Um
inimigo a cada 15 dias: como Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o
noticiário e chacoalhou o mundo
Donald Trump emparedou alvos
internos e externos em série desde que assumiu o cargo de presidente dos Estados Unidos, há exatos três meses. Em um ritmo
frenético, inundou o noticiário internacional com decretos, encrencas e ameaças
com potencial para impactar todo o mundo.
🎯 Trump, de 78 anos, elencou ao
menos seis grandes inimigos neste início de governo — uma média de um
a cada 15 dias. Para enfrentar cada uma dessas fases, o presidente apostou em
decretos, frases pesadas, ameaças e uso da força militar, contra os Houthis,
grupo extremista iemenita aliado do Irã.
Veja,
abaixo, os principais alvos de Trump nos 90 primeiros dias:
Além
desses assuntos, Trump também mirou no funcionalismo público, na população
trans, no Canadá, na Groenlândia e no Canal do Panamá. Esses temas, de certa
forma, também dialogam com os grandes alvos do presidente neste do início do
governo.
🔍 Maurício Santoro, doutor em
Ciência Política pelo IUPERJ e colaborador do Centro de Estudos
Político-Estratégicos da Marinha do Brasil, afirma que Trump tem usado uma
tática conhecida como "firehose" — ou "mangueira de incêndio".
- Com essa
estratégia, diz Santoro, o presidente despeja rapidamente
uma grande quantidade de informações para a mídia e o público,
como a água que sai de uma mangueira de incêndio.
- Essa tática
costuma ser usada para dominar uma narrativa
ou ocultar assuntos que não são de interesse do governo.
- "É uma
expressão que surgiu para tentar entender esse novo estilo que
líderes populistas nos Estados Unidos, na Europa e na América
Latina têm adotado. Todo dia, eles fomentam crises diferentes. Para
quem está na oposição, isso dificulta muito responder", explica.
"Dificulta
também muito um trabalho de fiscalização, de prestação de contas. E até uma
atuação, por exemplo, da imprensa ou de organizações não governamentais, porque
são muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo."
Como
Trump tentou emparedar alvos em série, dominou o noticiário e chacoalhou o
mundo — Foto: Bruna Azevedo/Editoria de Arte
🗣️ Já o professor João José Forni,
jornalista e consultor de comunicação, vê a estratégia de Trump em arranjar
inimigos como típica de governos autoritários.
- Segundo Forni, a
comunicação do governo é caótica e propositalmente desorganizada
com o objetivo de criar polêmicas e desviar o foco de assuntos que Trump
realmente deveria enfrentar.
- Com isso, Trump
aposta na desinformação para evitar cobranças. O professor
afirma que essa tática representa um risco concreto à democracia.
"Ele
é o grande nome do momento, e fica feliz com isso. Mas o que importa saber é:
será que o povo americano está feliz também? É isso que a gente vai se
perguntar daqui alguns meses."
📉 Uma média de pesquisas calculada pelo
estatístico Nate Silver mostra que a desaprovação de Trump vem
crescendo nas últimas semanas. O índice passou de 47,1%, no início de
março, para 50,8% na quinta-feira (17). Já a aprovação foi
de 48,3% para 45,5%.
👀 Veja abaixo, detalhadamente, as
batalhas de Trump.
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1. Imigrantes
🎯 Alvo: Logo que assumiu o
governo, no dia 20 de janeiro, Trump declarou emergência na fronteira dos
Estados Unidos e assinou uma série de decretos para deportar
milhares de imigrantes que vivem irregularmente no país.
- Agentes federais
de imigração receberam poderes ampliados para deter suspeitos, e
imigrantes ilegais acusados de integrar gangues foram enviados para El
Salvador.
- O governo também
ampliou o alcance da chamada "deportação acelerada",
permitindo a expulsão de imigrantes sem a necessidade de uma audiência
judicial.
- Trump assinou
uma ordem para acabar com o direito à cidadania para filhos de
imigrantes ilegais ou com vistos temporários nascidos nos EUA, mas a
medida foi barrada na Justiça.
- México e Canadá
passaram a ser alvos de pressão para impedir que imigrantes sem
autorização para entrar nos EUA chegassem à fronteira.
"Muitos
[imigrantes ilegais] foram retirados de prisões e instituições mentais. É uma
grande onda de crime que está acontecendo nos EUA", disse, sem apresentar
provas.
💥 Impacto: As medidas causaram
pânico entre imigrantes e levaram a milhares de detenções. O governo chegou a
estipular uma meta diária de prisões — que não foi cumprida.
Por
outro lado, várias medidas foram questionadas na Justiça.
