Vale
a pena herdar as perdas do agro americano com Trump?
O
noticiário sobre a política de taxações imposta pelo governo Trump está
frenético nas últimas semanas. Não poderia ser diferente, considerando o
impacto dessa decisão dos Estados Unidos em todo o comércio mundial. O governo
Trump já retirou parte das taxas anunciadas e, após elevar o tom direcionado à
China a níveis quase inacreditáveis, demonstra que não terá condições de
sustentar as ameaças e começa a dar sinais de recuo. Trata-se de uma situação
de instabilidade que minou a confiança geral na política econômica dos EUA,
gerando perdas, despertou insatisfações dos produtores americanos, em especial
o agronegócio (mas não apenas, as empresas de alta tecnologias também estão
profundamente insatisfeitas) e abriu uma fase de confrontação explícita com a China.
Aparentemente, o que Trump busca é uma confrontação com o país asiático,
explicitamente apontado como o “seu maior adversário”, e não se descarta que
todos os outros anúncios de taxas tenham sido pensados apenas como mecanismos
de pressão para negociação subsequente, nos termos desejados por Trump, com as
nações menores e de abertura de uma nova fase de guerra comercial com a China.
Mas e o
Brasil? Poderia o país beneficiar-se no curto ou médio prazo desse conflito
entre as duas maiores economias do mundo? A taxação de produtos brasileiros em
10% – excetuando aço e alumínio, que já haviam sido taxados em 25%, gerando
protestos do Brasil – foi interpretada por alguns analistas como algo que
poderia ser revertido com brevidade, bastando o redirecionamento das
exportações para a China. Em nossa visão, essa é uma análise não apenas
apressada, mas equivocada, pois não leva em consideração nem a diversidade de
produtos de exportação do Brasil nem a qualidade dessas exportações. Além do
mais, essa ideia deixa de lado algumas informações centrais sobre o significado
das exportações do agronegócio brasileiro para o montante de riqueza revertido
em prol do crescimento do país. Considerando o nosso pequeno espaço aqui nesta
coluna, vamos apresentar alguns dados e em seguida algumas perguntas, com a
expectativa de voltar a cada uma delas com mais rigor em textos posteriores.
Em
primeiro lugar é preciso entender qual é o significado do comércio entre Brasil
e Estados Unidos. Nesse tema, o estudo da Secretaria
de Comércio Exterior (SECEX) em parceria com Câmara Americana de Comércio para
o Brasil (AmCham Brasil) traz dados que são muitas vezes deixados de lado no
afã de se decretar o fim da economia americana e o século de ouro do comércio Brasil-China.
O estudo destaca que até os dias de hoje os EUA “são o maior destino das
exportações brasileiras com maior valor agregado”. De outro lado, o mercado
chinês é destino principalmente de alimentos não-processados ou
semiprocessados, como soja em grão ou farelo de soja e carnes, além de
minérios. Os EUA vêm sendo, de acordo com os dados da SECEX, “o principal
destino de bens industrializados nos últimos nove anos consecutivos, com US$
29,9 bilhões em 2023, à frente de todo o bloco europeu (US$ 23,5 bilhões) e do
Mercosul (US$ 19,4 bilhões). Além disso, os Estados Unidos são o principal
destino para produtos brasileiros de alta tecnologia (como aeronaves,
medicamentos e algumas máquinas), representando, em média, 47,7% do total
vendido pelo Brasil nesse segmento entre 2001 e 2023”. O estudo não traz,
porém, quanto dessas vendas de produtos de alta tecnologia retorna aos EUA em
forma de remuneração de propriedade intelectual. Seria um dado fundamental para
entendermos a real importância, para o desenvolvimento do Brasil, dessa
produção.
