Por
que o Brasil se chama Brasil
Muito
provavelmente foi assim que você aprendeu na escola. Quando a frota portuguesa
comandada por Pedro Álvares Cabral (1467-1520) aportou no hoje território
brasileiro, em 22 de abril de 1500, primeiro a porção então conquistada foi
chamada de Ilha de Vera Cruz, depois Terra de Vera Cruz, depois Terra de Santa
Cruz, então Santa Cruz e, só então, Brasil.
Também
deve ter aprendido que a nomenclatura Brasil tinha a ver com a abundância de
pau-brasil da costa então invadida, e esta madeira têm esse nome pelo tom
avermelhado da tinta que dela se extrai, daí a analogia entre a cor e a brasa,
a brasa e o nome pau-brasil.
De
certa forma tudo isso pode ser entendido como verdade. Mas com o cuidado
necessário para o fato de que a verdade história também é uma construção — e ao
longo de 525 anos, interesses vários se sobrepuseram na construção mítica e
nacional do país que depois surgiria nessas terras, a hoje República Federativa
do Brasil.
"As
nomenclaturas eram embaralhadas pela profusão e composição de descrições,
relatos e de muita imaginação. O pensamento analógico predominou na compreensão
e na explicação do mundo moderno. Este não é um raciocínio linear. É ordenado
por aproximações entre imagens e sentidos atribuídos, a partir de dados
imprecisos, simbolismos e interpretações", diz o historiador Paulo
Henrique Martinez, professor na Universidade Estadual Paulista (Unesp).
• O batismo de um país
Costuma-se
dizer que o Brasil é um raro exemplo de país com "certidão de
nascimento". No caso, considera-se a carta assinada pelo escrivão Pero Vaz
de Caminha (1450-1500), integrante da frota de Cabral incumbido de reportar à
Coroa portuguesa sobre a viagem, como o primeiro documento redigido no
território brasileiro.
Datada
de 1º de maio de 1500, a dá informações sobre como os primeiros portugueses
chamaram estas terras. Sobre o dia 22 de abril, ele comenta que o capitão, no
caso Cabral, chamou a montanha primeiramente avistada de Monte Pascoal — era
época da Páscoa — e "à terra, Terra de Vera Cruz".
De
acordo com o estudo da linguista Maria Vicentina do Amaral Dick (1936-2024),
que era professora na Universidade de São Paulo (USP) e ficou conhecida como
notória especialista em toponímias, esta escolha não se deu por acaso: a
expedição chefiada por Cabral trazia, como amuleto, lascas daquilo que se
acreditava, como relíquia, ser a verdadeira cruz na qual Jesus foi executado.
Daí o batismo de Vera Cruz, ou seja, "cruz verdadeira".
A mesma
carta de Caminha, contudo é assinada como "da vossa Ilha de Vera
Cruz". O que denota uma confusão, na cabeça daqueles pioneiros, quanto ao
tamanho das terras conquistadas.
Gradualmente,
na documentação, observa-se que ilha vai perdendo espaço para terra, e Vera
Cruz vai sendo simplificada para Santa Cruz. Outros nomes também passam a
coexistir. Pindorama, a partir de idioma indígena. Terra dos Papagaios, pela
abundância dessas aves por aqui.
Mas
Brasil também aparece, é verdade.
As
diferentes nomenclaturas conviviam. Da mesma maneira que a ideia territorial da
então colônia portuguesa na América era uma realidade difusa, fluida,
imprecisa. Havia, nesse princípio de colonização, quem se referisse ao
território como Nova Lusitânia e Cabrália — em homenagem a Pedro Álvares Cabral
—, por exemplo. "Em 1501, os portugueses utilizaram o nome Terra Nova,
refletindo a novidade da descoberta", pontua o historiador Vitor Soares,
do podcast História em Meia Hora.
O
primeiro mapa pós-descobrimento a grafar a palavra Brasil é o Planifério de
Cantino, de 1502. Mas não há consenso se o autor estava se referindo ali ao
território ou à árvore pau-brasil. No fim dessa mesma década, o cosmógrafo
português Duarte Pacheco Pereira (1460-1533) chama a região de "terra do
Brasil de além-mar".
Segundo
o historiador Martinez, o consenso na explicação etimológica para o nome do
Brasil, ou seja, ligando o nome da terra ao nome da madeira, "foi
estabelecido […] pelo pragmatismo político e pela construção do imaginário
nacional do século 19". Ou seja: antes disso não se ensinava que o Brasil
se chamava Brasil por causa do pau-brasil.
O
historiador Soares lembra que esta é a explicação mais aceita para o nome do
país: a origem "diretamente relacionada à exploração do pau-brasil, árvore
abundante no litoral atlântico e muito valorizada pelos europeus [da época]
eplo seu corante vermelho". "Os portugueses começaram a chamar a
região de Terra do Brasil já nos primeiros anos do século 16 e, pouco depois, o
nome foi reduzido simplesmente para Brasil", ressalta.
Professora
no Serviço Social da Indústria (Sesi) e pesquisadora na Unesp, a historiadora
Bruna Gomes do Reis ressalta que é uma "teoria" a ideia de que o nome
do Brasil deriva da madeira pau-brasil. "O corante avermelhado da madeira
já era conhecido pelos portugueses e tinha variações do nome […] que significa
cor de brasa ou vermelho", diz ela, lembrando que então autores do período
colonial, como o jesuíta José de Anchieta (1534-1597) acabam popularizando o
nome Brasil para o território. "[Mas] é inegável que a palavra brasil
surgiu antes."
