sábado, 26 de abril de 2025

Leonardo Attuch: O efeito Trump até agora é um só - destruição da marca EUA e o fortalecimento da marca China

Nesta quarta-feira, participei de uma roda de conversa promovida pelo embaixador da China no Brasil, Zhu Qingqiao. O encontro reuniu jornalistas e acadêmicos para debater o tema da guerra comercial. A conclusão inevitável é a de que, até agora, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem conseguindo destruir a credibilidade da marca “Estados Unidos” e, involuntariamente, ele também fortalece a imagem internacional da China como país comprometido com a cooperação, a estabilidade e o multilateralismo.

O embaixador apresentou uma análise estruturada da guerra tarifária iniciada pelos Estados Unidos. Segundo ele, trata-se de uma ofensiva não apenas contra a China, mas contra a ordem internacional baseada em regras e cooperação, representando o risco de retorno à “lei da selva”. As tarifas unilaterais impostas por Washington violam os fundamentos do comércio internacional e criam instabilidade global. Sua exposição foi baseada em cinco princípios: regras, direitos, equidade, credibilidade e solidariedade.

Ao falar sobre regras, o embaixador lembrou que o sistema multilateral de comércio é fruto de décadas de construção coletiva. Ao romper com esse sistema, os Estados Unidos abrem mão da previsibilidade e da legalidade internacional, substituindo a cooperação pelo domínio de força. No campo dos direitos, o embaixador destacou que o desenvolvimento deve ser universal. Os Estados Unidos, ao invés de promover reformas internas para reforçar sua competitividade, tentam transferir seus desequilíbrios ao resto do mundo por meio de tarifas e coerção, negando o direito ao desenvolvimento de outras nações.

Sobre equidade, ele criticou o falso argumento da “reciprocidade” adotado por Washington. Citou o exemplo do Brasil, com quem os EUA mantêm forte superávit comercial, inclusive em serviços, e mesmo assim impõem novas tarifas, violando o princípio da complementaridade entre as economias. No capítulo da credibilidade, o embaixador foi enfático: “Um país que rasga acordos internacionais compromete sua própria reputação”. Ele alertou ainda que a instabilidade política e comercial dos Estados Unidos representa hoje uma das principais fontes de incerteza global.

No quinto ponto, o da solidariedade, ele destacou que a China não deseja conflitos, mas está pronta para reagir com firmeza. As contramedidas adotadas, apoiadas pela população chinesa, visam proteger não apenas os interesses chineses, mas também a ordem internacional e os interesses comuns de países em desenvolvimento.

·        Quebra de preconceitos e nova percepção

No encontro, compartilhei minha percepção sobre o que observo nas redes sociais: mesmo nas big techs estadunidenses – como X, Instagram e YouTube – há cada vez mais conteúdo positivo sobre a China e uma visão crítica sobre o que ocorre nos Estados Unidos. Acrescentei também que o interesse do público pela China nunca foi tão grande. Multiplicam-se lives, debates e reportagens sobre sua trajetória de desenvolvimento. Essa curiosidade crescente está ajudando a romper preconceitos históricos – inclusive em relação ao sistema político chinês, que tem o Partido Comunista da China como sua espinha dorsal. O embaixador reforçou que, de fato, a crise trouxe uma oportunidade: a de que haja uma melhor compreensão internacional sobre o modelo chinês – e sobre por que motivos ele efetivamente funciona para a sociedade chinesa.

Outro ponto central abordado pelo embaixador foi o papel das empresas. Ele fez um apelo direto para que as empresas brasileiras ampliem sua cooperação com as empresas chinesas. Segundo ele, o fortalecimento das relações entre China e Brasil não deve depender apenas de iniciativas governamentais. O setor privado tem um papel decisivo a cumprir, identificando oportunidades, promovendo investimentos e construindo alianças duradouras.

Nesse contexto, ganha relevância a reunião China-CELAC, marcada para 13 de maio, como um momento estratégico para transformar discursos em ações concretas. O encontro, que reunirá países da América Latina e do Caribe, será uma oportunidade crucial para aprofundar o diálogo e firmar parcerias em áreas como comércio, infraestrutura, tecnologia e sustentabilidade.

