Suzano
e Veracel barram chegada de eletricidade em comunidades quilombolas na Bahia
“Desde
quando meu pai me criou aqui nesta terra, eu nunca vi luz por aqui. Já ouvimos
várias promessas de que seria instalada, mas nunca chegou”, conta seu José
Aleixo, de 74 anos, sob a luz fraca de um candeeiro.
O
relato foi gravado em vídeo por moradores da comunidade quilombola de Volta
Miúda, pertencente ao município de Caravelas, no extremo sul da Bahia. Os
registros foram feitos na tentativa de sensibilizar a empresa Suzano, uma
gigante multinacional na produção de papel e celulose, a cooperar na instalação
de energia elétrica para o povoado, que tem cerca de 600 habitantes.
A
cidade de Caravelas está contemplada no programa Luz Para Todos, criado no
primeiro governo Lula e retomado em 2023, com a volta do petista à Presidência.
Em parceria com a Coelba (empresa privada de energia da Bahia), a União
investiu, somente ano passado, R$ 3 bilhões para levar energia para comunidades
quilombolas, indígenas e de baixa renda do estado.
Em
Volta Miúda, no entanto, há um impasse que afeta diretamente 13 famílias, em um
total de 50 pessoas. Como o povoado está muito próximo de um enorme latifúndio
de plantação de eucalipto — usado como matéria-prima para a produção de papel
—, a informação é que a Suzano tem dificultado os trâmites para a instalação de
postes de distribuição de luz elétrica para estas famílias. O restante da
comunidade já tem acesso à energia.
“Desde
2023, nós já fizemos três solicitações diretas para a Coelba. As duas primeiras
foram prontamente negadas. A última ainda está em análise, pois nós fomos para
cima para denunciar este absurdo que é o descaso com nossa vida”, diz Célio
Leocádio, presidente da Associação Quilombola de Volta Miúda.
A
reportagem apurou que a Suzano alega problemas operacionais à Coelba para a
colocação dos postes. A empresa pontua que as estruturas, mesmo se forem
instaladas fora da propriedade da companhia, precisam de um distanciamento
mínimo de segurança das plantações para impedir eventuais acidentes, como
incêndios provocados por curto-circuitos.
Ocorre
que a Suzano ocupa uma enorme faixa territorial no extremo-sul da Bahia,
margeando boa parte da BR-101 e da BR-418, muito próximas das áreas de
acostamento das rodovias. A solução negociada seria a própria empresa ceder uma
área de contenção dentro do seu latifúndio. Reuniões já foram marcadas para
tratar do tema, mas ainda não avançaram para uma resposta positiva da empresa.
Procurada
pelo ICL Notícias, a Suzano negou haver “qualquer impasse” com as comunidades
quilombolas, pois ainda aguarda receber da Coelba “o documento que define o
traçado da rede elétrica, necessário para o planejamento e definição da
construção da rede nas áreas da companhia”.
A
Suzano disse ainda que “sempre esteve aberta ao diálogo e busca o bem-estar das
comunidades situadas nas proximidades”, como uma das premissas de seu “modelo
de negócios”.
O ICL
Notícias apurou que, diferentemente do que a Suzano informa, a empresa já
discutiu com a Coelba a colocação da rede elétrica. A própria concessionária de
energia da Bahia confirmou esta informação. Em nota, a Coelba disse que “vem
realizando tratativas” para que comunidades locais sejam atendidas.
No
entanto, há pendências para resolver o problema, pois “a instalação da rede
elétrica — postes, fiação e demais equipamentos — passa por terras privadas de
terceiros, ou em áreas de preservação ambiental permanente”, diz a Coelba.
O
Ministério de Minas e Energia, responsável pelo programa Luz Para Todos, também
foi procurado, mas não enviou resposta até o fechamento desta reportagem.
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Escuridão para todos
A
escuridão que cega os moradores da Volta Miúda quando a noite cai não é um caso
isolado na região. Outras comunidades tradicionais também padecem do mesmo
problema. A reportagem levantou que a mesma situação se repete em oito cidades
do extremo-sul da Bahia: Alcobaça, Ibirapuã, Mucuri, Nova Viçosa, Mascote,
Guaratinga, Cabrália e Belmonte.