- O governo foi
alvo de críticas, inclusive de países da América Latina, pela forma como
os imigrantes foram deportados. Em um voo vindo para o Brasil, algumas pessoas chegaram
algemadas.
- Internamente,
houve questionamentos sobre o cumprimento do devido processo legal nas
prisões e deportações. Também houve o receio de que a deportação em massa
de imigrantes prejudicasse a economia, já que poderia provocar
escassez de mão de obra.
- Em um caso mais
recente, o governo admitiu que deportou por engano um imigrante que tinha
proteção para não ser expulso do país. O caso virou uma disputa entre a
administração Trump e o Judiciário, que classificou a postura do governo
como "chocante".
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2. Faixa de Gaza
🎯 Alvo: No fim de janeiro, Trump
sugeriu que os palestinos deveriam sair da Faixa de Gaza para que os Estados
Unidos fizessem uma "limpa" na região.
- Inicialmente,
Trump afirmou que a saída poderia ser apenas temporária, com
palestinos vivendo em abrigos na Jordânia e no Egito.
- Em fevereiro, o
presidente mudou de discurso e disse que os EUA deveriam "tomar" o
território.
- Trump sugeriu
ainda que resorts de luxo fossem construídos na região,
tornando-a uma área turística.
- Em uma nova
escalada, o presidente afirmou que os palestinos não poderiam retornar à
Gaza e que ele seria o "dono" do
território.
"Estou
comprometido com a compra e a posse de Gaza", afirmou. "Estamos
comprometidos em possuí-la, tomá-la e garantir que o Hamas não volte para
lá."
💥 Impacto: As declarações foram
amplamente criticadas pela comunidade internacional, incluindo pela ONU, que
viu indícios de uma tentativa de limpeza étnica na região.
- As falas
coincidiram com o cessar-fogo entre Israel e Hamas — que,
semanas depois, acabou.
- O presidente
abandonou temporariamente o tema, voltando a se referir à Faixa de Gaza
como "propriedade imobiliária" somente semanas depois.
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3. Crise com a Ucrânia
🎯 Alvo: Em fevereiro, Trump
intensificou os esforços para tentar encerrar a guerra entre Ucrânia
e Rússia. No dia 12 daquele mês, ele anunciou que havia conversado por telefone com o
presidente russo, Vladimir Putin, marcando uma virada na diplomacia dos EUA.
- Nos dias
seguintes, Trump passou a adotar um tom mais crítico em relação
à Ucrânia. Ele chegou a chamar o presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky,
de "ditador".
- Depois, começou
a pressionar a Ucrânia a aceitar um acordo sobre exploração de
minérios como
condição para manter o apoio militar ao país.
- No dia 28 de
fevereiro, Trump recebeu Zelensky na Casa Branca. O que seria a assinatura
do acordo sobre minérios se transformou em um bate-boca histórico diante de
jornalistas.
- Durante esse
período, Trump poupou Putin de críticas, embora tenha ameaçado a
Rússia com sanções caso não aceitasse negociar um acordo de paz.
"É
melhor que Zelensky aja rapidamente ou não restará a ele um país. Enquanto
isso, estamos negociando com sucesso o fim da guerra com a Rússia."
Trump e
Zelensky batem boca na Casa Branca — Foto: Brian Snyder/Reuters
💥 Impacto: Especialistas
internacionais afirmaram que Trump passou a adotar um discurso pró-Rússia. A
guinada no conflito representou um golpe duro contra a Ucrânia, que tinha os
EUA como um dos principais aliados.
- Diante desse
cenário, a Europa passou a olhar os EUA com desconfiança e
iniciou tratativas para se armar.
- A Ucrânia se
viu pressionada a negociar um acordo sobre minérios, sob pena de
perder acesso a informações de inteligência e recursos prometidos pelos
EUA.
- A crise
coincidiu com bombardeios intensos da Rússia contra a Ucrânia,
inclusive em áreas residenciais e infraestruturas energéticas.
- Os EUA ainda não
conseguiram costurar um acordo de cessar-fogo, principalmente por
resistência de Putin. Uma trégua limitada chegou a
ser anunciada, mas teve pouco efeito prático.
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4. Irã e Houthis
🎯 Alvo: Em fevereiro, Trump
assinou uma ordem para restabelecer uma política de pressão máxima contra o Irã.
Mas a escalada no tom veio de fato em março, quando o presidente passou a
ameaçar Teerã.
- Os EUA tentam
forçar o Irã a assinar um acordo que impeça o desenvolvimento de armamento
nuclear. Para isso, impuseram sanções ao país.
