segunda-feira, 28 de abril de 2025

Étienne Balibar: Analisar o lugar do racismo no nacionalismo é decisivo

As organizações racistas em geral recusam que as denominem como tais, assumindo o nacionalismo e proclamando a irredutibilidade das duas noções. Seria apenas uma tática de defesa ou o sintoma de um medo das palavras inerente à atitude racista? Na realidade, os discursos que falam da raça e da nação jamais estiveram muito distantes um do outro, a não ser sob a forma de uma negação: assim, a presença de “imigrantes” no solo nacional seria a causa de um “racismo antifrancês”. A própria oscilação do vocabulário nos sugere, então, pelo menos em um Estado nacional que não tem mais a obrigação de se constituir, que a organização do nacionalismo em movimentos políticos particulares inevitavelmente encobre o racismo.

Pelo menos alguns historiadores se serviram disso como prova para mostrar que esse — enquanto discurso teórico e como fenômeno de massa — se desenvolve “no campo do nacionalismo” onipresente na época moderna.1 Assim, o nacionalismo seria, se não a única causa do racismo, de qualquer maneira a condição determinante de sua produção. Em outras palavras, as explicações “econômicas” (devido a crises) ou “psicológicas” (devido à ambivalência do sentimento de identidade pessoal e de pertencimento coletivo) não teriam pertinência exceto à medida que esclarecessem os pressupostos ou as repercussões do nacionalismo.

Essa tese, sem dúvida, confirma que o racismo não tem nada a ver com a existência de “raças” biológicas objetivas.2 Ela mostra que o racismo é um produto histórico ou cultural, escapando ao mesmo tempo do equívoco das explicações “culturalistas” que, por outro viés, tendem também a fazer do racismo uma espécie de invariante da natureza humana. Ela tem a vantagem de romper o círculo que remete a psicologia do racismo a explicações que, na verdade, são exclusivamente psicológicas. Enfim, ela preenche uma função crítica relativa às estratégias de eufemização de outros historiadores que tomam muito cuidado para situar o racismo fora do campo do nacionalismo enquanto tal, como se fosse possível defini-lo sem nele incluir os movimentos racistas e, portanto, sem remontar às relações sociais que os induzem e que são indissociáveis do nacionalismo contemporâneo (particularmente, o imperialismo).3 Todavia, esse acúmulo de boas razões não implica necessariamente que o racismo seja uma consequência inevitável do nacionalismo nem a fortiori que, sem a existência de um racismo manifesto ou latente, o próprio nacionalismo seria historicamente impossível.4 A falta de nitidez das
categorias e das articulações persiste. Não devemos temer pesquisar longamente suas razões, que tornam inoperante qualquer “purismo” conceitual.

[…]

Por que é tão difícil definir o nacionalismo? Em primeiro lugar, porque o conceito jamais funciona sozinho, mas sempre faz parte de uma cadeia da qual ele é o elo central e, ao mesmo tempo, o elo mais frágil. Essa cadeia é constantemente enriquecida (de acordo com as modalidades que, aliás, variam de uma língua para outra) por novos termos intermediários ou extremos: civismo, patriotismo, populismo, etnismo, etnocentrismo, xenofobia, chauvinismo, imperialismo, jingoísmo… Desafio qualquer pessoa a fixar, de uma vez por todas, de modo unívoco, esses diferenciais de significação. Mas me parece que sua concepção geral pode ser interpretada de maneira muito simples.