É
sabido que as relações do Brasil com a China vão além da exportação de commodities e
importação de produtos industriais (quanto a esses dados, para maiores
detalhes, ver https://comexstat.mdic.gov.br/pt/geral). Em 2025 o governo
brasileiro assinou uma série de acordos com o país asiático para atração de
investimentos em infraestrutura, além de cooperação em tecnologia e da
ampliação de dinâmicas já bem estabelecidas de compra de maquinário para a
pequena agricultura com repartição de conhecimento, dentre outras fontes de
trocas. No entanto, até o momento, os dados de investimento externo direto no
Brasil – que foi o segundo maior destino de investimentos do mundo em 2024 –
mostram que os investimentos oriundos da China ainda não se aproximam dos
recursos oriundos dos EUA e da Europa. Em uma seleção de dados de investimento
direto com Estados Unidos, China, França, Japão, Canadá, Suíça, Itália,
Espanha, Alemanha e Reino Unido no portal Investvis, serviço do
Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio do Brasil, para 2024,
aparecem como os cinco principais investidores os EUA, Suíça, Reino Unido,
Canadá e Espanha.
Desfeitos
os dois equívocos iniciais – o de que os principais investimentos no Brasil
hoje já vêm da China e de que o Brasil pode prescindir facilmente do mercado
consumidor americano – quero me debruçar (com brevidade, dado o nosso espaço)
sobre o tema do comércio de produtos agrícolas.
O
comércio do Brasil com a China é superavitário. Em 2024, o país exportou um
total de US$ 188,17 bilhões para a nação asiática. Os dados por produto do
Ministério do Desenvolvimento da Indústria e Comércio (MDIC), se fôssemos
reproduzir nessa coluna, ocupariam dezenas de páginas, tal a diversidade.
Separamos, no entanto, o que nos interessa, que são os dez primeiros produtos
exportados.
Temos
portanto 31,5 bilhões em exportações de soja para China em 2024. Outros
produtos agrícolas, agropecuários e minérios, mais 6,5 bilhões. Os outros 96,6
bilhões em exportações são também em grande parte produtos agrícolas e
agropecuários, minérios, produtos semiprocessados, pescados e também produtos
industriais (papel, maquinário, peças, produtos farmacêuticos… a lista é
grande). Não há dúvida que o comércio bilateral com a China é central para a
economia brasileira e isso é uma tendência que vem apresentando crescimento
contínuo, ano após ano.
Se
fixarmos o olhar para esses dados e apressadamente nos determos apenas nos
valores, podemos concluir que as dificuldades criadas por Trump para seus
próprios produtores agrícolas podem favorecer o Brasil, que ampliaria ainda
mais seus ganhos de comércio (repito, superavitário) com a China. De fato, essa
ampliação pode ser esperada e ela já explica a insatisfação dos agricultores
dos EUA. Mas se ela deve ser comemorada, já não é algo tão certo quanto dois e
dois são quatro.
A
agricultura brasileira para exportação é subsidiada. O Plano Safra de 2024/25
prevê a soma nada modesta da R$400 bilhões para o agronegócio (enquanto o plano
Safra para a agricultura familiar e de médio porte, que garante a produção dos
alimentos consumidos internamente, prevê R$76 bilhões.). Tomemos apenas a soja,
produto mais importante da tabela acima. A produção de soja em larga escala no
Brasil hoje é feita em sua maior parte com plantio de OGM (organismos
geneticamente modificados). O plantio de soja geneticamente modificada nas
terras brasileiras só é possível, na escala que se tem hoje, pelo sucesso de
uma combinação entre sementes transgênicas, agrotóxicos e fertilizantes
específicos para cada clima e tipo de solo e água em abundância. A semente
transgênica, os fertilizantes e os defensivos são comercializados em nível
mundial por quatro grandes conglomerados: a Monsanto-Bayer
(fusão da norte-americana Monsanto com a Alemã Bayer); a Basf (EUA), a
união entre Dow e DuPont (EUA) e Syngenta (Suíça) e a chinesa ChemChina.
Conforme
estabelece o regime de propriedade intelectual ao qual o Brasil aderiu nos anos
1990 e o regramento interno brasileiro, cujo funcionamento foi confirmado pelo STJ em 2019 –
quando o tribunal deu ganho de causa à Monsanto, em uma disputa com
agricultores gaúchos, tornando pacífica “a possibilidade do patenteamento da
tecnologia e o enquadramento da semente nas garantias asseguradas pela Lei n.
