Marx
sobre a Guerra Civil dos Estados Unidos: um momento de virada para a
política escravista
Na
primavera de 1861 o cenário político mundial foi abalado pela eclosão da Guerra
Civil dos Estados Unidos, que começou logo após a eleição de Abraham Lincoln
para a presidência daquele país. À declaração de secessão por parte de sete
estados escravagistas seguiu-se um conflito – que custou a vida de 750 mil
pessoas – entre os Estados Confederados da América, favoráveis à manutenção e à
extensão da escravatura, e a União, constituída pelos estados fiéis a Lincoln.
As
considerações de Marx sobre os eventos que se sucederam ao fim do conflito, em
1865, foram de grande impacto. Algumas reverberações estão presentes inclusive
no Livro I de O capital, no qual afirmou: “o
trabalho de pele branca não pode se emancipar onde o trabalho de pele negra é
marcado a ferro”.
Há
alguns meses, a imprensa londrina dominante, tanto por semanários quanto por
jornais diários, vem repetindo a mesma ladainha sobre a Guerra Civil
Norte-Americana. Ao mesmo tempo que insulta diariamente os estados livres do
Norte, esquiva-se temerosamente da acusação de simpatizar com os estados
escravagistas do Sul. Na verdade, ela escreve sempre dois artigos: um no qual
ataca o Norte e outro no qual se desculpa por suas críticas ao Norte. Quem se
desculpa, se acusa.
As
bases das escusas residem essencialmente nas seguintes afirmações: a guerra
entre Norte e Sul é uma guerra tarifária. Além disso, é um conflito sem
princípios, que não diz respeito à escravidão e envolve fundamentalmente o
desejo nortista de poder. Enfim, se mesmo a lei está do lado do Norte, não
parece despropositada a tentativa de subjugar 8 milhões de anglo-saxões! Uma
separação entre Norte e Sul não redimiria o Norte de suas conexões com a
escravidão negra e, com seus 20 milhões de habitantes e seu gigantesco
território, não lhe asseguraria um desenvolvimento superior e até então
inimaginável? Portanto, o Norte não deveria estar celebrando a Secessão como um
evento afortunado, em vez de querer contê-la por meio de uma sangrenta e
infértil guerra civil?
Examinemos
ponto a ponto as alegações da imprensa inglesa. A guerra entre o Norte e o Sul,
de acordo com a primeira desculpa, é um mero conflito tarifário, um embate
entre o sistema protecionista e o sistema de livre-comércio, e a Inglaterra, é
claro, está do lado do livre-comércio. O dono de escravos deve se apropriar
totalmente dos frutos do trabalho cativo ou deve ser surrupiado em parte deles
pelos agentes alfandegários do Norte? Essa é a questão em jogo nessa guerra.
Essa descoberta brilhante coube ao Times. O Economist,
o Examiner, o Saturday Review e outros da mesma
laia aprofundaram ainda mais o assunto. É característico dessa descoberta que
ela não tenha ocorrido em Charleston, mas em Londres. Nos Estados Unidos, é
claro, todos já sabiam que de 1846 a 1861 vigia a tarifa de livre-comércio e
que o deputado Morrill somente conseguiu passar a sua tarifa protecionista no
Congresso em 1861, depois que a rebelião já havia estourado. Portanto, não
houve a Secessão porque a Tarifa Morrill foi aprovada no Congresso, mas, na
melhor das hipóteses, a Tarifa Morrill foi aprovada no Congresso porque houve a
Secessão. Em 1832, quando a Carolina do Sul teve seu primeiro ato de secessão,
a tarifa protecionista de 1828 foi usada como pretexto, não mais do que um pretexto,
como se sabe por uma declaração do general Jackson. Entretanto, desta vez, o
velho pretexto não se repetiu. No Congresso Secessionista de Montgomery,
evitou-se tocar no assunto das tarifas, porque a cultura açucareira da
Louisiana, um dos estados mais influentes do Sul, é inteiramente baseada em
tarifas protecionistas.
No
entanto, a imprensa londrina continua insistindo que a guerra dos Estados
Unidos nada mais é do que um conflito para a manutenção da União à força. Os
ianques não podem simplesmente decidir riscar quinze estrelas de sua bandeira.
Eles querem desempenhar um papel colossal no palco mundial. Sim, seria bem
diferente se a guerra fosse pela abolição da escravidão! A questão da
escravidão, no entanto, não tem absolutamente nada a ver com essa guerra, como,
entre outras coisas, afirma categoricamente o Saturday Review.