- Em março, Trump
afirmou que não descartava um ataque militar caso as negociações
fracassassem.
- O presidente
também autorizou bombardeios no Iêmen contra o
grupo rebelde Houthis — responsável por ataques a navios no Mar Vermelho
em protesto contra a guerra na Faixa de Gaza.
- Os Houthis são
apoiados pelo Irã. Trump chegou a enviar um recado ao governo
iraniano por meio dos ataques aos rebeldes.
"Cada
tiro disparado pelos Houthis será visto, deste ponto em diante, como sendo um
tiro disparado das armas e da liderança do Irã, e o Irã será responsabilizado e
sofrerá as consequências", disse.
💥 Impacto: As ações de Trump
levaram a uma escalada de tensões com o Irã. Por outro lado, embora o país
negue que pretenda desenvolver uma bomba nuclear, uma agência da ONU afirma que
Teerã está próximo de atingir esse objetivo.
- O Irã declarou
que responderá a qualquer ataque e que, no caso de um bombardeio
americano, não teria outra saída a não ser buscar uma arma nuclear.
- Delegações dos
dois países se reuniram em Omã no dia 12
de abril para discutir um acordo. As negociações ainda estão em andamento.
- Após o encontro,
o aiatolá Ali Khamenei, líder supremo do Irã, afirmou estar "bem pessimista" em relação
aos EUA — tanto nas conversas quanto de forma geral.
- O jornal The New
York Times também revelou que Trump se opôs a um ataque de Israel que
miraria instalações nucleares iranianas, para não prejudicar as
negociações.
- Quanto aos
Houthis, os bombardeios continuam sendo realizados com frequência. Os EUA
também anunciaram o envio de um segundo porta-aviões para a região.
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5. Tarifaço e China
🎯 Alvo: No dia 2 de abril, Trump anunciou a aplicação de
"tarifas recíprocas" contra produtos de 180 países do mundo. Entraram na lista
até as Ilhas Heard e McDonald, onde não há nem sequer moradores humanos, apenas
pinguis e focas.
O
tarifaço, uma promessa que o norte-americano vinha fazendo havia semanas, foi
batizada pelo próprio Trump de "Dia de Libertação da América".
O
presidente justificou a decisão como uma forma de gerar empregos, trazer
indústrias de volta aos Estados Unidos e valorizar produtos americanos. E não
poupou nem aliados, aplicando tarifas a países da Europa e ao Japão.
As
tarifas também passaram a ser usadas como instrumento de pressão para que
outros países derrubassem taxas sobre produtos dos EUA.
Com o
passar dos dias, no entanto, o tarifaço acabou se transformando em uma
queda de braço sem predecedentes contra a China, que comprou a briga e retaliou
Washington. Trump tentou manter a tática e também subiu as tarifas a produtos
chineses outras duas vezes.
No dia
do tarifaço, Trump taxou os produtos importados em 34% a mais do que os 20% que
já eram cobrados em tarifas sobre os produtos chineses anteriormente.
Como
resposta ao tarifaço, o governo chinês impôs tarifas extras de também 34% sobre
todas as importações americanas.
Os EUA
decidiram retaliar a resposta e elevou a taxação a produtos chineses em mais
50%. Pequim novamente retaliou e elevou as tarifas sobre os EUA de 34% para
84%, acompanhando o mesmo percentual de alta dos EUA.
No
mesmo dia, Trump anunciou que daria uma "pausa" no tarifaço
contra os mais de 180 países que foram taxados com tarifas que variam de
10% a 50%. Essa pausa é, na verdade, uma redução de todas as tarifas para 10%
por um prazo de 90 dias.
A
exceção, novamente, foi a China, que passou a ser taxada em ias 125%. Como
resposta, os chineses elevaram as tarifas sobre os americanos para 125%, e
Washington ainda não retaliou de volta.
💥 Impacto: Após o anúncio,
mercados financeiros ao redor do mundo reagiram mal. Bolsas de valores
despencaram, e o presidente foi criticado por grandes empresários. Até mesmo
Elon Musk, que integra o governo, tentou reverter a medida.
A China
também convocou países membros da ONU para uma reunião informal no Conselho de
Segurança. Pequim acusou a Casa Branca de praticar "bullying" contra o
restante do mundo e de violar regras do comércio internacional.
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6. Universidades
🎯 Alvo: Em abril, Trump abriu uma
frente de batalhas contra as principais universidades americanas, com o
objetivo de pressioná-las a adotarem políticas mais alinhadas ao governo.
