Ricardo
Queiroz Pinheiro: Glauber Braga - a vitória da crítica e do descenimento
Glauber
Braga foi arrastado ao cadafalso da Comissão de Ética com a fúria seletiva de
quem nunca escondeu a vocação autoritária. O caso teve pressa, escândalo e
ameaça. Glauber reagiu com o único gesto que lhe restava: a greve de fome. Um
gesto extremo, mas coerente com a escalada que se impôs. Expôs o excesso e o
desequilíbrio. Fez com que, mesmo entre adversários, alguns se perguntassem:
até onde vai a sanha de um Congresso que normaliza tanto o intolerável?
A greve
de Glauber rompeu o silêncio constrangedor e convocou solidariedades. Vieram do
PSOL, do PT, de artistas e intelectuais, religiosos, movimentos sociais, de
gente que transita pela esquerda crítica e até de figuras da base governista,
como Lindbergh Farias e Gleisi Hoffmann. Sidônio Palmeira, homem de confiança
de Lula, também se manifestou. Mesmo parte da direita, aquela que sabe farejar
o momento político, preferiu o recuo tático à execração pública. Em tempos de
desordem moral, a coragem de Glauber forçou a modulação do espetáculo.
Foi aí
que Hugo Motta, presidente do Conselho de Ética, anunciou 60 dias para a
defesa. A cassação sumária deu lugar a uma pausa. Não é recuo definitivo —
Motta garantiu que, ao fim do prazo, colocará em votação —, mas é uma trégua,
ainda que envergonhada. E convenhamos: não se produz esse tipo de mudança de
ritmo sem que Lula tenha ao menos mexido discretamente as peças. Motta é aliado
direto de Lira, e nada ali se move fora de um acordo maior.
Claro
que isso gerou ruído. A ala do PSOL que se opõe frontalmente ao governo Lula
diz que Lula nada fez. A ala governista, por sua vez, vê na pausa unicamente a
digital do presidente. Nem uma coisa nem outra. As duas leituras erram por
excesso. É tolice achar que Lula salvaria Glauber com um estalar de dedos. Mas
também é irreal não enxergar que houve uma ação coordenada, ainda que discreta,
para dar sustentação ao gesto radical do deputado fluminense — que, vale
lembrar, foi um dos que mais defenderam Lula, com coragem, no momento mais
sombrio de sua trajetória, durante a prisão.
Glauber
foi valente. Se expôs, colocou o corpo no centro do conflito, tensionou os
limites. O grupo de Lula, ao seu modo, complementou com o que tinha:
influência. Se Glauber encarnou a denúncia, os aliados do governo atuaram nos
bastidores para evitar o pior. Não há contradição aqui — há uma forma, ainda
rara, de complementaridade entre crítica e governabilidade. Quando feita com
discernimento, uma não anula a outra.
E é
justamente disso que a esquerda não pode abrir mão agora: discernimento. O que
ela menos precisa, diante da brutalidade que se impõe por todos os lados, é
repetir o ritual autofágico entre o sectarismo e o governismo cego. Em vez de
brigar por pureza ou por blindagem, é hora de reconhecer que há lutas que se
vencem a muitas mãos. Glauber, com sua coragem, e o governo, com sua
articulação, evitaram juntos uma injustiça. Que se aprenda com isso.
• "Muitos deputados cometeram crimes
gravíssimos e não foram julgados com o mesmo rigor”, diz advogada sobre Glauber
A
advogada Gisele Ricobom afirmou que o deputado federal Glauber Braga (PSOL-RJ)
está sendo alvo de perseguição política na Câmara dos Deputados e criticou o
tratamento desigual conferido a parlamentares. “Muitos deputados cometeram
crimes gravíssimos e não foram julgados com o mesmo rigor”, declarou durante
entrevista ao Boa Noite 247.
Para
Ricobom, a condução do processo contra o parlamentar é marcada por seletividade
e incoerência. “É um absurdo o que está acontecendo com o deputado Glauber. Uma
decisão sem precedentes na Câmara. Estão se apegando a uma situação específica
para omitir a real intenção, que é punir um deputado combativo, que fala
verdades e defende a população”, disse.
A
advogada também questionou a legitimidade do relator do processo ético. “O
relator tem um caso mais grave que o de Glauber e está lá, julgando. Isso não
faz o menor sentido. É um Conselho de Ética que está fazendo tudo, menos
defender a ética”, afirmou.
Ela
destacou que a atuação do parlamentar está alinhada à defesa dos interesses
populares e à fiscalização do poder. “Glauber tem feito uma defesa corajosa de
seu mandato. Todos que têm compromisso democrático devem reconhecer seu
trabalho e a perseguição de que ele está sendo alvo”, acrescentou.
Ricobom
falou também do debate sobre o chamado “projeto da impunidade” — proposta que
visa anistiar os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Ricobom
alertou que a insistência em pautar esse tipo de matéria revela uma tentativa
contínua de esvaziar o sistema democrático e proteger aliados do ex-presidente
Jair Bolsonaro. Ela também apontou o uso político de instituições como forma de
sabotar a ordem democrática: “Estamos vendo uma continuidade da tentativa de
golpe, agora por dentro das instituições”.
A
jurista finalizou reiterando a necessidade de combater esse tipo de prática: “É
preciso reconhecer quando há perseguição e seletividade no uso das ferramentas
institucionais. E o caso do deputado Glauber é um exemplo claro disso”.
• A ameaça a Glauber Braga é sintoma de um
Poder suicida. Por Roberto Amaral
A ainda
possível cassação do mandato do deputado Glauber Braga (PSOL-RJ) é ameaça
extremamente grave.
