terça-feira, 22 de abril de 2025

Ricardo Queiroz Pinheiro: Glauber Braga - a vitória da crítica e do descenimento

Glauber Braga foi arrastado ao cadafalso da Comissão de Ética com a fúria seletiva de quem nunca escondeu a vocação autoritária. O caso teve pressa, escândalo e ameaça. Glauber reagiu com o único gesto que lhe restava: a greve de fome. Um gesto extremo, mas coerente com a escalada que se impôs. Expôs o excesso e o desequilíbrio. Fez com que, mesmo entre adversários, alguns se perguntassem: até onde vai a sanha de um Congresso que normaliza tanto o intolerável?

A greve de Glauber rompeu o silêncio constrangedor e convocou solidariedades. Vieram do PSOL, do PT, de artistas e intelectuais, religiosos, movimentos sociais, de gente que transita pela esquerda crítica e até de figuras da base governista, como Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann. Sidônio Palmeira, homem de confiança de Lula, também se manifestou. Mesmo parte da direita, aquela que sabe farejar o momento político, preferiu o recuo tático à execração pública. Em tempos de desordem moral, a coragem de Glauber forçou a modulação do espetáculo.

Foi aí que Hugo Motta, presidente do Conselho de Ética, anunciou 60 dias para a defesa. A cassação sumária deu lugar a uma pausa. Não é recuo definitivo — Motta garantiu que, ao fim do prazo, colocará em votação —, mas é uma trégua, ainda que envergonhada. E convenhamos: não se produz esse tipo de mudança de ritmo sem que Lula tenha ao menos mexido discretamente as peças. Motta é aliado direto de Lira, e nada ali se move fora de um acordo maior.

Claro que isso gerou ruído. A ala do PSOL que se opõe frontalmente ao governo Lula diz que Lula nada fez. A ala governista, por sua vez, vê na pausa unicamente a digital do presidente. Nem uma coisa nem outra. As duas leituras erram por excesso. É tolice achar que Lula salvaria Glauber com um estalar de dedos. Mas também é irreal não enxergar que houve uma ação coordenada, ainda que discreta, para dar sustentação ao gesto radical do deputado fluminense — que, vale lembrar, foi um dos que mais defenderam Lula, com coragem, no momento mais sombrio de sua trajetória, durante a prisão.

Glauber foi valente. Se expôs, colocou o corpo no centro do conflito, tensionou os limites. O grupo de Lula, ao seu modo, complementou com o que tinha: influência. Se Glauber encarnou a denúncia, os aliados do governo atuaram nos bastidores para evitar o pior. Não há contradição aqui — há uma forma, ainda rara, de complementaridade entre crítica e governabilidade. Quando feita com discernimento, uma não anula a outra.

E é justamente disso que a esquerda não pode abrir mão agora: discernimento. O que ela menos precisa, diante da brutalidade que se impõe por todos os lados, é repetir o ritual autofágico entre o sectarismo e o governismo cego. Em vez de brigar por pureza ou por blindagem, é hora de reconhecer que há lutas que se vencem a muitas mãos. Glauber, com sua coragem, e o governo, com sua articulação, evitaram juntos uma injustiça. Que se aprenda com isso.

•        "Muitos deputados cometeram crimes gravíssimos e não foram julgados com o mesmo rigor”, diz advogada sobre Glauber

A advogada Gisele Ricobom afirmou que o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ) está sendo alvo de perseguição política na Câmara dos Deputados e criticou o tratamento desigual conferido a parlamentares. “Muitos deputados cometeram crimes gravíssimos e não foram julgados com o mesmo rigor”, declarou durante entrevista ao Boa Noite 247.

Para Ricobom, a condução do processo contra o parlamentar é marcada por seletividade e incoerência. “É um absurdo o que está acontecendo com o deputado Glauber. Uma decisão sem precedentes na Câmara. Estão se apegando a uma situação específica para omitir a real intenção, que é punir um deputado combativo, que fala verdades e defende a população”, disse.

A advogada também questionou a legitimidade do relator do processo ético. “O relator tem um caso mais grave que o de Glauber e está lá, julgando. Isso não faz o menor sentido. É um Conselho de Ética que está fazendo tudo, menos defender a ética”, afirmou.

Ela destacou que a atuação do parlamentar está alinhada à defesa dos interesses populares e à fiscalização do poder. “Glauber tem feito uma defesa corajosa de seu mandato. Todos que têm compromisso democrático devem reconhecer seu trabalho e a perseguição de que ele está sendo alvo”, acrescentou.

Ricobom falou também do debate sobre o chamado “projeto da impunidade” — proposta que visa anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ricobom alertou que a insistência em pautar esse tipo de matéria revela uma tentativa contínua de esvaziar o sistema democrático e proteger aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro. Ela também apontou o uso político de instituições como forma de sabotar a ordem democrática: “Estamos vendo uma continuidade da tentativa de golpe, agora por dentro das instituições”.

A jurista finalizou reiterando a necessidade de combater esse tipo de prática: “É preciso reconhecer quando há perseguição e seletividade no uso das ferramentas institucionais. E o caso do deputado Glauber é um exemplo claro disso”.

•        A ameaça a Glauber Braga é sintoma de um Poder suicida. Por Roberto Amaral

A ainda possível cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) é ameaça extremamente grave.