De
acordo com a Coelba, as obras para atender todas estas comunidades têm extensão
de 94,27 quilômetros e incluem a instalação de 1.405 postes.
Em
muitas destas localidades, as fazendas de eucalipto pertencem à empresa Veracel
Celulose — que, embora tenha administração própria, é controlada pela Suzano e
pela Stora Enso, uma multinacional finlandesa. Cada sócio tem 50% de
participação na empresa.
A
Veracel tem capacidade para produzir 1,1 milhão de toneladas de celulose por
ano e atingiu R$ 1,8 bilhão de receita líquida em 2022, no último balanço
divulgado.
Procurada
pela reportagem, a Veracel disse que não se opõe “à instalação de postes ou
redes elétricas em áreas próximas às suas propriedades”, além de afirmar que
não possui “nenhum projeto devidamente protocolado que esteja pendente de
análise ou ação da empresa”.
A
companhia também pontuou que apoia o “acesso à energia elétrica para as
comunidades e atua para que não haja impedimentos à sua viabilização”, desde
que “atendam todas as conformidades legais e ambientais necessárias”.
Desde
2017, tramita no Senado Federal a PEC 44/2017, que tenta transformar o acesso à
energia elétrica em direito social garantido pela Constituição — a exemplo do
que acontece com educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, transporte,
lazer, segurança, entre outros.
O
objetivo da proposta é elevar o status da necessidade de energia elétrica para
garantir o seu fornecimento para todo o território brasileiro. A PEC foi
apresentada pelo senador Telmário Mota (PTB-RR), mas ainda não foi votada em
plenário.
Em
agosto de 2023, o Ministério Público Federal ajuizou ação civil pública contra
a União, o governo da Bahia e as empresas Suzano e Veracel para assegurar a
proteção aos territórios de comunidades tradicionais no extremo sul do estado.
A ação
cobra providências urgentes para conter o “avanço irregular da atividade
econômica e reparar os danos causados às comunidades quilombolas e indígenas”.
Uma das localidades citadas é da Volta Miúda, em Caravelas.
O MPF
lista que o monocultivo de eucaliptos gera degradação ambiental, escassez de
água, improdutividade do solo, diminuição da biodiversidade e prejuízo à saúde
da população, em razão da pulverização excessiva de veneno, além de ampliação
da pobreza, obrigando pessoas a deixarem a região para sobreviver. A ação cita
que duas comunidades quilombolas desapareceram na região (Naiá e Mutum) e
outras tantas estão ameaçadas.
“Parece
muito que a Suzano quer fazer de tudo para expulsar a gente aqui do território.
Talvez, se finalmente a gente sair, nossas antigas casas virem também plantação
de eucalipto”, diz Leocádio.
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Riqueza x pobreza
Em seu
site oficial, a Suzano se declara como a “a maior fabricante de celulose no
mundo” e uma “das maiores produtoras de papéis da América Latina”. A empresa
mantém escritórios em países como Argentina, Estados Unidos, Canadá, Áustria,
Israel, Finlândia e China. E fábricas de produção em sete estados brasileiros:
Pará, Maranhão, Ceará, Bahia, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e São Paulo.
Na
Bahia, a unidade é chamada de Mucuri e produz 1,7 milhão de toneladas de
celulose por ano, de acordo com a própria multinacional brasileira. O terreno
de plantação de eucalipto é gigantesco, ocupando 254,7 mil hectares — 1 hectare
equivale a 10 mil metros quadrados. Ou seja, um campo de futebol nas medidas
oficiais da Fifa.
A
Suzano fechou o ano de 2024 com recorde de vendas. Faturou R$47,4 bilhões,
conforme alardeou em seu próprio site oficial. A empresa também constantemente
divulga ações de sustentabilidade, como replantio de árvores, e de impacto
social, dizendo apoiar ações de capacitação, empreendedorismo e artesanato nas
comunidades onde está inserida.
“É uma
contradição enorme uma empresa tão rica, que vive de desenvolver novas
tecnologias para sua produção, impossibilite nós, antigos moradores desta
terra, de ter o mínimo acesso à energia elétrica”, pontua o presidente da
Associação Quilombola de Volta Miúda.
Fonte:
Por André Uzeda, em ICL Notícias

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