Guilherme Defina: ‘O Papa Francisco – entre
os pobres e o Vaticano’
A morte de Jorge Mario Bergoglio, o Papa
Francisco, sela com solenidade ambígua uma das experiências mais inquietantes
do catolicismo contemporâneo. Para uns, um pontífice populista e quase herege;
para outros, o último respiro evangélico antes da burocratização definitiva da
fé. Entre a denúncia profética e a suspeita doutrinal, Francisco encarnou uma
contradição viva: a de um papa jesuíta, latino-americano, comprometido com os
pobres – mas dentro das muralhas de uma Igreja milenar, hesitante entre o altar
e a praça.
Não foi o primeiro a despertar fantasmas –
tampouco será o último a deixar feridas abertas. Mas foi talvez o único a
arrastar, com autoridade pontifícia, os dilemas teológicos da América Latina
para o coração de Roma. Sob sua batina branca pulsava, ainda que domesticada, a
centelha da Teologia da Libertação. E com ela, a memória do Cristo pobre, da
Igreja dos oprimidos e da esperança em tempo presente.
Neste ensaio, nos propomos a pensar a morte
do Papa Francisco não como um epílogo, mas como sintoma. Sintoma de um
catolicismo que, ao tentar responder aos apelos do mundo, tropeça nas sombras
de sua própria tradição. À luz da crítica conservadora católica – especialmente
aquela desenvolvida por Gustavo Corção –, interrogamos os sentidos e os limites
de uma Igreja “em saída”. O que resta da mística quando o dogma se abre à
política? É possível conjugar a opção preferencial pelos pobres sem dissolver a
fidelidade à ortodoxia?
Contra o entusiasmo dos progressistas e o
desprezo dos reacionários, talvez caiba aqui uma terceira via – não a do centro
conciliador, mas a da leitura crítica, situada e contextual. A figura do Papa
Francisco não será compreendida nem em slogans pastorais nem em anátemas
doutrinários. Ela exige um retorno às raízes das disputas que marcam o
catolicismo latino-americano desde o século XX, especialmente àquelas que
opuseram tradição e profecia, mística e práxis, o Cristo Rei e o Cristo
subversivo.
·
O Papa Francisco entre
os pobres e o Vaticano – da Teologia da Libertação ao “marxismo eclesiástico”
No princípio, havia a suspeita. Quando o
cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi alçado à cátedra de Pedro em 2013,
não foram poucos os que, à direita e à esquerda, estranharam o gesto. Os
primeiros viam com inquietação o sotaque portenho do novo papa, sua liturgia
austera e sua recusa ostensiva aos protocolos do poder. Os segundos temiam, com
igual intensidade, que a promessa de renovação não passasse de encenação.
Afinal, o que poderia fazer um jesuíta de hábitos silenciosos, saído de uma das
províncias mais conservadoras da Companhia de Jesus, num Vaticano ainda
traumatizado pelo curto e rígido papado de Bento XVI?
O que se viu, porém, foi o progressivo
desdobramento de um pontificado que não se deixaria definir por categorias
fáceis. O Papa Francisco não foi – como tantos desejaram ou temeram – um “papa
da Teologia da Libertação”. Mas tampouco a renegou. Incorporou-lhe os gestos, o
vocabulário, os interlocutores. Canonizou mártires, visitou favelas, promoveu
sínodos regionais. Acima de tudo, reafirmou com insistência quase incômoda a
“opção preferencial pelos pobres”, não como um adereço pastoral, mas como chave
hermenêutica da própria fé cristã. Com isso, recolocou no centro da doutrina
aquilo que há décadas fora relegado às margens da diplomacia eclesiástica.
Se os documentos do Vaticano II haviam
insinuado uma abertura, foram os teólogos latino-americanos – Gustavo
Gutierrez, Leonardo Boff, Ignacio Ellacuría – que a levaram às últimas
consequências, resgatando a figura de um Cristo encarnado na luta dos povos.
Contra essa tradição se insurgiu o conservadorismo católico, tanto europeu
quanto latino-americano, que viu na Teologia da Libertação uma contaminação da
fé por um marxismo travestido de pastoral. Gustavo Corção foi um de seus
críticos mais enfáticos. Para ele, toda tentativa de politizar o Evangelho era
uma forma de corrupção espiritual – uma entrega da mística ao mundo, do
mistério ao método.
