Eduardo
Vasco: O retorno do grande porrete e dos tambores da guerra mundial
O
período que vai de 1898 a 1945 contempla o crescimento e a consolidação do
imperialismo americano e sua hegemonia global. A intensa e frenética
industrialização dos Estados Unidos, assegurada a partir da unificação
pós-guerra civil, com a construção das ferrovias, a formação dos monopólios
industriais e sua fusão com o capital bancário, revelaram ao mundo aquele
grande colosso econômico.
Esse
desenvolvimento formidável das forças produtivas gerou a necessidade histórica
da expansão imperialista sobre os mercados do mundo todo. Mas foi também uma
expansão colonial. A burguesia americana subjugou a europeia começando pela
Espanha, um dos primeiros impérios coloniais gerados pelo nascimento das
relações capitalistas. A evolução do imperialismo americano se completou com a
sujeição do império japonês, um dos últimos a alcançar o pleno desenvolvimento
capitalista.
Como se
sabe, os acontecimentos desse período foram sintomas e consequências das duas
guerras mundiais. Dois dos personagens chave dessa conquista do imperialismo
americano foram os parentes Theodore e Franklin D. Roosevelt. Com suas
idiossincrasias, representaram o mesmo fenômeno: a obrigação imperiosa de
expansão e domínio do capital americano sobre o mundo inteiro. Nesse sentido,
apesar da demagogia da boa vizinhança, Franklin terminou por copiar a prática
do grande porrete de Theodore.
Agora
esse domínio está no ponto mais baixo. A tendência não é ser retomado, e sim
superado. Mas os Estados Unidos não podem aceitar seu próprio declínio de
braços cruzados. Diante da crise histórica em que o capitalismo mundial, sob a
sua liderança, se encontra, é preciso retomar a velha política do grande
porrete.
E essa
política, ao contrário do que alguns podem pensar, não leva consigo nenhuma
contradição com o protecionismo econômico. O livre-comércio é a exploração das
outras nações sob a fachada da boa vizinhança ou da coexistência pacífica,
embora ele também seja adepto da força bruta, quando necessário. O
protecionismo, ao anular o livre-comércio, não elimina a necessidade daquela
exploração. Afinal de contas, nem mesmo um país populoso e com vastos recursos
naturais como os Estados Unidos tem condições de caminhar integralmente sobre
suas próprias pernas. Principalmente se as forças produtivas desse país são tão
desenvolvidas que as fronteiras do Estado-nação já não as comportam mais.
Assim,
as tarifas de Donald Trump são acompanhadas das ameaças militares a outros
países. Os panamenhos tiveram de cancelar a parceria com a Nova Rota da Seda e
dois terminais portuários chineses podem ter de passar para outras mãos, ao
mesmo tempo em que os navios de guerra norte-americanos terão passagem
liberada. Tudo isso, depois de Trump ameaçar tomar novamente o canal do Panamá,
inclusive à força.
O drama
da Groenlândia também corre perigo de ter um desfecho violento. A possessão
dinamarquesa guarda recursos minerais necessários para tornar a América grande
novamente, além de estar localizada estrategicamente do ponto de vista militar
e comercial, na ponta ocidental da nova rota do Ártico.
Nem
mesmo medidas aparentemente inocentes devem ser desprezadas. Trump não renomeou
o Golfo do México por romantismo nacionalista. As áreas pertencentes ao México
e a Cuba contêm reservas inexploradas de petróleo e gás natural preciosíssimas
para o boom econômico que o republicano quer incentivar em seu país. Considerar
aquelas águas como propriedade dos Estados Unidos seria um passo em direção à
concretização dos objetivos anunciados há poucos meses por Trump: perfurar,
perfurar, perfurar!
