terça-feira, 15 de abril de 2025

Eduardo Vasco: O retorno do grande porrete e dos tambores da guerra mundial

O período que vai de 1898 a 1945 contempla o crescimento e a consolidação do imperialismo americano e sua hegemonia global. A intensa e frenética industrialização dos Estados Unidos, assegurada a partir da unificação pós-guerra civil, com a construção das ferrovias, a formação dos monopólios industriais e sua fusão com o capital bancário, revelaram ao mundo aquele grande colosso econômico.

Esse desenvolvimento formidável das forças produtivas gerou a necessidade histórica da expansão imperialista sobre os mercados do mundo todo. Mas foi também uma expansão colonial. A burguesia americana subjugou a europeia começando pela Espanha, um dos primeiros impérios coloniais gerados pelo nascimento das relações capitalistas. A evolução do imperialismo americano se completou com a sujeição do império japonês, um dos últimos a alcançar o pleno desenvolvimento capitalista.

Como se sabe, os acontecimentos desse período foram sintomas e consequências das duas guerras mundiais. Dois dos personagens chave dessa conquista do imperialismo americano foram os parentes Theodore e Franklin D. Roosevelt. Com suas idiossincrasias, representaram o mesmo fenômeno: a obrigação imperiosa de expansão e domínio do capital americano sobre o mundo inteiro. Nesse sentido, apesar da demagogia da boa vizinhança, Franklin terminou por copiar a prática do grande porrete de Theodore.

Agora esse domínio está no ponto mais baixo. A tendência não é ser retomado, e sim superado. Mas os Estados Unidos não podem aceitar seu próprio declínio de braços cruzados. Diante da crise histórica em que o capitalismo mundial, sob a sua liderança, se encontra, é preciso retomar a velha política do grande porrete.

E essa política, ao contrário do que alguns podem pensar, não leva consigo nenhuma contradição com o protecionismo econômico. O livre-comércio é a exploração das outras nações sob a fachada da boa vizinhança ou da coexistência pacífica, embora ele também seja adepto da força bruta, quando necessário. O protecionismo, ao anular o livre-comércio, não elimina a necessidade daquela exploração. Afinal de contas, nem mesmo um país populoso e com vastos recursos naturais como os Estados Unidos tem condições de caminhar integralmente sobre suas próprias pernas. Principalmente se as forças produtivas desse país são tão desenvolvidas que as fronteiras do Estado-nação já não as comportam mais.

Assim, as tarifas de Donald Trump são acompanhadas das ameaças militares a outros países. Os panamenhos tiveram de cancelar a parceria com a Nova Rota da Seda e dois terminais portuários chineses podem ter de passar para outras mãos, ao mesmo tempo em que os navios de guerra norte-americanos terão passagem liberada. Tudo isso, depois de Trump ameaçar tomar novamente o canal do Panamá, inclusive à força.

O drama da Groenlândia também corre perigo de ter um desfecho violento. A possessão dinamarquesa guarda recursos minerais necessários para tornar a América grande novamente, além de estar localizada estrategicamente do ponto de vista militar e comercial, na ponta ocidental da nova rota do Ártico.

Nem mesmo medidas aparentemente inocentes devem ser desprezadas. Trump não renomeou o Golfo do México por romantismo nacionalista. As áreas pertencentes ao México e a Cuba contêm reservas inexploradas de petróleo e gás natural preciosíssimas para o boom econômico que o republicano quer incentivar em seu país. Considerar aquelas águas como propriedade dos Estados Unidos seria um passo em direção à concretização dos objetivos anunciados há poucos meses por Trump: perfurar, perfurar, perfurar!

A ExxonMobil praticamente já colonizou a Guiana. Controla sua economia e sua política interna e externa. Marco Rubio deixou claro, com todas as letras, em visita recente, que os Estados Unidos vão intervir militarmente para proteger a exploração de petróleo da companhia estadunidense, caso ela seja ameaçada – em especial, pela Venezuela. Uma hipotética intervenção militar direta dos EUA não asseguraria apenas o petróleo guianense, mas também levaria à desestabilização e possível queda do governo venezuelano, dono das maiores reservas de petróleo do mundo. É claro, tal intervenção também significaria um perigo elavadíssimo para o Brasil e toda a América do Sul e Latina – que o Pentágono deseja publicamente afastar da China, e nenhuma solução pode ser descartada.

Desde que invadiram e tomaram conta de uma parcela do território da Síria, os Estados Unidos literalmente roubam petróleo daquele país. É difícil encontrar um caso semelhante em qualquer momento da história recente. E as atividades, de modo geral, estão a todo o vapor e sem nenhum inconveniente. Nem a guerra fratricida, nem o Eixo da Resistência conseguiram impedir esse assalto em plena luz do dia. Agora, algo parecido poderá ocorrer na Ucrânia, mas, ao contrário da Síria, que não deu permissão aos EUA, Vladimir Zelensky já tem a proposta em suas mãos para entregar minerais e terras raras como compensação retroativa pela ajuda militar.

