sexta-feira, 4 de abril de 2025

Por que o dólar cai e a bolsa brasileira se segura após o ‘tarifaço’ de Trump

No dia seguinte ao anúncio das esperadas tarifas recíprocas pelo presidente dos Estados UnidosDonald Trumpos mercados financeiros globais estão em polvorosa.

O dólar é um dos ativos mais afetados. O índice DXY, que mede o desempenho da moeda americana em relação às principais moedas do mundo, está em forte queda. Por volta das 15h30, o índice caía cerca de 1,50%, atingindo a menor cotação desde setembro. No Brasil, o dólar tinha baixa de 1,32%, a R$ 5,62.

As principais bolsas de valores do mundo registram fortes quedas. Na Ásia, os mercados fecharam em baixa, com destaque para recuo de quase 3% no Japão. A Europa teve o mesmo desfecho, com quedas na casa dos 3%.

Nos EUA, a situação é ainda pior: o índice Dow Jones caía 3,47%, o S&P 500, 4,25%, e o Nasdaq recuava 5,33%.

A queda no dólar e recuo das bolsas é consequência da expectativa de que as tarifas de Trump podem levar os EUA a uma recessão econômica. Tarifas maiores também devem encarecer produtos que chegam aos EUA, subindo o preço de insumos para a produção de bens e serviços no país. É um cenário que reduz o lucro das empresas e piora a inflação.

Na contramão do mercado global, o Ibovespa, principal índice de ações da bolsa brasileira, opera quase estável, mas sustenta os 131 mil pontos. A avaliação de analistas é de que as taxas anunciadas para o Brasil, de 10%, foram as menores do tarifaço.

Além disso, as tarifas podem abrir portas para exportadores brasileiros, que podem ganhar espaço com novos parceiros comerciais.

<><> Dólar em queda, com medo de recessão no radar

Os agentes do mercado financeiro reagiram mal às tarifas anunciadas por Trump, pois há uma grande expectativa de que essas taxas possam levar o país a uma recessão.

Especialistas ouvidos pelo g1 explicam que o impacto das tarifas será sentido em duas áreas:

  • Primeiro, as taxas maiores devem gerar mais inflação;
  • Depois, a uma queda na atividade econômica.

As regiões que receberam as maiores tarifas dos EUA foram Ásia e Europa, porque são as regiões com as quais os EUA têm os maiores déficits comerciais, pontua o economista Paulo Gala, do Banco Master. (veja a lista abaixo)

O especialista explica que muitos desses países se especializaram na produção de certos produtos e têm grande presença no mercado americano, como chips taiwaneses e bebidas europeias.

Como o mercado americano consome muitos desses produtos importados, a cobrança das tarifas — que variam de 10% a 50% — deve causar um grande choque inflacionário no país.

Tanto os produtos que chegam prontos aos EUA quanto os insumos usados em várias cadeias produtivas ficarão mais caros devido às tarifas, e esse aumento de custo será repassado ao consumidor.

Após esse choque inicial, especialistas acreditam que o consumidor americano reduzirá seus níveis de consumo devido ao aumento dos preços.

Com as empresas enfrentando dificuldades para produzir bens e serviços, com insumos mais caros e redução do consumo, os EUA podem passar por um período de desaceleração econômica e até enfrentar uma recessão.

A perspectiva de recessão faz os investidores acreditarem que o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) iniciará um ciclo de cortes nas taxas de juros em breve.

Isso ocorre porque, quanto maiores os juros, mais caro fica o crédito para empresas e população, reduzindo ainda mais o nível de investimentos em produção e consumo. Assim, o mercado espera esses cortes para que a desaceleração econômica no país não seja tão intensa.

"Os investidores (já estão) passando a precificar até três cortes na taxa básica de juros dos Estados Unidos ainda neste ano", afirma Gustavo Sung, economista-chefe da Suno Reaserach. Hoje, os juros estão entre 4,25% e 4,50% ao ano.

Juros menores nos EUA reduzem a competitividade do país no cenário de ativos internacionais, pois servem de referência para a rentabilidade dos títulos públicos americanos. Esse conjunto de expectativa de recessão e juros menores é responsável pela queda do dólar no mundo neste pregão, explica Sung.

Além disso, André Valério, economista do Inter, destaca que o diferencial de juros entre Brasil e EUA também beneficia a moeda brasileira em detrimento do dólar. A Selic, taxa básica de juros brasileira, está em 14,25% ao ano e ainda há perspectiva de pelo menos mais uma alta — ao contrário das baixas esperadas nos EUA.

Com isso, a rentabilidade dos títulos públicos brasileiros torna-se muito mais atrativa do que a dos americanos, privilegiando os investimentos no país e contribuindo para a valorização do real.

<><> Bolsa brasileira em alta, na contramão do resto do mundo

Enquanto as bolsas asiáticas e europeias registram quedas de mais de 3% em alguns casos, o Ibovespa está em alta. Por volta das 13h30, o índice caía apenas 0,06%.

