlos Siqueira -* Naquele caso [do saneamento],
que foi um assunto secundário, digamos assim, e o governo realmente vacilou um
pouco, porque poderia ter feito de uma maneira mais ágil. Isso faz parte do
processo. O próprio governo depois reagiu bem porque me chamou para conversar,
tivemos uma reunião com os três ministros, com o vice-presidente, com o
ministro [de Relações Institucionais, Alexandre] Padilha, com o próprio PT.
* O que gerou essa derrota, a falta de diálogo?
Eu acho que aquilo ali foi um recado do Congresso ao
governo com a insatisfação pela não liberação de emendas, pela demora nos
cargos. Achei que tanto o PT como o governo, quando ele nos criticou, nos
cobrou corretamente. Acho que governo é governo, oposição é oposição. Se você
tem uma insatisfação, tem que demonstrar internamente. Em votação, pode ter uma
visão crítica, mas isso não quer dizer que vote contra o governo.
* O sr. considera que o governo tem base no
Congresso, ou ele é dependente do presidente da Câmara?
Acho que o presidente da Câmara tem um poder muito
grande sobre as bancadas do chamado centrão, e ele tem exercido esse poder.
Porém o governo também tem sua margem de manobra, porque governo tem os
instrumentos, que inclusive contribuíram na votação do arcabouço, para exercer
sua influência. O governo tem uma base que ideologicamente eu considero móvel.
Para alguns assuntos, ela vai funcionar bem, para outros, nem tanto, e para um
outro, pode não funcionar bem.
* Para o que ela vai funcionar bem?
Acho que para a questão econômica, com os limites
que mencionei. Para a questão democrática, ela pode e já tem ajudado. E do
ponto de vista de costumes, eu acho que ela é muito conservadora e continuará
sendo.
* O sr. tem uma posição sobre a exploração de
petróleo na região da Foz do Amazonas?
O país não pode dispensar seus recursos. Agora,
obviamente, quando se trata da Amazônia, há que se ter os cuidados necessários,
de maneira que seja um desenvolvimento sustentável. A defesa do meio ambiente
não significa dizer interrupção do desenvolvimento do país.
* O sr. acha que isso pode passar uma imagem,
principalmente para o exterior, de que houve uma intromissão do presidente Lula
no caso?*
Eu não chamaria de intromissão, porque o presidente
da República é quem decide no governo. Ministro cumpre decisão. E se tem meios
que não deterioram o meio ambiente, por que não fazer?
* O PSB se sente contemplado na Esplanada?*
Sim. O PSB tem três ministros, três pessoas com
experiência. E estão procurando dar sua contribuição. Nós nunca reclamamos. É
claro que há questões de deputados, cargos aqui ou ali num estado que ainda não
foram atendidos. Esperamos que tenha uma solução adequada que possa também
colaborar com aqueles que contribuem com o governo no Congresso.
Ø Eixo das decisões econômicas se desloca nitidamente do Planalto para
Congresso. Por William Waack
A manhã desta terça-feira, dia 23, foi mais
tranquila para os ocupantes do Palácio da Alvorada. Passaram longe dali as
colunas de carrões e SUVs transportando os chefes das Casas Legislativas, o
ministro da Fazenda, o presidente do Banco Central e um grupo de empresários de
peso dos segmentos de finanças, indústria, serviços, varejo e agronegócio.
Rumavam para o Lago Sul, para a residência oficial
do presidente do Congresso Nacional, onde se reuniram para uma discussão aberta
sobre como seria a tramitação das regras para cuidar das contas públicas. E
também como tratar de fazer passar depressa algum tipo de reforma tributária.
Em outros tempos, esse tipo de reunião teria
ocorrido no Palácio da Alvorada ou no Palácio do Planalto. O que aconteceu na
terça-feira foi a demonstração visível de como o eixo de poder se deslocou em
Brasília. Boa parte do que se discutiu na reunião foi aprovada na noite do
mesmo dia com o nome de arcabouço fiscal. A segunda parte vem agora, a da
reforma tributária.
