terça-feira, 22 de abril de 2025

Da Nakba a Gaza: ‘exterminem todos os selvagens!’

Pais segurando os corpos dilacerados de seus filhos são cenas comuns em Gaza. Antes, uma única imagem assim viraria manchete mundial. Hoje, são tantas que nem sequer são notícia. É o quão baixo o Ocidente afundou

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A guerra de Israel contra Gaza é um genocídio em plena vista — massacres, fome e deslocamento forçado enquanto o Ocidente desvia o olhar.

Nos anos 1960, Bernard Lewis cunhou a frase “choque de civilizações”. Tempos depois, Samuel Huntington a adotou. Era um argumento furado.

Governos “colidem” por interesses concretos — dinheiro, território, poder, dominação —, não por algo vago como “civilização”. Mas era uma desculpa conveniente para potências imperialistas predatórias empenhadas em controlar o mundo.

Afinal, o que era a “civilização ocidental” senão uma besta esquizofrênica de duas faces, que ouvia Bach e Mozart enquanto escravizava milhões, massacrava povos, roubava suas terras e saqueava seus recursos?

É essa face hedionda que vemos novamente hoje. O Ocidente cruza os braços e fala de tudo — menos do genocídio em Gaza.

A semente que as potências europeias plantaram na Palestina cresceu e se tornou a maior ameaça à paz mundial desde os nazistas.

E isso não é coincidência, dada a afinidade ideológica entre nazismo e sionismo: o racismo, a supremacia, o desprezo pelo direito internacional e pela vida humana, agora expostos em Gaza e no Líbano.

Sem esquecer o equivalente ao lebensraum — expansionismo e maximalismo territorial para abrir caminho a colonos judeus em substituição aos “animais humanos” palestinos. Apenas um degrau acima dos nazistas, que chamavam suas vítimas judias e outras de “sub-humanos”.

Que ironia grotesca: nos anos 1930, nazistas buscavam formas de eliminar judeus; em 2025, judeus buscam formas de eliminar palestinos.

E sim, são judeus — não apenas sionistas, mas judeus cruéis, assim como há muçulmanos, cristãos e ateus cruéis. Eles são uma mancha na história judaica que nunca será apagada.

Os campos de extermínio nazistas e a política israelense diferem apenas no eufemismo: enquanto os nazistas falavam em “emigração” antes da morte, Israel nem disfarça. O número real de palestinos massacrados é incerto, mas ultrapassa em muito os 200 mil sugeridos pela revista The Lancet.

Durante o breve cessar-fogo, palestinos desenterraram corpos dos escombros. Mas agora Netanyahu o rompeu. No momento em que escrevo (18 de março, 9h38), Israel já matou 235 palestinos em ataques aéreos. Muitos, é claro, eram crianças — porque milhares já foram assassinadas.

Pais segurando os corpos dilacerados de seus filhos são cenas comuns em Gaza. Antes, uma única imagem assim viraria manchete mundial. Hoje, são tantas que nem sequer são notícia. É o quão baixo o Ocidente afundou.

Sem conseguir convencer ninguém a aceitar a “transferência” populacional que Trump também defende, Israel opta pelo extermínio.

Aos palestinos, resta “escolher”: fugir ou ficar e morrer. Fugir para onde? Não há saída. Gaza é uma armadilha, e seus algozes não têm piedade.

“Ainda que a fome e a sede não os matem, nós mataremos.” Essa é a mensagem. Velhos, jovens, deficientes, professores, agricultores, jornalistas — não importa. O “exército mais moral do mundo” os assassinará.

Não em suas casas (já destruídas), mas em campos, tendas, praias ou ruínas urbanas — por bombas, drones, mísseis ou tiros de sniper. Ou pela privação de comida, água, remédios e eletricidade.

Isso acontece agora. “Exterminem todos os selvagens!”, clamou Kurtz em O Coração das Trevas. E é o que se vê no campo de extermínio de Gaza — desta vez, administrado por judeus.

Uma verdade repugnante, mas ainda assim verdade. Claro, no livro, era Kurtz, o agente da “civilização”, o verdadeiro selvagem.

Israel nunca deveria ter sido criado em terras alheias. É um Estado usurpador, como tantos na história — mas estamos no século 21, não no 17 ou 18.

Israel nunca demonstrou remorso, e o mundo nunca aprendeu a evitar a repetição de horrores passados. Poucos horrores foram tão brutais quanto Gaza.

Israel é a contradição de um Estado colonial surgido no crepúsculo da era colonial. Foi parido pela ONU, a “mãe” que hoje odeia porque esta tenta frear seu comportamento vil.