O analista financeiro Vitor Miziara explica que a razão para esse movimento oposto é simples: o Brasil recebeu a menor tarifa apresentada por Trump, de 10%.

"Brasil pode ser um belo beneficiado por ter uma das menores tarifas em relação a todos emergentes e exportadores para os EUA e isso pode beneficiar o mercado", diz Miziara.

Com taxas menores do que outros exportadores, os produtores americanos que importam produtos e insumos podem buscar fornecedores brasileiros e fechar mais negócios com o país, já que a tarifa menor torna a importação mais barata.

Da mesma forma, outro país que também recebeu tarifas de 10% e está em alta nos mercados, embora em menor proporção que o Brasil, é o Chile.

Além de poder exportar mais para os EUA, especialistas acreditam que, com as tarifas anunciadas por Trump para outras regiões, o Brasil também pode ter mais facilidade para negociar com outros parceiros comerciais.

Em entrevista à GloboNews, Carlos Frederico Coelho, professor de Relações Internacionais da PUC-RJ, explicou que, apesar de não serem ideais, as tarifas podem abrir novos caminhos para o Brasil.

"O Brasil não foi um dos mais prejudicados, primeiramente. A maior concentração é em relação à China, e isso deve abrir algumas oportunidades específicas para a indústria brasileira", pontua Coelho. "“O efeito que isso tem ou pode ter é abrir novos mercados, que estão sendo afetados por essas novas tarifas, para produtos brasileiros. Ganhos setoriais são possíveis para o Brasil".

¨      Lula critica 'tarifaço' de Trump

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) comentou, nesta quinta-feira (3), a decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor tarifas recíprocas a uma série de países que cobram taxas nos produtos norte-americanos, entre eles, o Brasil.

Nessa quarta-feira (2), Trump anunciou que o país passará a cobrar 10% de todas as importações do Brasil, como parte do decreto que estabelece tarifas recíprocas aos parceiros comerciais dos EUA.

Lula citou o caso nesta quinta, durante um evento com ministros, aliados e parlamentares, para fazer um balanço de governo. O evento recebeu o slogan de "Brasil dando a volta por cima".

Segundo o petista, o governo brasileiro irá responder a qualquer iniciativa de impor protecionismo, que não cabe mais ao mundo.

"Somos um país que não tolera ameaça à democracia, que não abre mão de sua soberania, que não bate continência para nenhuma outra bandeira que não seja a bandeira verde e amarela, que fala de igual para igual e que respeita todos os países — dos mais pobres aos mais ricos —, mas que exige reciprocidade no tratamento", afirmou o presidente.

"Diante da decisão dos EUA de impor uma sobretaxa aos produtos brasileiros, tomaremos todas as medidas cabíveis para proteger as nossas empresas e nossos trabalhadores brasileiros, tendo como referência a lei de reciprocidade econômica aprovada ontem no Congresso Nacional e as diretrizes da OMC", prosseguiu.

Também em reação ao anúncio de Trump, o Congresso Nacional aprovou um projeto de lei que cria um marco legal para que o governo brasileiro possa reagir a eventuais cobranças de tarifas de outros países que considere "injustas".

O texto foi chamado de Lei da Reciprocidade Econômica.

✏️ Atualmente, o Brasil não adota tarifas específicas contra este ou aquele país. O país segue hoje uma regra da Organização Mundial do Comércio (OMC) que proíbe favorecer ou penalizar um colega do bloco com tarifas.

Mas, o projeto aprovado no Congresso permite que o governo descumpra essa norma internacional.

Também determina que as medidas de retaliação do governo brasileiro deverão ser, "na medida do possível", proporcionais ao impacto econômico causado pelas medidas unilaterais de outros países ou blocos.

<><> Evento de governo

O presidente Lula cumpriu dois anos e três meses dos quatro anos de seu terceiro mandato como presidente, e optou por fazer um evento fora do Palácio do Planalto, nesta quinta (3), para destacar as ações do governo.

➡️O evento seguiu um formato diferente das cerimônias convencionais do governo federal. Em lugar do "display de autoridades" – a fileira de ministros e secretários no palco, que se reveza ao microfone –, duas apresentadoras comandaram o roteiro.

O próprio presidente Lula e a primeira-dama Janja, por sinal, se sentaram na primeira fila da plateia na parte inicial do evento. Em seguida, Lula foi convidado ao palco, onde fez um breve discurso.

¨      Revista 'The Economist' chama anúncio de tarifas recíprocas de 'Dia da Ruína'

A revista britânica "The Economist" chamou as tarifas recíprocas anunciadas pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de "Dia da Ruína", em referência ao termo usado pelo republicano na quarta-feira (2), que chamou a medida de "Dia da Libertação".

A capa da edição da revista publicada nesta quinta-feira (3) estampa uma arte de Trump abrindo um buraco abaixo de seus pés com um serrote, no formato do mapa dos EUA. No texto, a revista afirma que o presidente "cometeu o erro econômico mais profundo, prejudicial e desnecessário da era moderna".