A Câmara dos Deputados impôs ao governo uma série de
travas e restrições em matéria fiscal. Elas são um recado, sobretudo político,
dado pela base parlamentar que é do presidente da Câmara, deputado Arthur Lira
(Progressistas-AL), e não do presidente da República. Seu verdadeiro teste,
porém, será o da reforma tributária.
É dela que os vários segmentos da economia esperam o
“ganho de produtividade” capaz de fazer o PIB crescer em ritmo melhor.
Não há ilusões quanto ao marco fiscal: a dívida não
deve cair significativamente, portanto os juros não vêm para baixo tão depressa
(foi isso o que o presidente do Banco Central deixou claro no Lago Sul).
E o governo vai se concentrar pesadamente em
arrecadar, dominado pela necessidade de fazer a receita subir – portanto, para
as empresas só há ganhos se houver simplificação de impostos.
Se o presidente Lula da Silva ainda tinha dúvidas,
falando lado a lado, os presidentes das Casas Legislativas deixaram claro quem
é o dono da agenda de política econômica nas próximas semanas. São eles,
escorados em um entendimento direto com vozes dos vários setores da economia. E
com o ministro da Fazenda, que está sendo visto como figura deslocada em
relação aos homens fortes petistas dentro do Palácio do Planalto.
Foram eles, e Lula, os principais ausentes.
Ø Com articulação frágil no Congresso, governo Lula guarda 60 cargos para
agradar aliados
Em quase cinco meses de governo, mais de 60 postos
espalhados pela Esplanada dos Ministérios seguem desocupados. São 39 cargos de
segundo e terceiro escalão - entre secretarias, diretorias e departamentos
dos 37 ministérios do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) —, e 27
entidades vinculadas (nas quais se enquadram empresas públicas, autarquias e
outros).
Pela relevância política ou orçamento robusto, as
colocações atraem aliados e podem ser usadas para contemplar partidos do
Centrão, através da indicação de afilhados políticos. As nomeações para esses
postos estão sob análise do Palácio do Planalto, enquanto a articulação
política do governo ainda patina dentro do Congresso Nacional.
O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação
(MTCI) é o que possui mais cadeiras de segundo escalão vagas, com duas
secretarias: de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação e de Ciência e
Tecnologia para Transformação Digital, além de quatro departamentos vinculados.
A pasta está sob comando de Luciana Santos, do PCdoB.
Há imbróglios envolvendo algumas nomeações e nós que
ainda não foram desatados. Por exemplo, no Ministério da Agricultura e
Pecuária, chefiado por Carlos Fávaro, a Secretaria de Política Agrícola — uma
das mais importantes da pasta — ainda está sem comando. Fávaro chegou a
anunciar publicamente o ex-deputado Neri Geller para a secretaria, mas ele
ainda não foi nomeado.
FIliado ao PP do Mato Grosso e próximo de Blairo
Maggi, ex-ministro da Agricultura e um dos maiores produtores de soja do país,
Geller também foi cotado para presidir a Companhia Nacional de Abastecimento
(Conab), vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Agrário e Agricultura
Familiar.
Em março, o titular da pasta, Paulo Teixeira,
arbitrou a disputa e optou pelo nome defendido pelo Partido dos Trabalhadores,
o ex-deputado estadual Edegar Pretto (RS). Pretto é ligado ao Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, após perder a disputa ao governo gaúcho
em 2022, ficou sem mandato.
Teixeira está ainda debruçado sobre o nome que virá
a assumir a Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais de São Paulo (Ceagesp),
que o PT também pleiteia. No governo Jair Bolsonaro (PL), a companhia federal
era comandada pelo coronel da reserva Ricardo Mello Araújo, considerado como
indicação da cota pessoal do então presidente.