Antes,
é importante lembrar que a guerra não partiu do Norte, mas, sim, do Sul. O
Norte está na defensiva. Por meses observou passivamente os secessionistas se
apropriarem de fortes, de arsenais de guerra, de estaleiros, alfândegas,
cofres, navios e depósitos de armas da União, insultar a bandeira unionista e
até mesmo capturar parte de suas tropas. Por fim, os secessionistas decidiram,
por meio de um ruidoso ato de guerra, forçar o governo da União a abandonar a
passividade e, assim, somente por isso, bombardearam o Forte
Sumter, nos arredores de Charleston. Em 11 de abril, o general Beauregard, em
uma reunião com o major Anderson, o comandante do Forte Sumter, soube que o
forte só recebeu provisões para três dias e, depois disso, deveria se entregar
pacificamente. Para sabotar a rendição pacífica, os secessionistas, na manhã
seguinte, começaram o bombardeamento, o que permitiu a tomada do lugar em
poucas horas. Mal a notícia foi telegrafada a Montgomery, sede do Congresso dos
Secessionistas, o secretário da Guerra Walker declarou publicamente em nome da
nova Confederação: “Ninguém poderá dizer até onde poderá ir a guerra
que começou hoje”. Ao mesmo tempo, profetizou que “a bandeira da
Confederação do Sul ainda antes de 1º de maio será hasteada no topo do antigo
Capitólio em Washington e, muito em breve, também no Faneuil Hall”. Só então
veio a declaração de guerra, na qual Lincoln convocou 75 mil para defender a
União. O bombardeio de Forte Sumter fechou a única saída constitucional
possível, a saber, a convocação de uma assembleia geral do povo americano, como
sugeriu o próprio Lincoln em seu discurso de posse. A única opção que restava a
Lincoln era fugir de Washington, evacuar Maryland e Delaware, entregar de
bandeja Kentucky, Missouri e Virgínia, ou responder à guerra com guerra.
O Sul
rompeu a paz, esta é a palavra de ordem, com a qual se responde sobre a
motivação da Guerra Civil Americana. Stephens, vice-presidente da Confederação
sulista, declarou no Congresso Secessionista que a principal diferença entre a
nova Constituição maquinada em Montgomery e a Constituição de Washington e
Jefferson era que agora, pela primeira vez, a escravidão era reconhecida como
um instituto inerentemente bom e o fundamento de todo o edifício do Estado,
enquanto os revolucionários da independência, homens imersos nos preconceitos
do século XVIII, tratavam a escravidão como um mal importado da Inglaterra a
ser remediado com o passar do tempo. Outro figurão do Sul, o senhor Spratt,
bradou: “Para nós, trata-se de fundar uma grande república escravagista”.
Portanto, mesmo que o Norte tenha desembainhado a espada apenas para defender a
União, o Sul já não declarou que a manutenção da escravidão é incompatível com
a continuidade da União?
Assim
como o bombardeio do Forte Sumter foi o estopim da guerra, a vitória eleitoral
do Norte, do Partido Republicano, a eleição de Lincoln à
presidência, deu o sinal para a secessão. Lincoln foi eleito em 6 de novembro
de 1860. Em 8 de novembro de 1860, já se telegrafava da Carolina do Sul: “A
secessão aqui é considerada um fato consumado”; em 10 de novembro, a Assembleia
Legislativa da Geórgia estudava os planos de uma secessão; e em 13 de novembro,
foi convocada uma sessão extraordinária na Assembleia do Mississipi para tratar
da secessão. A própria eleição de Lincoln foi resultado de uma cisão no
campo democrata. Durante a campanha eleitoral, os democratas do
Norte se uniram em torno de Douglas, os democratas do Sul em volta de Breckinridge,
e foi essa divisão dos votos democratas que deu a vitória ao Partido
Republicano. De um lado, de onde vem a superioridade do Partido Republicano no
Norte? De outro, de onde vem o racha dentro do Partido Democrata,
cujos membros do Norte e do Sul atuaram em conjunto por mais de meio século?
Sob a
presidência de Buchanan, o domínio que o Sul usurpou progressivamente da União,
fazendo aliança com os democratas do Norte, chegou ao seu ponto mais alto. O
último Congresso continental de 1787 e a primeira Assembleia Constitucional de
1789-1790 proibiram por lei a escravidão em todos os territórios da República a
noroeste de Ohio. (São considerados territórios as colônias situadas nos
Estados Unidos que ainda não alcançaram a população constitucionalmente
prescrita para a formação de estados independentes.) O chamado Compromisso do
Missouri (1820), o qual permitiu que o Missouri ingressasse nas fileiras dos
Estados Unidos como estado escravagista, proibiu a escravidão em todo o
território remanescente ao norte do paralelo 36° 30’ e a oeste do Missouri.
