terça-feira, 15 de abril de 2025

Pedro Farias: As  camadas da crise das tarifas de  Donald Trump

A vida dos economistas anda muito fácil. Com toda a incerteza ao redor do caos das tarifas de Donald Trump, o mercado da futurologia está suspenso e estamos todos sem o que fazer. No entanto, se não há previsões a fazer, podemos tentar mapear o caminho por onde a incerteza navega.

Entendo que há três “camadas” de crise e incerteza: os mercados financeiros, a incerteza dos investimentos e, por fim, a aceleração do afastamento entre China e Estados Unidos.

Nosso primeiro pensamento sobre uma guerra tarifária é pensar na produção: será que vale a pena migrar a produção de aço, sapatos, chips e outros bens de um país para outro para contornar tarifas? Será que os produtos chineses ou vietnamitas antes destinados aos Estados Unidos serão comercializados em outros países? Será que o agronegócio brasileiro vai tomar o mercado das commodities agrícolas estadunidenses?

O problema é que vivemos em um mundo financeirizado. A primeira reação ocorre sempre nos mercados financeiros e dali se propaga para a economia real. Especuladores tentam adivinhar, muitas vezes baseados em meros boatos ou tuítes, quem ganha e quem perde com as ações concretas.

Muito antes de uma empresa ser forçada a assumir um prejuízo por conta das tarifas, ela já pode ter sido declarada insolvente pelas bolsas com base em especulações. No jargão do mercado, há uma tentativa de “trazer a valor-presente” os efeitos futuros das tarifas. A própria opinião dos operadores de mercado começa a ter efeitos reais, pois dificulta financiamentos e rolagem de dívidas.

  • A primeira camada: os mercados financeiros

Por isso, a primeira camada da crise criada por Trump veio dos mercados financeiros. E veio do principal mercado dentro do ambiente financeiro: o mercado de títulos do tesouro americano.

Este mercado tem um tamanho maior que o PIB estadunidense e mistura atores muito diferentes: de um lado, países superavitários que acumulam reservas em dólar, como China, Rússia, Brasil e as monarquias do petróleo, que mantém posições de longo-prazo; de outro, fundos de investimentos que operam altamente alavancados para transformar as margens pequenas desse mercado em lucros significativos.

O “liberation day” (dia da libertação) de Trump, com sua tabela tosca de tarifas, abriu um período conturbado no mercado de títulos estadunidenses. De um lado, quem consegue vender ativos menos líquidos, como ações e debêntures privadas, migra para as Treasuries, os títulos públicos. Ao mesmo tempo, os títulos estadunidenses são o ativo mais fácil de converter em dinheiro líquido para os agentes financeiros pegos com as calças na mão. Rumores de que o Japão e a China estariam desovando parte de suas enormes posses ajudaram a balançar ainda mais o barco.

Aparentemente, foi o tumulto no mercado de títulos da dívida que fez Trump recuar e adiar a implementação de tarifas contra 75 países, além de reduzi-las para apenas 10%. Trump não quis pagar para ver os títulos de dez anos da dívida estadunidense alcançarem a marca de 5% de juros. Todo o endividamento interno do país está assentado ali e a escalada de juros ameaça a renda das famílias via hipotecas de juros variáveis e outras dívidas.

  • A segunda camada: o vai-e-vem das tarifas

A segunda camada da crise está vindo da incerteza criada pelo vai-e-vem de tarifas. O investimento produtivo fica em suspenso nessas situações. Não há como decidir sobre a instalação de novas unidades produtivas ou a modernização das atuais sem formular cenários futuros sobre o comércio internacional. Como calcular a expectativa de receitas de uma fábrica de calçados se sequer sabemos se o mercado para os produtos existe? Ou qual será o custo para entregar o produto para os consumidores?

A situação está tão grave que até as operações correntes estão sob incerteza. Uma carga que sai da China hoje não sabe quanto de imposto pagará quando chegar aos Estados Unidos daqui a 30 dias. O exportador não sabe se o importador terá condições de pagar e se irá honrar preços e contratos estabelecidos. Declarações de “force majeure” (motivos de força maior) aparecem no horizonte e tornam os pagamentos incertos.

