Emergência
de uma “esquerda fascista” ou degeneração teórica e política?
Há uma
esquerda fascista? Uma esquerda que acha justificável a matança policial na
Bahia sair vitoriosa em sua competição com o Estado do Rio de Janeiro, depois
de 19 anos de governos do PT naquele Estado nordestino?
Uma
esquerda que chancela cortes no BPC de idosos e deficientes carentes, e a
privatização de escolas públicas (PPP’s) com dinheiro do BNDES em São Paulo, em
parceria com os companheiros bolsonaristas?
Que
encara como coerente com seus princípios, permitir a captura unilateral do
direito ao FGTS da classe trabalhadora pelos bancos transnacionais, em nome do
endividamento que os trabalhadores serão incentivados a fazer para garantir
necessidades constitucionais?
Uma
esquerda que dá de ombros quando o vice-presidente nacional do PT promete como
política de segurança em Maricá (RJ), que em seu mandato “bandido vai pra
vala”, com direito a trilha sonora do filme Tropa de elite?
Uma
esquerda que julga anti-fascista um novo Teto de gastos versão PT, que torna as
novas PPP’s o maior plano de privatização do investimento público da história
industrial do Brasil, paralelo ao avanço de todos e cada um dos dispositivos da
reforma trabalhista contra o povo?
Enquanto
um senador da república, Fabiano Contarato (PT-ES), cobra do governo do seu
partido, o endurecimento da política nacional de segurança, propondo inclusive,
“aumento do tempo de internação de jovens infratores”?
Uma
esquerda que naturaliza o aumento da musculatura das novas e velhas elites
agrárias reacionárias, através de um Plano Safra anti-povo, que prioriza o
agronegócio da direita e conduz ao aumento dos preços da cesta básica?
Que
tolera a demagogia mais oportunista sobre a tragédia palestina, enquanto chama
imperialistas otanistas genocidas como Macron de “companheiro”, permite
negócios entre a Petrobrás e o sionismo, e não move uma palha para revogar os
abomináveis acordos militares entre Brasil e o “Estado” de Israel?
Uma
esquerda que se vê contemplada por um orçamento público que mata por inanição
os ministérios que concernem às demandas femininas, pretas e indígenas,
proporcionando o sequestro destas pautas pela direita chamada de direita?
Que
admite transar com as ambições do mais profundo obscurantismo religioso,
inaugurando templos e fomentando a expansão dos projetos políticos do
neopentecostalismo de extrema direita que se prolifera velozmente?
Uma
esquerda que não reage diante da transformação dos brasileiros em cobaias
humanas de incontáveis substâncias químicas industriais, proibidas mundo afora,
mas toleradas pela ANVISA, dada a mais completa submissão cúmplice deste
governo?
Uma
esquerda que apoia a privatização de presídios? Mas não só isso, que fecha os
olhos diante da transformação do encarceramento de pretos (as) e pobres no
Brasil em empresa privada com dinheiro do BNDES? (Presídio de Erechim, RS, em
2023, entre outros). E que diante do inadmissível, se limita a repetir o
surrado mantra de Breno Altman de que “é isso ou a volta da extrema direita,
dada a atual correlação de forças”?
A
resposta, naturalmente, é não. Não existe uma esquerda que dê sustentação a um
governo que avança os interesses da direita e da extrema direita — a menos que
passe por um dramático processo de degeneração política e teórica. Entre os
maiores desses enganos obtusos está a contradição absurda de acreditar que esse
avanço possa ser contido justamente por quem o promove. E, se depois de ler
tudo isso, alguém ainda considerar que se trata simplesmente de “ódio ao PT” ou
de “fazer o jogo da direita”, talvez não seja má ideia considerar pedir ajuda.
Nossa
tática deve seguir a mesma, impedir que a “esquerda” liberal prostrada e
oportunista siga dominando os tatames onde lutamos, consumindo a pauta e a
vontade de luta das massas capazes de recrutamento, em nome de uma esperança
puramente eleitoralesca, abstrata e farsante.