Os Estados Unidos estão buscando retomar uma política industrial como saída para a crise, que não para desde 2008. O caminho indicado pela Europa tende a ser seguido pelos americanos: a industrialização baseada no rearmamento. A relativa desvantagem dos EUA com relação à China não é apenas econômica, e com relação à Rússia não é apenas de influência nos países pobres. Em muitos aspectos, a indústria bélica norte-americana está defasada. Para alcançar seu objetivo de industrialização, Trump terá que apostar na indústria da guerra. E a indústria da guerra, como toda indústria, busca o lucro. Logo, os interesses dos diferentes e poderosos ramos econômicos dos EUA – como da Europa – tendem a coincidir que, no frigir dos ovos, a grande solução para seus problemas atuais e históricos não será nada senão a guerra mundial para a preservação de seu sistema, como em 1914 e em 1939.

¨      Trump, ao tentar retomar o protagonismo norte-americano no mundo, afunda a ordem ocidental em decadência. Por Luís Mauro Filho

No rescaldo da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram a dianteira da economia mundial com uma autoridade incontestável. Com infraestrutura intacta, produção industrial massiva e capitais concentrados, Washington respondia por cerca de 50% do PIB global entre os anos 1940 e início da década de 1950. 

Essa supremacia econômica sustentava a arquitetura da ordem internacional baseada em regras, moldada a partir de instituições como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o GATT (que viria a ser substituído pela Organização Mundial do Comércio em 1995) sob a liderança do bloco ocidental.

Enquanto isso, China e Sudeste Asiático encontravam-se à margem do desenvolvimento. A China comunista vivia isolada, se recuperando dos estragos profundos causados pela segunda grande guerra. Já os países do Sudeste Asiático, lutando pela saída de um sistema colonialista europeu, eram marcados por economias agrárias, conflitos internos e infraestrutura precária. Em 1970, toda a Ásia somava apenas 14% do PIB global.

Esse cenário se transformou de forma profunda e irreversível nas décadas seguintes. A partir dos anos 1980, com a abertura econômica chinesa e a consolidação dos "tigres asiáticos", a Ásia passou de periferia a centro de gravidade da economia global. Hoje, o continente responde por mais de 36% do PIB mundial. A China, sozinha, saltou de 2% em 1980 para cerca de 18% do PIB global em 2023, superando os EUA em paridade de poder de compra e consolidando-se como a maior potência comercial do planeta.

Nesse período, os EUA viram sua participação no PIB mundial encolher para cerca de 24%. O país continua sendo uma potência econômica, mas perdeu a centralidade absoluta que detinha. Com isso, sua capacidade de impor as “regras do jogo” se enfraqueceu, enquanto a Ásia passou a questionar e remodelar os arranjos institucionais globais. A ordem liberal internacional, que funcionava como vitrine do poder ocidental, tornou-se cada vez mais contestada — e menos eficaz.

A crise de legitimidade desse arranjo não é apenas econômica. O modelo liberal-democrático enfrentou retrocessos em diversos países, enquanto instituições como OMC e ONU perderam capacidade de arbitragem e autoridade. A retórica de “valores universais” colide com a realidade de um mundo multipolar e competitivo, no qual novas potências, sobretudo a China, disputam influência e oferecem alternativas.

É nesse contexto que se insere a agenda do presidente Donald Trump. Reeleito em 2024, Trump intensificou a tentativa de “reindustrialização” dos EUA, defendendo uma política econômica protecionista e nacionalista. Com base na perda de empregos industriais — cerca de 5 milhões desde os anos 1990 —, seu governo adotou medidas como tarifas generalizadas de 10% sobre importações, subsídios à indústria doméstica e incentivos fiscais a empresas que mantêm produção em solo americano.

Essa estratégia, no entanto, revela-se anacrônica. Embora as ações tenham apelo eleitoral e apontem para problemas reais da economia americana — como a desindustrialização e o déficit comercial com a China —, a resposta é limitada, pouco lógica e reativa. Não há como refazer o cenário global dos anos 1950. O comércio internacional está mais diversificado, as cadeias de produção são globalizadas e a liderança em tecnologia e inovação já não é exclusividade americana.

O protecionismo de Trump, além de fragmentar o comércio global e desgastar alianças históricas, não enfrenta as causas estruturais da perda de protagonismo dos EUA. Trata-se de uma política voltada ao passado, que ignora a complexidade do presente. A tentativa de manter artificialmente a supremacia industrial americana, por meio de tarifas e barreiras, apenas reforça a percepção de que os EUA já não agem por excelência — mas por medo da decadência.

Enquanto isso, a China avança com estratégias de longo prazo, investindo em tecnologia, infraestrutura e diplomacia econômica. O Sudeste Asiático, por sua vez, cresce em relevância como polo industrial e consumidor. A nova ordem não se define mais por um centro único, mas por uma distribuição mais fluida de poderio econômico, em que Washington é apenas mais um entre vários protagonistas.