A "Economist" alega que as tarifas irracionais do presidente Trump "causarão estragos econômicos", mas afirma que o resto do mundo pode limitar os danos. A capa da revista ainda traz a seguinte frase: "como limitar os danos globais".

O texto ainda diz que as afirmações do republicano "são um absurdo completo, e a compreensão dos detalhes técnicos foi patética". Segundo a revista, não há como evitar o caos que Trump causou na economia.

"Trump chamou este momento de um dos dias mais importantes da história americana. Ele quase está certo. Seu "Dia da Libertação" marca o abandono total dos EUA da ordem comercial mundial e a adoção do protecionismo. A questão para os países que sofrem com o vandalismo irracional do presidente é como limitar os danos", afirma o edital da revista britânica.

A "Economist" ainda diz que todas as falas de Trump esta semana foram "completamente delirantes" e que a leitura do presidente sobre a história econômica dos EUA "está de cabeça para baixo". Isso porque Trump glorifica a era de altas tarifas e baixos impostos sobre a renda do final do século XIX.

Porém, estudos mostram que as tarifas prejudicaram a economia dos EUA naquela época. Na Grande Depressão nos anos 1930, "as árduas rodadas de negociações comerciais nos 80 anos seguintes reduziram tarifas e ajudaram a aumentar a prosperidade".

"Do ponto de vista econômico, as afirmações de Trump são um completo absurdo. O presidente diz que as tarifas são necessárias para eliminar o déficit comercial dos EUA, que ele vê como uma transferência de riqueza para estrangeiros. No entanto, como qualquer um de seus economistas poderia lhe dizer, esse déficit geral surge porque os americanos escolhem poupar menos do que seu país investe—e, crucialmente, essa realidade de longa data não impediu a economia dos EUA de superar o restante do G7 por mais de três décadas", completa o texto.

Além disso, o editorial afirma que o protecionismo prejudicará tanto os consumidores americanos, que pagarão mais caro pelos produtos, quanto os próprios fabricantes, que perderão a competitividade.

<><> Quais foram as tarifas anunciadas?

Donald Trump detalhou nesta quarta-feira (2), quais serão as tarifas recíprocas que pretende cobrar de produtos importados a partir de abril.

O republicano afirmou que o país cobrará 10% de todas as importações feitas do Brasil, e as demais tarifas que serão cobradas dos países que taxam produtos norte-americanos serão ao menos metade da alíquota cobrada dos EUA.

As tarifas serão aplicadas a partir de 5 de abril. Já as tarifas recíprocas individualizadas, mais altas, serão impostas aos países com os maiores déficits comerciais com os EUA a partir do dia 9. 

Chamada pelo republicano de "Dia da Libertação", esta quarta-feira (2) marca o início de um conjunto de tarifas que, segundo Trump, libertarão os EUA de produtos estrangeiros.

"A partir de amanhã, os EUA implementarão tarifas recíprocas sobre outras nações. [...] Vamos calcular a taxa combinada de todas as suas tarifas, barreiras não monetárias e outras formas de trapaça. [...] cobraremos deles aproximadamente metade do que eles têm cobrado de nós", afirmou o presidente dos EUA.

Trump afirmou que "teria sido difícil para muitos países" cobrar a mesma alíquota cobrada dos EUA, e que daria descontos porque os americanos são "muito gentis".

"Se vocês olharem para aquela primeira linha da China, 67%, essas são as tarifas cobradas dos EUA, incluindo manipulação cambial e barreiras comerciais. [...] vamos cobrar uma tarifa recíproca com desconto de 34%", disse.

"União Europeia, eles são muito duros, comerciantes muito, muito duros. Vocês sabem, vocês pensam na União Europeia, muito amigáveis. Eles nos exploram. É tão triste de ver. É tão patético. 39%, vamos cobrar deles 20%."

¨      Macron pede suspensão de investimentos europeus nos EUA após tarifas

O presidente da França, Emmanuel Macron, pediu nesta quinta-feira (3) que as empresas europeias suspendam os investimentos planejados nos Estados Unidos depois que Donald Trump anunciou tarifas globais abrangentes nas importações norte-americanas.

"Acho que o que é importante, e isso é todo o trabalho que deve ser feito por setor, é que os investimentos futuros ou os investimentos anunciados nas últimas semanas sejam suspensos até que as coisas sejam esclarecidas com os Estados Unidos", disse Macron durante uma reunião com representantes da indústria francesa.

Macron afirmou que nenhuma resposta foi descartada ainda e sugeriu usar o mecanismo anticoerção, respostas visando serviços digitais e analisando os mecanismos de financiamento da economia dos EUA.

O presidente francês acrescentou que a resposta às tarifas recíprocas será "mais massiva" do que sua retaliação anterior às tarifas de aço e alumínio dos EUA.

Macron chamou as tarifas de "brutais e infundadas" e um choque para o comércio internacional, e que a Europa precisa responder "setor por setor".

 

Fonte: g1

 

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