Tarifaço
de Trump traz caos aos serviços médicos e hospitalares dos EUA
Fabricantes
de dispositivos médicos estão alertando para um possível colapso na cadeia de
suprimentos e aumento nos preços hospitalares em razão do embate comercial
entre Estados Unidos e China. A indústria, altamente integrada globalmente,
depende de peças provenientes de mais de 20 países para a montagem de um único
dispositivo, o que a torna extremamente vulnerável em uma guerra tarifária.
A
principal associação do setor nos EUA — que representa empresas que produzem
desde escâneres de ressonância magnética até monitores de glicose — advertiu
que, sem isenções tarifárias como as concedidas durante o primeiro mandato de
Donald Trump, as consequências para o setor de saúde podem ser severas.
Além
disso, a necessidade de aprovação regulatória para cada componente usado em
dispositivos médicos — que vão de equipamentos complexos a itens simples como
luvas cirúrgicas — limita a capacidade de reconfigurar rapidamente as cadeias
de fornecimento.
Neste
mês, dez grupos de lobby da área de tecnologia médica nos EUA pediram
formalmente à administração Trump isenções tarifárias para o setor, avaliado em
mais de US$ 200 bilhões anuais. As associações representam gigantes como
Medtronic, Abbott Laboratories e Johnson & Johnson. Em carta enviada ao
representante comercial dos EUA, Jamieson Greer, os grupos expressaram
preocupação com o impacto das tarifas sobre itens médicos e odontológicos.
Especialistas
apontam que os fabricantes americanos estão especialmente em risco devido às
tarifas de 145% impostas pelo governo Trump sobre importações da China —
fornecedora crucial de polímeros médicos, metais e placas de circuito.
Há
ainda o risco de tarifas recíprocas dos EUA sobre componentes vindos da União
Europeia e do sudeste asiático, suspensas por 90 dias enquanto duram as
negociações com o governo Trump.
“Fabricantes
americanos são os mais vulneráveis no momento”, afirma Heiko Schwarz, consultor
da Sphera. “A China é o segundo maior exportador mundial de peças para
ressonância magnética. Tarifas sobre essas importações podem gerar aumentos
substanciais nos custos para hospitais e pacientes dos EUA.”
Além da
China, Índia e países do sudeste asiático também são importantes fornecedores
de polímeros e metais usados em implantes e instrumentos cirúrgicos. O fluxo
desses materiais pode ser afetado pelas tarifas, elevando ainda mais os custos,
segundo Schwarz.
Dispositivos
de alto valor fabricados na Europa, como robôs cirúrgicos, também sofrem com
tarifas globais de 10% impostas pelos EUA. A britânica CMR Surgical, por
exemplo, enfrenta essa tarifa para vender nos EUA seu robô Versius — aprovado
pela FDA para procedimentos como remoção da vesícula — enquanto concorrentes
americanos exportam para o Reino Unido sem tarifas, após o governo britânico
optar por não retaliar os EUA.
Embora
dispositivos médicos não estejam cobertos pelo acordo de 1994 da OMC que isenta
medicamentos de tarifas, muitos itens chineses receberam isenção durante o
primeiro mandato de Trump por serem considerados essenciais. Agora, essa
proteção está sob ameaça.
Chandri
Navarro, do escritório Baker McKenzie, alerta que tarifas sobre China, México e
Canadá afetarão uma ampla gama de dispositivos, desde equipamentos de imagem
até máscaras e lentes de contato. A União Europeia, por sua vez, ameaça impor
tarifas retaliatórias sobre produtos médicos americanos, hoje suspensas pela
trégua temporária.
Stephen
Aherne, da PwC, destaca que mudar fornecedores não é simples, pois cada novo
componente exige aprovação regulatória — processo caro e demorado. Um único
sistema de ressonância magnética pode ter 252 peças de 15 países diferentes,
segundo a AdvaMed, principal associação de tecnologia médica dos EUA. Qualquer
alteração na origem de uma peça exige uma nova certificação.
Uma
guerra comercial em larga escala com a China também dificultaria a entrada de
fabricantes americanos no mercado chinês — um dos que mais crescem, graças à
construção de novos hospitais, conforme observa Prashant Yadav, do Council on
Foreign Relations.
Yadav
explica que, embora fabricantes tenham estoques de segurança, os preços subirão
se o impasse comercial se prolongar. Grandes empresas podem ter até 10 mil
fornecedores, com mais da metade na China, tornando-os vulneráveis a tarifas.
