Pedro
Farias: As camadas da crise das tarifas
de Donald Trump
A vida
dos economistas anda muito fácil. Com toda a incerteza ao redor do caos das
tarifas de Donald Trump, o mercado da futurologia está suspenso e estamos todos
sem o que fazer. No entanto, se não há previsões a fazer, podemos tentar mapear
o caminho por onde a incerteza navega.
Entendo
que há três “camadas” de crise e incerteza: os mercados financeiros, a
incerteza dos investimentos e, por fim, a aceleração do afastamento entre China
e Estados Unidos.
Nosso
primeiro pensamento sobre uma guerra tarifária é pensar na produção: será que
vale a pena migrar a produção de aço, sapatos, chips e outros bens de um país
para outro para contornar tarifas? Será que os produtos chineses ou vietnamitas
antes destinados aos Estados Unidos serão comercializados em outros países?
Será que o agronegócio brasileiro vai tomar o mercado das commodities agrícolas
estadunidenses?
O
problema é que vivemos em um mundo financeirizado. A primeira reação ocorre
sempre nos mercados financeiros e dali se propaga para a economia real.
Especuladores tentam adivinhar, muitas vezes baseados em meros boatos ou
tuítes, quem ganha e quem perde com as ações concretas.
Muito
antes de uma empresa ser forçada a assumir um prejuízo por conta das tarifas,
ela já pode ter sido declarada insolvente pelas bolsas com base em
especulações. No jargão do mercado, há uma tentativa de “trazer a
valor-presente” os efeitos futuros das tarifas. A própria opinião dos
operadores de mercado começa a ter efeitos reais, pois dificulta financiamentos
e rolagem de dívidas.
- A primeira
camada: os mercados financeiros
Por
isso, a primeira camada da crise criada por Trump veio dos mercados
financeiros. E veio do principal mercado dentro do ambiente financeiro: o
mercado de títulos do tesouro americano.
Este
mercado tem um tamanho maior que o PIB estadunidense e mistura atores muito
diferentes: de um lado, países superavitários que acumulam reservas em dólar,
como China, Rússia, Brasil e as monarquias do petróleo, que mantém posições de
longo-prazo; de outro, fundos de investimentos que operam altamente alavancados
para transformar as margens pequenas desse mercado em lucros significativos.
O “liberation
day” (dia da libertação) de Trump, com sua tabela tosca de tarifas, abriu
um período conturbado no mercado de títulos estadunidenses. De um lado, quem
consegue vender ativos menos líquidos, como ações e debêntures privadas, migra
para as Treasuries, os títulos públicos. Ao mesmo tempo, os títulos
estadunidenses são o ativo mais fácil de converter em dinheiro líquido para os
agentes financeiros pegos com as calças na mão. Rumores de que o Japão e a
China estariam desovando parte de suas enormes posses ajudaram a balançar ainda
mais o barco.
Aparentemente,
foi o tumulto no mercado de títulos da dívida que fez Trump recuar e adiar a
implementação de tarifas contra 75 países, além de reduzi-las para apenas 10%.
Trump não quis pagar para ver os títulos de dez anos da dívida estadunidense
alcançarem a marca de 5% de juros. Todo o endividamento interno do país está
assentado ali e a escalada de juros ameaça a renda das famílias via hipotecas
de juros variáveis e outras dívidas.
- A segunda
camada: o vai-e-vem das tarifas
A
segunda camada da crise está vindo da incerteza criada pelo vai-e-vem de
tarifas. O investimento produtivo fica em suspenso nessas situações. Não há
como decidir sobre a instalação de novas unidades produtivas ou a modernização
das atuais sem formular cenários futuros sobre o comércio internacional. Como
calcular a expectativa de receitas de uma fábrica de calçados se sequer sabemos
se o mercado para os produtos existe? Ou qual será o custo para entregar o
produto para os consumidores?
A
situação está tão grave que até as operações correntes estão sob incerteza. Uma
carga que sai da China hoje não sabe quanto de imposto pagará quando chegar aos
Estados Unidos daqui a 30 dias. O exportador não sabe se o importador terá
condições de pagar e se irá honrar preços e contratos estabelecidos.
