“Câmara de Conciliação representa o maior
ataque institucional desde a Constituição”, afirmam indígenas
Com o tema “A resposta somos nós: vinte anos
de Apib e a emergência climática”, o movimento indígena divulgou na tarde da
última sexta-feira (11), a carta final da 21ª edição do Acampamento Terra Livre
(ATL). Organizado pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o
acampamento reuniu mais de sete mil indígenas de 150 povos de todas as regiões
do país, em Brasília (DF), entre os dias 7 a 11 de abril.
“Em 2025, celebramos um marco fundamental
para a Aliança e Unidade na Diversidade dos nossos povos: 20 anos da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib)”, destaca o documento. Os
indígenas afirmam que a “Apib e o ATL se tornaram expressões vivas de
mobilização e resistência na luta pelos direitos fundamentais consagrados na
Constituição Federal de 1988”.
>>> “Em 2025, celebramos um marco
fundamental para a Aliança e Unidade na Diversidade dos nossos povos”
Entre as principais pautas do ATL 2025 estão
a luta contra a Lei 14.701/2023 e a Câmara de Conciliação, criada pelo ministro
Gilmar Mendes no Supremo Tribunal Federal (STF) sob a justificativa de
pacificar os conflitos envolvendo a lei do marco temporal. Os povos indígenas
cobraram o fim da mesa e a declaração de inconstitucionalidade da lei pela
Suprema Corte
Na avaliação do movimento indígena, a “Câmara
de Conciliação representa o maior ataque institucional desde a promulgação da
Constituição de 1988. Em vez de declarar a incondicionalidade da Lei 14.701 de
2023, o ministro Gilmar Mendes propôs um novo anteprojeto de lei que fragiliza
o direito à consulta livre, prévia e informada, criminaliza retomadas, indeniza
invasores e altera profundamente o procedimento de demarcação”.
>>> “Câmara de Conciliação
representa o maior ataque institucional desde a promulgação da Constituição de
1988”
O tema da COP 30, que será sediada pelo
Brasil em novembro, também foi debatidos pelos povos durante o ATL. A carta
final do evento afirma: “não há mais tempo, a exploração de combustíveis
fósseis impacta diretamente nossos povos indígenas, quilombolas, comunidades
tradicionais e a própria Mãe Terra”. Frente à crise climática, uma transição
energética justa e sustentável se faz necessária, defendem os povos.
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Leia a carta final do ATL 2025 na íntegra:
A Resposta somos Nós: Vinte anos de APIB e a
Emergência Climática
Carta Final do 21º Acampamento Terra Livre
Nós, povos indígenas, sempre estivemos
aqui! Resistimos à invasão de nossos territórios e ao genocídio realizado
contra os nossos ancestrais e contra nós nesses 525 anos.
Em 2025, celebramos um marco fundamental para
a Aliança e Unidade na Diversidade dos nossos povos: 20 anos da
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB). A APIB foi criada em 2005,
durante o segundo Acampamento Terra Livre (ATL), como uma instância
nacional de articulação e referência do movimento indígena. Desde então, a APIB
e o ATL se tornaram expressões vivas de mobilização e resistência na luta pelos
direitos fundamentais consagrados na Constituição Federal de 1988: o direito
originário ao território, à autodeterminação, à identidade e cultura próprias,
bem como às políticas públicas específicas e diferenciadas, como a saúde e
educação indígena, além da efetiva proteção às terras indígenas, no intuito de
assegurar todos os direitos pétreos mencionados.
Diante de um cenário global e nacional
marcado pelo avanço da extrema-direita e por ataques sistemáticos aos nossos
direitos, reafirmamos a importância da resistência e da luta coletiva. Foi com
ela que arrancamos conquistas históricas: o reconhecimento constitucional dos
nossos direitos originários e o protagonismo indígena em cargos estratégicos no
Governo Federal, como o Ministério dos Povos Indígenas (MPI), a Fundação
Nacional dos Povos Indígenas (Funai) e a Secretaria Especial de Saúde Indígena
(SESAI). Mas representação sem estrutura não transforma realidades.
Reivindicamos orçamento, pessoal e autonomia para políticas públicas feitas de
parente para parente, respeitando a diversidade de nossos povos e territórios.
O Brasil, que sediará a COP 30 em nossa
Amazônia Indígena, ocupa um papel central na agenda climática mundial. O ano de
2024 foi o mais quente da história, com eventos extremos se tornando
rotina. Não há mais tempo! A exploração de combustíveis fósseis
impacta diretamente nossos povos indígenas, quilombolas, comunidades
tradicionais e a própria Mãe Terra. A resposta à crise climática exige uma
transição energética justa e sustentável. Seguimos alertando para os impactos
do petróleo, do gás, da energia nuclear e até mesmo das chamadas renováveis –
eólica e solar – quando desrespeitam nossos territórios.
Além da crise climática, enfrentamos ataques
sistemáticos aos nossos direitos constitucionais. A Câmara de Conciliação
do STF, criada sem a participação da APIB, representa o maior ataque
institucional desde a promulgação da Constituição de 1988. Em vez de declarar a
inconstitucionalidade da Lei nº 14.701/2023, o Ministro Gilmar Mendes propôs um
novo anteprojeto de lei que fragiliza o direito à consulta livre, prévia e
informada, criminaliza retomadas, indeniza invasores e altera profundamente o
procedimento de demarcação. Pior: sinalizou a abertura de nova negociação sobre
a mineração em terras indígenas.