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Tarifas viram tormenta nos lucros de Wall Street
A
Corporate America está calculando o custo da guerra comercial de Donald Trump,
com executivos alertando sobre gastos crescentes, cadeias de suprimentos
travadas e impactos na maior economia do mundo. Embora os líderes empresariais
geralmente evitem criticar publicamente o presidente dos EUA, eles foram
forçados a confrontar suas tarifas — que incluem taxas de 145% contra a
potência exportadora China — em ligações de resultados trimestrais com
analistas neste mês.
Empresas
de transporte, energia, telecomunicações e construção civil estavam entre as
que discutiram as tarifas com Wall Street. Em seus comentários, os executivos
soaram o alarme sobre as consequências das amplas tarifas de Trump, ecoando os
avisos de economistas sobre uma recessão.
“Os
CEOs estão um grupo muito infeliz no momento”, disse Steven Purdy, chefe de
pesquisa de crédito da gestora de fundos TCW.
Trump
foi alertado sobre o impacto de suas tarifas no comércio pelos CEOs da Walmart
e Target em uma reunião na Casa Branca na segunda-feira, de acordo com uma
pessoa familiarizada com o assunto.
Embora
menos de um quinto das ações blue-chip do índice S&P 500 tivessem realizado
ligações de resultados do primeiro trimestre até terça-feira, as tarifas foram
citadas em mais de 90% delas, segundo a FactSet. O termo “recessão” foi
mencionado em 44% das chamadas, contra menos de 3% nas ligações do quarto
trimestre de 2024.
A
Norfolk Southern, um grande grupo ferroviário de carga dos EUA, disse na
quarta-feira que as tarifas poderiam retardar o transporte de carros e
contêineres intermodais, enquanto a produção de carvão pode esfriar “em meio a
uma incerteza significativa no comércio de exportação”. A Boeing também afirmou
na quarta-feira que a guerra comercial dos EUA com a China a forçaria a
encontrar compradores alternativos para alguns de seus aviões.
As
tarifas aumentarão o custo dos geradores de energia a gás, justamente quando a
demanda por eletricidade nos EUA cresce a um ritmo “diferente de tudo o que
vimos desde o fim da Segunda Guerra Mundial”, disse John Ketchum, CEO da
NextEra Energy, dona da maior concessionária de energia do país, na
quarta-feira.
A
fabricante de turbinas a gás GE Vernova disse que seus custos podem subir até
US$ 400 milhões este ano, enquanto as empresas de serviços petrolíferos
Halliburton e Baker Hughes alertaram que a guerra comercial de Trump pode
reduzir lucros, perturbar cadeias de suprimentos e pressionar os preços do
petróleo, causando uma retração na perfuração.
As
ações da Baker Hughes caíram 6,4% na quarta-feira após a empresa dizer que as
tarifas podem custar até US$ 200 milhões em lucros antes de juros, impostos,
depreciação e amortização este ano — um impacto de cerca de 4%.
AT&T
e Verizon, dois dos maiores grupos de telecomunicações dos EUA, alertaram que
as tarifas podem aumentar o preço de aparelhos telefônicos e roteadores sem
fio.
“Se a
tarifa for tão alta quanto dizem nos aparelhos, não planejamos cobrir isso em
nosso trabalho. Simplesmente não será possível”, disse o CEO da Verizon, Hans
Vestberg, a analistas nesta semana.
A
Boston Scientific afirmou que as tarifas custarão à fabricante de dispositivos
médicos cerca de US$ 200 milhões este ano, mesmo com o aumento de sua
orientação de lucro. A Johnson & Johnson manteve sua previsão de lucro
anual na semana passada, mas destacou US$ 400 milhões em custos relacionados
principalmente a tarifas sobre dispositivos médicos.
Na 3M,
o CEO William Brown disse que “as tarifas serão um obstáculo este ano”. A
fabricante de fita adesiva e Post-it afirmou que tentará amenizar o golpe
realocando produção e estoque em sua rede de 110 fábricas e 88 centros de
distribuição, cortando custos e aumentando preços.
“Estamos
tentando ser bastante inteligentes, estratégicos e cirúrgicos com isso”, disse
Brown.
Na
construtora PulteGroup, o CEO Ryan Marshall disse que as tarifas adicionarão em
média US$ 5 mil ao preço de venda de novas casas.
“Seja a
volatilidade no mercado de ações, preocupações com a inflação induzida por
tarifas, a flutuação das taxas de juros ou o crescente debate sobre recessão, a
demanda em abril tem sido mais volátil e menos previsível dia a dia”, disse
Marshall a analistas.
