Procurador do Dnit tem condenação por ameaçar
líder quilombola no Maranhão
Conflito agrário de duas décadas impacta 62
famílias de quilombolas; procurador do Dnit alega ser herdeiro da propriedade
que tem parte da área sobreposta a comunidade tradicional
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EM
SANTA RITA (MA), um procurador federal do Dnit (Departamento Nacional de
Infraestrutura de Transportes) é investigado pelo Ministério Público Estadual
suspeito de envenenar as águas de um quilombo, destruir as casas dos moradores,
matar animais e cometer crime ambiental. Ezequiel Xenofonte Júnior, que ocupa
cargo de chefia no órgão, foi condenado em 2023 por ameaças a uma liderança quilombola
e continua sendo investigado suspeito por ameaçar outros moradores do local.
A
fazenda Cedro, da qual o procurador afirma ser herdeiro, tem áreas sobrepostas
ao Quilombo do Cedro, que abriga 62 famílias. A região dos quilombolas
foi certificada como remanescente de quilombo pela Fundação Cultural
Palmares em maio de 2020. O processo de regularização fundiária está em
andamento no Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Em
2022, Xenofonte Júnior conseguiu uma decisão judicial em segunda instância para
a reintegração da área, que já transitou em julgado, quando não há mais
possibilidade de recursos. A comunidade é representada pelo Incra e pelo
Ministério Público Estadual do Maranhão. Os órgãos tentam uma conciliação para
manter as famílias quilombolas no local.
Em
outubro de 2024, após um pedido da Defensoria Pública, a Justiça suspendeu
temporariamente a ação de despejo dos moradores quilombolas “até a apreciação
dos autos pela Comissão de Soluções Fundiárias” do Tribunal de Justiça do
Maranhão. A comissão atua para pacificar conflitos de terra, especialmente os
que envolvem desalojamento de famílias e risco de violência. Ainda não há
previsão sobre quando a análise pela comissão irá ocorrer.
“Nós
entendemos que essa reintegração seria um crime social. É uma comunidade que
vive lá há mais de cem anos. Todos os nossos esforços nesse momento são para
retirar o risco dessa reintegração”, afirma o promotor Oziel Costa Ferreira
Neto, da Promotoria de Conflitos Agrários do Maranhão.
Xenofonte
Júnior é procurador-chefe do Dnit no Maranhão desde 2000. Ele ingressou no
funcionalismo federal em 1986, nomeado por decreto, como consta no Portal da Transparência. Atuou também como
procurador da Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), de acordo com
documentos obtidos pela Repórter Brasil. Em outubro de 2024, dado mais
recente disponibilizado pelo Portal da Transparência, ele recebeu dos
cofres públicos R$ 41,5 mil líquidos, entre salário base, indenizações e
honorários advocatícios.
A
reportagem não conseguiu contato direto com Xenofonte Júnior, apenas com o
filho dele, Ezequiel Xenofonte Neto por telefone, que pediu o envio dos
questionamentos por email, mas não houve retorno até esta publicação. O espaço
segue disponível para futuras manifestações.
·
Condenação
por ameaça
O
servidor do Dnit já foi condenado em primeira instância por ameaças proferidas
contra Maria Antônia Teixeira Dias, uma liderança quilombola do Maranhão
conhecida como Antônia Cariongo. Na sentença, de dezembro de 2023, a juíza Mara
Carneiro de Paula Pessoa, da Vara Única da Comarca de Santa Rita, cita um vídeo
anexado aos autos onde Xenofonte afirma “rastrear” a vítima. A gravação, feita
por moradores do Quilombo do Cedro em outubro de 2020, foi acessada
pela Repórter Brasil. Nela, Xenofonte diz: “ela não perde por esperar. Eu
vou dar uma resposta para ela, para ela saber respeitar”. O procurador do Dnit
afirma ainda no vídeo saber quem é a filha da liderança quilombola.
A
sentença menciona ainda um boletim de ocorrência registrado por Cariongo, no
qual ela relata ter se sentido intimidada por homens não identificados
circulando nos arredores de sua casa após ter conhecimento do vídeo. Xenofonte
foi condenado a um mês e dezoito dias de prisão por ameaça, em regime aberto.
Tanto
Cariongo quanto Xenofonte recorreram da condenação em primeira instância. Ela
pede aumento da pena e ele, absolvição. Ele alega que proferiu “palavras
acaloradas, sem contudo, ameaçar a quem quer que fosse”, conforme consta no
processo judicial.
“Esse
homem acabou com a minha vida”, afirmou a líder quilombola em entrevista
à Repórter Brasil. Ela registrou o boletim de ocorrência dias após ter
acesso ao vídeo citado pela juíza na decisão. “Naquele momento eu vi que ia ser
morta”.
·
Quilombolas
relatam intimidação
Os
moradores do quilombo também registraram dezenas de outros boletins de
ocorrências denunciando ameaças sofridas Em um desses documentos, de outubro de
2020, Cariongo relatou que ela e outros moradores observaram policiais
militares fotografando a área do conflito fundiário. Segundo o boletim, os
agentes estavam no local sem viatura, em um carro junto com Ezequiel Xenofonte
Neto, filho do procurador do Dnit. Xenofonte Neto também é investigado pelo
Ministério Público Estadual suspeito de destruir casas de moradores do Quilombo
do Cedro.