Grave
em absoluto, como violação de direito, e grave pela especificidade, pois na
conduta do parlamentar fluminense nada se perfila como violação do decoro de
uma casa, em contraste, abastardada, seja pela sequência interminável de
escândalos, seja pela chantagem deslavada que é a marca de sua relação com o
Poder Executivo.
O
esforço concentrado da direita com vistas à cassação, já aprovada pelo Conselho
de Ética da Câmara dos Deputados, de pronto atende à política rasteira que,
domina a vida nacional — política de horizonte medíocre, cevada no tráfico de
influência que rebaixa a dignidade do mandato eletivo de um modo geral, mas
que, de forma ainda muito mais grave, enxovalha o mandato parlamentar.
É a
resposta do atraso às denúncias de Glauber Braga contra a corrupção
desavergonhada do “orçamento secreto” (afinal derrubado pelo STF) e da
criminosa manipulação dos recursos públicos mediante as chamadas emendas
parlamentares, que beiram uma sangria de recursos na casa dos R$ 57 bilhões
destinados a obras que ora não começam, ora não são concluídas — recursos que,
no entanto, sempre são consumidos.
Farra
dos recursos da União, do contribuinte, a qual, à margem do controle
político-judicial, assegura o mandonismo dos potentados locais e a renovação
dos mandatos de seus delegados e procuradores na Câmara dos Deputados.
É uma
troca de favores remunerados pelo bem público que lembra a traficância: o
prefeito elege o deputado, que retribui com a dotação de verbas federais que,
por sua vez, levarão o alcaide a reeleger-se.
É a
roda da política que está na raiz do escândalo das opacas emendas
parlamentares, assim como são administradas, majoritariamente na contramão do
interesse público e atendendo a projetos qe seus autores não podem confessar.
Se o
objetivo da trama fascista fosse tão só a cassação do mandato do deputado — e
já não se trataria de pouca coisa —, a jogada já seria uma ignominiosa vindita
de uma súcia flagrada com a mão na botija.
Mas
essa vingança, ainda em marcha, não encerra a história toda, pois igualmente se
abate contra Glauber a mão pesada do consórcio fascismo-neoliberalismo que,
ceifando-o da vida política, como pretende, dará grave aviso à esquerda como um
todo.
Assim,
o poder real da instituição ditará os limites dentro dos quais é consentida a
atuação parlamentar desapartada dos interesses dominantes.
Neste
caso, a punição, dirigindo-se aparentemente a um parlamentar — alvo para ser
tomado como exemplo do que deve ser evitado —, na verdade terminará por ameaçar
todos os parlamentares.
O pau
que bate em Chico bate também em Francisco.
Para
além de Glauber, contudo, e (simbolizado por ele), do amplo campo da esquerda,
a grande vítima, ao fim e ao cabo, será a própria democracia representativa,
cuja sobrevivência é incompatível com a autoflagelação moral do Poder
Legislativo.
Com
isto não se importam os neofascistas e não parece se importar a direita como um
todo, mas deveriam estar preocupados os democratas.
Aos
democratas de hoje, muitos se deixando embriagar pelos arreganhos da direita,
lembramos que a quebra da ordem democrática de 1946, por muitos defendida nos
idos de 1964, terminou por ceifar a todos, sem olhos para enxergar direita,
centro e esquerda.
A
cassação de Glauber Braga, se a sociedade brasileira não a impedir, será
registrada como um harakiri sem honra, anunciador do réquiem da democracia que
nosso povo vem tentando construir e conservar, já desiludido de aprofundá-la,
desde quando viu apeada do poder, por fadiga, a ditadura de 1º de abril de
1964, que se abateu contra nosso povo, constrangendo a história, quando mais
supúnhamos estar construindo uma sociedade política e socialmente avançada.
Agora
sabemos que a democracia é espécime em risco, pois sobre seu futuro se abate o
avanço da onda fascista, totalitária por essência, que se espalha pelo mundo
como rastilho de pólvora, agora com o estímulo político, militar e financeiro
do trumpismo — ameaça que já é fato em nosso subcontinente.
Dessa
ameaça já conhecemos seus objetivos e seus métodos com a trágica experiência
bolsonarista, a peçonha que saltou do ovo e ainda não foi esmagada.
***
Para
quem olha para o passado pensando no futuro — Em 1964, ano do último golpe
militar, faziam oposição ao presidente João Goulart, entre outros, os
governadores do Rio Grande do Sul (Ildo Meneghetti); de São Paulo (Adhemar de
Barros); do então estado da Guanabara (Carlos Lacerda) e de Minas Gerais
(Magalhães Pinto). Hoje, militam na oposição ao presidente Lula os governadores
do Rio Grande do Sul, de Santa Catarina, do Paraná, de São Paulo, do Rio de
Janeiro, de Minas Gerais e de Goiás. Jango tinha maioria parlamentar,
assegurada pelas bancadas do PTB e do PSD, as duas maiores do Congresso. O
governo Lula é minoritário nas duas casas.
Para
quem mira o presente para ver o futuro — Com a reeleição de Daniel Noboa no
último domingo (13/04), fica claro o plano inclinado da direitização da América
do Sul, o principal e mais estratégico espaço de nossa política externa: à
Argentina do trêfego Javier Milei, soma-se agora o Equador. E não é pouco,
consideradas as turbulências no Peru e na Bolívia, a insegurança política no
Chile e na Colômbia (talvez os últimos palos da resistência da esquerda) e o
desencontro com a Venezuela. Mais que nunca as circunstâncias e nossos
interesses reclamam a política ativa e altiva, cunhada por Celso Amorim.
Fonte:
Opera Mundi/Brasil 247Viomundo

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