O Papa Francisco, nesse cenário, é uma figura
desconcertante. Ele não abraçou o marxismo, tampouco silenciou diante das
injustiças sociais. Sua crítica ao capitalismo global – sistemática e reiterada
– não partia do materialismo histórico, mas de uma leitura evangélica radical.
Seu engajamento com os pobres não era revolucionário nos moldes da luta de
classes, mas restaurador de uma eclesiologia esquecida. E, ainda assim, foi
acusado por setores conservadores de ser o “papa comunista”. Jorge Mario Bergoglio
pagou o preço de não caber nos rótulos: foi visto como herético por uns e
tímido por outros, exatamente por tentar reabilitar, a partir do centro, aquilo
que fora rejeitado pela periferia do poder.
O que está em jogo, no fundo, é a tensão
irresoluta entre o mistério e a missão. Para Corção, o mistério é anterior e
superior à práxis – é aquilo que nos retira da história para nos lançar ao
sagrado. Para o Papa Francisco, a missão não dilui o mistério, mas o manifesta:
Deus não está fora do mundo, mas encarnado nele – especialmente onde há dor,
miséria e abandono. O desacordo, portanto, não é apenas político ou pastoral. É
ontológico. Trata-se de duas formas de conceber a fé: uma como guarda do sagrado,
outra como fermento no mundo. Uma como muralha, outra como caminho.
Com sua morte, o Papa Francisco talvez tenha
encerrado a última tentativa de resgatar, a partir do trono, a memória
subversiva do Evangelho. Resta saber se a Igreja – essa instituição tão afeita
a enterrar vivos e canonizar cadáveres – encontrará coragem para continuar o
que ele, em sua ambiguidade e ousadia, apenas começou.
·
Gustavo Corção e o
catolicismo do mistério – crítica ao mundo moderno e à Igreja em mutação
Se há algo que Gustavo Corção jamais tolerou
foi a diluição do sagrado na política. Ao longo de sua trajetória como pensador
católico, a modernidade aparecia não como palco da redenção possível, mas como
laboratório da perdição. A secularização, o racionalismo, o progressismo – tudo
isso era, para ele, sintoma de uma civilização doente, que havia trocado o
mistério pela máquina, a liturgia pelo discurso, a alma pelo sistema. Ao
contrário dos teólogos da libertação, Gustavo Corção via na política não um caminho
para o Reino, mas um atalho para o pecado – e talvez, em última instância, para
a perdição da própria Igreja.
A fé, para ele, não precisava ser útil,
aplicável, performática. Ela era um ato interior, um salto no invisível, uma
adesão radical ao mistério. O cristianismo que pregava não procurava
transformar estruturas sociais, mas salvar almas. Em suas palavras, era
necessário “resgatar a infância espiritual”, recuperar a capacidade de
maravilhar-se diante do mundo – aquilo que ele chamava de “saúde do espírito”.
E foi justamente essa “infância espiritual” que ele não enxergava nos teólogos
da libertação, a quem acusava de instrumentalizar a fé em nome de projetos
ideológicos.
Se comparado ao Papa Francisco, Gustavo
Corção parece pertencer a outra Igreja – mais antiga, mais cerrada, mais
desconfiada do mundo. E de fato, em certa medida, pertence. Mas essa comparação
revela algo mais profundo: a batalha nunca pacificada entre dois modos de ser
católico. Um que desconfia do tempo presente, outro que aposta na sua redenção.
Um que enxerga na tradição o último refúgio contra o caos; outro que a vê como
instrumento vivo, passível de conversão contínua.
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A morte do papa como
alegoria: fim de um ciclo ou início de outro?
A morte de um papa nunca é apenas biológica –
é litúrgica, política, simbólica. Com o Papa Francisco, não se sepulta apenas
um homem de carne e ossos, mas uma tentativa, uma gramática, um gesto.
Enterra-se o último grande representante de um catolicismo pastoral que ousou
articular justiça social e ortodoxia, sem que uma engolisse a outra. E, ao
mesmo tempo, abre-se espaço para a rearticulação das forças que sempre
buscaram, em nome da pureza doutrinal, silenciar a dimensão terrena do
Evangelho.
Mas talvez o que morra com o Papa Francisco
não seja apenas um modo de governar a Igreja, e sim uma figura teológica: o
papa como ponte. Ponte entre doutrina e mundo, entre liturgia e rua, entre
Trento e Medellín. E como toda ponte, sustentada pela tensão. Sua morte reabre
a fissura: quem será agora o mediador entre o mistério e a história?
A resposta, talvez, não venha da cúpula, mas
das margens. Nas periferias do mundo católico – aquelas mesmas que o Papa
Francisco visitou, abraçou e fez escutar –, o cristianismo segue vivo, não como
ideologia ou aparato, mas como presença.
Em última instância, a morte do Papa
Francisco é um espelho. Reflete uma Igreja dilacerada entre dois impulsos: o de
conservar a fé e o de encarná-la. O de guardar o fogo e o de espalhá-lo. E
nesse dilema, tão antigo quanto a própria tradição apostólica, talvez esteja o
segredo da Igreja: não escolher um lado, mas suportar o peso de ser ambos.
Gustavo Corção, com sua mística do
recolhimento, e o Papa Francisco, com sua teologia da saída, são menos
antagonistas do que parecem. Ambos denunciaram, à sua maneira, os ídolos do
tempo presente – o mercado, o Estado, o ego. Ambos sabiam que não há Igreja
viva sem tensão. E ambos, por vias diferentes, apontaram para o mesmo
horizonte: um Deus que não cabe em nenhum sistema.
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A geopolítica papal e a última
batalha de Francisco. Por Fábio Nobre
Quando, no dia 27 de março de 2020,
em um momento crítico da pandemia global de COVID-19, Jorge Bergoglio caminhou
em direção a um púlpito na fantasmagoricamente vazia Praça de São Pedro, ele
estava sozinho. As
palavras do Papa Francisco durante a benção urbi et orbi, no
entanto, ecoaram, de fato, na cidade de Roma e no mundo.
Entronado
– ainda que num trono modesto, de madeira – no cargo de sumo pontífice da
Igreja Católica em 2013, o argentino inaugurou uma era de
redirecionamentos na instituição. Desde o início de seu pontificado, Jorge
Mario Bergoglio sinalizou uma inflexão significativa na simbologia
político-ritual da Igreja Católica. A escolha de vestes mais simples, a
renúncia aos ornamentos tradicionais e ao uso do trono, bem como a adoção do
nome Francisco, indicam um afastamento deliberado dos símbolos mais
característicos do poder eclesiástico tradicional. Essa mudança representou,
para muitos católicos, uma ruptura com a lógica de cunho imperial que marcou a
Igreja durante a Idade Média. Diversos são os movimentos que o fizeram uma
das figuras mais carismáticas e queridas a ocupar o cargo nos tempos modernos,
assim como muitos são seus detratores e críticos. Seria improdutivo listar
todos os campos em que Francisco pareceu sozinho, mas fez sua voz e sua vontade
ecoar, na direção de uma Igreja mais atuante em temas até então inexplorados,
muitos deles controversos.
Mais
impactantes em termos políticos, ainda que menos visíveis que sua decisão de
não ocupar os aposentos papais nem utilizar objetos de luxo, foram as posturas
contrárias ao sistema adotadas por Francisco. Essas atitudes revelam uma
intenção clara de reduzir a distância entre a instituição eclesiástica, os
fiéis e os não pertencentes à Igreja, ao mesmo tempo em que buscam
dar respostas às pressões internas vindas de setores expressivos da
comunidade católica.
Durante
as congregações gerais que precederam o conclave, realizadas entre os dias 4 e
11 de março de 2013, três diretrizes principais foram amplamente acolhidas
pelos cardeais como prioridades do novo pontífice, conforme resumidas
pelo jornalista italiano Marco Politi: promover uma
reforma da cúria para torná-la mais funcional e transparente, reestruturar o
Instituto para as Obras de Religião (conhecido como Banco do Vaticano) e
fomentar uma dinâmica de colegialidade, por meio de consultas regulares entre o
papa, o colégio cardinalício e as conferências episcopais nacionais.