Esse acordo fez o campo escravocrata aumentar vários graus de longitude, ao
mesmo tempo que pareceu estabelecer uma linha geográfica muito bem definida
para sua futura expansão. Essa barreira geográfica, por sua vez, foi derrubada
já em 1854 pela chamada Lei de Kansas-Nebraska, de autoria de Stephen Douglas,
então líder dos democratas do Norte. A lei, aprovada em ambas as casas
congressuais, revogou o Compromisso do Missouri, colocou a escravidão e a
liberdade em pé de igualdade, ordenou que o governo da União as tratasse com
igual indiferença e deixou para a soberania popular, ou seja, para a maioria
dos colonos, a decisão sobre a introdução ou não da escravidão em um
território. Assim, pela primeira vez na história dos Estados Unidos, todas as
barreiras geográficas e legais à disseminação da escravidão nos territórios
foram removidas. Sob essa nova legislação, o território até então livre do Novo
México, um território cinco vezes maior que o estado de Nova York,
transformou-se em um território escravocrata e a área escravagista se alargou
ainda mais, desde a fronteira com o México, país vizinho, até a latitude 38°
norte. Em 1859, o Novo México ganhou um código escravagista que rivalizava em
barbárie com as leis do Texas e do Alabama. No entanto, como mostra o censo de
1860, o Novo México conta com não mais que meia centena de escravos para cada
100 mil habitantes. Assim, bastou ao Sul enviar alguns aventureiros com uns
poucos escravos para o outro lado da fronteira para reunir, com a ajuda do
governo central em Washington, seus oficiais e negociantes no Novo México, uma
representação pseudopopular que impôs a escravidão no território e, com ela, o
domínio dos proprietários de escravos.
Entretanto,
esse método muito conveniente não se mostrou aplicável em outros territórios.
Então o Sul deu um passo mais e apelou do Congresso Nacional à Corte Suprema
dos Estados Unidos. Esse tribunal, que tem nove juízes, dos quais cinco do Sul,
tem sido o instrumento mais solícito dos proprietários de escravos. Em 1857, no
infame caso Dred Scott, declarou que todo cidadão americano tinha o direito de
trazer para qualquer território qualquer propriedade reconhecida
constitucionalmente. A Constituição reconhece os escravos como propriedade e
obriga o governo da União a assegurar essa propriedade. Consequentemente, os
escravos em qualquer território podiam ser obrigados a trabalhar com base no
fundamento constitucional e, portanto, coube a cada proprietário de escravo
introduzir a escravidão em territórios até então livres, mesmo contra a vontade
da maioria dos colonos. Às assembleias legislativas dos territórios foi
retirado o direito de proibir a escravidão e tanto o Congresso como o governo
da União tinham o dever de proteger os pioneiros do sistema escravagista.
Se o Compromisso
do Missouri de 1820 alargou a fronteira geográfica da escravidão nos
territórios, a Lei de Kansas-Nebraska de 1854 apagou qualquer limite geográfico
e pôs no lugar dele uma barreira política, a vontade da maioria dos colonos, a
Suprema Corte, por sua decisão de 1857, derrubou os limites políticos e
transformou todos os territórios da República, atuais e futuros, de estados
livres em área fértil de cultivo de escravidão.
Ao
mesmo tempo, sob o governo de Buchanan, uma lei mais rígida de extradição para
escravos fugidos, aprovada em 1850, passou a ser implacavelmente aplicada nos
estados do Norte. Bancar o capitão do mato para os proprietários de escravos do
Sul parecia ser a função constitucional do Norte. Por outro lado, para
dificultar ao máximo a colonização dos territórios por colonos livres, o
partido escravagista frustrou todas as chamadas legislações de solo livre, ou
seja, medidas que deveriam garantir aos colonos certa parcela de terra pública
ainda não explorada.
Assim
como na política interna, os interesses dos proprietários de escravos também
serviram de estrela-guia na política externa dos Estados Unidos. Buchanan
conseguiu de fato a presidência após a publicação do Manifesto de Ostende, no
qual a aquisição de Cuba, seja por compra, seja por força das armas, é
proclamada a grande tarefa da política nacional. Sob o seu governo, o norte do
México já havia
sido dividido entre os especuladores americanos de terras, que esperavam
impacientemente o sinal para invadir Chihuahua, Coahuila e Sonora. As
incansáveis expedições dos flibusteiros contra os Estados da América Central
foram conduzidas não sem o apoio determinante da Casa Branca. A reabertura
do tráfico negreiro, secretamente apoiada pelo governo da União, estava
estreitamente ligada a essa política externa, cujo objetivo explícito era
conquistar novas áreas para a expansão da escravidão e do domínio dos
proprietários de escravos. O próprio Stephen A. Douglas declarou ao Senado em
20 de agosto de 1859: “No ano passado, foram trazidos mais negros da África em
um único ano do que em nenhum outro momento no passado, mesmo na época em que o
comércio de escravos ainda era legal. O número de escravos importados no último
ano chegou a 15 mil”.