Neste contexto, a agenda de “retomada” americana revela sua fragilidade. A insistência em restaurar uma hegemonia perdida por meios coercitivos não fortalece os EUA — apenas acelera sua marginalização. A força que moldou o século XX já não comanda o século XXI. E quanto mais luta para manter o passado, mais se afasta de qualquer protagonismo no futuro.

¨      "Os Estados Unidos perderam o jogo da globalização e decidiram virar o tabuleiro", diz José Kobori

Em entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, editor da TV 247, o professor José Kobori fez uma análise contundente sobre o atual cenário geopolítico e econômico, afirmando que os Estados Unidos, diante do fracasso de seu projeto de globalização, decidiram “virar o tabuleiro” ao perceberem que foram superados pela China. “Os Estados Unidos perderam o jogo da globalização e decidiram virar o tabuleiro”, afirmou Kobori ao comentar as medidas protecionistas e o discurso beligerante adotado pelo presidente Donald Trump. "Roubaram a bola". 

Para Kobori, os EUA criaram as regras do comércio global após a Segunda Guerra Mundial, mas, quando perceberam que outras nações estavam vencendo dentro dessas mesmas regras — como foi o caso do Japão nos anos 1980 e agora da China — passaram a tentar reescrevê-las. O professor lembrou que essa mudança de postura já ocorreu no passado, como nos Acordos de Bretton Woods e Plaza, e agora se repete com a tentativa de desacoplar a economia americana da chinesa. “Trump está tentando forçar a volta da industrialização nos Estados Unidos, mas isso esbarra em limites estruturais: custos elevados, escassez de mão de obra barata e o fato de que a China já domina cadeias produtivas inteiras”, explicou.

Segundo Kobori, a China venceu ao combinar os elementos mais dinâmicos do capitalismo com o planejamento estatal. “Ela está vencendo os Estados Unidos dentro das próprias regras que os americanos criaram. A China absorveu as tecnologias, aprendeu, melhorou e agora lidera”, disse. Para ele, a estratégia americana de expansão militar, que consumiu trilhões de dólares, cobra hoje um preço alto, com desigualdade social e perda de competitividade interna. "Todos os impérios caíram do mesmo modo", diz ele.

Kobori também destacou que o Brasil tem uma oportunidade única nesse novo cenário global, especialmente com o fortalecimento de alianças como a CELAC e o aprofundamento da relação com a China. “O Brasil pode se colocar como um país que respeita regras.  A sinalização é importante para o mundo. Mas é importante ter um verdadeiro projeto de desenvolvimento”, afirmou.

¨      “Trump administra a decadência do Império”, diz Genoino

Em sua análise sobre a política externa dos Estados Unidos durante o programa Bom Dia 247, o ex-presidente do PT José Genoino afirmou que o presidente Donald Trump, está à frente de um processo de declínio do poder global norte-americano. “Trump administra a decadência do império”, declarou Genoino, destacando o impacto da guerra tarifária com a China e os efeitos da crise geopolítica mundial.

“Trump é uma figura patética que não tem limite para suas declarações. Ele tentou aplicar tarifas para se impor como o policial do mundo, mas teve que recuar”, afirmou. Para Genoino, a China reagiu com força e “não se dobrou”, o que marca um reposicionamento no equilíbrio de poder internacional.

Na visão do ex-deputado, o tarifaço promovido por Trump ocorre em um contexto de crise multidimensional. “Vivemos a crise da transição energética, climática, social, das migrações, da geopolítica. Desde a pandemia, essa crise se aprofundou, e o tarifaço vem quando o sistema já dava sinais claros de esgotamento.”

Genoino defende que, diante desse cenário, a América Latina deve reforçar sua articulação regional. Ele vê na Celac e nos BRICS caminhos concretos para uma reorganização baseada em interesses mútuos e não em imposições externas. “A nota assinada por 30 dos 33 países da Celac foi um avanço. Mostra unidade e resistência frente ao imperialismo americano”, avaliou.

Sobre as declarações de autoridades dos EUA que se referem à América Latina como “quintal” do país, Genoino foi categórico: “Essa direita fascista não tem limite, não tem liturgia. Eles escancaram tudo. O que eles querem é que a barbárie econômica, social e militar seja normalizada.”

O ex-presidente do PT avaliou que a resposta dos governos progressistas precisa ser mais firme. “A diplomacia do Lula 3 teve ambiguidade em relação à Venezuela, à integração regional e aos BRICS. Precisamos de uma postura mais decidida.”

Segundo Genoino, o enfrentamento ao imperialismo passa por alianças estratégicas. “Temos que preservar nossos interesses e construir uma aliança geopolítica com a China. O império está em decadência e, como ele não morre de morte morrida, tem que ser enfrentado.”

Ao concluir, ele apontou que a crise atual não é conjuntural, mas estrutural: “Estamos vivendo uma crise do sistema imperialista. O império quer resolver seus problemas internos aprofundando a exploração global. Precisamos estar preparados para momentos de alta tensão e muita disputa.”

 

Fonte: Brasil 247

 

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