Leonardo
Attuch: O efeito Trump até agora é um só - destruição da marca EUA e o
fortalecimento da marca China
Nesta
quarta-feira, participei de uma roda de conversa promovida pelo embaixador da
China no Brasil, Zhu Qingqiao. O encontro reuniu jornalistas e acadêmicos para
debater o tema da guerra comercial. A conclusão inevitável é a de que, até
agora, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vem conseguindo destruir
a credibilidade da marca “Estados Unidos” e, involuntariamente, ele também
fortalece a imagem internacional da China como país comprometido com a
cooperação, a estabilidade e o multilateralismo.
O
embaixador apresentou uma análise estruturada da
guerra tarifária iniciada
pelos Estados Unidos. Segundo ele, trata-se de uma ofensiva não apenas contra a
China, mas contra a ordem internacional baseada em regras e cooperação,
representando o risco de retorno à “lei da selva”. As tarifas unilaterais
impostas por Washington violam os fundamentos do comércio internacional e criam
instabilidade global. Sua exposição foi baseada em cinco princípios: regras,
direitos, equidade, credibilidade e solidariedade.
Ao
falar sobre regras, o embaixador lembrou que o sistema multilateral de comércio
é fruto de décadas de construção coletiva. Ao romper com esse sistema, os
Estados Unidos abrem mão da previsibilidade e da legalidade internacional,
substituindo a cooperação pelo domínio de força. No campo dos direitos, o
embaixador destacou que o desenvolvimento deve ser universal. Os Estados
Unidos, ao invés de promover reformas internas para reforçar sua
competitividade, tentam transferir seus desequilíbrios ao resto do mundo por
meio de tarifas e coerção, negando o direito ao desenvolvimento de outras
nações.
Sobre
equidade, ele criticou o falso argumento da “reciprocidade” adotado por
Washington. Citou o exemplo do Brasil, com quem os EUA mantêm forte superávit
comercial, inclusive em serviços, e mesmo assim impõem novas tarifas, violando
o princípio da complementaridade entre as economias. No capítulo da
credibilidade, o embaixador foi enfático: “Um país que rasga acordos
internacionais compromete sua própria reputação”. Ele alertou ainda que a
instabilidade política e comercial dos Estados Unidos representa hoje uma das
principais fontes de incerteza global.
No
quinto ponto, o da solidariedade, ele destacou que a China não deseja
conflitos, mas está pronta para reagir com firmeza. As contramedidas adotadas,
apoiadas pela população chinesa, visam proteger não apenas os interesses
chineses, mas também a ordem internacional e os interesses comuns de países em
desenvolvimento.
·
Quebra de preconceitos e nova percepção
No
encontro, compartilhei minha percepção sobre o que observo nas redes sociais:
mesmo nas big techs estadunidenses – como X, Instagram e YouTube – há cada vez
mais conteúdo positivo sobre a China e uma visão crítica sobre o que ocorre nos
Estados Unidos. Acrescentei também que o interesse do público pela China nunca
foi tão grande. Multiplicam-se lives, debates e reportagens sobre sua
trajetória de desenvolvimento. Essa curiosidade crescente está ajudando a
romper preconceitos históricos – inclusive em relação ao sistema político
chinês, que tem o Partido Comunista da China como sua espinha dorsal. O
embaixador reforçou que, de fato, a crise trouxe uma oportunidade: a de que
haja uma melhor compreensão internacional sobre o modelo chinês – e sobre por
que motivos ele efetivamente funciona para a sociedade chinesa.
Outro
ponto central abordado pelo embaixador foi o papel das empresas. Ele fez um
apelo direto para que as empresas brasileiras ampliem sua cooperação com as
empresas chinesas. Segundo ele, o fortalecimento das relações entre China e
Brasil não deve depender apenas de iniciativas governamentais. O setor privado
tem um papel decisivo a cumprir, identificando oportunidades, promovendo
investimentos e construindo alianças duradouras.
Nesse
contexto, ganha relevância a reunião China-CELAC, marcada para 13 de maio, como
um momento estratégico para transformar discursos em ações concretas. O
encontro, que reunirá países da América Latina e do Caribe, será uma
oportunidade crucial para aprofundar o diálogo e firmar parcerias em áreas como
comércio, infraestrutura, tecnologia e sustentabilidade.
O
embaixador também apresentou dados que mostram a resiliência da economia
chinesa. No primeiro trimestre deste ano, a China cresceu 5,4%, superando as
expectativas, mas isso ocorreu antes do tarifaço. Segundo o embaixador, nesta
nova etapa, será fortalecida a “dupla circulação", com mais estímulos ao
mercado interno chinês por meio de estímulos fiscais.