A
ExxonMobil praticamente já colonizou a Guiana. Controla sua economia e sua
política interna e externa. Marco Rubio deixou claro, com todas as letras, em
visita recente, que os Estados Unidos vão intervir militarmente para proteger a
exploração de petróleo da companhia estadunidense, caso ela seja ameaçada – em
especial, pela Venezuela. Uma hipotética intervenção militar direta dos EUA não
asseguraria apenas o petróleo guianense, mas também levaria à desestabilização
e possível queda do governo venezuelano, dono das maiores reservas de petróleo
do mundo. É claro, tal intervenção também significaria um perigo elavadíssimo
para o Brasil e toda a América do Sul e Latina – que o Pentágono deseja
publicamente afastar da China, e nenhuma solução pode ser descartada.
Desde
que invadiram e tomaram conta de uma parcela do território da Síria, os Estados
Unidos literalmente roubam petróleo daquele país. É difícil encontrar um caso
semelhante em qualquer momento da história recente. E as atividades, de modo
geral, estão a todo o vapor e sem nenhum inconveniente. Nem a guerra
fratricida, nem o Eixo da Resistência conseguiram impedir esse assalto em plena
luz do dia. Agora, algo parecido poderá ocorrer na Ucrânia, mas, ao contrário
da Síria, que não deu permissão aos EUA, Vladimir Zelensky já tem a proposta em
suas mãos para entregar minerais e terras raras como compensação retroativa
pela ajuda militar.
Os
Estados Unidos estão buscando retomar uma política industrial como saída para a
crise, que não para desde 2008. O caminho indicado pela Europa tende a ser
seguido pelos americanos: a industrialização baseada no rearmamento. A relativa
desvantagem dos EUA com relação à China não é apenas econômica, e com relação à
Rússia não é apenas de influência nos países pobres. Em muitos aspectos, a
indústria bélica norte-americana está defasada. Para alcançar seu objetivo de
industrialização, Trump terá que apostar na indústria da guerra. E a indústria
da guerra, como toda indústria, busca o lucro. Logo, os interesses dos
diferentes e poderosos ramos econômicos dos EUA – como da Europa – tendem a
coincidir que, no frigir dos ovos, a grande solução para seus problemas atuais
e históricos não será nada senão a guerra mundial para a preservação de seu
sistema, como em 1914 e em 1939.
¨
Trump, ao tentar retomar o protagonismo norte-americano
no mundo, afunda a ordem ocidental em decadência. Por Luís Mauro Filho
No
rescaldo da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos assumiram a dianteira da
economia mundial com uma autoridade incontestável. Com infraestrutura intacta,
produção industrial massiva e capitais concentrados, Washington respondia por
cerca de 50% do PIB global entre os anos 1940 e início da década de 1950.
Essa
supremacia econômica sustentava a arquitetura da ordem internacional baseada em
regras, moldada a partir de instituições como o Fundo Monetário Internacional
(FMI), o Banco Mundial e o GATT (que viria a ser substituído pela Organização
Mundial do Comércio em 1995) sob a liderança do bloco ocidental.
Enquanto
isso, China e Sudeste Asiático encontravam-se à margem do desenvolvimento. A
China comunista vivia isolada, se recuperando dos estragos profundos causados
pela segunda grande guerra. Já os países do Sudeste Asiático, lutando pela
saída de um sistema colonialista europeu, eram marcados por economias agrárias,
conflitos internos e infraestrutura precária. Em 1970, toda a Ásia somava
apenas 14% do PIB global.
Esse
cenário se transformou de forma profunda e irreversível nas décadas seguintes.
A partir dos anos 1980, com a abertura econômica chinesa e a consolidação dos
"tigres asiáticos", a Ásia passou de periferia a centro de gravidade
da economia global. Hoje, o continente responde por mais de 36% do PIB mundial.
A China, sozinha, saltou de 2% em 1980 para cerca de 18% do PIB global em 2023,
superando os EUA em paridade de poder de compra e consolidando-se como a maior
potência comercial do planeta.