Declarações de “force majeure” (motivos de força
maior) aparecem no horizonte e tornam os pagamentos incertos.
Com o
investimento e até as operações em ritmo devagar, já estamos observando
movimentos emergenciais por parte de governos para refazer conexões de cadeias
de suprimento. Parcerias inusitadas como a abertura da União Europeia para os
carros elétricos chineses começam a surgir para que um lado continue tendo
acesso aos bens e o outro às vendas. Inimigos históricos como China, Coreia do
Sul e Japão sentam para conversar. A carne brasileira se torna mais disputada
para substituir a produção estadunidense.
- A terceira
camada: “decoupling” China e EUA
A
terceira camada da crise é a desvinculação gradual entre as economias da China
e dos Estados Unidos. Este movimento já está em curso desde o primeiro governo
Trump: a China tem reduzido sua dependência de exportações para os Estados
Unidos e o percentual de reservas internacionais mantidas em dólares.
Em um
horizonte mais longo, a China dá continuidade à construção de um sistema
financeiro alternativo ao Swift, controlado pelos Estados Unidos, e tem
superado com sucesso praticamente todas as tentativas de estrangulamento
tecnológico impostas via sanções.
Esta
camada, mais estrutural e de longo-prazo, tem sido praticamente o único objeto
de análise de cenário na esquerda. Faltam, no entanto, análises nos níveis
conjuntural e até jornalístico, pois é nestas camadas que se darão as
oportunidades para construção de um giro da política brasileiro em direção a
maior integração com os BRICS.
¨ A semana de Trump:
vida louca das tarifas. Por Simone Mateos
O mundo
viveu esta semana uma verdadeira montanha-russa nas bolsas de valores a reboque
do vai e vem das tarifas impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump.
Represálias
tarifárias, queda do dólar, fuga dos investimentos em títulos da dívida pública
dos Estados Unidos e analistas falando em riscos de recessão mundial foi o que
se viu. Ao mesmo tempo, a gestão Trump manteve sua guerra aos imigrantes,
inclusive nos tribunais, e voltou a falar de Gaza como um
empreendimento imobiliário. O presidente também conseguiu tornar as necessidades de
seus “lindos cabelos” tema do noticiário.
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Sábado (05/04)
Entra
em vigor a tarifa de
importação de
10% imposta por Trump a 184 países. Para alumínio, aço e automóveis a taxa é de
25%, a mesma dos produtos vindos do Canadá e México não incluídos no acordo de
Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Isenção só para insumos essenciais
inexistentes nos EUA.
Trump
também anunciou que, a partir do dia 9, produtos da União Europeia pagariam 20%
de taxa de importação e os da China 54%. Também incrementou as tarifas para o
Vietnã (46%), Japão (24%), Venezuela (15%) e Nicarágua (18%). A China
imediatamente anunciou taxa
adicional de 34% contra os Estados Unidos. Com isso, o maior banco
norte-americano, JP Morgan Chase, subir de 40% para 60% sua avaliação das
chances de recessão mundial.
O
sábado também foi dia de protestos anti-Trump. Cerca de 500 mil
pessoas participaram em mais de 1.200 manifestações nos 50 estados. Elas foram
organizadas por 150 grupos, incluindo desde veteranos até organizações LGBTQ+.
As principais bandeiras eram contra o autoritarismo e a influência de bilionários
na política nacional e em solidariedade aos palestinos.
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Segunda-feira (07/04)
As bolsas do mundo
inteiro despencaram,
sobretudo na Ásia: Hong Kong (-13,22%), Taiwan (-9,7%), Xangai (-7,34%), Tóquio
(-7,83%). Na Europa, a queda do índice pan-europeu STOXX 600 foi de 4,53%. Nos
Estados Unidos, o Dow Jones caiu 3,77%, a Nasdaq 4,17% e o S&P 500, 3,94%.
O Ibovespa recuou 1,31%.
Enquanto
o furacão atingia as bolsas, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu
se encontrava com Trump em Washington. Na coletiva após o encontro, Trump voltou a
se referir a Gaza como “uma incrível e importante propriedade imobiliária”.