A
propaganda escravagista pela força das armas no exterior era o objetivo
declarado da política nacional, e a União se tornou escrava de fato dos 300 mil
proprietários de escravos que governam o Sul. Esse foi o resultado de uma série
de compromissos que o Sul devia à sua aliança com os democratas do Norte. Em
razão da mesma aliança, todas as tentativas periodicamente ensaiadas desde 1817
para resistir aos ataques cada vez mais numerosos dos proprietários de escravos
fracassaram. Finalmente, chegou o momento da virada.
¨
EUA intensificam a ‘Doutrina Monroe do século 21’ na
América Latina, diz jornal chinês
Os
Estados Unidos elevaram o tom contra a cooperação entre China e América Latina
nos últimos dias. Segundo a Associated Press, o secretário de Defesa dos EUA,
Pete Hegseth, afirmou na quarta-feira que “os militares chineses têm uma
presença grande demais no Hemisfério Ocidental” e, um dia antes, havia
declarado que a China representa “uma ameaça ao Canal do Panamá”.
Há
muito tempo, os EUA tratam a América Latina e o Caribe como seu “quintal”. Para
deslegitimar as atividades legítimas de outros países na região e forçar os
países latino-americanos a escolherem um lado, Washington insiste em encenar
farsas inspiradas na velha “Doutrina Monroe”.
Ao
alarmar sobre uma suposta “presença militar” da China ou associá-la
maliciosamente ao Canal do Panamá, os EUA recorrem à velha tática de “o ladrão
que grita ‘pega ladrão’”, tentando afastar a China da região. Para Pan Deng,
diretor do Centro de Direito para a América Latina e Caribe da Universidade de
Ciência Política e Direito da China, essa acusação é falsa. Segundo ele, os EUA
é que mantêm presença militar expressiva — cerca de 76 bases na região —,
enquanto a China não tem nenhuma base ou tropa destacada na América Latina. A
narrativa de que Pequim está conquistando “vantagem militar” seria, portanto,
infundada.
Durante
sua visita, Hegseth chegou a sugerir abertamente o retorno de tropas
norte-americanas ao Panamá para “proteger” o canal estratégico. Para Lin Hua,
pesquisador adjunto do Instituto de Estudos Latino-Americanos da Academia
Chinesa de Ciências Sociais, essa postura revela a intenção de Washington de
exercer pressão militar e política para submeter os países latino-americanos à
sua vontade. Segundo ele, desde a formulação da Doutrina Monroe há mais de dois
séculos, os países da região têm demonstrado crescente repúdio ao hegemonismo e
unilateralismo dos EUA.
A
Doutrina Monroe se tornou sinônimo do domínio que os EUA impõem sobre seus
vizinhos. A política de intimidação continua até hoje — e de forma ainda mais
intensa. Washington exige o controle do Canal do Panamá, pressiona a Colômbia a
aceitar migrantes deportados… Está claro quem realmente força os países
vizinhos a se tornarem “estados vassalos”. Não é à toa que os mexicanos dizem:
“Pobre México, tão longe de Deus e tão perto dos EUA”.
Em
contraste, a relação entre China e América Latina é marcada pela cooperação de
ganhos mútuos. Nos últimos anos, os laços econômicos e comerciais entre as duas
partes se aprofundaram, trazendo resultados concretos. Do porto de Chancay, no
Peru, ao projeto fotovoltaico de Mauriti, no Brasil, passando por produtos
agrícolas latino-americanos e eletrodomésticos e automóveis chineses, a rota
para uma parceria próspera se amplia. Esses projetos têm amplo apoio das
comunidades locais, vistas como uma “escada para o desenvolvimento”.
O
presidente Xi Jinping enviou uma mensagem de felicitações à 9ª cúpula da
Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (Celac) na quinta-feira.
Ele afirmou que China e América Latina aprofundaram a confiança política mútua,
expandiram a cooperação prática e fortaleceram os intercâmbios entre os povos,
gerando benefícios concretos para ambos os lados e criando um exemplo de
cooperação Sul-Sul.
A China
apoia parcerias que promovam, de fato, o desenvolvimento. Se os EUA continuarem
a tratar a América Latina com base na lógica e nos princípios da Doutrina
Monroe — difamando a cooperação legítima da China, interferindo nas escolhas
soberanas dos países latino-americanos e buscando controlá-los com visões
coloniais ultrapassadas —, acabarão apenas enfraquecendo ainda mais sua própria
influência na região.
Fonte:
Blog da Boitempo/Global Times
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