Reis
lembra que a historiadora Laura de Mello e Souza, professora na Universidade
Sorbonne, na França, diz que a palavra Brasil era "um nome a procura de um
lugar”. Isto tem a ver com a mitologia celta, por mais incrível que possa
parecer.
"O
nome Brasil antecedeu a localização geográfica", comenta o filósofo e
educador Marcos da Silva e Silva, professor na Escola Superior de Propaganda e
Marketing (ESPM).
• A versão celta
Se por
um lado parece fazer muito sentido pensar em Brasil como uma referência ao
pau-brasil, então a primeira riqueza explorada pelos portugueses no território,
por outro é intrigante perceber que o nome Brasil e algumas variações já
estravam presentes em mapas e documentos europeus anteriores ao episódio
conhecido como "descobrimento”.
Isso é
muito curioso e indica que, assim como Atlântida e outras terras míticas, a
ideia de Brasil como um local paradisíaco já estava presente no imaginário
europeu.
"Desde
a Alta Idade Média [do ano 476 até o ano 1000], circulavam lendas sobre uma
ilha misteriosa chamada Hy-Brasil […]. Em um de seus livros relacionado ao
tema, a pesquisadora Barbara Freitag [socióloga e brasilianista, professora
emérita da Universidade de Brasília] explica que essa ilha apareceu em diversos
mapas náuticos entre os séculos 14 e 19, sendo retratada, por exemplo, no mapa
de Angelino Dulcert, de 1325, e no atlas de Andrea Bianco, de 1436", diz
Soares.
Silva e
Silva comenta que "mapas europeus [feitos] entre 1351 e 1500 descreviam
Brasil", com grafias variadas, para "designar um lugar diferente, uma
ilha". Era como uma miragem, uma terra especial que haveria de existir.
"A
ilha era descrita como visível apenas uma vez a cada sete anos, surgindo da
névoa como um ‘paraíso celta' ou ‘Ilha dos Abençoados'", complementa
Soares. Brasil derivaria, portanto, da palavra celta "bress”, que
significa "abençoar”.
Reis
lembra que essa explicação vem de "antigas tradições e lendas que falam de
ilhas atlânticas perdidas no tempo e no espaço”, locais bem-aventurados,
afortunados e místicos”". "Deste modo, a relação com o território
descoberto na América seria de que eram lugares paradisíacos, como descrevem as
primeiras cartas de Caminha, místicos e ainda a serem explorados",
comenta.
• Os nomes indígenas
Entre
os habitantes nativos, é compreensível imaginar que não havia um nome que
compreendesse todo o território: afinal, viviam aqui pelo menos 3,5 milhões de
indígenas de cerca de 1 mil povos diferentes.
O nome
Pindorama, por exemplo, que acabou convencionado como a maneira como os
indígenas denominavam o Brasil, seria a maneira como um povo se referia a uma
parcela das terras. "Antes da chegada dos europeus, as terras que hoje
chamamos Brasil eram um mosaico de territórios indígenas, cada qual com seus
próprios topônimos, muito anteriores a qualquer ideia de ‘país'
unificado", explica Soares.
Os
tupi, que dominavam a faixa litorânea, chamavam-na de Pindorama, do tupi pindó,
‘palmeira', e rama, ‘lugar', ou seja, Terra das Palmeiras”, exemplifica. Estes
mesmos habitantes litorâneos chamavam o interior, então ocupado por povos do
tronco jê e outras etnias, de nomes como Tapuiretama ou Tapuitetama, ou seja,
Terra do Inimigo.
"Culturalmente
distintos e ocupando lugares descontínuos, os indígenas que viviam no Brasil
antes da chegada dos portugueses não se organizavam a partir de uma unidade
cultural, geográfica, linguística ou qualquer outra", lembra Reis. "A
fragmentação espacial e cultural imperava. Além de que a noção de unidade
territorial, estado-nação e país eram conceitos que não faziam parte do
pensamento indígena."
• O nascimento do Brasil
Se a
referência ao nome do Brasil aparece desde antes da invasão do território em
si, é importante lembrar que os historiadores têm um consenso de que o Brasil
não passou a existir em 1500, com a chegada dos portugueses. Isto porque a
ideia de nação, de país, é necessariamente posterior à Independência — antes, o
que havia era uma colônia portuguesa, ainda que em dado momento tenha passado a
ser chamada de Brasil.
Assim,
o país nasce mesmo em 1822 — para alguns especialistas, somente em 1889, com a
proclamação da República.
"A
compreensão de quando o Brasil deixou de ser apenas um conjunto de capitanias
coloniais para se afirmar como nação envolve muito mais do que marcos
formais", pontua Soares. "Mas também as narrativas simbólicas que
foram forjando uma consciência coletiva."
"Para
além dos eventos políticos [como Independência e Proclamação da República], a
consolidação do Brasil como entidade simbólica e cultural passa pelo
estabelecimento de mitos fundadores", ressalta ele. "O Brasil
enquanto nação plena não nasceu em um único dia."
Fonte:
DW Brasil

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