Em defesa da festa nas arquibancadas
Futebol sem torcida não é nada.” Tornou-se
uma máxima frequentemente repetida na era dos excessos hipercapitalistas do
futebol. Proclamado décadas atrás por Jock Stein, emblemático ex-técnico do
Celtic, o slogan foi recentemente atribuído erroneamente a Matt Busby, técnico
do Manchester United na década de 1960, e posteriormente reapropriado por Keir
Starmer em uma investida tipicamente pouco convincente para atrair o público.
Como os tempos mudaram. As elites reclamam
das multidões no futebol desde o século XIV, quando Eduardo II emitiu uma
proclamação proibindo o esporte, lamentando que “há muito barulho na cidade
causado pela disputa por bolas, da qual muitos males podem surgir”. Dada a
hegemonia global do futebol moderno no século XXI, parece extraordinário que,
tão recentemente quanto 1985, o Sunday Times tenha publicado um editorial
descrevendo o jogo como “um esporte da ralé, praticado em estádios da ralé e
cada vez mais assistido pela ralé”. É um veredito ainda mais chocante quando se
percebe que foi veiculado após o horrível incêndio no estádio Valley Parade, em
Bradford City, onde cinquenta e seis torcedores perderam a vida.
Os fãs de futebol, como todos os grupos de
pessoas, não são uniformemente bons, morais e educados. É verdade que, por um
tempo, nas décadas de 1970 e 1980, manifestações racistas, a presença
organizada da extrema direita e a violência casual tornaram-se incrivelmente
comuns em — ou depois de — partidas de futebol (particularmente, mas não
exclusivamente, na Inglaterra). Em 1983, a situação havia piorado tanto que os
ministros do esporte do Conselho da Europa se reuniram para discutir como deter
o que um deles chamou de “terrorismo no futebol”. A crise no esporte, àquela
altura, já vinha se formando há algum tempo, ligada a pânicos morais mais
amplos sobre a delinquência juvenil e a violência entre jovens do sexo
masculino. Stuart Hall alertou, no final da década de 1970, sobre uma “espiral
de amplificação”, na qual relatos exagerados da mídia exacerbavam os medos de
problemas, que alimentava apelos por repressão policial e judicial e que, por
sua vez, alimentava uma resposta mais conflitiva perante os torcedores, e assim
por diante.
A violência hedonista e o machismo de uma
pequena minoria deram à imprensa de direita britânica a oportunidade de usar a
linguagem vociferante e desumanizante que refletia seus sentimentos sobre todas
as formas de cultura jovem da classe trabalhadora: “TUMULTO! Os fãs do United
são animais” (Sunday People, 1975); “SELVAGENS! ANIMAIS!” (Daily Mirror, 1975);
“Esmague esses bandidos” (The Sun, 1976). Em uma mórbida prévia das tragédias
que logo se seguiriam — mais notavelmente Hillsborough em 1989, onde uma grave
negligência policial levou à morte de noventa e sete torcedores, mudando o jogo
para sempre — o Daily Mirror fez a seguinte sugestão em 1977:
Outra ideia seria colocar essas pessoas em
“complexos para hooligans” todos os sábados à tarde. […] Eles deveriam ser
reunidos, de preferência em um local público. Assim, poderiam ser
ridicularizados e expostos pelo que são — idiotas irracionais sem respeito pela
propriedade ou bem-estar alheio. Deveríamos garantir que os tratamos como
animais — pois seu comportamento prova que é isso que eles são.
Desde Hillsborough e as reformas que se
seguiram, a experiência do público foi gentrificada a ponto de se tornar
irreconhecível. Derrotistas lamentam que “o jogo acabou”, mas esse pessimismo
não se reflete na realidade. Há muito o que lamentar sobre um esporte
administrado por petro-Estados e autoridades caricaturalmente corruptas como a
FIFA, mas o futebol também se abriu consideravelmente para mulheres, pessoas
não-brancas e torcedores LGBTQIA+; a extrema direita foi em grande parte
expulsa e forçada a buscar outras vias de recrutamento; e as brincadeiras, a
catarse e a alegria coletiva ainda permanecem, mesmo que — infelizmente —
tenham um preço mais alto.
A verdade do slogan cooptado por Jock Stein
nunca foi tão bem ilustrada quanto durante a pandemia. Quando os esportes
profissionais retornaram em junho de 2020, após um hiato de três meses, o
fizeram sem torcida e a portas fechadas. Os alemães tinham um termo para essa
visão enervante: geisterspiele, ou estádios fantasmas. O espetáculo normalmente
estridente de uma partida disputada diante de 70.000 pessoas gritando sua
paixão e fúria em uníssono foi reduzido a um balé televisionado estéril e quase
silencioso. Tudo lembrava o filme experimental Dogville, de Lars von Trier,
onde o cenário de uma pequena cidade é reduzido a contornos de giz em um piso
preto, como uma produção teatral especialmente espartana.
As emissoras mergulhavam os espectadores
ainda mais fundo nesse vale misterioso, introduzindo sons falsos de torcida.
Era possível desligar essa trilha sonora artificial, mas restava o vazio de
tudo, pancadas ocasionais da bola ou gritos distantes dos jogadores ecoando
pelas vastas e brilhantes arenas da Premier League. Era uma surpresa o quão
monótono tudo se tornava, como se você tivesse sintonizado uma sessão de
treinamento no parque local por engano. A maioria dos torcedores de futebol que
conheço não suportava o silêncio assustador e não assistia aos jogos. Parecia
uma sátira um tanto exagerada do estado das coisas sob o capitalismo tardio:
atomizados, presos em nossas casas, tecnologicamente conectados ao mundo
exterior e cada vez mais alienados por causa disso.
Isso trouxe à tona o motivo pelo qual vamos
aos jogos, e a qualquer outro evento esportivo, na verdade: não para ver melhor
a ação (você tem uma visão muito melhor assistindo em uma grande tela plana em
casa), mas para vivenciar a força emocionante e a solidariedade da torcida.
Esse arrepio de excitação nervosa pode ser uma sensação física por si só, uma
ansiosa descarga de adrenalina. Você sabe que a sobrecarga sensorial será quase
avassaladora e, ao se aproximar do estádio, pode sentir suas ondas murmurantes
de energia coletiva emanando de um epicentro, mesmo antes de ouvi-las ou
vê-las, em ondulações e depois em ondas.
Assistindo ao Osasuna, time navarro, jogar na
primeira divisão da Espanha em uma fria noite de janeiro, meu anfitrião, Natxo,
me levou para ver aos “ultras” do clube, a maioria deles vestidos de preto, com
bandeiras hasteadas como os manifestantes antifascistas que haviam marchado
pelo centro de Pamplona no dia anterior. O estádio do Osasuna é conhecido por
ter a melhor atmosfera da La Liga devido à sua intensidade e arquitetura “à
inglesa”, com arquibancadas vertiginosamente íngremes que fazem você se sentir
como se estivesse quase no topo do campo — e (raro na Espanha) uma nova forma
de arquibancada em pé, onde cada portador de ingresso recebe um assento
numerado, mas pode optar por ficar em pé, se desejar. Isso é chamado pelas
autoridades de “em pé seguro”.
Felizmente, os detalhes mais sutis das
intenções das autoridades não haviam chegado ao povo de Navarra, e ficamos em
três fileiras, com a densidade de uma roda punk. Natxo abaixou o assento de
plástico atrás de mim e subiu nele, apoiando-se no meu ombro para se
equilibrar, enquanto outros se espalhavam e enchiam os corredores. Todos se
amontoavam em busca de proximidade e solidariedade.
Ensinaram-me cânticos e hinos em espanhol e
basco, todos cantados em um volume ensurdecedor, e quando o Rayo Vallecano,
time adversário, marcou o primeiro gol, a música continuou sem a menor pausa
para reclamações ou protestos — como se os acontecimentos em campo fossem
totalmente alheios à nossa presença. Lembrei-me de outro cântico, popular em
todo o mundo hispânico: “Alcohol, alcohol, alcohol, alcohol, alcohol/Hemos
venido a emborracharnos y el resultado nos da igual”. O primeiro verso deve ser
bastante claro; o segundo, fundamental, diz algo como “Não nos importamos com o
resultado; viemos só para nos embebedar”.
Eu sugeriria ajustar a famosa frase de Jock
Stein de acordo com as prioridades corretas: futebol sem torcedores não é nada
— e o futebol realmente não importa.
Fonte: Por Dan Hancox – Tradução Pedro Silva,
em Jacobin Brasil

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