9.279/1996 (Lei de Propriedade Industrial)” – as sementes transgênicas
podem ser patenteadas e, uma vez que sejam, a empresa detentora da patente tem
direito de exploração dos ganhos sobre a produção por 20 anos. Por essa razão,
grande parte da renda auferida pelos agricultores brasileiros com a exportação
de soja é remetida às empresas fornecedoras de insumos. O valor dos royalties
sobre a propriedade intelectual das sementes, sempre que se tratar de
cultivares novos, com patentes de menos de 20 anos, é de cerca de 2% da renda
obtida com a venda do produto final. Esse valor deve ser somando ao gasto com
importação de fertilizantes e defensivos e maquinário. Infelizmente, as fontes
públicas de dados não oferecem esse quantitativo, mas é possível deduzir que
uma fatia significativa dos 31 bilhões exportados seja remetido aos EUA, à
Alemanha, à Suíça e à própria China.
Não é
exagero, portanto, afirmar que a produção de soja (e também de milho) no Brasil
funciona como aplicação em escala global do modelo de agricultura integrada
praticado há algumas décadas no interior catarinense, no qual os grandes
frigoríficos enviam aos pequenos produtores as aves ou os leitões com poucos
dias de vida para serem ali criados e enviados ao abatedouro quando atingem a
idade apropriada. A água, o alimento, a destinação dos detritos, as vacinas e
os prejuízos em caso de adoecimento da criação são um problema do pequeno
produtor e não do grande frigorífico, que o remunera pelo produto “final”: o
animal em idade de abate. Voltando à soja (e ao milho), o Brasil oferece terras
aráveis (às custas de seu ecossistema, incluindo a extinção de biomas que
poderiam render, com pesquisa científica e desenvolvimento industrial, produtos
de alto valor agregado), água doce, estrutura do Estado para o combate ao crime
ambiental – a fim de garantir, que ironia!, a água necessária ao plantio da
soja nas próprias áreas desmatadas – , investimentos em estradas, portos e
aeroportos e um Plano Safra anual de 400 bilhões de reais. Um subsídio que não
é oferecido a nenhum outro ramo da produção nacional, às custas dos cofres
públicos, para que parte significativa da renda auferida seja enviada ao
exterior na forma de royalties e aquisição de químicos.
É aí
que entram mais algumas perguntas incômodas, mas que precisam ser feitas: qual
é o total valor da riqueza resultante do agronegócio que de fato impacta no
desenvolvimento do país? Qual o valor que é drenado pelas multinacionais dos
insumos agrícolas? Afinal, vender soja e milho em larga escala pode desenvolver
o Brasil? Por fim: devemos ficar entusiasmados com a possibilidade de “herdar”
o mercado do agro estadunidense, enquanto perdemos espaço de exportações de
produtos de maior valor agregado?
Fechamos
essas notas não com conclusões, mas com mais algumas perguntas, com intenção de
seguir o debate em artigos futuros ou animar a pesquisa de outros autores:
quanto poderia ser reinvestido no Brasil se o país tivesse uma política própria
de desenvolvimento de sementes e insumos, ocupando o espaço dos quatro
conglomerados que dominam esse mercado? Qual poderia ser o impacto na economia
brasileira se essas atividades econômicas financiadas com dinheiro público
deixassem de ser prioridade, passando-se a direcionar os recursos para uma
política industrial e de desenvolvimento tecnológico robusta? Essas questões
são centrais para se pensar um projeto de nação soberana e desenvolvida. E
ainda que não tenhamos todas as respostas, já podemos concluir que esse projeto
não pode seguir dependendo do “agro”.
¨
Trump afirma ‘100% de certeza’ sobre acordo de tarifas
com a EU
Donald
Trump disse estar “100%” certo de que um acordo sobre taxas alfandegárias com a União
Europeia seria alcançado, ao receber a líder italiana Giorgia Meloni nesta
quinta-feira (17/04) em Washington.
Meloni
estava sob pressão de Bruxelas para falar em nome dos 27 estados-membros
da União Europeia. A primeira-ministra
italiana concordou, no início da reunião em Washington, dizendo que ela também
estava “certa” de que um acordo seria alcançado.
A chefe
da coalizão ultraconservadora no poder em Roma, no entanto, afirmou que “não
poderia negociar em nome da União Europeia”, enquanto as relações entre a UE e
os Estados Unidos estão tensas desde a guerra comercial iniciada pelo
presidente norte-americano e seu uso generalizado de taxas alfandegárias.