A
empresa aeroespacial e de defesa RTX disse que pode sofrer um impacto de US$
850 milhões no lucro operacional antes de impostos devido às tarifas de Trump,
se elas permanecerem até o fim do ano. A GE Aerospace afirmou que aumentará
preços para compensar cerca de US$ 500 milhões em custos extras.
Os
executivos têm reagido à política comercial dos EUA, que muda rapidamente.
Trump suspendeu no início de abril as chamadas tarifas recíprocas contra a
maioria dos países por 90 horas após entrarem em vigor, enquanto aumentava as
tarifas sobre a China.
Ele
planeja isentar montadoras de algumas tarifas, informou o Financial Times na
quarta-feira.
Purdy,
da TCW, disse que os CEOs estão presos em uma espécie de animação suspensa
enquanto a política comercial muda. “Eles não sabem se vão acordar em seis
meses em uma nova ordem mundial ou se isso vai parecer um pesadelo”, disse
Purdy.
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Trump começa a “beijar a bunda” de Wall Street
Trump
modera discurso populista após pressão de Wall Street.
Donald
Trump descreveu sua guerra comercial como um esforço ousado para priorizar as
preocupações da classe trabalhadora americana, cumprindo uma promessa feita à
Main Street após décadas de globalização.
Mas
Wall Street tem a atenção do presidente.
Trump
suavizou seu discurso hostil em relação à China e ao presidente do Federal
Reserve, Jerome Powell, após a queda do mercado na segunda-feira e diante da
pressão de alguns dos principais interesses empresariais do país.
A
Câmara de Comércio alertou a Casa Branca que as novas tarifas prejudicarão
pequenas empresas com menos capacidade de reorganizar suas cadeias de
suprimento ou antecipar estoques, segundo Neil Bradley, vice-presidente
executivo da entidade.
Os CEOs
de grandes varejistas — Walmart, Target e Home Depot — também se reuniram com
Trump esta semana, confirmou um funcionário da Casa Branca. Suas preocupações
ecoaram os apelos privados de doadores ricos, que procuraram assessores
sêniores e, em alguns casos, o próprio Trump, segundo três fontes próximas ao
governo.
Os
comentários recentes de Trump indicam que ele ouviu esses argumentos. E mostram
que o secretário do Tesouro, Scott Bessent — com mais credibilidade junto a
Wall Street — consolidou seu papel central após convencer Trump a recuar de
parte das tarifas há duas semanas.
“Ele
envia uma mensagem mais racional e tranquilizadora aos interlocutores”, disse
um aliado da Casa Branca, sob anonimato.
Aliados
tentam convencer Trump de que o que é bom para Wall Street também é bom para a
Main Street, contra o discurso de Trump e figuras como o secretário de Comércio
Howard Lutnick, que defendem que o público precisa suportar sacrifícios para
reequilibrar relações comerciais e trazer de volta a indústria aos EUA.
O
aliado explicou que Bessent argumenta com Trump que Wall Street, mesmo
indiretamente, afeta a Main Street. Se o mercado reagir negativamente e
empresas cortarem gastos, o impacto será sentido no cotidiano das pessoas. “Não
precisamos agradar Wall Street, mas precisamos nos comunicar”, disse ele.
Apesar
da retórica desafiadora, Trump mostra-se sensível à pressão financeira. Ele
suspendeu parte das tarifas de 25% sobre Canadá e México após pressão das três
maiores montadoras americanas. Admitiu que a pausa de 90 dias em tarifas
recíprocas foi resposta ao mercado de títulos e à previsão de Jamie Dimon, CEO
do JP Morgan Chase, de que haveria recessão.
Ao ser
perguntado na quarta-feira sobre conversas com Pequim, Trump respondeu
afirmativamente: “Ativamente. Está tudo ativo. Todo mundo quer fazer parte do
que estamos fazendo.”
A fala
pode ter buscado acalmar investidores preocupados com as tarifas de 145% sobre
exportações chinesas e com a ausência de diálogo com Xi Jinping. “Às vezes,
Trump piora o problema antes de melhorá-lo”, disse o aliado.
Enquanto
isso, Bessent afirmou em discurso que não houve conversas com a China,
aparentemente contradizendo Trump. O aliado acredita que Trump pode fazer o
primeiro movimento. Outro funcionário da Casa Branca confirmou que um
telefonema para Xi é “possível”.
Mas a
mudança de estratégia pouco resolveu o problema central apontado por Wall
Street: a oscilação imprevisível nas tarifas, que gera incerteza, desacelera o
crescimento e afasta investimentos dos EUA.
Ken
Griffin, doador bilionário republicano e fundador da Citadel, alertou que a
abordagem do governo ameaça a “marca” dos mercados de títulos e do dólar.
“Precisamos respeitar e fortalecer essa marca, ou pode levar uma vida inteira
para reparar os danos”, disse ele em evento do Semafor.
Questionado
sobre sua mensagem a Wall Street, Bessent pediu paciência. “Há um processo em
curso”, disse, destacando que apenas “15 relações comerciais” são realmente
relevantes. “A economia não depende de Bahamas ou Costa Rica.”
Mas não
é só Wall Street que está preocupada.
Desde
que Trump assumiu em janeiro, sua aprovação geral oscilou entre 45% e pouco
acima de 50%. Isso mostra apoio mais amplo do que em seu primeiro mandato, mas
abre margem para queda. E essa queda começou desde o anúncio das tarifas
“recíprocas” no “Dia da Libertação”, que provocou forte queda nos mercados.
Pesquisa
da CNBC mostrou que o apoio à condução da economia atingiu o nível mais baixo
da presidência: 43% de aprovação e 55% de reprovação. E 49% dos entrevistados
acreditam que a economia vai piorar.
Segundo
pesquisa da Universidade de Michigan, o sentimento do consumidor e as
expectativas de inflação caíram desde janeiro, independentemente da filiação
partidária. E uma pesquisa da Gallup mostrou que 53% dos americanos afirmam que
sua situação financeira pessoal piorou, incluindo 28% dos republicanos.
Um
operador político republicano próximo à Casa Branca afirmou que o governo sabe
que os dados das pesquisas são “mistos”, mas espera melhora até as eleições
legislativas de novembro.
“Eles
sabem da ansiedade, mas também que a maioria ainda dá o benefício da dúvida a
Trump”, disse. “Se formos às urnas com os mercados em queda de 20%, vamos ter
uma noite ruim. Mas acham que os mercados vão se recuperar.”
O
pesquisador republicano Chris Wilson, da Eyes Over, disse que dados mostram
republicanos superando democratas quando o tema são tarifas, mesmo com o
sentimento econômico em baixa.
“Isso
mostra que os eleitores não rejeitam as tarifas, mas querem uma estratégia
clara”, disse Wilson. “Quando os republicanos falam em tarifas como forma de
trazer a indústria de volta ou em uma estratégia de comércio ‘América
Primeiro’, a recepção é positiva — especialmente no Rust Belt e em estados
decisivos.”
Alguns
republicanos apostam na lealdade da base de Trump para superar os efeitos
negativos da política.
Adam
Geller, pesquisador que trabalhou em um super PAC pró-Trump em 2024, disse que
grupos focais mostram que os eleitores não confiam mais na mídia, o que ameniza
os efeitos da cobertura negativa.
“Não
somos mais um país que escuta algum economista respeitado em um estúdio de
Manhattan dizendo o que pensar”, disse Geller. “As pessoas buscam informação em
podcasts, redes sociais e concluem que Trump está lutando pela indústria, pelos
empregos e por acordos comerciais justos.”
Um
funcionário da Casa Branca negou que o recuo retórico de Trump responda aos
mercados, afirmando que o governo não se deixa levar por “solavancos” de curto
prazo, e sim por dados como empregos, investimentos e desregulamentação.
Ele
citou o investimento de US$ 1,2 bilhão da Chobani em uma nova fábrica em Nova
York como prova de confiança empresarial. “Empresas não investem nos EUA se não
acreditam na política do presidente”, disse.
“Há
alguns dias, parecia que tudo ia piorar antes de melhorar”, disse Mark Hackett,
estrategista-chefe de mercado da Nationwide. “Mesmo que não estejam reagindo à
volatilidade, o mercado age como se estivessem. E isso importa tanto quanto.”
Fontes
próximas à Casa Branca acreditam que os primeiros acordos comerciais estão
próximos, com possíveis negociações iniciais com Japão, Índia, Argentina, Reino
Unido e outros, o que validaria a estratégia de Trump e mostraria a Wall Street
que o plano está no caminho certo.
Mas
reconhecem erros estratégicos do governo ao lidar com déficits comerciais.
Um
ex-assessor republicano com laços no governo disse que, exceto pelo
representante comercial Jamieson Greer — que não teve papel central —, ninguém
na equipe sabe como fechar acordos comerciais.
O
governo poderia convencer outros países a reduzir tarifas, mas enfrentar
barreiras não tarifárias é mais difícil. “A equipe atual foi ingênua ao entrar
nisso sem saber como fechar acordos. E estão descobrindo que, por exemplo, o
Japão não vai permitir importação de arroz dos EUA”, afirmou o ex-assessor. “E
isso vale para várias outras coisas.”
Fonte: Financial
Times/O Cafezinho

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