Grave em absoluto, como violação de direito, e grave pela especificidade, pois na conduta do parlamentar fluminense nada se perfila como violação do decoro de uma casa, em contraste, abastardada, seja pela sequência interminável de escândalos, seja pela chantagem deslavada que é a marca de sua relação com o Poder Executivo.

O esforço concentrado da direita com vistas à cassação, já aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, de pronto atende à política rasteira que, domina a vida nacional — política de horizonte medíocre, cevada no tráfico de influência que rebaixa a dignidade do mandato eletivo de um modo geral, mas que, de forma ainda muito mais grave, enxovalha o mandato parlamentar.

É a resposta do atraso às denúncias de Glauber Braga contra a corrupção desavergonhada do “orçamento secreto” (afinal derrubado pelo STF) e da criminosa manipulação dos recursos públicos mediante as chamadas emendas parlamentares, que beiram uma sangria de recursos na casa dos R$ 57 bilhões destinados a obras que ora não começam, ora não são concluídas — recursos que, no entanto, sempre são consumidos.

Farra dos recursos da União, do contribuinte, a qual, à margem do controle político-judicial, assegura o mandonismo dos potentados locais e a renovação dos mandatos de seus delegados e procuradores na Câmara dos Deputados.

É uma troca de favores remunerados pelo bem público que lembra a traficância: o prefeito elege o deputado, que retribui com a dotação de verbas federais que, por sua vez, levarão o alcaide a reeleger-se.

É a roda da política que está na raiz do escândalo das opacas emendas parlamentares, assim como são administradas, majoritariamente na contramão do interesse público e atendendo a projetos qe seus autores não podem confessar.

Se o objetivo da trama fascista fosse tão só a cassação do mandato do deputado — e já não se trataria de pouca coisa —, a jogada já seria uma ignominiosa vindita de uma súcia flagrada com a mão na botija.

Mas essa vingança, ainda em marcha, não encerra a história toda, pois igualmente se abate contra Glauber a mão pesada do consórcio fascismo-neoliberalismo que, ceifando-o da vida política, como pretende, dará grave aviso à esquerda como um todo.

Assim, o poder real da instituição ditará os limites dentro dos quais é consentida a atuação parlamentar desapartada dos interesses dominantes.

Neste caso, a punição, dirigindo-se aparentemente a um parlamentar — alvo para ser tomado como exemplo do que deve ser evitado —, na verdade terminará por ameaçar todos os parlamentares.

O pau que bate em Chico bate também em Francisco.

Para além de Glauber, contudo, e (simbolizado por ele), do amplo campo da esquerda, a grande vítima, ao fim e ao cabo, será a própria democracia representativa, cuja sobrevivência é incompatível com a autoflagelação moral do Poder Legislativo.

Com isto não se importam os neofascistas e não parece se importar a direita como um todo, mas deveriam estar preocupados os democratas.

Aos democratas de hoje, muitos se deixando embriagar pelos arreganhos da direita, lembramos que a quebra da ordem democrática de 1946, por muitos defendida nos idos de 1964, terminou por ceifar a todos, sem olhos para enxergar direita, centro e esquerda.

A cassação de Glauber Braga, se a sociedade brasileira não a impedir, será registrada como um harakiri sem honra, anunciador do réquiem da democracia que nosso povo vem tentando construir e conservar, já desiludido de aprofundá-la, desde quando viu apeada do poder, por fadiga, a ditadura de 1º de abril de 1964, que se abateu contra nosso povo, constrangendo a história, quando mais supúnhamos estar construindo uma sociedade política e socialmente avançada.

Agora sabemos que a democracia é espécime em risco, pois sobre seu futuro se abate o avanço da onda fascista, totalitária por essência, que se espalha pelo mundo como rastilho de pólvora, agora com o estímulo político, militar e financeiro do trumpismo — ameaça que já é fato em nosso subcontinente.

Dessa ameaça já conhecemos seus objetivos e seus métodos com a trágica experiência bolsonarista, a peçonha que saltou do ovo e ainda não foi esmagada.

***

Para quem olha para o passado pensando no futuro — Em 1964, ano do último golpe militar, faziam oposição ao presidente João Goulart, entre outros, os governadores do Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti); de São Paulo (Adhemar de Barros); do então estado da Guanabara (Carlos Lacerda) e de Minas Gerais (Magalhães Pinto). Hoje, militam na oposição ao presidente Lula os governadores do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, do Rio de Janeiro, de Minas Gerais e de Goiás. Jango tinha maioria parlamentar, assegurada pelas bancadas do PTB e do PSD, as duas maiores do Congresso. O governo Lula é minoritário nas duas casas.

Para quem mira o presente para ver o futuro — Com a reeleição de Daniel Noboa no último domingo (13/04), fica claro o plano inclinado da direitização da América do Sul, o principal e mais estratégico espaço de nossa política externa: à Argentina do trêfego Javier Milei, soma-se agora o Equador. E não é pouco, consideradas as turbulências no Peru e na Bolívia, a insegurança política no Chile e na Colômbia (talvez os últimos palos da resistência da esquerda) e o desencontro com a Venezuela. Mais que nunca as circunstâncias e nossos interesses reclamam a política ativa e altiva, cunhada por Celso Amorim.

 

Fonte: Opera Mundi/Brasil 247Viomundo

 

Nenhum comentário: