'Criminosos que
entrevistei se transformaram no meu grupo de apoio quando soube que tinha
esclerose múltipla'
Conhecida
por fazer documentários com personagens do mundo do crime em lugares perigosos,
a jornalista investigativa Livvy Haydock sentiu um forte abalo quando foi
diagnosticada com esclerose múltipla. Mas ela recebeu apoio de um grupo
improvável —
os criminosos que ela já entrevistou.
"Sempre
me disseram que não tenho medo de nada, mas a esclerose múltipla me
apavora", admite Livvy. "Eu me sinto tão pequena."
A
repórter de 38 anos formou uma carreira produzindo e apresentando documentários
sobre temas que exploram o mundo da violência, de gangues formadas por garotas
a crianças recrutadas como soldados no Congo.
Seu
mais recente trabalho é Gangster: A história de John Palmer, para a BBC Sounds, que investiga um
roubo de dezenas de milhões de libras em ouro no começo da década de 1980 no Reino
Unido — o maior assalto à mão armada da história britânica.
O
fascínio de Livvy pelas letras do rap norte-americano a levou a se interessar
pelo submundo do crime, das gangues e da violência.
"Eu
queria entender isso", diz ela. "Na maioria das vezes, as pessoas que
cometem crimes não falam sobre isso a partir de sua própria perspectiva."
Isso
a ajudou a entender a motivação para correr grandes riscos - e como às vezes há
uma lógica por trás dessas decisões.
A
jornalista começou a enfrentar a reviravolta em sua vida durante uma
investigação sobre as mortes durante a guerra contra as drogas nas Filipinas em
2016, durante o governo de Rodrigo Duterte.
"Havia
algo realmente errado com minhas pernas", disse ela ao programa BBC Access All. "Eu tinha certeza era comida
estragada."
Livvy
terminou o seu trabalho e voltou para o Reino Unido, mas os sintomas
persistiram.
Nos
quatro anos seguintes, ela fez várias consultas médicas, mas não tinha um
diagnóstico preciso. Em 2020, foi sugerido que ela fosse submetida a uma punção
lombar — retirada de líquido da coluna lombar — para "descartar a
possibilidade de esclerose múltipla". Mas o resultado confirmou exatamente
a doença.
A
EM é uma doença neurológica crônica que destrói uma camada chamada mielina, que
isola as fibras do sistema nervoso central, causando sintomas como visão
embaçada, perda de equilíbrio e paralisia.
Após
o telefonema de um neurologista confirmando o diagnóstico, ela foi informada de
que receberia uma ligação dentro de uma semana sobre o planejamento de seu
tratamento.
Mas
as semanas se passaram e nenhum telefonema chegou, enquanto ela tentava se
controlar sobre as futuras dificuldades. "Foi como se eu tivesse recebido
uma granada", diz ela.
Ela
procurou focar no documentário sobre gangues de sequestradores que fazia, o que
desviava atenção de seu próprio problema.
Mas
no Natal, "a granada explodiu" e um pequeno desentendimento familiar
se transformou em "algo saído de EastEnders [a telenovela mais famosa do
Reino Unido]".
·
Trabalho tem sido a salvação
Uma
enfermeira acabou ligando para jornalista e, enquanto digeria a notícia do
diagnóstico completo, Livvy percebeu que tinha que planejar seu futuro com
muito cuidado, especialmente quando se tratava de suas investigações em lugares
perigosos.
Ela
perdeu a conta do número de noites passando frio para aguardar traficantes para
conseguir uma entrevista.
"Eles
são as pessoas menos confiáveis do mundo", diz.
Mas
seu trabalho também tem sido sua salvação — não apenas para desviar o foco de
seus problemas, mas como uma fonte improvável de apoio e empatia.
"Eu
encontro muitas pessoas com deficiência no mundo do crime", diz ela.
"À
certa altura, a maioria dos membros de gangue que entrevistava estava em
cadeiras de rodas ou tinha problemas médicos crônicos devido a tiros."
A
doença falciforme é uma condição incapacitante que ela vê com frequência. Ela é
causada por uma mutação genética, que leva o corpo a produzir hemoglobina
anormal que ganha uma forma característica de foice — daí o nome
"falciforme". Uma das consequências é a dor excruciante.
Ela
conversa sobre a vida com deficiência com um ex-membro de gangue dos Estados
Unidos. No auge de sua carreira criminosa, ele administrava 30 bocas de fumo na
cidade de Dallas. Mas sua gangue se voltou contra ele.
"Eles
atiraram na cabeça dele. A bala atravessou os nervos ópticos e ele foi deixado
à beira da morte. Ele de alguma forma conseguiu se levantar e agora está
completamente cego", diz Livvy.
Alguns
dos criminosos com quem Livvy fala também cuidam de amigos e familiares com
deficiência.
"Tantos
jovens cuidando de seus pais. Não vou justificar seus crimes por causa disso,
mas dá uma perspectiva sobre a busca pelo dinheiro", diz ela.
A
esclerose múltipla de Livvy afeta suas pernas, visão e ela sente dores no corpo
como "choques elétricos" — um conhecido sintoma de esclerose
múltipla.
Ela
também tem problemas para encontrar as palavras certas. "Eu acabo dizendo
frases bizarras porque as mensagens no meu cérebro não funcionam".
Seu
tratamento envolve receber remédios direto na veia a cada seis semanas para
ajudar a reduzir a quantidade de danos a uma camada chamada mielina, que isola
as fibras do sistema nervoso central.
A
doença também fez surgir outras questões que ela não esperava enfrentar, como
contar a possíveis parceiros sobre sua EM.
"Já
é difícil tentar namorar", diz ela. "Eu quero conhecer alguém e ter
um relacionamento estável, mas isso parece contra mim."
Como
freelancer, ela agora está tendo que repensar seu plano de vida e carreira,
para garantir que ela administre dinheiro, saúde e segurança em um trabalho
fora do convencional.
"É
um mercado difícil e estou sempre com medo de tirar uma folga", diz ela.
"Você nunca diz não a trabalhos porque teme que não ofereçam de
novo."
Mas
mesmo que sua carreira tome um rumo diferente, ela planeja continuar
conversando com suas fontes no mundo do crime que entendem o que ela está
passando.
"Conheço
um senhor que passou muito tempo na prisão e caiu da cama, causando ferimentos
horríveis nas costas. Conversamos bastante porque temos problemas em comum.
"É
muito engraçado, deixamos de falar de roubos para perguntar: 'Como está sua
saúde?'."
Fonte:
BBC Access All
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