Já
quanto às deportações, A Suprema Corte determinou a suspensão do bloqueio
das deportações por meio
da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798. Mas frisou que devem ser feitas seguindo os
trâmites legais, garantindo o direito de as pessoas contestarem sua deportação.
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Terça-feira (08/04)
Trump
assina decretos que suspendem a desativação das usinas elétricas a carvão mais
antigas.
Enquanto
isso, a China e Comissão Europeia conversam sobre como colaborar para
reduzir os efeitos da guerra comercial desencadeada por Trump.
A União
Europeia propõe uma isenção tarifária total e recíproca para produtos
industriais dos Estados Unidos, mas Trump considera a oferta
insuficiente.
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Quarta-feira (09/04)
O vai
vem do tarifaço continua, e Trump suspende por
90 dias a
aplicação da tarifa de 10% para 75 países e unifica em 10% as taxas para todos
os outros países, exceto a China. Contra Pequim, a taxa sobe de 104% para 125%,
com efeito imediato. No mesmo dia, passa a vigorar a tarifa chinesa de
84% sobre as importações norte-americanas. Segundo o jornal New York
Times, o recuo ocorreu por pressão de membros do governo que temem “um
pânico financeiro” que pudesse “devastar a economia”.
Senadores
e deputados democratas dos Estados Unidos solicitaram uma
investigação contra Trump por tráfico de informações privilegiadas e
manipulação do mercado financeiro.
Trump
deu mais alguns passos para calar opositores. Ele assinou uma ordem punindo o
escritório de advocacia que ajudou a Dominion Voting Systems a obter na Justiça
US$ 787,5 milhões da Fox pela divulgação de mentiras
favoráveis ao republicano na eleição de 2020. Outras ordens punem cinco
empresas por conexões com seus rivais políticos. O presidente também ordenou
que o Departamento de Justiça investigasse dois ex-funcionários do governo que
refutaram alegações de fraude eleitoral no pleito de 2020, em que ele perdeu.
A Casa
Branca cortou o financiamento ao órgão que produz a principal análise sobre o
impacto das mudanças climáticas nos Estados Unidos. O Programa de Pesquisa
sobre Mudanças Globais dos Estados Unidos divulgava a cada quatro anos um
relatório que orienta as decisões na área agrícola, de uso da terra e da água.
Agora, o estudo fica suspenso.
Ainda
na quarta-feira, Trump assinou outra ordem acabando com as limitações à pressão
da água nos chuveiros. O objetivo, segundo ele, é era “tornar os chuveiros norte-americanos
ótimos novamente” para que o presidente possa “cuidar do seu lindo cabelo”.
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Quinta-feira (10/04)
O
anúncio da suspensão das tarifas por 90 dias fez as bolsas de valores se
recuperarem.
Na Ásia, a alta foi de 9% (Japão) a 2,5% (Hong Kong); na Europa, ficou entre 3%
e 4,7%. Já nos Estados Unidos, as três principais bolsas subiram entre 7,9% e
12,1%. O Ibovespa subiu 3,1%.
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Sexta-feira (11/04)
A China
anunciou que passaria a cobrar 125% de tarifa sobre
as importações dos Estados Unidos e impôs restrições a várias empresas
norte-americanas. Com isso, algumas bolsas asiáticas e a maioria das europeias
voltaram a cair um pouco (menos de 1%). Nos EUA, as três bolsas subiram entre
1,58% e 1,77%.
O presidente chinês Xi
Jinping se
reuniu com o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e conversou com
lideranças da Arábia Saudita e da África do Sul.
Um juiz
de imigração da Louisiana aceitou a alegação do governo Trump e determinou
que Mahmoud Khalil pode
ser deportado por
suas opiniões se estas prejudicam a política do país. Khalil é um estudante
pró-Palestina casado com uma norte-americana que dará a luz este mês. Ele foi
preso em Nova York dia 8 de março e enviado a Louisiana por organizar
manifestações contra a guerra em Gaza.
Fonte:
Opera Mundi
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