As
primeiras viagens internacionais de um novo Chefe de Estado costumam ser
interpretadas por analistas como indicadores de sua estratégia geopolítica,
suas prioridades e seus métodos de inserção no cenário global. No caso do Papa
Francisco, cuja posição acumula também o status de Chefe de
Estado do Vaticano, tais deslocamentos geraram expectativas quanto ao perfil
geopolítico que marcaria sua liderança na Santa Sé. Sim, a própria
geopolítica papal foi transformada de forma significativa, durante o papado de
Francisco. Falar em geopolítica costuma remeter aos aspectos mais
militarizados da interação entre os Estados. Da mesma forma, por muitas vezes,
essa discussão parece limitada ao jogo das grandes potências, no entanto, o
Microestado do Vaticano, sob a batuta de Bergoglio, acabou se tornando um ator
dos mais ativos nesse tabuleiro.
Apesar
de inicialmente demonstrar certa hesitação quanto às viagens e
entrevistas, o papa argentino passou a utilizar intensamente ambos os recursos.
As conversas realizadas durante os voos de retorno de suas visitas apostólicas
tornaram-se momentos-chave para a imprensa mundial, dada a franqueza e a
amplitude dos temas abordados. Nessas ocasiões, Francisco responde a questões
relacionadas tanto aos países visitados quanto a temas mais amplos da Igreja e
da conjuntura internacional.
Tais
entrevistas renderam ao avião papal o apelido de “Air Force One do
Vaticano”, em alusão à aeronave presidencial dos Estados Unidos, pois ali
o pontífice expõe com liberdade sua visão de mundo e o papel que, em sua
concepção, a Igreja deve desempenhar. Diversas declarações feitas nesses voos
repercutiram intensamente na mídia internacional — como a afirmação,
durante o retorno da Coreia do Sul, de que o mundo estaria vivenciando
uma “Terceira Guerra Mundial em capítulos”. Assim, suas palavras ganham
eco não apenas entre os fiéis católicos, mas também junto a outras lideranças
políticas globais e segmentos diversos da população mundial.
Conforme
levantamento recente feito pela Agência Reuters, entre 2013 e abril
de 2025, o Papa Francisco realizou 47 viagens
internacionais, visitando mais de 65 países em todos os continentes habitados.
Suas últimas visitas incluíram países como Indonésia, Singapura,
Timor-Leste, Papua-Nova Guiné, Bélgica, Luxemburgo e a ilha francesa da
Córsega – mas lugares como o Mianmar e a Indonésia, além da visita
inaugural a Lampedusa, porta de entrada dos refugiados na Itália, são
demonstrativos da mudança de eixo geopolítico. Essas viagens reforçaram sua
disposição de se engajar com diferentes culturas e regiões, mesmo diante de
condições adversas.
Como
aponta a professora italiana Anna Carletti (Unipampa),
hoje radicada no Brasil, cada papa é filho de seu tempo e ao mesmo tempo pai de
sua época. O exercício do pontificado é moldado pelas vivências
acumuladas antes da eleição papal. Ao assumirem o cargo, os pontífices
já carregam consigo uma estrutura de pensamento político consolidada,
fruto de uma trajetória construída ao longo dos anos como seminaristas,
sacerdotes, bispos e cardeais. Essa formação é profundamente influenciada
pelo contexto específico em que atuaram, incluindo os aspectos demográficos,
geográficos, políticos e econômicos do território onde exerceram seu ministério
e que impactam diretamente a vida das comunidades locais. Com Francisco, isso
não foi diferente, mas ele era diferente, quanto às suas origens e visões de
mundo – sul-americano, jesuíta, e metropolitano – e isso resultou numa
geopolítica papal singular.