O
problema nunca foi apenas a reconfiguração do mundo do trabalho e menos ainda
uma suposta falta de combatividade do povo. Novos 2013 virão, novos 2017, com
40 milhões de trabalhadores (as) e estudantes (as) mobilizados inundando as
grandes avenidas de nossas capitais. Foi ontem! E virão por uma simples razão:
porque eles sempre vêm! Porque o povo jamais sucumbiu calado, não há
precedente.
Construir
uma frente realmente popular por espaços concretos e crescentes de poder contra
o capitalismo dependente, abolir as ilusões e impedir que os encantadores de
serpentes encham o povo de medo é a nossa tarefa. É urgente superar o dualismo
direita tradicional versus cosplay de esquerda, ou liberalismo tradicional
versus “liberalismo de esquerda”, com o perdão do oximoro.
Com
Bertold Brecht, lembramos que sim, “a cadela do fascismo está sempre no cio”;
esteve antes, está agora e estará sempre. E ela não negocia se não for para
engordar ou sobreviver. Nos tristes trópicos, o aumento do terrorismo de Estado
e a degeneração das condições de vida são velhos conhecidos, evoluem pari passu
a qualquer vislumbre de diminuição das taxas de lucro tidas como “aceitáveis”.
Não precisamos sequer recorrer ao conceito europeu de fascismo para
reconhecê-los.
Estamos
diante da aceleração implacável de contradições imanentes à reprodução
histórica do capitalismo, tais como a incapacidade deste, de gerar valor e
plusvalor suficientes para a remuneração de uma pletora gigantesca de capitais.
O que também se manifesta como endividamento generalizado e superprodução de
mercadorias ou subconsumo. Diante disto, qualquer governo que se limite ao
cínico debate de separar os banqueiros bons dos maus, deve ser combatido sem
vacilação.
O velho
Marx, olhando pra trás com seus olhos de águia, dizia que a história se repete
primeiro como tragédia e depois como farsa. Já tivemos as duas, e agora?
• Como a esquerda pode reagir? Por Emerso
Barros de Aguiar
Uma
leitora recentemente me acusou de recitar o óbvio em meu artigo sobre o uso da
inflação pela Direita e Extrema-direita como ferramenta de expropriação
econômica e de sabotagem política, e disse que o que realmente interessa é a
proposição de saídas e de alternativas de combate. Eu acho que ela está certa.
De
fato, num momento em que a direita e a extrema-direita dominam tanto as mídias
tradicionais quanto as novas mídias digitais, a esquerda precisa repensar sua
atuação em várias frentes, sendo a primeira e, também, a mais urgente, a
digital.
A
primeira providência, nesse sentido, é incrementar a criação de ecossistemas de
comunicação alternativa, a exemplo do 247 e do ICL, que são plataformas
bem-sucedidas, independentes e com credibilidade, linguagem acessível e
presença digital forte e marcante.
Entretanto,
para que essas plataformas alternativas sejam mantidas, é preciso fortalecer
modelos de financiamento recorrente, como clubes de apoio e assinaturas
simbólicas, que garantam autonomia financeira e sustentabilidade de longo
prazo. É necessário também estimular parcerias entre veículos alternativos,
coletivos de mídia, produtores de conteúdo e influenciadores, formando uma rede
orgânica de troca de conteúdos e audiência.
Os
ecossistemas de comunicação de esquerda têm de ter uma presença
multiplataforma, que permita uma atuação para além dos sites. YouTube,
Instagram, TikTok, Telegram e podcasts são canais estratégicos para atingir
diferentes perfis e faixas etárias.
Com o
investimento contínuo em tecnologia e inovação, e na melhoraria de aplicativos
e sites, adotando inteligência de dados e impulsionando conteúdos por meio de
algoritmos de redes sociais, essas plataformas progressistas serão condições de
competir com as mídias de direita.
É
preciso usar ferramentas de big data e de inteligência artificial para mapear
bolhas, identificar tendências e antecipar narrativas, e falar com diferentes
públicos de maneira personalizada, como já faz a extrema-direita.
Não
basta estar nas redes, é preciso coordenar campanhas, saber reagir a fake news
e organizar respostas rápidas.