No Congresso, o cenário também é alarmante. O
Parlamento mais conservador da história, dominado por ruralistas, propõe
emendas à Constituição como a PEC 48, do Marco Temporal, a PEC 132, da
indenização da terra nua, e uma CPI da Demarcação das Terras Indígenas,
tentando restringir ou anular nossos direitos conquistados. Por isso, exigimos
o arquivamento imediato de todas as propostas legislativas de caráter
anti-indígena em tramitação no Congresso Nacional.
Durante o 20º ATL, em abril de 2024, o
Ministro Gilmar Mendes sinalizou que abriria uma mesa de negociação dos nossos
direitos, relacionada diretamente com o aumento da violência nos nossos
territórios. Agora, um ano depois, no 21º ATL, mais um ataque aos povos
indígenas se apresenta: a União, o Senado Federal e a Câmara dos Deputados
pediram mais um adiamento das discussões da Câmara de Conciliação.
Reafirmamos: não aceitaremos manobras que enfraqueçam nossos direitos.
Marchamos, pacificamente, nos dias 8 e 10 de
abril. Mais de 8 mil indígenas ocuparam Brasília com corpos, maracás e a
Constituição nas mãos. Somos guardiões da Mãe Terra e da Democracia. A estátua
da Justiça, agora com cocar, nos acompanha como símbolo da resistência e
sabedoria ancestral. Nosso grito coletivo exige: o fim da Câmara de
Conciliação e a declaração de inconstitucionalidade da Lei nº
14.701/2023.
No dia 10 fomos recebidos com repressão
violenta por parte da Polícia Legislativa da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal e da Polícia Militar. Uma violência premeditada, já que no dia anterior
um agente público disse em reunião “Deixa descer. Se fizer bagunça, a gente
mete o cacete”. Assim, mulheres, crianças, anciãos e lideranças
tradicionais foram brutalmente atingidos por bombas de gás lacrimogêneo e spray
de pimenta. Eles também não receberam atendimento imediato por parte do Corpo
de Bombeiros. Entre as vítimas está a nossa Deputada Federal Célia Xakriabá,
alvo de racismo e violência política. As forças de segurança, que deveriam
proteger os povos indígenas, são as mesmas que nos assassinam em nossos
territórios e ainda não concebem que indígenas possam ser eleitos para aldear o
Congresso Nacional.
A resposta somos nós! Somos guardiões
não apenas da natureza, mas também da Constituição de 1988. Empunhamos a Carta
Magna porque ela reconhece nosso direito originário às terras que
tradicionalmente ocupamos. A terra é nossa por direito – não invadimos
território de ninguém. Confiamos no Supremo Tribunal Federal, que já declarou a
inconstitucionalidade do marco temporal e agora tem o dever de proteger
novamente nossos direitos.
As crises climática, ambiental, alimentar e
civilizatória têm em nossos modos de vida, saberes e práticas tradicionais o
caminho para a regeneração do planeta. Nossa ciência e sistema ancestral,
expressa na agroecologia, nas economias indígenas, na gestão coletiva dos
territórios, na nossa relação espiritual com a Mãe Natureza, preserva a
biodiversidade, todas as formas de vida, incluindo os mananciais e sustenta
sistemas alimentares saudáveis e equilibrados. Por isso, demandamos a retomada
imediata das demarcações de todas as terras indígenas no Brasil, como uma
política climática efetiva, e o financiamento direto para a proteção integral
dos nossos territórios e nossos modos de vida.
Além disso, é importante mencionar que o
lançamento da Comissão Internacional Indígena para a COP-30, durante o ATL
2025, é a expressão concreta do reconhecimento de um movimento que há séculos
resiste, que é a contribuição indígena para o equilíbrio da Terra. Mais do que
um espaço institucional, ela é uma conquista histórica dos próprios povos
indígenas que há anos cobram por mais reconhecimento e espaço para participação
efetiva nos fóruns globais. Formada por organizações representativas de
diversas regiões do mundo e articulações globais, a comissão nasce do acúmulo
de lutas coletivas e do compromisso de garantir que, na COP-30, os povos
originários não estejam apenas à margem, mas no centro do debate
climático. A meta de credenciar mil lideranças indígenas na Zona Azul não
é um número: é símbolo de um processo de retomada, de presença e de poder. Com
sabedoria ancestral, articulação política e coragem histórica, o movimento
indígena mostra ao mundo que não há saída para a crise climática sem a
demarcação das terras indígenas.
O movimento indígena celebra a criação da
Comissão para a COP30 e a reconhece como um espaço adicional de articulação
global e espera que a Comissão fortaleça a incidência indígena na agenda
climática, em consonância, parceria e solidariedade com outros espaços de
enorme relevância como o Caucus Indígena, onde temos o orgulho de ter uma
representação na Co-presidência em nome de Sineia Wapichana. Celebramos e
reconhecemos a legitimidade do espaço do Caucus e contamos com a articulação
entre os dois espaços de participação indígena para o avanço das demandas dos
povos indígenas do mundo e para a concretização do tão almejado reconhecimento
da autoridade indígena e a da importância da garantia de nossos direitos na
luta contra as mudanças climáticas.
Nossa luta é pela Vida, pela Mãe Terra, pela
Constituição e pelo futuro de toda a humanidade.
>>> Assinam a presente carta:
Articulação dos Povos Indígenas do Brasil
(APIB), formada pelas organizações regionais:
Articulação dos povos indígenas da região Sudeste
(Arpinsudeste)
Articulação dos Povos Indígenas da Região Sul
(Arpinsul)
Articulação dos Povos e Organizações
Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme)
Comissão Guarani Yvyrupa
Conselho do Povo Terena
Coordenação das Organizações Indígenas da
Amazônia Brasileira (Coiab)
Grande Assembleia do Povo Guarani Kaiowá (Aty
Guasu)
Fonte: Cimi

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