Nesse
período, os EUA viram sua participação no PIB mundial encolher para cerca de
24%. O país continua sendo uma potência econômica, mas perdeu a centralidade
absoluta que detinha. Com isso, sua capacidade de impor as “regras do jogo” se
enfraqueceu, enquanto a Ásia passou a questionar e remodelar os arranjos
institucionais globais. A ordem liberal internacional, que funcionava como
vitrine do poder ocidental, tornou-se cada vez mais contestada — e menos
eficaz.
A crise
de legitimidade desse arranjo não é apenas econômica. O modelo
liberal-democrático enfrentou retrocessos em diversos países, enquanto
instituições como OMC e ONU perderam capacidade de arbitragem e autoridade. A
retórica de “valores universais” colide com a realidade de um mundo multipolar
e competitivo, no qual novas potências, sobretudo a China, disputam influência
e oferecem alternativas.
É nesse
contexto que se insere a agenda do presidente Donald Trump. Reeleito em 2024,
Trump intensificou a tentativa de “reindustrialização” dos EUA, defendendo uma
política econômica protecionista e nacionalista. Com base na perda de empregos
industriais — cerca de 5 milhões desde os anos 1990 —, seu governo adotou
medidas como tarifas generalizadas de 10% sobre importações, subsídios à
indústria doméstica e incentivos fiscais a empresas que mantêm produção em solo
americano.
Essa
estratégia, no entanto, revela-se anacrônica. Embora as ações tenham apelo
eleitoral e apontem para problemas reais da economia americana — como a
desindustrialização e o déficit comercial com a China —, a resposta é limitada,
pouco lógica e reativa. Não há como refazer o cenário global dos anos 1950. O
comércio internacional está mais diversificado, as cadeias de produção são
globalizadas e a liderança em tecnologia e inovação já não é exclusividade
americana.
O
protecionismo de Trump, além de fragmentar o comércio global e desgastar
alianças históricas, não enfrenta as causas estruturais da perda de
protagonismo dos EUA. Trata-se de uma política voltada ao passado, que ignora a
complexidade do presente. A tentativa de manter artificialmente a supremacia
industrial americana, por meio de tarifas e barreiras, apenas reforça a
percepção de que os EUA já não agem por excelência — mas por medo da
decadência.
Enquanto
isso, a China avança com estratégias de longo prazo, investindo em tecnologia,
infraestrutura e diplomacia econômica. O Sudeste Asiático, por sua vez, cresce
em relevância como polo industrial e consumidor. A nova ordem não se define
mais por um centro único, mas por uma distribuição mais fluida de poderio
econômico, em que Washington é apenas mais um entre vários protagonistas.
Neste
contexto, a agenda de “retomada” americana revela sua fragilidade. A
insistência em restaurar uma hegemonia perdida por meios coercitivos não
fortalece os EUA — apenas acelera sua marginalização. A força que moldou o
século XX já não comanda o século XXI. E quanto mais luta para manter o
passado, mais se afasta de qualquer protagonismo no futuro.
¨
"Os Estados Unidos perderam o jogo da globalização e
decidiram virar o tabuleiro", diz José Kobori
Em
entrevista ao jornalista Leonardo Attuch, editor da TV 247, o professor José
Kobori fez uma análise contundente sobre o atual cenário geopolítico e
econômico, afirmando que os Estados Unidos, diante do fracasso de seu projeto
de globalização, decidiram “virar o tabuleiro” ao perceberem que foram
superados pela China. “Os Estados Unidos perderam o jogo da globalização e
decidiram virar o tabuleiro”, afirmou Kobori ao comentar as medidas
protecionistas e o discurso beligerante adotado pelo presidente Donald Trump.
"Roubaram a bola".
Para
Kobori, os EUA criaram as regras do comércio global após a Segunda Guerra
Mundial, mas, quando perceberam que outras nações estavam vencendo dentro
dessas mesmas regras — como foi o caso do Japão nos anos 1980 e agora da China
— passaram a tentar reescrevê-las. O professor lembrou que essa mudança de
postura já ocorreu no passado, como nos Acordos de Bretton Woods e Plaza, e
agora se repete com a tentativa de desacoplar a economia americana da chinesa.