Ao
final de sua exposição, o embaixador citou o economista Adam Posen, que
comparou a guerra tarifária com a China a um possível “Vietnã econômico” dos
Estados Unidos – uma batalha prolongada, custosa e autodestrutiva, que tem como
consequência a queda da influência global de Washington.
O fato
concreto é que, hoje, a marca “Estados Unidos” está associada à instabilidade,
à imprevisibilidade e à imposição de força. Já a marca “China” começa a ser
vista, em diversas partes do mundo, como sinônimo de racionalidade,
planejamento, continuidade e cooperação. O mundo está mudando rapidamente, e o
Brasil, como país-chave do Sul Global, tem tudo a ganhar ao estreitar seus
laços com quem aposta no diálogo, na estabilidade e no futuro compartilhado.
¨
Pequim endurece o jogo e mira Washington
Pequim
pediu aos EUA que “cancelassem completamente todas as medidas tarifárias
unilaterais” se quiserem conversações comerciais, em alguns dos comentários
mais fortes da China até agora sobre o impasse entre as duas superpotências
econômicas do mundo. Pequim disse nesta quinta-feira (24) que “no momento, não
há negociações econômicas e comerciais entre a China e os Estados Unidos”,
apesar de sinais recentes de suavização da disputa por parte de Washington. O
secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, afirmou nos últimos dias que a
guerra comercial “não é sustentável” e “haveria uma desescalada por ambos os
lados”.
“As
medidas tarifárias unilaterais foram iniciadas pelos EUA”, disse He Yadong,
porta-voz do ministério do comércio da China. “Se os EUA realmente querem
resolver o problema, eles deveriam… cancelar completamente todas as medidas
tarifárias unilaterais contra a China e encontrar uma maneira de resolver as
diferenças por meio de um diálogo igualitário.”
Pequim
tem mantido que os EUA devem dar o primeiro passo para desescalar a crise, que
ameaça provocar uma separação econômica dura entre as economias dos dois
países.
A China
também tem dito consistentemente que sua “porta está aberta” para conversas,
mas qualquer insistência de que os EUA removam unilateralmente suas tarifas
como pré-condição para negociações representaria uma significativa
endurecimento de sua posição.
Em uma
escalada tit-for-tat, o presidente dos EUA, Donald Trump, impôs tarifas
adicionais à China de 145% neste mês, e Pequim respondeu com 125% — tarifas que
Bessent disse na terça-feira equivalerem a um “embargo”.
Trump
desde então começou a suavizar algumas das medidas, concedendo isenções para
smartphones, semicondutores e eletrônicos e afirmando que os EUA e a China
estavam em contato direto “todos os dias”.
Na
terça-feira, o presidente disse que as tarifas seriam reduzidas
“substancialmente” e que um acordo seria fechado “bem rapidamente”.
Mas o
ministério das relações exteriores da China disse na quinta-feira que qualquer
relato de que a China e os EUA estavam próximos de um acordo era “notícia
falsa”.
“Não
houve consultas ou negociações entre a China e os Estados Unidos sobre tarifas,
quanto mais a conclusão de um acordo”, disse o porta-voz do ministério, Guo
Jiakun.
O
porta-voz do ministério do comércio, He, disse que “quem amarrou o sino [no
tigre] deve ser o responsável por desamarrá-lo”, referindo-se a um provérbio
chinês que significa que quem cria um problema deve ser o responsável por
resolvê-lo.
He
disse que Pequim manteve “uma atitude aberta em relação às consultas e ao
diálogo”, mas “pressionar, ameaçar e extorquir não são as maneiras corretas de
lidar com a China”.
“A
guerra comercial é aquela que os EUA instigaram unilateralmente… se eles querem
negociar, devem mostrar sinceridade e voltar ao caminho correto de diálogo e
consultas iguais”, disse He.
Bessent
afirmou na terça-feira que qualquer desescalada na guerra comercial teria que
ser mútua, negando relatos de que Trump poderia cortar unilateralmente as
tarifas sobre os produtos chineses.
Analistas
chineses argumentam que a imposição de altas tarifas pelos EUA dificulta que
Pequim encontre uma maneira de desarmar a crise.
O
presidente da China, Xi Jinping, acharia difícil se envolver pessoalmente com
Trump na guerra comercial, a menos que isso fosse precedido por extensas
negociações para elaborar um acordo, dizem eles.
¨ China supera Estados
Unidos pela primeira vez como influência positiva no mundo
Pela
primeira vez em dez anos, a China ultrapassou os Estados Unidos em uma pesquisa
global sobre países que têm influência positiva no cenário internacional. Em
média, 49% das pessoas entrevistadas em 29 países afirmam que a China exerce
papel positivo nas relações internacionais, um aumento de 10 pontos percentuais
nos últimos seis meses.
Nesse
mesmo período, a percepção sobre os Estados Unidos caiu significativamente,
passando de 59% para 46%. Essa queda ocorreu em 26 dos 29 países pesquisados
pela Ipsos, e foi especialmente expressiva no Canadá.
Entre
os canadenses, apenas 19% agora consideram os Estados Unidos uma força positiva
no mundo. Seis meses atrás, esse índice era de 52%. Essa redução de 33 pontos é
a maior já registrada desde o início dessa série histórica, em 2015.
A
polarização política interna nos Estados Unidos também se reflete nesses
números. Atualmente, 85% dos republicanos acreditam que seu país terá um
impacto positivo globalmente, enquanto apenas 45% dos democratas pensam o
mesmo. Na média geral americana, o índice caiu para 63%, o menor nível
registrado na última década.
Israel
e Irã continuam sendo vistos como os países com menor influência positiva no
cenário internacional. No entanto, a pontuação do Irã melhorou nos últimos seis
meses, assim como as de China, Paquistão, Rússia e Arábia Saudita.
Chris
Jackson, vice-presidente sênior da Ipsos nos Estados Unidos, comentou os
resultados: “Três meses após o início do segundo governo Trump, e seis meses
após sua eleição, a reputação dos Estados Unidos como uma força para o bem no
mundo sofreu um golpe significativo, especialmente entre aliados tradicionais
na Europa e no Canadá. Isso contraria diretamente as promessas repetidas de
Donald Trump de restaurar o respeito mundial pelos Estados Unidos. No entanto,
dado o foco interno de muitos americanos, é improvável que a base MAGA perceba
nossa posição reduzida no cenário internacional.”
A Ipsos
entrevistou 22.715 adultos com menos de 75 anos, entre 21 de março e 4 de
abril, nos 29 países analisados. A pesquisa anterior foi realizada entre 20 de
setembro e 4 de outubro de 2024, a pedido do Halifax Security Forum.
¨
A turbulência na economia global. Por Vijay Prashad
Em 22
de abril de 2025, o Fundo Monetário Internacional (FMI) divulgou o seu
relatório anual World Economic Outlook, que traz um subtítulo discreto, porém
decisivo: Um Momento Crítico e Mudanças de Política. O relatório, mais uma vez
um trabalho extenso dos economistas do FMI e seus associados, tenta entender os
tarifas primeiro ameaçadas pelo presidente dos EUA, Donald Trump, depois
adiadas e, em seguida – como se a confusão não fosse suficiente – mantidas e
aumentadas contra a China. O FMI tenta argumentar que, ao longo de 2024,
"o crescimento global foi estável" e que a atual desaceleração
deve-se em grande parte à "incerteza" e "imprevisibilidade"
das tarifas de Trump.
O FMI
divulga este relatório durante a semana anual de reuniões do Fundo e do Banco
Mundial. No início dos encontros, a diretora-geral do FMI, Kristalina
Georgieva, refletiu sobre a situação da economia global e afirmou que a
turbulência se deve principalmente a uma "erosão da confiança".
Segundo ela, os países não confiam mais uns nos outros como antes, nem no
sistema internacional. Além da reversão das tarifas, o FMI diz que é necessário
reconstruir a confiança nos assuntos econômicos internacionais.
Sussurros
nos bastidores das reuniões do FMI e do Banco Mundial giram em torno da
irracionalidade do governo Trump e, especialmente, da imprevisibilidade das
próprias declarações de Trump. Ao lado do chefe da Organização do Tratado do
Atlântico Norte (OTAN), Trump disse em uma coletiva de imprensa na Casa Branca
que o Canadá "não é um país de verdade", mas seria "um excelente
estado dos EUA". Esse tipo de comentário vira piada nos corredores do
evento, onde homens e mulheres de terno mantêm expressões sérias, preocupados
com os grandes assuntos de Estado.
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Erros de Avaliação
Um dos
grandes equívocos na análise do FMI é a suposição de que as economias
ocidentais estavam estáveis no ano passado. Embora seja verdade que a ameaça
das tarifas e depois as próprias tarifas aplicadas contra a China tenham criado
um "grande choque negativo ao crescimento", não é verdade que as
taxas de crescimento esperadas para este ano fossem atingir novos patamares.
Nos
EUA, o crescimento tem ficado significativamente abaixo da tendência histórica
desde a crise financeira de 2007-08, provocada pelo colapso do subprime. Na
verdade, o crescimento acumulado desde então tem sido menor do que durante a
Grande Depressão. Nos 17 anos após a quebra de 1929, o PIB dos EUA cresceu em
média 3,7% ao ano, enquanto nos 17 anos desde a Crise Financeira Internacional,
a média foi de apenas 2,0%.
Em
outubro de 2024, o FMI projetou que os EUA cresceriam 2,2%, mas desde então
revisou a previsão para 1,8%. Enquanto isso, no mesmo período, estimou um
crescimento de 4,5% para a China e 6,5% para a Índia – muito acima não só da
projeção para os EUA, mas também da média das economias avançadas (1,8%). As
tarifas de Trump certamente agravaram os problemas dos EUA, mas não são a
causa. O crescimento lento é uma realidade há quase duas décadas.
Sobre
essa lentidão, o novo World Economic Outlook do FMI é surpreendentemente vago.
O relatório sugere que o "principal desafio macroeconômico" dos EUA é
a sua dívida pública federal, que chega a US$ 36,2 trilhões (124% do PIB). Dez
países do Norte Global estão entre os vinte com as maiores razões dívida/PIB:
Japão (266%), Grécia (193%), Itália (151%), EUA (124%), Portugal (122%),
Espanha (117%), França (112%), Bélgica (111%), Canadá (109%) e Reino Unido
(105%). Reduzir o déficit pode fazer sentido macroeconômico, mas não propõe,
por si só, um caminho de volta ao crescimento. Cortes no bem-estar social
reduziriam ainda mais o consumo privado. E o sonho de Trump de revitalizar a
indústria estadunidense não se concretizará apenas com a redução do déficit federal
– seria necessário um redirecionamento massivo de recursos para a
industrialização. Sem atacar os padrões de vida, isso só seria possível com
medidas como a redução dos gastos militares exorbitantes ou a reforma do
sistema de saúde privado, grotescamente ineficiente. Políticas que Trump não
adotará.
<><>
Conselhos Equivocados
Na
verdade, o FMI dá conselhos notoriamente ruins ao governo chinês. O relatório
sugere que a China deveria imitar os EUA, e não o contrário. O FMI afirma que a
China deve "aumentar o consumo privado, historicamente baixo" e
"reduzir políticas industriais e a presença estatal no setor". Em
outras palavras: abandonar o seu perfil de crescimento de longo prazo e se
tornar como os EUA, de crescimento lento!
Em
novembro de 2024, o FMI publicou um estudo interessante dos seus economistas
(Dirk Muir, Natalija Novta e Anne Oeking), intitulado China’s Path to
Sustainable and Balanced Growth [O Caminho da China para o Crescimento
Sustentável e Equilibrado]. O artigo e o World Economic Outlook argumentam que
o forte desempenho da China vem dos seus estímulos pós-COVID, das exportações
elevadas, da alta taxa de poupança doméstica para financiar infraestrutura
pública, de um sistema bancário que direciona liquidez para pequenas e médias
empresas (gerando atividade produtiva, não especulação imobiliária) e do foco
em forças produtivas de alta qualidade. É um resumo bastante preciso da
estrutura do crescimento chinês recente. Mas vai totalmente contra as sugestões
que o FMI depois dá à China: liquidar tudo o que a permitiu evitar a estagnação
das economias avançadas (incluindo pressionar o renminbi a se valorizar, como
os EUA desejam, para corrigir o seu desequilíbrio comercial via câmbio, e não
por maior produtividade interna).
O FMI
está certo: há grande incerteza no horizonte. Mas também há certezas em seus
próprios relatórios e gráficos. Poupança doméstica alta e maior soberania sobre
os recursos (incluindo o sistema financeiro), combinadas com o direcionamento
desses recursos para o setor produtivo (infraestrutura e industrialização),
geram mais estabilidade no longo prazo do que a dependência excessiva dos
mercados financeiros privados e dos caprichos da classe bilionária. Mas o FMI
não encerra o seu relatório com essa conclusão. Prefere olhar pela janela e ver
as tempestades no céu ocidental, ignorando a calmaria no Oriente.
Fonte:
Brasil 247/Financial Times/O Cafezinho

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