“Meu
objetivo é convidar o presidente Trump para uma visita oficial à Itália e
tentar organizar, se possível, um encontro desse tipo com a Europa”,
acrescentou Meloni.
Em meio
a uma guerra comercial, o Banco Central Europeu (BCE) acaba de concordar com um
corte de 0,25 ponto nas taxas básicas para fortalecer a economia da zona do
euro. A presidente do BCE, Christine Lagarde, disse nesta quinta-feira que o
organismo deve “enfrentar o imprevisível” e ser “ágil” diante do clima
econômico incerto.
<><>
Por que Meloni pode ajudar a intermediar acordo entre europeus e EUA?
As
relações entre Meloni e Donald Trump, que compartilham uma ampla base
ideológica, são conhecidas por serem ótimas. A primeira-ministra, descrita como
uma “líder fantástica” pelo republicano, foi a única liderança da UE a ser
convidada para sua posse em janeiro.
Destacando
esse “relacionamento muito especial”, altos funcionários norte-americanos
disseram que Meloni poderia servir como intermediária para um acordo entre a
Europa e os Estados Unidos.
“Esperamos
que a primeira-ministra e o presidente consigam fazer as coisas avançarem”,
disse um funcionário do governo Trump a repórteres antes da reunião. “Estamos
abertos, disponíveis, prontos para concluir acordos com
países que
levam isso a sério. Esperamos que a Itália e a UE participem”, acrescentou.
O
presidente dos EUA impôs tarifas de pelo menos 10% sobre todos os produtos que
entram nos Estados Unidos, a partir de 5 de abril, e de até 145% sobre produtos
chineses,
além dos impostos existentes antes de seu retorno à Casa Branca.
Dependente
das exportações de sua
indústria, que respondem por quase um quarto de seu PIB, Meloni criticou essa
ofensiva tarifária, mas manteve o diálogo e pediu a Bruxelas que não tomasse
medidas retaliatórias.
“Devemos
absolutamente evitar uma guerra tarifária“, implorou o
ministro da Indústria italiano, Adolfo Urso, acrescentando que Meloni tentaria
em Washington “convencer a todos da necessidade de discutir”.
O presidente dos EUA tem usado
tarifas como uma ferramenta política desde que retornou ao poder, e as usou
particularmente contra a China. Mas ele disse nesta quinta-feira, em resposta a
uma pergunta, que as duas maiores potências do mundo concluiriam “um acordo
muito bom”, sem fornecer mais detalhes.
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Empresa francesa sente impactos das tarifas dos EUA
A
Itália vende mais de 10% de suas exportações para os Estados Unidos, o terceiro
maior parceiro comercial da península. 10% das exportações da Alemanha também
são para os Estados Unidos, e 7% das exportações francesas seguem o mesmo
destino.
A
gigante francesa de cosméticos L’Oréal poderia, “dependendo do resultado” em
relação às taxas alfandegárias nos Estados Unidos, “tomar as medidas de
realocação necessárias”, de acordo com seu CEO, Nicolas Hieronimus.
“Podemos
aumentar os preços, aumentamos os estoques e, sim, podemos realocar parte da
nossa produção”, disse o CEO do grupo durante uma conversa com analistas à
margem da apresentação dos resultados do primeiro trimestre.
“Mas
não queremos tomar medidas precipitadas sobre algo que pode ser temporário”,
disse ele. “Estamos monitorando a situação de perto e tentando entender o
desfecho. Dependendo do resultado, poderemos tomar as medidas de realocação
necessárias”, disse o líder da empresa global de cosméticos.
Em
2024, o grupo gerou 27% do seu faturamento nos Estados Unidos e Canadá. Dos
produtos vendidos pela L’Oréal nos Estados Unidos, ela produz “pouco menos de
50%” localmente, “cerca de 30% vêm da Europa e o restante vem do México, Canadá
e algumas outras regiões do mundo”, explicou Nicolas Hieronimus.
“Existem
várias maneiras de mitigar o impacto dessas tarifas, que esperamos evitar, mas
se elas forem mantidas, temos várias alavancas para compensá-las”, explicou.
Portanto, se taxas alfandegárias adicionais forem confirmadas, isso “afetará
principalmente nosso segundo semestre em termos de margens”, disse ele.
Fonte:
Por Rita Coitinho, em Opera Mundi

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