quarta-feira, 3 de maio de 2023

Fernando Horta: Ahhh, o Discord

Assim que saiu a notícia de que havia um pedido de urgência para votação do chamado “PL das fakenews” eu me preocupei. Tendo lido o texto original proposto em 2020 pelo senador Alessandro Vieira (na época firme parte da base bolsonarista) eu sabia que o texto era ruim. Com a urgência do Lira, a sociedade estava sendo cutucada a iniciar uma discussão sem sequer o texto final, que só foi apresentado pelo deputado Orlando Silva na noite de sexta feira última. O texto apresentado pelo deputado é muito melhor do que o proposto pelo senador, mas não é nem um pouco “bom” e nem atinge o objetivo que diz atingir: acabar com as fakenews e regular as bigtechs.

Assim que saiu o texto final passei a expressar minha posição de indignação com o PL 2630. Afirmo que a lei tem um design errado, que é “voltada para trás”, que já nasce antiga e obsoleta, que não vai conter as fakenews e que, como resultado do amadorismo, vai destruir o ecossistema digital progressista no Brasil.

Imediatamente as hordas de canceladores digitais passaram e me atacar. Direcionados pela grande mídia (quem diria!) essa gente comprou a fakenews de que o projeto “acabaria com as fakenews” e que era “para proteger as crianças da violência. A grande imprensa criava (por mecanismos conhecidos) a histeria que juntava o medo da experiência recente de ataques às escolas, com as experiências criminosas de Jair Bolsonaro nas redes em 2018, 2020 e 2022. Tática sórdida e bem conhecida. Milhares de pessoas que acham que conhecem violência, fascismo e mundo digital por “estarem nas redes”, passaram a responder às ordens da mídia monopolista (sem se darem conta!) e deixaram em algum lugar perdida a sua capacidade crítica.

No domingo, a rede Globo fez extensa matéria sobre o aplicativo Discord. Um aplicativo criado em 2015, que é majoritariamente utilizado pela comunidade “gamer” tendo mais de 63% dos seus usuários sendo jovens do sexo masculino. Pessoas que têm acesso aos videogames caros (como xbox e playstations) e que estão nas cidades. A globo mostrou a onda de violência que opera dentro dessas plataformas, dando ênfase a vídeos de ataques a animais e tudo mais.

Horrorizados, pais, mães, brasileiros e brasileiras de toda sorte passaram e engrossar a ideia de que “a PL 2630 é ainda mais necessária”. Recebi mensagens ameaçadoras me acusando de coisas que não posso escrever aqui e apontando para a reportagem: “Como você pode ser contra a PL depois dever esta reportagem, seu canalha?” me escreveu uma pessoa.

Pois bem ...

O Discord tem cerca de 100 milhões de contas registradas no Brasil, mas apenas um total (em março) de cerca de 2,9 milhões de usuários mensais. Isso significa que a plataforma NÃO SERÁ afetada pelo PL 2630 que em seu texto deixa claro que só se propõe a regulamentar as plataformas com mais de 10 milhões de usuários/mês.

Claro que as pessoas que me atacam, e as que estão “horrorizadas” com o Discord nada entendem efetivamente de violência, linguagem, fascismo, escolas ou mundo digital. Especialmente tudo junto.

“É só incluir o Discord”, me escreveu uma pessoa colérica e incapaz de compreender o que estava acontecendo.

Na realidade, depois de quase 4 anos de discussões, tendo sido ouvido mais de 50 “especialistas” no tema, a pérola de regulação digital do parlamento brasileiro simplesmente não conseguiu mapear em que tipos de aplicativos a violência contra jovens e contra às escolas operam (e o Discord é plataforma básica de quem conhece o tema) e também não conseguiu perceber que a tão defendida lei, pelos seus próprios termos, NÃO AGIA sobre uma das plataformas mais problemáticas das redes. Ou seja, a lei já nasce inefetiva, ineficaz, antiquada e obsoleta. Tudo, aliás, que eu vinha dizendo.

E não é só isso. A vergonha de um projeto de lei ter sido “estudado” e pensado por 4 anos, e não ter conseguido o mínimo que era de mapear os problemas e os modelos de plataformas do Brasil deveria ser suficiente para que não se seguisse nessa urgência com um assunto tão sério. E olha que o Discord foi criado em 2015, o PL que será votado em 2023, não conseguiu chegar à tecnologia do ano de 2015 ...

As hordas de lacradores da esquerda, direcionadas pelas “mãos invisíveis” da grande mídia, em vez de reconhecer o fracasso completo da tentativa, perceber que os diversos críticos (alguns inclusive tendo participado das audiências públicas e pontuado lá as oposições) estão contra uma lei que simplesmente não faz o que diz fazer, preferem seguir atacando, ofendendo, ameaçando, e – nisso – igualam-se à direita nos comportamentos digitais.

Todos os que participaram dessa pantomina deveriam se envergonhar depois da reportagem da rede Globo. Advogado, jornalistas, doutores de toda sorte que só sabem falar a lei da proibição, da pena e da multa deveriam calçar as sandálias da humildade e reconhecer, diante da empiria do seu fracasso, que o projeto de lei 2630 é um grande fracasso já de início.

Regular as redes é diferente de regular as bigtechs.

O mundo material não deve ser modelo para ação no mundo digital.

Violência no mundo digital se liga à violência nas escolas e ao fascismo e tudo isso são questões com necessidade de conhecimentos transdisciplinares e não apenas boa vontade.

O Brasil precisa se inserir no mundo da Era Digital pela porta da frente, e não por punições, leis, interditos e tudo um bolo de fel que desta vez é destilado e alimentado pela esquerda.

É preciso regular as bigtechs? Sim.

É preciso combater a desinformação na era digital? Sim.

É preciso proteger a democracia dos ataques da era digital? Sim.

É preciso proteger o ambiente social e psicológico da nossa juventude? Sim.

Contudo, o PL 2630 não faz nada disso. O que ele faz é entregar novamente para as grandes empresas monopolistas de mídia a possibilidade de controlar as narrativas políticas, econômicas e sociais no país e prejudicar o ecossistema digital progressista que já é pequeno e frágil.

Em 2024, quando nossas fragilidades na comunicação digital se tornarem impossíveis de serem escondidas pelo discurso militante, e quando precisarmos dos canais de esquerda atuantes nas redes não venham perguntar, assombrados, “por que a esquerda não cresce nas redes?” Já respondo agora: não cresce porque não conhece as redes e não tem humildade suficiente para reconhecer que não conhece.

O nome midiático do PL 2630 deveria ser “PL do tiro no pé”.

 

Ø  Discord e a violência desmedida da rede dos extremistas que ameaçam a civilidade

 

Na noite de domingo (30), o Fantástico, da TV Globo, exibiu uma reportagem mostrando as entranhas de uma rede social que ameaça a civilidade nas mais diversas sociedades mundo afora. O Discord, uma plataforma de troca de mensagens que permite transmissões em vídeo ao vivo, tornou-se uma espécie de centro nervoso para proliferação de todo tipo de conteúdo violento abjeto e é o espaço preferido de radicais de extrema direita que veem nela um território sem lei para agirem impondo, estimulando e disseminando as mais brutais e dantescas práticas.

Recentemente o Discord voltou à baila após uma sequência de ataques a escolas no Brasil, que resultaram inclusive na morte de uma professora em São Paulo e de outras quatro crianças, assassinadas a machadas numa creche, em Blumenau (SC), além de feridos num colégio de Santa Tereza de Goiás (GO). Foi no Discord que um tal ‘desafio’, determinado pelos ‘líderes’ de comunidades extremistas a seus seguidores submissos, deu início a toda a barbárie vivida no país em abril.

A reportagem do Fantástico mostrou toda gama de barbaridades. De garotas que se automutilam, inclusive na genitália, passando pelo caso de uma menina de 13 anos que põe fogo na própria casa, até mesmo inúmeros episódios de tortura extrema com animais, como o esquartejamento de cachorros, a queima de um gato vivo e toda infinidade de sadismo.

O repórter Estevan Muniz, autor da matéria, fica atordoado com o que vê. As cenas são de violência extrema e dezenas de usuários simplesmente se divertem gargalhando com os atos horrendos e sanguinários. Um garoto de 13 anos parece com uma suástica no rosto, coberto parcialmente por uma balaclava de caveira (igual às usadas em massacres escolares) e com uma faca faz o gesto Hiel Hitler.

O Discord há algum tempo vem sendo alvo de ações das autoridades dos EUA e na Justiça está sendo acionado pela família de uma criança de 11 anos que estava sendo explorada sexualmente na plataforma. Por aqui, inúmeras medidas surgiram nas últimas semanas para tentar frear as toneladas de absurdos criminosos despejados nessa rede, sobretudo por jovens e adolescentes.

A empresa de tecnologia se defendeu das últimas acusações e numa nota oficial disse que “está colaborando ativamente com o governo e agências de aplicação da lei no Brasil e nos Estados Unidos, enquanto trabalha para o objetivo comum de prevenir danos”.

Em 13 de abril, no auge dos ataques e ameaças contra estabelecimentos educacionais no Brasil, a Fórum já trazia reportagens e artigos sobre o Discord. Numa delas, o repórter Yuri Ferreira mostrou o que viu (e não queria ter visto) nesse campo livre de regras que fomenta abertamente a violência e os atos mais extremos entre os jovens.

·         O que vi - e não queria - no Discord, rede onde se propagam ataques a escolas

O Discord é uma rede social utilizada por gamers, empresas e jovens de todo o mundo para facilitar a comunicação coletiva. A rede social se tornou um importante canal após a pandemia por permitir uma espécie de "supergrupo" de WhatsApp.

Os servidores (ou grupos) podem ser separados por temas e abrigar centenas de pessoas, permitem chat em áudio, vídeo, compartilhamento de documentos e possuem bots especializados para uma série de situações.

O Discord é uma baita plataforma na questão tecnológica e, não à toa, é um sucesso entre os mais jovens.

Eu já havia usado a rede em outras ocasiões, foi-me útil para matérias jornalísticas, conversas em grupo no meio da pandemia e até para fazer novos amigos em sessões de jogos on-line, como Among Us ou Jackbox.

Mas, após um papo com alguns conhecidos e a aparição do chamado "desafio do Discord" na mídia, decidi entrar em alguns servidores para ver como o discurso da alt-right estava instaurado na rede.

Bastou uma pesquisa de cinco minutos no Google para entrar nos grupos da extrema direita. Entrei em três servidores abertos e, caro leitor, de verdade, eu não esperava que fosse tão bizarro assim.

<<< AVISO DE GATILHO: A partir daqui, o texto contará com termos extremos, com conteúdo misógino, racista, antissemita, pedófilo, suicida e neonazista. Sério.

Ingressei em um grupo, identificado a partir de algumas gírias do universo channer, já estranhei alguns nomes de usuário. “Judeu estuprador”, “Nazipardo”, “Favelado Judeu”, etc. Os bots do grupo, utilizados para facilitar a comunicação e adicionar features ao servidor, eram batizados com temas de ode à pedofilia: AdoroPedofilia, invitepedofilo, PedoMusic e PedoBoard.

Em outro servidor, os membros do grupo citam tentativas de suicídio e automutilação, endossam o assassinato de mulheres e negros e publicam vídeos de negação do Holocausto.

Uma mensagem me surpreendeu: com a foto de perfil de Bolsonaro, o sujeito postou um vídeo de propaganda neonazi com suásticas e o rosto de Heinrich Himmler, comandante do Exército de Reserva e general plenipotenciário do Terceiro Reich.

Outro usuário saudou o professor que elogiou Hitler em uma sala de aula em Santa Catarina. Em outros momentos, usuários se desafiam ao suicídio on-line.

Entre os conteúdos citados estão materiais de pornografia infantil — abreviadamente, CP —, conteúdo neonazista e muito, mas muito gore, isto é, imagens de pessoas sangrando, sendo vítimas de crimes violentos, além de pornografia com coprofilia e zoofilia.

O que mais me surpreendeu não foi o conteúdo, mas sim a extrema similaridade compartilhada entre os grupos e o universo channer. Há uma roupagem de humor que paira sobre servidores e usuários, que se divertem com o conteúdo "edgy".

O termo "edgy" vem do inglês e é um sinônimo para o humor que vai até o limite — edge — do "politicamente correto". Os limites humorísticos acabam se tornando um subterfúgio para conteúdo abertamente nazista.

Em cada servidor, estavam cerca de 110 ou 120 usuários, totalizando pouco mais de 400 pessoas. Ao longo das conversas, percebi também a presença de servidores fechados, como o 'Brasil Reich', ou seja, a rede pode atingir milhares de usuários.

Esses grupos estão aí na internet desde que eu tinha 11 anos de idade. Alguns se esconderam na deep web, outros se mantêm na superfície. Eles usam os mesmos termos de dez anos atrás e as mesmas táticas de dez anos atrás. Continua funcionando. E as autoridades seguem tomando um baile dessa organização.

Os conteúdos de suicídio, automutilação e gore indicam problemas psicossociais graves nesses jovens, embriagados no humor e na ideologia da extrema direita.

Contudo, o debate também não pode cair no pânico moral. O "desafio do Discord" não é uma "Baleia Azul" ou um "Obedece a La Morsa". Não é um hoax feito para criar pânico. De fato, a extrema direita está presente na rede social, agindo com conteúdo perigoso.

Mas não é só pânico. Isto também merece um alerta: o fato de seu filho ou sua filha ter uma conta no Discord não é um indicativo de que ele/ela é de extrema direita ou um/a neonazi. A maioria extensa dos grupos do Discord têm focos diversos e muitos são enriquecedores e importantes. O fundamental é saber com quem e o que seu filho anda falando na internet.

O Discord foi contatado para esta e para futuras reportagens, mas ainda não respondeu a nossa solicitação. Seguiremos de olho. Os canais foram denunciados para o Ministério da Justiça.

 

Fonte: Brasil 247/Fórum

 

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