Com o investimento e até as operações em ritmo devagar, já estamos observando movimentos emergenciais por parte de governos para refazer conexões de cadeias de suprimento. Parcerias inusitadas como a abertura da União Europeia para os carros elétricos chineses começam a surgir para que um lado continue tendo acesso aos bens e o outro às vendas. Inimigos históricos como China, Coreia do Sul e Japão sentam para conversar. A carne brasileira se torna mais disputada para substituir a produção estadunidense.

  • A terceira camada: “decoupling” China e EUA

A terceira camada da crise é a desvinculação gradual entre as economias da China e dos Estados Unidos. Este movimento já está em curso desde o primeiro governo Trump: a China tem reduzido sua dependência de exportações para os Estados Unidos e o percentual de reservas internacionais mantidas em dólares.

Em um horizonte mais longo, a China dá continuidade à construção de um sistema financeiro alternativo ao Swift, controlado pelos Estados Unidos, e tem superado com sucesso praticamente todas as tentativas de estrangulamento tecnológico impostas via sanções.

Esta camada, mais estrutural e de longo-prazo, tem sido praticamente o único objeto de análise de cenário na esquerda. Faltam, no entanto, análises nos níveis conjuntural e até jornalístico, pois é nestas camadas que se darão as oportunidades para construção de um giro da política brasileiro em direção a maior integração com os BRICS.

¨      A semana de Trump: vida louca das tarifas. Por Simone Mateos

O mundo viveu esta semana uma verdadeira montanha-russa nas bolsas de valores a reboque do vai e vem das tarifas impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump.

Represálias tarifárias, queda do dólar, fuga dos investimentos em títulos da dívida pública dos Estados Unidos e analistas falando em riscos de recessão mundial foi o que se viu. Ao mesmo tempo, a gestão Trump manteve sua guerra aos imigrantes, inclusive nos tribunais, e voltou a falar de Gaza como um empreendimento imobiliário. O presidente também conseguiu tornar as necessidades de seus “lindos cabelos” tema do noticiário.

<><> Sábado (05/04)

Entra em vigor a tarifa de importação de 10% imposta por Trump a 184 países. Para alumínio, aço e automóveis a taxa é de 25%, a mesma dos produtos vindos do Canadá e México não incluídos no acordo de Livre Comércio da América do Norte (Nafta). Isenção só para insumos essenciais inexistentes nos EUA.

Trump também anunciou que, a partir do dia 9, produtos da União Europeia pagariam 20% de taxa de importação e os da China 54%. Também incrementou as tarifas para o Vietnã (46%), Japão (24%), Venezuela (15%) e Nicarágua (18%). A China imediatamente anunciou taxa adicional de 34% contra os Estados Unidos. Com isso, o maior banco norte-americano, JP Morgan Chase, subir de 40% para 60% sua avaliação das chances de recessão mundial.

O sábado também foi dia de protestos anti-Trump. Cerca de 500 mil pessoas participaram em mais de 1.200 manifestações nos 50 estados. Elas foram organizadas por 150 grupos, incluindo desde veteranos até organizações LGBTQ+. As principais bandeiras eram contra o autoritarismo e a influência de bilionários na política nacional e em solidariedade aos palestinos.

<><> Segunda-feira (07/04)

As bolsas do mundo inteiro despencaram, sobretudo na Ásia: Hong Kong (-13,22%), Taiwan (-9,7%), Xangai (-7,34%), Tóquio (-7,83%). Na Europa, a queda do índice pan-europeu STOXX 600 foi de 4,53%. Nos Estados Unidos, o Dow Jones caiu 3,77%, a Nasdaq 4,17% e o S&P 500, 3,94%. O Ibovespa recuou 1,31%.

Enquanto o furacão atingia as bolsas, o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu se encontrava com Trump em Washington. Na coletiva após o encontro, Trump voltou a se referir a Gaza como “uma incrível e importante propriedade imobiliária”.