- Trump tem
criticado o que chama de "ativismo" nos campi, mirando
especialmente programas de inclusão, diversidade e equidade.
- O presidente
também acusou universidades de permitirem o antissemitismo em
protestos contra a guerra em Gaza.
- No caso de
Harvard, ele afirmou que a universidade promovia "doenças"
ideológicas inspiradas
por terroristas.
- O governo enviou
memorandos às instituições, ordenando reformas de gestão e a
adoção de medidas rígidas para acabar com programas de diversidade.
"Harvard
é uma piada, ensina ódio e estupidez, e não deveria mais receber verbas
federais", escreveu em uma rede social.
💥 Impacto: Harvard inaugurou um
movimento de resistência ao se recusar a ceder às pressões do governo.
- A universidade
respondeu à administração Trump afirmando que não abriria mão de
sua independência.
- Em resposta, o
governo congelou cerca de US$ 2,3
bilhões (R$
13,5 bilhões) destinados à universidade e ameaçou revogar sua isenção
fiscal.
- A Associated
Press informou que o embate ameaça a tradicional relação entre o
governo federal e universidades que dependem de recursos públicos para
realizar descobertas científicas.
- Ainda segundo a
agência, os fundos distribuídos pelo governo deixaram de ser vistos como
um bem comum e passaram a ser usados como forma de pressão política.
Milhares
de manifestantes se reúnem em cidades dos EUA para protestar contra Trump
Milhares
de manifestantes se reuniram em Washington e em outras cidades dos Estados
Unidos neste sábado (19) para protestar contra as deportações e as demissões de
funcionários públicos feitas pela gestão do presidente Donald Trump.
Os atos
também se opunham à guerra de Israel contra o Hamas, em Gaza, e à aproximação
de Washington com o regime russo.
Do lado
de fora da Casa Branca, manifestantes carregavam faixas com frases como
"Os trabalhadores devem ter o poder", "Sem monarquia",
"Parem de armar Israel" e "Devido processo", conforme
mostraram imagens da mídia.
Alguns
manifestantes entoavam cantos em apoio aos imigrantes que o governo Trump
deportou ou está tentando deportar, ao mesmo tempo em que demonstravam
solidariedade com pessoas demitidas pelo governo federal e com universidades
que estão com o financiamento ameaçado por Trump.
"À
medida que Trump e sua administração mobilizam a máquina de deportação dos EUA,
vamos organizar redes e sistemas de resistência para defender nossos
vizinhos", disse um manifestante em um comício na Praça Lafayette, perto
da Casa Branca.
Alguns
manifestantes carregavam símbolos de apoio à Ucrânia e pediam que Washington
agisse com mais firmeza contra a guerra do presidente russo Vladimir Putin na
Ucrânia.
Também
houve manifestações em Nova York, Chicago e dezenas de outras
localidades. Foi o segundo dia de protestos em
todo o país desde que Trump assumiu o cargo.
Em
Denver, centenas de manifestantes se reuniram no Capitólio do Estado do
Colorado com faixas expressando solidariedade aos imigrantes e dizendo ao
governo Trump: "Tire as Mãos!". As pessoas agitavam bandeiras dos
EUA, algumas delas erguidas de cabeça para baixo para sinalizar sua
insatisfação.
Milhares
de pessoas também marcharam pelo centro de Portland, Oregon, enquanto em San
Francisco, centenas soletraram as palavras "Impeach & Remove", em
referência ao impeachment, em uma praia de areia ao longo do Oceano Pacífico,
também com uma bandeira dos EUA invertida.
Em
outros lugares, protestos foram planejados em frente a concessionárias da
Tesla contra o assessor de Trump, o bilionário Elon Musk, e seu papel na
redução da máquina federal. Outros organizaram eventos mais voltados para o
serviço comunitário, como campanhas de arrecadação de alimentos, palestras e
trabalho voluntário em abrigos locais.
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Desmantelamento
Desde
sua posse, em janeiro, Trump e seu aliado, Elon Musk, têm promovido um desmonte
do governo federal, demitindo mais de 200.000 trabalhadores e tentando
desmantelar diversas agências.
A
administração também deteve dezenas de estudantes
estrangeiros e
ameaçou cortar o financiamento federal de
universidades por
causa de programas voltados para diversidade, equidade e inclusão, iniciativas
climáticas e protestos pró-Palestina. Grupos de direitos humanos condenaram
essas políticas.
Perto
do Monumento a Washington, faixas de manifestantes diziam: "O ódio nunca
tornou nenhuma nação grande" e "Direitos iguais para todos não
significa menos direitos para você."
Fonte:
g1

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