No que diz respeito à relação nacionalismo-nação, a ideia central contrasta uma “realidade”, a nação, com uma “ideologia”, o nacionalismo. Todavia, essa relação é compreendida por uns e por outros de diferentes maneiras, pois nela estão subentendidas várias questões obscuras: será que a ideologia nacionalista é reflexo (necessário ou circunstancial) da existência das nações? Ou são as nações que se constituem a partir de ideologias nacionalistas (admitindo-se a possibilidade de que estas, ao atingirem seu “objetivo”, sejam em seguida transformadas por ele)? Será que a própria “nação” — e esta questão evidentemente não é independente das anteriores — deve ser, antes de mais nada, considerada um “Estado” ou uma “sociedade” (uma formação social)? No momento, deixemos de lado essas discussões, assim como as variantes que podem delas surgir por meio da introdução de termos como cidade, povo, nacionalidade…

No que se refere à relação entre nacionalismo e racismo, a ideia central contrasta agora uma ideologia e uma política “normais” (o nacionalismo) com uma ideologia e um comportamento “excessivos” (o racismo), seja para opô-los, seja para fazer de um a verdade do outro. Aqui também perguntas e outras diferenciações conceituais surgem imediatamente. Mais que concentrar nossa reflexão no racismo, não seria conveniente privilegiar a alternativa nacionalismo/imperialismo, mais “objetiva”? Mas esse confronto faz emergirem outras possibilidades: por exemplo, que o próprio nacionalismo seja o efeito ideológico-político do caráter imperialista das nações ou de sua sobrevivência em uma época e um contexto imperialistas. Podemos também complicar a cadeia nela introduzindo noções como fascismo e nazismo, com uma rede de perguntas a eles relacionadas: tanto um quanto o outro são nacionalismos? Imperialismos?

De fato, e é o que indicam todas essas perguntas, a cadeia é inteiramente povoada por uma questão fundamental. Quando, “em alguma parte” dessa cadeia histórico-política, entra em cena uma violência intolerável, aparentemente “irracional”, onde é preciso colocar essa entrada em cena? É preciso fazer um corte numa sequência em que, mais uma vez, somente entram “realidades”? Ou junto aos conflitos “ideológicos”? Aliás, será que é preciso considerar a violência como perversão de uma situação normal, um desvio em relação à hipotética “linha reta” da história humana, ou é preciso admitir que ela representa a verdade dos momentos anteriores e, desse ponto de vista, desde o nacionalismo, e até mesmo desde a existência de nações, o germe do racismo estaria no centro da política?

É evidente que, para todas essas questões, existe, conforme o ponto de vista dos observadores e as situações que eles refletem, uma enorme variedade de respostas. No entanto, considero que, em sua própria dispersão, elas não fazem nada além de girar em torno de um mesmo dilema: a noção de nacionalismo não para de se dividir. Há sempre um “bom” e um “mau” nacionalismo: o que tende a construir um Estado ou uma comunidade e o que tende a subjugar, a destruir; o que se refere aos direitos e o que se refere ao poder; o que tolera os outros nacionalismos e até mesmo os justifica, incluindo-os numa mesma perspectiva histórica (o grande sonho da “primavera dos povos”), e o que os exclui radicalmente, numa perspectiva imperialista e racista. O que concerne ao amor (até excessivo) e o que concerne ao ódio. Em última análise, a divisão interna do nacionalismo parece tão essencial e tão difícil de delimitar quanto a mudança de “morrer pela pátria” para “matar por seu país”… A multiplicação de termos “vizinhos”, sinônimos ou antônimos, é apenas a exteriorização disso. Acredito que ninguém escapou formalmente dessa reinscrição do dilema no próprio conceito de nacionalismo (e, quando foi expulsa da teoria, entrou de novo pela porta da prática), mas ela é ainda mais visível na tradição liberal, o que provavelmente se explica pelo equívoco muito profundo das relações do liberalismo e do nacionalismo há pelo menos dois séculos.5 É preciso notar também que, ao avançar um pouco essa discussão, as ideologias racistas podem, então, imitá-la e usá-la: não é função de noções como a do “espaço vital” simplesmente suscitar a questão do “lado bom” do imperialismo ou do racismo? E o neorracismo cuja proliferação observamos hoje, por meio da antropologia “diferencialista” e da sociobiologia, não se esforça constantemente para distinguir o que seria inevitável e, na realidade, útil (certa “xenofobia” que incita os grupos a defenderem seu “território”, sua “identidade cultural”, para preservar entre eles a “boa distância”) do que seria inútil e nocivo em si (a violência direta, a passagem ao ato), ainda que inevitável quando não se conhecem as exigências elementares da etnicidade?