Seu ódio transborda nas redes sociais, no governo, no parlamento, na mídia e nas instituições religiosas.

Ódio aos palestinos, árabes, ONU, críticos do genocídio — e até entre si. Talvez seja isso que, um dia, destruirá Israel: ele acabará devorando a si mesmo.

Seus chiliques e fúria teatral são históricos, mas sempre indulgenciados. Políticos dos EUA, Reino Unido, Austrália, Canadá e UE agem com medo. Não chamam o genocídio pelo nome — Israel e seus lobistas não gostariam.

Criticam, mas com códigos: “Compartilhamos seus valores democráticos e estamos do seu lado, mesmo quando reclamamos.

Falam em “solução de dois Estados” sabendo que nunca acontecerá. Israel sabe que sabem. Tudo sob controle.

Expressam “preocupação”, nunca raiva. Afinal, há séculos pessoas de pele branca exterminam as de pele escura. É triste, mas “normal”. Seria anormal só se as vítimas fossem brancas.

Alguém imagina 2 milhões de europeus presos em um enclave, esfomeados e massacrados, sem que o Ocidente interviesse?

Isso expõe não só o racismo de Israel, mas o do Ocidente — que assiste passivamente a 18 meses de genocídio.

Israel é apoiado incondicionalmente pelos EUA, cujas instituições infiltrou. Recebe tudo o que quer. Juntos, são uma ameaça à paz global.

Israel não obedece leis, só seus interesses. Suga seus “aliados” e os trai — como fez com a Grã-Bretanha nos anos 1940, matando policiais e diplomatas britânicos.

Lembrem-se do USS Liberty (1967), do plutônio roubado dos EUA, dos ativistas Rachel Corrie, James Miller e Tom Hurndall — todos mortos em Gaza. Lembrem-se do turco-americano Furkan Doğan, assassinado no Mavi Marmara. Israel não respeita nem seus aliados, mas estes insistem em um masoquismo destrutivo.

Netanyahu deixa claro: Israel não mudará. Para sobreviver, deve continuar matando — palestinos, libaneses, sírios, iranianos, quem quer que ouse enfrentá-lo.

Se (ou melhor, quando) Israel for encurralado sem saída, sua mensagem é clara: “Levaremos o mundo conosco.” E quem lhe deu as armas e tecnologia para isso? A resposta é óbvia.

¨      Netanyahu diz que guerra contra os palestinos em Gaza só termina quando o Hamas for destruído

O primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, afirmou neste sábado (19) que a guerra em Gaza só será encerrada quando todos os reféns forem libertados e o grupo Hamas for completamente aniquilado. A declaração foi feita em discurso à nação, e foi divulgada originalmente pela agência Sputnik Internacional.

Segundo Netanyahu, o Hamas rejeitou mais uma proposta de cessar-fogo, que previa a libertação de cerca da metade dos reféns ainda vivos e a devolução dos corpos de alguns que foram mortos em cativeiro. O premiê afirmou que o movimento palestino exige a retirada total das forças israelenses da Faixa de Gaza, o fim imediato da guerra e condições que, segundo ele, permitiriam ao grupo se rearmar. 

"Não encerraremos a guerra até destruirmos o Hamas em Gaza, até devolvermos todos os nossos reféns e até garantirmos que a Faixa de Gaza não represente mais uma ameaça a Israel", declarou Netanyahu, endurecendo o tom do governo israelense diante das recentes negociações frustradas.

O premiê argumentou ainda que atender às exigências do Hamas equivaleria a uma capitulação.

“O movimento Hamas exige o fim da guerra e a preservação de seu poder. Exige também a retirada completa das tropas israelenses de Gaza e a restauração de Gaza com a atração de capital que lhe permitirá rearmar-se e preparar novos ataques contra nós. Terminar a guerra com estes termos de capitulação deixará claro a todos os inimigos de Israel que, ao sequestrar israelenses, o Estado de Israel pode ser posto de joelhos.”

O governo israelense sustenta que a destruição do Hamas é uma questão de segurança nacional, ao passo que representantes do grupo palestino afirmam que resistem à ocupação e à ofensiva militar israelense.

Enquanto o impasse se mantém, a situação humanitária em Gaza segue crítica, com centenas de milhares de civis em situação de deslocamento forçado, escassez de suprimentos básicos e bombardeios contínuos.