Para
que novas iniciativas surjam, é necessário, contudo, que sejam oferecidos
cursos e mentorias em jornalismo digital, marketing de conteúdo, audiovisual e
análise de dados para as equipes envolvidas nesses projetos. Fundações
partidárias, sindicatos, ONGs e grupos privados progressistas poderiam prover
esta formação. Isso pode ser feito por meio de parcerias estratégicas, apoio
institucional e técnico, além de incentivo à produção de conteúdos que conectem
temas relevantes com a linguagem e estética das redes.
Uma
forma eficaz é oferecer suporte em formações sobre comunicação digital,
storytelling e uso de ferramentas de edição, garantindo que os novos
influenciadores possam profissionalizar seus canais. Também é importante
reconhecer a diversidade de pautas e estilos. Ao apoiar e fortalecer
influenciadores digitais, que conseguem dialogar com diferentes públicos,
inclusive fora da bolha tradicional, talvez a esquerda pare de apanhar tanto na
arena digital.
Campanhas
colaborativas, impulsionamento de conteúdos, acesso a dados de engajamento e
redes de apoio entre criadores também são formas práticas de fortalecer essa
atuação. A chave é compreender que o algoritmo premia constância, criatividade
e engajamento. Os influenciadores melhor preparados e apoiados têm maior chance
de furar bolhas e formar novas consciências.
É
interessante igualmente apostar em vídeos "virais", curtos, memes e
linguagem atual para disputar o espaço das redes. Como o cérebro dos
adolescentes e jovens ainda está em desenvolvimento, especialmente o córtex
pré-frontal, a área responsável pela atenção, planejamento e controle dos
impulsos, esse público não tem muita paciência com discursos e procura, no
mundo digital, uma gratificação emocional imediata, através de vídeos rápidos e
objetivos. O uso constante das redes digitais e a exposição contínua a
conteúdos curtos, rápidos e altamente estimulantes reforçam esse padrão, dentro
de um ambiente que molda e coloniza o cérebro, condicionando-o a recompensas
rápidas, e reduzindo a sua capacidade de manter o foco em atividades
prolongadas e menos dinâmicas. Vídeos curtos, memes e conteúdos visuais
impactantes conseguem capturar e manter a atenção desse público com muito mais
eficácia do que formatos tradicionais e longos.
Na
militância digital, podem ser utilizadas plataformas como Mastodon, Telegram e
até mesmo o WhatsApp, desde que com estratégia, inteligência e mobilização
coordenada.
Em
termos de conteúdo, o foco tem de ser em narrativas conectadas com o cotidiano
e na produção de conteúdos que abordem temas concretos da vida das pessoas,como
emprego, educação, saúde, cultura e segurança, sempre com uma linguagem
acessível, emocionalmente envolvente e engajante.
A
extrema-direita tem vencido pela "emoção". A esquerda precisa
reaprender a tocar corações com narrativas que falem de esperança,
pertencimento e justiça, resgatando símbolos fortes e causas que unem, como o
combate à fome, a defesa da educação pública e da saúde para todos.
Pode-se
contar histórias reais de heroísmo popular, de gente comum que resiste, luta e
transforma.
Ao
investir nesses pilares, os novos ecossistemas de mídia alternativa poderão
disputar corações e mentes, com credibilidade e potência narrativa, frente à
hegemonia da mídia tradicional e à desinformação sistemática e intencional das
redes.
Um
exemplo de sucesso recente na comunicação com o público digital é Heidi
Reichinnek, uma jovem líder da esquerda alemã, deputada pelo partido Die Linke
e vice-líder da sua bancada no parlamento federal. Com forte presença nas redes
sociais, especialmente entre os jovens, ela tem se destacado por discursos
incisivos e viralizados, ajudando a revitalizar a imagem da esquerda no país.
Outro
desafio fundamental, possivelmente ainda mais difícil, é o da reconexão com as
bases populares.
As
novas pautas da esquerda precisam surgir do cotidiano das pessoas reais. A
escuta é fundamental para resgatar o público perdido para a extrema-direita.
É
fundamental estar presente fisicamente em comunidades, sindicatos, igrejas
progressistas, coletivos culturais e movimentos populares, investindo na
formação cidadã e crítica, com cursos, rodas de conversa, podcasts e vídeos
didáticos. Nesses ambientes é necessário identificar e formar novas lideranças
jovens e periféricas, com linguagem contemporânea e que representem a
diversidade real.