Já quanto às deportações, A Suprema Corte determinou a suspensão do bloqueio das deportações por meio da Lei de Inimigos Estrangeiros de 1798. Mas frisou que devem ser feitas seguindo os trâmites legais, garantindo o direito de as pessoas contestarem sua deportação.

<><> Terça-feira (08/04)

Trump assina decretos que suspendem a desativação das usinas elétricas a carvão mais antigas.

Enquanto isso, a China e Comissão Europeia conversam sobre como colaborar para reduzir os efeitos da guerra comercial desencadeada por Trump.

A União Europeia propõe uma isenção tarifária total e recíproca para produtos industriais dos Estados Unidos, mas Trump considera a oferta insuficiente.

<><> Quarta-feira (09/04)

O vai vem do tarifaço continua, e Trump suspende por 90 dias a aplicação da tarifa de 10% para 75 países e unifica em 10% as taxas para todos os outros países, exceto a China. Contra Pequim, a taxa sobe de 104% para 125%, com efeito imediato. No mesmo dia, passa a vigorar a tarifa chinesa de 84% sobre as importações norte-americanas. Segundo o jornal New York Times, o recuo ocorreu por pressão de membros do governo que temem “um pânico financeiro” que pudesse “devastar a economia”.

Senadores e deputados democratas dos Estados Unidos solicitaram uma investigação contra Trump por tráfico de informações privilegiadas e manipulação do mercado financeiro.

Trump deu mais alguns passos para calar opositores. Ele assinou uma ordem punindo o escritório de advocacia que ajudou a Dominion Voting Systems a obter na Justiça US$ 787,5 milhões da Fox pela divulgação de mentiras favoráveis ao republicano na eleição de 2020. Outras ordens punem cinco empresas por conexões com seus rivais políticos. O presidente também ordenou que o Departamento de Justiça investigasse dois ex-funcionários do governo que refutaram alegações de fraude eleitoral no pleito de 2020, em que ele perdeu.

A Casa Branca cortou o financiamento ao órgão que produz a principal análise sobre o impacto das mudanças climáticas nos Estados Unidos. O Programa de Pesquisa sobre Mudanças Globais dos Estados Unidos divulgava a cada quatro anos um relatório que orienta as decisões na área agrícola, de uso da terra e da água. Agora, o estudo fica suspenso.

Ainda na quarta-feira, Trump assinou outra ordem acabando com as limitações à pressão da água nos chuveiros. O objetivo, segundo ele, é era “tornar os chuveiros norte-americanos ótimos novamente” para que o presidente possa “cuidar do seu lindo cabelo”.

<><> Quinta-feira (10/04)

O anúncio da suspensão das tarifas por 90 dias fez as bolsas de valores se recuperarem. Na Ásia, a alta foi de 9% (Japão) a 2,5% (Hong Kong); na Europa, ficou entre 3% e 4,7%. Já nos Estados Unidos, as três principais bolsas subiram entre 7,9% e 12,1%. O Ibovespa subiu 3,1%.

<><> Sexta-feira (11/04)

A China anunciou que passaria a cobrar 125% de tarifa sobre as importações dos Estados Unidos e impôs restrições a várias empresas norte-americanas. Com isso, algumas bolsas asiáticas e a maioria das europeias voltaram a cair um pouco (menos de 1%). Nos EUA, as três bolsas subiram entre 1,58% e 1,77%.

presidente chinês Xi Jinping se reuniu com o primeiro-ministro espanhol Pedro Sánchez e conversou com lideranças da Arábia Saudita e da África do Sul.

Um juiz de imigração da Louisiana aceitou a alegação do governo Trump e determinou que Mahmoud Khalil pode ser deportado por suas opiniões se estas prejudicam a política do país. Khalil é um estudante pró-Palestina casado com uma norte-americana que dará a luz este mês. Ele foi preso em Nova York dia 8 de março e enviado a Louisiana por organizar manifestações contra a guerra em Gaza.

 

Fonte: Opera Mundi

 

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