“Trump está tentando forçar a volta da industrialização nos Estados Unidos, mas
isso esbarra em limites estruturais: custos elevados, escassez de mão de obra
barata e o fato de que a China já domina cadeias produtivas inteiras”,
explicou.
Segundo
Kobori, a China venceu ao combinar os elementos mais dinâmicos do capitalismo
com o planejamento estatal. “Ela está vencendo os Estados Unidos dentro das
próprias regras que os americanos criaram. A China absorveu as tecnologias,
aprendeu, melhorou e agora lidera”, disse. Para ele, a estratégia americana de
expansão militar, que consumiu trilhões de dólares, cobra hoje um preço alto,
com desigualdade social e perda de competitividade interna. "Todos os
impérios caíram do mesmo modo", diz ele.
Kobori
também destacou que o Brasil tem uma oportunidade única nesse novo cenário
global, especialmente com o fortalecimento de alianças como a CELAC e o
aprofundamento da relação com a China. “O Brasil pode se colocar como um país
que respeita regras. A sinalização é importante para o mundo. Mas é
importante ter um verdadeiro projeto de desenvolvimento”, afirmou.
¨ “Trump administra a
decadência do Império”, diz Genoino
Em sua
análise sobre a política externa dos Estados Unidos durante o programa Bom
Dia 247, o ex-presidente do PT José Genoino afirmou que o presidente Donald
Trump, está à frente de um processo de declínio do poder global
norte-americano. “Trump administra a decadência do império”, declarou Genoino,
destacando o impacto da guerra tarifária com a China e os efeitos da crise
geopolítica mundial.
“Trump
é uma figura patética que não tem limite para suas declarações. Ele tentou
aplicar tarifas para se impor como o policial do mundo, mas teve que recuar”,
afirmou. Para Genoino, a China reagiu com força e “não se dobrou”, o que marca
um reposicionamento no equilíbrio de poder internacional.
Na
visão do ex-deputado, o tarifaço promovido por Trump ocorre em um contexto de
crise multidimensional. “Vivemos a crise da transição energética, climática,
social, das migrações, da geopolítica. Desde a pandemia, essa crise se
aprofundou, e o tarifaço vem quando o sistema já dava sinais claros de
esgotamento.”
Genoino
defende que, diante desse cenário, a América Latina deve reforçar sua
articulação regional. Ele vê na Celac e nos BRICS caminhos concretos para uma
reorganização baseada em interesses mútuos e não em imposições externas. “A
nota assinada por 30 dos 33 países da Celac foi um avanço. Mostra unidade e
resistência frente ao imperialismo americano”, avaliou.
Sobre
as declarações de autoridades dos EUA que se referem à América Latina como
“quintal” do país, Genoino foi categórico: “Essa direita fascista não tem
limite, não tem liturgia. Eles escancaram tudo. O que eles querem é que a
barbárie econômica, social e militar seja normalizada.”
O
ex-presidente do PT avaliou que a resposta dos governos progressistas precisa
ser mais firme. “A diplomacia do Lula 3 teve ambiguidade em relação à
Venezuela, à integração regional e aos BRICS. Precisamos de uma postura mais
decidida.”
Segundo
Genoino, o enfrentamento ao imperialismo passa por alianças estratégicas.
“Temos que preservar nossos interesses e construir uma aliança geopolítica com
a China. O império está em decadência e, como ele não morre de morte morrida,
tem que ser enfrentado.”
Ao
concluir, ele apontou que a crise atual não é conjuntural, mas estrutural:
“Estamos vivendo uma crise do sistema imperialista. O império quer resolver
seus problemas internos aprofundando a exploração global. Precisamos estar
preparados para momentos de alta tensão e muita disputa.”
Fonte:
Brasil 247
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