Após
investigação da Polícia Civil do Maranhão, Xenofonte Júnior foi indiciado pelos
crimes de dano, ameaça, crime ambiental e exercício arbitrário das próprias
razões, que é descrito pelo Código Penal como “fazer justiça com as próprias
mãos”, ou seja, resolver conflitos sem utilizar ferramentas e instrumentos
previstos em lei. Já Xenofonte Neto foi indiciado pelo crime de dano.
As
investigações contra Xenofonte Júnior e Xenofonte Neto estão em andamento no
Ministério Público do Maranhão. O promotor Ferreira Neto explica que há
diligências programadas para a apuração dos crimes.
No
processo que condenou o procurador, moradores afirmaram que Xenofonte Júnior
teria desmatado áreas do quilombo, incluindo matas do quintal de suas casas.
Eles relatam terem feito um corredor humano para impedir as máquinas de
continuar a derrubada de árvores. No processo judicial, a Secretaria do Meio
Ambiente do Maranhão informou que o procurador não tinha licenças para o
desmatamento.
Em
outros boletins de ocorrência aos quais a Repórter Brasil teve
acesso, outros moradores da comunidade acusam Xenofonte Júnior de utilizar o
cargo público para cooptar policiais militares. Em novembro de 2019, a
comunidade encaminhou denúncia à Ouvidoria de Segurança Pública do Maranhão
afirmando que policiais estiveram no local com o procurador do Dnit. Na
ocasião, eles teriam derrubado casas, ameaçado e atirado spray de pimenta em
moradores.
Nilo de
Jesus Pereira, liderança do Quilombo do Cedro, está, assim como Cariongo, no
Programa de Proteção a Defensores e Defensoras de Direitos Humanos do Estado do
Maranhão. O motivo é justamente as alegadas ameaças de Xenofonte Júnior. “Ele
ignora a lei, ignora os direitos”, afirmou em entrevista à Repórter
Brasil.
Pereira
conta que os antigos moradores da fazenda Cedro conviviam com os quilombolas,
sem conflitos. Segundo ele, após o falecimento desses proprietários, Xenofonte
assumiu a propriedade e, por volta de 2005, os conflitos começaram.
Em
outros boletins de ocorrência registrados pelos moradores do quilombo, o
procurador é acusado de andar armado, ameaçar constantemente as famílias e
matar a tiros e facadas os porcos da comunidade. Nos depoimentos que embasam o
processo judicial que culminou na condenação por ameaça contra Cariongo,
moradores relatam disparos de armas de fogo em seus quintais e animais
cravejados de tiros no mato.
No seu
cargo no Dnit, Xenofonte atuou em questões que impactam quilombolas como, por
exemplo, a duplicação da BR 135, estrada que liga Minas Gerais ao Maranhão e
impacta dezenas de comunidades quilombolas. Questionado
sobre o conflito com a comunidade quilombola, o Dnit respondeu que “a situação
informada trata de assunto particular do senhor Ezequiel Xenofonte Júnior e não
tem relação com o processo de licenciamento em curso da duplicação da BR-135”.
O órgão não respondeu aos demais questionamentos da reportagem sobre a
condenação
Sobre a
presença de policiais no Quilombo do Cedro, a Secretaria de Segurança Pública
do Maranhão informou, em nota, que “procedimentos de investigação preliminar
foram instaurados pela Corregedoria da Polícia Militar à época dos fatos, nos
anos de 2019 e 2020. Contudo, as sindicâncias foram arquivadas, uma vez que
nenhum dos denunciantes compareceu para prestar depoimento e também não houve
apresentação de provas acerca dos fatos denunciados”.
Em
boletins de ocorrência diferentes registrados pelo procurador do Dnit,
Xenofonte Junior acusa moradores do quilombo de furtar madeiras e construir
casas de alvenaria na área do conflito, o que estaria proibido pela Justiça
enquanto a reintegração de posse não é concluída, já que o Incra e o MP estão
tentando conciliação com o procurador.
Para o
promotor Ferreira Neto, manter os quilombolas na comunidade é prioridade. “É
uma comunidade grande, bem estabelecida. Não tenho dúvidas de que é
centenária”.
·
Reintegração
de posse
Em
nota, o Incra informou que acompanha a situação e que em fevereiro a Diretoria
de Territórios Quilombolas do Incra, a Diretoria de Mediação e Conciliação de
Conflitos Agrários, as Defensorias Públicas Federal e do estado, e integrantes
dos Ministérios Públicos Federal e Estadual estiveram na Comunidade Quilombola
Cedro para “discutir estratégias visando a manutenção da comunidade no
território”.
“A
gente tem esperança. Eu entendi que a Justiça tinha que ser analisada desse
lado: a gente nasceu aqui, a minha avó era descendente de escravos, chegamos
aqui nessa terra era 1907. Todo mundo se criou aqui”, disse Pereira. “Eu nasci
aqui e vou morrer aqui”.
Fonte: Repórter Brasil

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