Na
primeira metade de seu pontificado, o Papa Francisco realizou viagens a
diversas regiões do mundo, com destaque para a Ásia, África, Europa e
Américas. Na Ásia Oriental e Sudeste Asiático, visitou seis países: Coreia
do Sul, Sri Lanka, Filipinas, Mianmar, Bangladesh, Tailândia e
Japão — estes dois últimos incluídos em sua viagem de 2019,
totalizando quatro deslocamentos à região. No Oriente Médio e Norte
da África, visitou Egito, Jordânia, Palestina, Israel e
Emirados Árabes Unidos. Na África Subsaariana, esteve no Quênia,
Uganda e República Centro-Africana, além de visitar Marrocos, Moçambique,
Madagascar e Maurício. Na Europa, incluiu em seu itinerário países como
Itália, Albânia, Bósnia-Herzegovina, Grécia (ilha de Lesbos), Polônia, Suécia,
Suíça, Portugal (Santuário de Fátima) e a sede da União Europeia em
Estrasburgo. Em 2018, viajou à Irlanda, França e Romênia, e estava
programada para 2020 uma visita à Hungria. No eixo euro-asiático,
visitou Turquia, Armênia, Geórgia, Azerbaijão e, entre 2018 e 2019, os países
bálticos (Lituânia, Letônia, Estônia), Bulgária e Macedônia. Na América
Latina, foi a sete países da América do Sul — Brasil, Equador,
Bolívia, Paraguai, Colômbia, Chile e Peru — em quatro viagens. Uma
visita à Argentina e ao Uruguai estava prevista para 2020, mas foi
cancelada em virtude da pandemia da COVID-19. Na América Central, passou por
Cuba e El Salvador, além de ter participado da Jornada Mundial da Juventude no
Panamá, em 2019. Na América do Norte, visitou o México e os Estados Unidos.
O continente americano foi a região mais visitada por
Francisco, com onze países contemplados, sendo sete apenas na América do Sul, que abriga doze nações independentes. Essa
atenção se justifica pelo perfil demográfico da fé católica: segundo o Anuário Pontifício de 2025, a
população católica cresceu nos cinco continentes, com
a África registrando o maior aumento percentual, e reúne
20% dos católicos de todo o planeta. No
continente americano ocorreu um crescimento de 0,9% no
biênio, o que consolidou sua posição como o continente ao qual
pertencem 47,8% dos católicos do mundo. Na Ásia houve um crescimento
de católicos de 0,6% no biênio, seu peso em 2023 é de cerca de 11% no mundo
católico. A Europa, abriga em média 20,4% da comunidade católica
mundial, continua sendo a área menos dinâmica, com um crescimento no número de
católicos no biênio de apenas 0,2%.
A
análise do itinerário internacional do Papa Francisco revela uma reorientação
geopolítica significativa da Igreja Católica sob sua liderança, deslocando o
eixo de atenção do tradicional centro eurocêntrico para as periferias do
sistema internacional. Suas escolhas de destino — frequentemente
voltadas ao Sul Global e a contextos de vulnerabilidade histórica, como regiões
marcadas por conflitos, pobreza estrutural ou exclusão
étnico-religiosa — evidenciam uma opção preferencial pelos “condenados da terra”, evocando a
expressão de Frantz Fanon. Com essa inflexão pastoral e diplomática, Francisco
reafirmava a vocação universal da Igreja, mas enraizada nos clamores dos
que sofrem, reposicionando a Santa Sé como uma voz crítica diante das
injustiças globais e como agente de reconciliação nos espaços onde a dignidade
humana continua negada.
Num
momento em que os olhos do mundo se voltam à Roma, em especial para uma
discreta chaminé que será instalada temporariamente no teto da Capela Sistina,
esperando que a cor da fumaça que ela emitirá indique o destino da Igreja,
parece importante entender também quais lugares do mundo a nova fumaça
alcançará. Enquanto muitos esperam um retorno ao conservadorismo de
antecessores, é sabido que Francisco municiou o Colégio Cardinalício de forma a
tentar evitar o descarte completo do seu trabalho.
Pode,
portanto, a Geopolítica Papal estabelecida por Francisco sobreviver à sua
partida? O resultado do Conclave nos trará indicativos, mas apenas o tempo vai
confirmar se as portas abertas pelo argentino, para o Sul Global, a paz e o
olhar para os mais desolados seguirão abertas, ou se sua voz se tornará apenas
um sussurro passado numa praça vazia.
Fonte: A Terra é Redonda/Le Monde

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