Como sair desse círculo? Não basta demandar, como alguns analistas nos últimos tempos, a recusa dos julgamentos de valor, ou seja, a suspensão do julgamento sobre as consequências do nacionalismo em conjunturas diferentes6 ou, ainda, considerar o próprio nacionalismo estritamente como efeito ideológico do processo “objetivo” de constituição das nações (e dos Estados-nações).7 Na verdade, a ambivalência dos efeitos faz parte da própria história de todos os nacionalismos, e é precisamente isso que se deve explicar. Desse ponto de vista, a análise do lugar do racismo no nacionalismo é decisiva: mesmo que o racismo não seja visível da mesma maneira em todos os nacionalismos ou em todos os momentos da história, ele sempre representa, no entanto, uma tendência necessária a sua constituição. Em última análise, essa imbricação remete às circunstâncias nas quais os Estados-nações, estabelecidos em territórios historicamente contestados, se esforçaram para controlar os movimentos de população e para a própria produção do “povo” como comunidade política superior às divisões de classes.

¨      O real sentido da política revolucionária negra. Por Marcos Queiroz

O século XX foi celeiro da práxis revolucionária anticolonial, em que as lutas por libertação africana se associavam ao antirracismo nas Américas e às reivindicações de soberania política de outros povos ao redor do mundo. No entanto, a repressão sistematizada pelas potências ocidentais, o assassinato de lideranças, a capitulação de políticos do Sul global e a emergência da ordem neoliberal enterraram o sopro transformador vindo da Conferência de Bandung em 1955. Para concretizar sua vitória, a lógica neocolonial do capital silenciou essa tradição rebelde, seja pelo apagamento das suas bases marxistas, seja pela bajulação da descolonização de gabinete, descolada do destino das maiorias planetárias.

Em África Vermelha, Kevin Ochieng Okoth vasculha as ruínas dessa experiência em busca de alternativas teóricas e organizativas para construir o futuro. Em um primeiro momento, é apresentado um panorama do deslocamento neoliberal da crítica ao colonialismo. As teorizações da decolonialidade, do afropessimismo e de certo pensamento negro produzidas nas instituições do Atlântico Norte são analisadas em seu pano de fundo comum: o antiuniversalismo, as dificuldades em tecer laços de solidariedade, a identitarização romântica dos subalternizados e a transformação da ação política no ato de “retirar-se” do combate em detrimento da organização programática e coletiva. Ao secundarizar a crítica da economia política, o novo campo da descolonização priorizou as questões do “saber” e da moral. Os vínculos entre soberania e liberdade saem de cena para dar lugar às disputas por museus, postos acadêmicos, bolsas de pesquisa e fontes de financiamento — de preferência, nas metrópoles imperiais.

Para enfrentar o rebaixamento teórico e estratégico, Kevin resgata a tradição socialista e comunista da libertação nacional africana. Amílcar Cabral, Andrée Blouin, Mario Pinto de Andrade, Maryse Condé, Eduadro Mondlane e outros formam um legado afromarxista que nos ajuda a lidar com os becos sem saída contemporâneos, em especial quando a crítica anticolonial é reduzida a reflexões solipsistas, atrativas a um mercado editorial mais preocupado com os lucros da “pedagogia branca” do que com a destruição dos fundamentos racistas do capitalismo. Num momento em que o antirracismo se encontra em uma encruzilhada entre sua acomodação liberal e a perseguição aberta do fascismo, o passado-presente da África Vermelha ilumina os reais sentidos da política revolucionária negra — e por que ela ainda é e deve ser temida pelo imperialismo. 

 

Fonte: Blog da Boitempo

 

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