O povo
tem de estar no centro da transformação.
Um dos
maiores desafios para a esquerda hoje é resgatar sua alma popular. Trata-se de
mais do que um reposicionamento político, é uma reconversão ética e
existencial: reconectar-se com os pobres, com os oprimidos, com os
invisibilizados.
Não há
transformação social verdadeira sem escuta atenta ao clamor popular. As novas
bandeiras não devem ser elaboradas em gabinetes ou entre algoritmos, e sim
brotar do chão da vida, das cozinhas, das fábricas, das "quebradas",
dos campos e das periferias. É ali que pulsa a verdade concreta da
desigualdade, mas também a força, a beleza e a potência da resistência.
A
esquerda precisa descer do palanque e se sentar em roda. Estar fisicamente onde
o povo vive e luta: nas lutas das comunidades, nos assentamentos e ocupações. É
nesses espaços que se semeia a consciência crítica, com a pedagogia do diálogo
e da partilha.
É
urgente investir em formação cidadã e política que não seja doutrinária, mas
libertadora, usando as ferramentas do nosso tempo, mas sem "jamais perder
a ternura" e o espírito comunitário.
Formar
jovens lideranças enraizadas na realidade, com linguagem que dialogue com as
novas gerações, sem abrir mão do compromisso com os pobres e com a justiça.
Só
assim poderemos alcançar corações e mentes hoje seduzidos pela lógica do ódio,
da violência e do individualismo.
Ninguém
liberta ninguém, mas todos nos libertamos em comunhão. Talvez o caminho seja
esse, querida leitora.
• Brasil, a nova fábrica da democracia.
Por Bruno Meyerfeld
Sejamos francos: o Brasil sumiu do radar.
Parece que já faz muito tempo que o país encontrou naturalmente seu lugar no
topo dos jornais, para melhor, durante a década de ouro do crescimento
econômico estonteante (2003-2013), iniciada com a ascensão de Lula ao poder, e
para pior, durante a década sombria (2014-2024), que viu uma sucessão de
recessões históricas, escândalos de corrupção, a demissão da presidente Dilma
Rousseff e o mandato absurdo de Jair Bolsonaro. Em um mundo brutal, os olhos
agora estão voltados para Washington, Gaza, Kiev, Istambul ou Damasco.
No
entanto, seria errado desviar os olhos do Brasil tão rapidamente. Não só pelo
peso demográfico e econômico deste gigante latino-americano ou pela importância
crucial da Amazônia na luta contra o aquecimento global, mas também e sobretudo
porque seus recentes desenvolvimentos políticos e jurídicos têm muito a ensinar
ao mundo, e em particular aos franceses, em um momento de condenação da líder
do Rally Nacional, Marine Le Pen, e da crescente influência da extrema-direita.
Desde
26 de março, Jair Bolsonaro é oficialmente processado por tentativa de golpe de
Estado. Acusado de ter tentado, no final de 2022, ignorar os resultados da
eleição presidencial, ele teria então preparado um decreto de estado de
emergência e cogitado o assassinato de seu sucessor, Lula. São fatos de uma
gravidade sem precedentes, que deverão ser julgados em poucos meses, e que
podem lhe render até quarenta e três anos de prisão.
Mas a
questão vai muito além do caso Bolsonaro. No final de fevereiro, o Ministério
Público brasileiro recomendou o indiciamento de outras 33 figuras suspeitas de
terem participado da organização do golpe. Entre eles estão 24 militares,
incluindo seis generais e um almirante naval. Vários, como o general Walter
Souza Braga Netto, ex-ministro da Defesa e ministro da Casa Civil, foram
membros do governo Bolsonaro.
O
significado histórico deste ato deve ser medido. No Brasil, o exército saiu
ileso de vinte e um anos de ditadura (1964-1985), que viu o assassinato de
centenas de pessoas e a tortura de mais de 20.000 opositores reais ou supostos.
Adotada em 1979, a lei de anistia permitiu que capangas e autoridades do regime
escapassem de processos. Desde então, nada conseguiu abalar esse texto iníquo,
nem mesmo a Comissão Nacional da Verdade (2011-2014), que deveria lançar luz
sobre os crimes da junta.