O Gabinete de Segurança Institucional (GSI), única
pasta a ter uma mudança de ministro até este momento do governo, tem duas
secretarias (de Coordenação de Sistemas e de Assuntos de Defesa e Segurança
Nacional) e um departamento vagos.
O novo ministro-chefe do GSI, o general da reserva
do Exército Marcos Antônio Amaro dos Santos, tomou posse no início de maio e
ainda reorganiza o órgão após a saída do general Gonçalves Dias, o G. Dias, e a
passagem interina de Ricardo Cappelli.
Com cerca de 900 servidores — a maioria, militares —
o GSI tem assistido a dispensas em série desde os atos golpistas de 8 de
janeiro, quando agentes do órgão não foram capazes de conter a depredação do
palácio.
Também com gabinete no Planalto, a Secretaria-Geral
(SG) da Presidência ainda não preencheu duas secretarias: a Secretaria
Executiva da Comissão de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável e a
Secretaria Executiva do Conselho Nacional de Fomento e Colaboração. A SG é
chefiada pelo ex-tesoureiro do PT Márcio Macêdo.
Projeção política e controle orçamentário tornam as
entidades vinculadas aos ministérios cobiçadas por partidos. Os ministérios de
Minas e Energia e de Portos e Aeroportos, apesar de estarem com o segundo e
terceiro escalões completos, ainda têm, cada um, seis entidades em aberto.
É o caso, por exemplo, da Pré-Sal Petróleo S.A.
(PPSA), a estatal responsável por comercializar o óleo e o gás extraídos da
camada pré-sal, e daCompanhia Docas do Ceará (CDC), empresa pública que faz a
administração e exploração comercial do Porto de Fortaleza.
O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) também segue
vago. O nome do marido da senadora Eliziane Gama (PSD), Inácio Melo, foi
ventilado, mas a indicação política gerou resistência dentro da empresa pública
e empacou.
No Ministério da Fazenda, a Agência Brasileira
Gestora de Fundos Garantidores e Garantias (ABGF), empresa pública responsável
por fazer seguros para exportações de grande valor agregado, segue com
presidente e um diretor nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
O Banco da Amazônia (Basa) emitiu um comunicado aos
acionistas e ao mercado na última quinta-feira (25) comunicando a eleição de
Luiz Cláudio Moreira Lessa para ocupar o cargo de presidente do Basa. Ele foi
indicado em meados de maio.
Também vinculado à pasta de Fernando Haddad, o Banco
do Nordeste (BNB) só trocou de presidente em março. Lula indicou o ex-governador
de Pernambuco Paulo Câmara, que se desfiliou do PSB em janeiro e hoje está sem
partido.
A indicação para presidir o BNB dependia da mudança
na Lei das Estatais, porque a legislação exigia que dirigentes partidários
ficassem afastados das legendas por pelo menos três anos antes de serem
nomeados para cargos de direção da administração direta ou em empresas
públicas, como o BNB. Essa regra foi suspensa pelo ministro Ricardo
Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Sob o guarda-chuva do Ministério de Integração e
Desenvolvimento Regional estão ainda o Departamento Nacional de Obras Contra as
Secas (Dnocs) e a Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do
Parnaíba (Codevasf), esta última a estatal preferida do Centrão. Ambos seguem
sem comando.
Apesar de filiado ao PDT, o ministro Waldez Góes é
da cota do União Brasil, partido que também integra a base do governo, mas tem
enfrentado dificuldades na relação com o Planalto.
As indicações para os postos da administração
federal passam pela chancela da Casa Civil, que analisa currículos e requisitos
jurídicos dos nomes. O ministro Rui Costa tem enfrentado críticas em algumas
das nomeações. Quanto maior o nível de detalhamento, mais difícil fica o
controle dos antecedentes dos indicados.
É exemplar o desconforto causado pela nomeação do
deputado olavista Heitor Freire (União Brasil), confirmado em 11 de maio no
comando de um diretoria da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste
(Sudene), órgão vinculado à pasta de Integração.
Fonte: FolhaPress/Agencia Estado
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