O embaixador também apresentou dados que mostram a resiliência da economia chinesa. No primeiro trimestre deste ano, a China cresceu 5,4%, superando as expectativas, mas isso ocorreu antes do tarifaço. Segundo o embaixador, nesta nova etapa, será fortalecida a “dupla circulação", com mais estímulos ao mercado interno chinês por meio de estímulos fiscais.

Ao final de sua exposição, o embaixador citou o economista Adam Posen, que comparou a guerra tarifária com a China a um possível “Vietnã econômico” dos Estados Unidos – uma batalha prolongada, custosa e autodestrutiva, que tem como consequência a queda da influência global de Washington.

O fato concreto é que, hoje, a marca “Estados Unidos” está associada à instabilidade, à imprevisibilidade e à imposição de força. Já a marca “China” começa a ser vista, em diversas partes do mundo, como sinônimo de racionalidade, planejamento, continuidade e cooperação. O mundo está mudando rapidamente, e o Brasil, como país-chave do Sul Global, tem tudo a ganhar ao estreitar seus laços com quem aposta no diálogo, na estabilidade e no futuro compartilhado.

¨      Pequim endurece o jogo e mira Washington

Pequim pediu aos EUA que “cancelassem completamente todas as medidas tarifárias unilaterais” se quiserem conversações comerciais, em alguns dos comentários mais fortes da China até agora sobre o impasse entre as duas superpotências econômicas do mundo. Pequim disse nesta quinta-feira (24) que “no momento, não há negociações econômicas e comerciais entre a China e os Estados Unidos”, apesar de sinais recentes de suavização da disputa por parte de Washington. O secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou nos últimos dias que a guerra comercial “não é sustentável” e “haveria uma desescalada por ambos os lados”.

“As medidas tarifárias unilaterais foram iniciadas pelos EUA”, disse He Yadong, porta-voz do ministério do comércio da China. “Se os EUA realmente querem resolver o problema, eles deveriam… cancelar completamente todas as medidas tarifárias unilaterais contra a China e encontrar uma maneira de resolver as diferenças por meio de um diálogo igualitário.”

Pequim tem mantido que os EUA devem dar o primeiro passo para desescalar a crise, que ameaça provocar uma separação econômica dura entre as economias dos dois países.

A China também tem dito consistentemente que sua “porta está aberta” para conversas, mas qualquer insistência de que os EUA removam unilateralmente suas tarifas como pré-condição para negociações representaria uma significativa endurecimento de sua posição.

Em uma escalada tit-for-tat, o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs tarifas adicionais à China de 145% neste mês, e Pequim respondeu com 125% — tarifas que Bessent disse na terça-feira equivalerem a um “embargo”.

Trump desde então começou a suavizar algumas das medidas, concedendo isenções para smartphones, semicondutores e eletrônicos e afirmando que os EUA e a China estavam em contato direto “todos os dias”.

Na terça-feira, o presidente disse que as tarifas seriam reduzidas “substancialmente” e que um acordo seria fechado “bem rapidamente”.

Mas o ministério das relações exteriores da China disse na quinta-feira que qualquer relato de que a China e os EUA estavam próximos de um acordo era “notícia falsa”.

“Não houve consultas ou negociações entre a China e os Estados Unidos sobre tarifas, quanto mais a conclusão de um acordo”, disse o porta-voz do ministério, Guo Jiakun.

O porta-voz do ministério do comércio, He, disse que “quem amarrou o sino [no tigre] deve ser o responsável por desamarrá-lo”, referindo-se a um provérbio chinês que significa que quem cria um problema deve ser o responsável por resolvê-lo.

He disse que Pequim manteve “uma atitude aberta em relação às consultas e ao diálogo”, mas “pressionar, ameaçar e extorquir não são as maneiras corretas de lidar com a China”.

“A guerra comercial é aquela que os EUA instigaram unilateralmente… se eles querem negociar, devem mostrar sinceridade e voltar ao caminho correto de diálogo e consultas iguais”, disse He.

Bessent afirmou na terça-feira que qualquer desescalada na guerra comercial teria que ser mútua, negando relatos de que Trump poderia cortar unilateralmente as tarifas sobre os produtos chineses.

Analistas chineses argumentam que a imposição de altas tarifas pelos EUA dificulta que Pequim encontre uma maneira de desarmar a crise.

O presidente da China, Xi Jinping, acharia difícil se envolver pessoalmente com Trump na guerra comercial, a menos que isso fosse precedido por extensas negociações para elaborar um acordo, dizem eles.

¨      China supera Estados Unidos pela primeira vez como influência positiva no mundo

Pela primeira vez em dez anos, a China ultrapassou os Estados Unidos em uma pesquisa global sobre países que têm influência positiva no cenário internacional. Em média, 49% das pessoas entrevistadas em 29 países afirmam que a China exerce papel positivo nas relações internacionais, um aumento de 10 pontos percentuais nos últimos seis meses.

Nesse mesmo período, a percepção sobre os Estados Unidos caiu significativamente, passando de 59% para 46%. Essa queda ocorreu em 26 dos 29 países pesquisados pela Ipsos, e foi especialmente expressiva no Canadá.

Entre os canadenses, apenas 19% agora consideram os Estados Unidos uma força positiva no mundo. Seis meses atrás, esse índice era de 52%. Essa redução de 33 pontos é a maior já registrada desde o início dessa série histórica, em 2015.

A polarização política interna nos Estados Unidos também se reflete nesses números. Atualmente, 85% dos republicanos acreditam que seu país terá um impacto positivo globalmente, enquanto apenas 45% dos democratas pensam o mesmo. Na média geral americana, o índice caiu para 63%, o menor nível registrado na última década.

Israel e Irã continuam sendo vistos como os países com menor influência positiva no cenário internacional. No entanto, a pontuação do Irã melhorou nos últimos seis meses, assim como as de China, Paquistão, Rússia e Arábia Saudita.

Chris Jackson, vice-presidente sênior da Ipsos nos Estados Unidos, comentou os resultados: “Três meses após o início do segundo governo Trump, e seis meses após sua eleição, a reputação dos Estados Unidos como uma força para o bem no mundo sofreu um golpe significativo, especialmente entre aliados tradicionais na Europa e no Canadá. Isso contraria diretamente as promessas repetidas de Donald Trump de restaurar o respeito mundial pelos Estados Unidos. No entanto, dado o foco interno de muitos americanos, é improvável que a base MAGA perceba nossa posição reduzida no cenário internacional.”

A Ipsos entrevistou 22.715 adultos com menos de 75 anos, entre 21 de março e 4 de abril, nos 29 países analisados. A pesquisa anterior foi realizada entre 20 de setembro e 4 de outubro de 2024, a pedido do Halifax Security Forum.

¨      A turbulência na economia global. Por Vijay Prashad

Em 22 de abril de 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu relatório anual World Economic Outlook, que traz um subtítulo discreto, porém decisivo: Um Momento Crítico e Mudanças de Política. O relatório, mais uma vez um trabalho extenso dos economistas do FMI e seus associados, tenta entender os tarifas primeiro ameaçadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, depois adiadas e, em seguida – como se a confusão não fosse suficiente – mantidas e aumentadas contra a China. O FMI tenta argumentar que, ao longo de 2024, "o crescimento global foi estável" e que a atual desaceleração deve-se em grande parte à "incerteza" e "imprevisibilidade" das tarifas de Trump.

O FMI divulga este relatório durante a semana anual de reuniões do Fundo e do Banco Mundial. No início dos encontros, a diretora-geral do FMI, Kristalina Georgieva, refletiu sobre a situação da economia global e afirmou que a turbulência se deve principalmente a uma "erosão da confiança". Segundo ela, os países não confiam mais uns nos outros como antes, nem no sistema internacional. Além da reversão das tarifas, o FMI diz que é necessário reconstruir a confiança nos assuntos econômicos internacionais.

Sussurros nos bastidores das reuniões do FMI e do Banco Mundial giram em torno da irracionalidade do governo Trump e, especialmente, da imprevisibilidade das próprias declarações de Trump. Ao lado do chefe da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), Trump disse em uma coletiva de imprensa na Casa Branca que o Canadá "não é um país de verdade", mas seria "um excelente estado dos EUA". Esse tipo de comentário vira piada nos corredores do evento, onde homens e mulheres de terno mantêm expressões sérias, preocupados com os grandes assuntos de Estado.

<><> Erros de Avaliação

Um dos grandes equívocos na análise do FMI é a suposição de que as economias ocidentais estavam estáveis no ano passado. Embora seja verdade que a ameaça das tarifas e depois as próprias tarifas aplicadas contra a China tenham criado um "grande choque negativo ao crescimento", não é verdade que as taxas de crescimento esperadas para este ano fossem atingir novos patamares.

Nos EUA, o crescimento tem ficado significativamente abaixo da tendência histórica desde a crise financeira de 2007-08, provocada pelo colapso do subprime. Na verdade, o crescimento acumulado desde então tem sido menor do que durante a Grande Depressão. Nos 17 anos após a quebra de 1929, o PIB dos EUA cresceu em média 3,7% ao ano, enquanto nos 17 anos desde a Crise Financeira Internacional, a média foi de apenas 2,0%.

Em outubro de 2024, o FMI projetou que os EUA cresceriam 2,2%, mas desde então revisou a previsão para 1,8%. Enquanto isso, no mesmo período, estimou um crescimento de 4,5% para a China e 6,5% para a Índia – muito acima não só da projeção para os EUA, mas também da média das economias avançadas (1,8%). As tarifas de Trump certamente agravaram os problemas dos EUA, mas não são a causa. O crescimento lento é uma realidade há quase duas décadas.

Sobre essa lentidão, o novo World Economic Outlook do FMI é surpreendentemente vago. O relatório sugere que o "principal desafio macroeconômico" dos EUA é a sua dívida pública federal, que chega a US$ 36,2 trilhões (124% do PIB). Dez países do Norte Global estão entre os vinte com as maiores razões dívida/PIB: Japão (266%), Grécia (193%), Itália (151%), EUA (124%), Portugal (122%), Espanha (117%), França (112%), Bélgica (111%), Canadá (109%) e Reino Unido (105%). Reduzir o déficit pode fazer sentido macroeconômico, mas não propõe, por si só, um caminho de volta ao crescimento. Cortes no bem-estar social reduziriam ainda mais o consumo privado. E o sonho de Trump de revitalizar a indústria estadunidense não se concretizará apenas com a redução do déficit federal – seria necessário um redirecionamento massivo de recursos para a industrialização. Sem atacar os padrões de vida, isso só seria possível com medidas como a redução dos gastos militares exorbitantes ou a reforma do sistema de saúde privado, grotescamente ineficiente. Políticas que Trump não adotará.

<><> Conselhos Equivocados

Na verdade, o FMI dá conselhos notoriamente ruins ao governo chinês. O relatório sugere que a China deveria imitar os EUA, e não o contrário. O FMI afirma que a China deve "aumentar o consumo privado, historicamente baixo" e "reduzir políticas industriais e a presença estatal no setor". Em outras palavras: abandonar o seu perfil de crescimento de longo prazo e se tornar como os EUA, de crescimento lento!

Em novembro de 2024, o FMI publicou um estudo interessante dos seus economistas (Dirk Muir, Natalija Novta e Anne Oeking), intitulado China’s Path to Sustainable and Balanced Growth [O Caminho da China para o Crescimento Sustentável e Equilibrado]. O artigo e o World Economic Outlook argumentam que o forte desempenho da China vem dos seus estímulos pós-COVID, das exportações elevadas, da alta taxa de poupança doméstica para financiar infraestrutura pública, de um sistema bancário que direciona liquidez para pequenas e médias empresas (gerando atividade produtiva, não especulação imobiliária) e do foco em forças produtivas de alta qualidade. É um resumo bastante preciso da estrutura do crescimento chinês recente. Mas vai totalmente contra as sugestões que o FMI depois dá à China: liquidar tudo o que a permitiu evitar a estagnação das economias avançadas (incluindo pressionar o renminbi a se valorizar, como os EUA desejam, para corrigir o seu desequilíbrio comercial via câmbio, e não por maior produtividade interna).

O FMI está certo: há grande incerteza no horizonte. Mas também há certezas em seus próprios relatórios e gráficos. Poupança doméstica alta e maior soberania sobre os recursos (incluindo o sistema financeiro), combinadas com o direcionamento desses recursos para o setor produtivo (infraestrutura e industrialização), geram mais estabilidade no longo prazo do que a dependência excessiva dos mercados financeiros privados e dos caprichos da classe bilionária. Mas o FMI não encerra o seu relatório com essa conclusão. Prefere olhar pela janela e ver as tempestades no céu ocidental, ignorando a calmaria no Oriente.

 

Fonte: Brasil 247/Financial Times/O Cafezinho

 

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