Netanyahu, por sua vez, sinalizou que o conflito pode se estender por tempo indeterminado. O tom de seu pronunciamento reflete a posição inflexível adotada por Tel Aviv diante de negociações que não contemplem o desmantelamento completo da infraestrutura do Hamas.

¨      Lelê Teles: Morre o menino Deus como morrem os palestinos

soube da morte de nosso senhor jesus cristo ainda infante.

a descoberta se deu na paróquia de são sebastião, quando iniciei meus estudos eclesiásticos na primeira comunhão.

até então, cria que jesus era, somente, aquele cara pregado numa cruz.

acreditava, na minha inocente criancice, que ali o mestre sempre tivesse estado.

cria, serei mais claro, que cruz e jesus fossem uma coisa só, um e outro até rimavam.

foi assim que mo mostraram.

mamãe, por exemplo, usava uma cruz no pescoço, sem cristo, mas eu sabia que ele estaria lá em algum momento.

talvez tivesse descido pra descansar um pouco, eu imaginava.

vi essa cruz sem cristo diversas vezes, na porta da igreja mesmo tinha uma; enorme, branca, lustrosa. dava vontade de se deitar nela.

no cemitério, quando fui ao enterro de minha bisavó, eu vi uma porção delas.

mas também vi muitas cruzes com o crucificado.

dentro da igreja tinha uma, no altar.

na minha casa, as folhinhas de calendário pregadas nas paredes, também mostravam um cristo pregado na cruz, de braços abertos, exibindo a cabeça de um prego em cada palma de mão.

passei a gostar de olhar pras cruzes sem jesuzes.

sim, se digo jesuzes não o faço por mal, é que o via assim, plural.

é que em cada cruz que eu via parecia que havia um tipo de jesus.

mais tarde, mamãe me explicou que o nosso senhor era um só e que as dessemelhanças que eu notara em sua cara era, em verdade, capricho da interpretação do artista; quando não, era mera falta de habilidade do artesão.

entristecia-me vê-lo magro, triste, com sangue escorrendo dos espinhos que lhe rasgavam a testa.

não me parecia um filho de deus.

então, passei a orar, de joelhos ao pé da cama, para uma cruz sem jesus. mas não orava pra cruz, isso é certo, era em jesus que eu mirava.

e de tanto olhá-la, saquei, veja que sagacidade, que as cruzes que não tinham jesuzes também não tinham marcas de buracos de pregos.

o que me fez crer que talvez existissem cruzes sem jesuzes e que, por isso mesmo, podia-se concluir que primeiro veio a cruz, depois é que veio jesus.

foi na primeira comunhão, lá pelos seis anos de idade, que me disseram que o cristo já havia sido menino, e que tinha sido gente como a gente.

ao chegar em casa, corri pra bíblia e pedi pra minha mãe ler pra mim alguma peraltice do menino jesus.

queria saber do que ele brincava, se jogava bola, se fazia mágicas, se brincava de esconder com os coleguinhas…

mamãe disse que o evangelho da infância de jesus havia sido abolido da bíblia e que nada sabíamos, e jamais saberíamos, sobre sua adolescência também.

a bíblia, percebi, era uma fábula de adultos.

bem, tornei-me coroinha, confessei meus pecados, que nessa época já eram muitos, vestiram-me com uma alva batina de seda e fizeram de mim um pequeno souvenir de padre.

tive o privilégio indescritível de saborear, ou melhor, consagrar, a hóstia e o vinho.

nesse eucarístico rito iniciático, tive o meu primeiro contato com o corpo e o sangue de cristo.

ensinaram-me algumas disciplinas litúrgicas, como não acenar pros coleguinhas durante a missa e, quando sentado, não cruzar as pernas; quando de pé, não cruzar os braços.

pronto, na missa de domingo lá estava eu: um padrinho.

entrei no presbitério na companhia dos sacerdotes; durante a missa, toquei sineta, servi vinho e água, segurei o livro, orei e chorei.

dizem que foi numa sexta-feira como essa que os caras deram uma surra no mestre, fizeram-no caminhar pelas ruas carregando nas costas uma cruz que lhe pregariam nas costas.

cuspiram nele, xingaram sua mãe e, ao pôr do sol, penduraram seu corpo esquálido no madeiro.

viveu como um homem e como um homem morreu.

nasceu em belém, na palestina.

e morreu como hoje morrem os palestinos: a infância apagada, a juventude incerta; a morte, cruel, sempre presente, no passado e no futuro.

os mesmos inimigos.

palavra da salvação.

 

Fonte: Por Jeremy Salt, site da Fepal/Brasil 247/Viomundo

 

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