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Firmeza diante das redes sociais
Mas em
sua ofensiva, a justiça foi muito além dos líderes militares. Desde 2023, o
Supremo Tribunal Federal condenou mais de 500 pessoas que participaram do
vandalismo contra instituições de Brasília em 8 de janeiro de 2023, ou que o
incitaram ou financiaram. Acusados de terem tentado semear o caos naquele dia
para forçar o exército a intervir e lançar um golpe de estado, eles receberam
sentenças de até dezessete anos de prisão. Pelo menos outros 1.000 casos ainda
precisam ser julgados pelos magistrados.
Os
juízes de Brasília também demonstraram firmeza diante das redes sociais. Em
2024, o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, determinou a
suspensão por trinta e nove dias da plataforma X, de Elon Musk, acusada de
disseminar massivamente informações falsas. Ele fez o mesmo em 2022 e 2023 com
o serviço de mensagens criptografadas Telegram. “As redes sociais foram
transformadas em instrumentos a serviço de uma ideologia nociva, o fascismo“,
declarou ele sem rodeios em um discurso em 24 de fevereiro.
Não são
apenas os juízes que estão preocupados. Garantidor da Constituição, o
presidente Lula não hesitou em levantar a voz contra Donald Trump, suspeito de
interferir nas instituições democráticas brasileiras. O presidente americano
está “tentando se tornar o imperador do mundo!”, disse ele indignado em uma
entrevista em 20 de fevereiro, pedindo ao seu homólogo que “respeitasse a
soberania de cada país“.” Não há necessidade de Trump gritar comigo lá [em
Washington]. Aprendi a não me intimidar com pessoas que parecem ameaçadoras.
Fale comigo com calma, fale comigo com respeito, porque eu aprendi a respeitar
as pessoas e quero ser respeitado!“, disse ele em um discurso sem restrições em
11 de março.
Lula
finalmente respondeu com veemência às tarifas impostas por Donald Trump sobre
produtos importados pelos Estados Unidos. Em 2 de abril, a Câmara dos Deputados
aprovou a chamada lei da “reciprocidade”, que autoriza o Brasil a adotar
medidas de retaliação comercial em resposta a quaisquer ações estrangeiras que
ameacem sua competitividade. “Somos um país que não tolera ameaças (…) e
tomaremos todas as medidas cabíveis para proteger nossas empresas e
trabalhadores”, anunciou o presidente brasileiro. Uma firmeza rara para um país
teoricamente localizado no “quintal” americano.
Marcadas
por duas décadas de ditadura e escaldadas pelo mandato de Jair Bolsonaro, as
instituições parecem ter se dado conta das ameaças que pesam sobre a jovem
república brasileira, proclamada em 1989. Longe do silêncio e das acomodações
que caracterizam muitas capitais europeias, Brasília decidiu falar sem rodeios
com Donald Trump e responder com firmeza às tendências golpistas de seus
discípulos locais.
Obviamente,
tudo isso não está isento de nuances e questionamentos. No Brasil, o Congresso
continua dominado por partidos ultraconservadores, oportunistas ou corruptos,
que provavelmente não hesitariam em vender sua democracia ao maior lance. A
mobilização nas ruas continua fraca, como demonstrou a manifestação organizada
no dia 30 de março pela esquerda em São Paulo a favor da prisão de Jair
Bolsonaro, que reuniu apenas 6.600 pessoas. Muitos especialistas jurídicos
estão preocupados com o peso dos juízes no equilíbrio dos poderes.
Mas
nestes Tempos Selvagens (título de um livro do escritor hispano-peruano Mario
Vargas Llosa dedicado ao golpe militar organizado pelos Estados Unidos na
Guatemala em 1954), o Brasil está se tornando um exemplo, um adepto de uma
“democracia lutadora” ao estilo alemão, protegendo-se ativamente contra as
forças que buscam destruí-lo. Em muitos aspectos, é hoje um laboratório, ainda
que imperfeito, da luta pela defesa da democracia. Os franceses fariam bem em
se inspirar nisso.
Fonte:
Por Fernando Augusto de Assis, no Le Monde

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