Bruno
Salles Pereira Ribeiro: O que diz o PL da Anistia? Por que, para quem?
Em
primeiro lugar, é importante destacar que, quando falamos de “PL da Anistia”,
estamos tratando de uma série de projetos de lei, propostos por diversos
parlamentares em momentos distintos. São ao menos oito projetos de lei que hoje
tramitam em conjunto na Câmara dos Deputados, apensados ao PL 2858/2022, de
autoria do Deputado Major Vitor Hugo (PL/GO).
De
fato, é nesse PL 2858/2022, o mais antigo, onde estão apensados os demais
projetos de lei e é em relação a ele que a bancada bolsonarista recolhe
assinaturas para a tramitação em regime de urgência. Os projetos de lei
apensados a ele são o PL 2954/2022, de autoria do Deputado José Medeiros
(PL/MT); PL 3312/2023, de autoria do Deputado Adilson Barroso (PL/SP); PL
2162/2023, de autoria de 32 Deputados dos Partidos Republicanos e PL,
encabeçado pelo Deputado Marcelo Crivella (Republicanos/RJ); PL 5643/2023, de
autoria do Deputado Cabo Gilberto Silva (PL/PB); PL 5793/2023, de autoria dos
Deputados Delegado Ramagem (PL/RJ), Mario Frias (PL/SP), André Fernandes
(PL/CE), Mauricio Marcon (PODE/RS) e Pr. Marco Feliciano (PL/SP); PL 1216/2024,
de autoria do Deputado Helio Lopes (PL/RJ), e PL 4485/2024, de autoria do
Deputado Marcos Pollon (PL/MS).
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A
análise dos textos desses projetos de lei é indispensável para se assentar o
debate que hoje é incensado pela bancada bolsonarista no Congresso Nacional e
para nortear a opinião pública – e os próprios congressistas – sobre o que se
propõe anistiar e a quem beneficiaria essa anistia.
Embora
com objetivos muitas vezes congruentes, cada projeto de lei tem suas
abrangências próprias e acabam por anuviar a compreensão do que, de fato, pode
ser objeto de deliberação no Congresso Nacional.
Entendemos
que tal dissecção é extremamente relevante, pois a pauta da anistia tem sido
defendida pela ala bolsonarista, por meio da alegação de que ela se destinaria
a coibir excessos do Supremo Tribunal Federal, nos processos relativos aos
participantes das depredações do 8 de janeiro, que invadiram, danificaram e
saquearam os prédios dos Três Poderes na Esplanada do Ministério. A análise
pormenorizada do texto dos projetos demonstra que não é apenas disso que se
trata.
Trata-se
de beneplácitos que suplantariam em muito os condenados do 8 de janeiro,
atingiriam casos que ainda não foram julgados, impediriam novas investigações e
desmontariam a própria estrutura de defesa do Estado Democrático de Direito,
prevista em Lei.
Vejamos,
portanto, do que trata cada um dos projetos:
·
PL 2858/2022, de autoria do Deputado Major Vitor Hugo, do
PL/GO
O art.
1º, do PL 2585/2022, prevê que “Ficam anistiados manifestantes,
caminhoneiros, empresários e todos os que tenham participado de manifestações
nas rodovias nacionais, em frente a unidades militares ou em qualquer lugar do
território nacional do dia 30 de outubro de 2022 ao dia de entrada em vigor
desta Lei”. Observe-se que o texto anistia qualquer tipo de manifestação,
mas traça um lapso temporal que coincide com os atos terroristas que se
iniciaram a partir da eleição do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva.É de se
destacar que o os parágrafos primeiro e segundo propõem, respectivamente
que “a anistia de que trata o caput compreende crimes políticos ou com
estes conexos e eleitorais” e “consideram-se conexos, para
efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes
políticos ou praticados por motivação política”. Na mesma linha, o
art. 3º dispõe que “a anistia de que trata esta Lei atinge também as
restrições de direitos de quaisquer naturezas ou finalidades impostas pela
Justiça Eleitoral ou Comum em decorrência de processos ou inquéritos de
qualquer forma relacionados ao descrito no Art. 1º , em especial, as que se
voltem contra a livre manifestação do pensamento, a imunidade material
parlamentar quanto a opiniões, palavras e votos, a liberdade de expressão e a
liberdade de imprensa, seja em manifestações populares, em entrevistas, em
debates, em apresentação de programas jornalísticos, nas redes sociais e outros
veículos publicados na rede mundial de computadores (internet) ou em qualquer
outro meio”.
Fica
bastante evidente que tais dispositivos não têm qualquer relação com
manifestações políticas, mas sim com decisões da Justiça Eleitoral que
impuseram sanções por abuso de poder político durante as eleições de 2022.
Trata-se de previsão que tem claro objetivo de sustar a decisão que tornou
inelegível o ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro.
Outro
dispositivo talhado para um caso específico é do §6º, do art. 1º, do projeto.
Segundo a proposição, “a anistia de que trata o caput abrange também
crimes supostamente cometidos ao se ingressar em juízo e as consequentes
condenações por litigância de má-fé em processos de cunho eleitoral
relacionados ao pleito presidencial de 2022”. É fácil compreender que a
mencionada disposição tem o claro objetivo de se eximir a multa de R$
22.991.544,60, aplicada pelo TSE ao Partido Liberal (PL), por litigância de má-fé.
·
PL 2954/2022, de autoria do Deputado José Medeiros
(PL/MT)
O projeto
tem escopo e abrangência bastante coincidente com os do PL 2585/2022.O art. 2º,
do PL 2954/2022, dispõe que “fica concedida anistia, nos termos do art.
48, VIII, da Constituição Federal, a todos aqueles que, no período entre 1º de
junho de 2022 até a data de entrada em vigor desta Lei, tenham se manifestado,
por meio de atos individuais ou coletivos, ou tenham financiado ou participado
de tais manifestações e protestos, relacionados às eleições de 2022 e temas a
ela pertinentes”. Já o art. 3º, do projeto, traz disposições que abrangem
também sanções aplicadas pela Justiça Eleitoral, como a da inelegibilidade. Uma
peculiaridade do PL é a inserção do art. 4º, no qual se propõe que “o
abuso de autoridade ou crime de responsabilidade cometido por autoridades
exclusivamente judiciais são excluídos da anistia de que trata esta Lei”.
Ao circunscrever a exclusão a “autoridades exclusivamente judiciais”,
deixa-se claro o intuito de constranger autoridades judicantes que possam estar
envolvidas na persecução dos crimes cometidos.
·
PL 2162/2023, de autoria do Deputado Marcelo Crivella
(Republicanos/RJ) e outros
O
projeto com escopo e abrangência também bastante coincidente com os
anteriores.Traz apenas uma disposição específica sobre medidas cautelares no
seu art. 2º, no qual se propõe que “a anistia de que trata esta Lei
abrange quaisquer medidas de restrições de direitos, inclusive impostas por
liminares, medidas cautelares, sentenças transitadas ou não em julgado que
limitem a liberdade de expressão e manifestação de caráter político e/ou
eleitoral, nos meios de comunicação social, plataformas e mídias sociais”.
O
dispositivo impediria, por exemplo, a ação da Justiça Eleitoral no caso de
publicações abusivas em redes sociais. Na prática, significaria a restrição de
qualquer tipo de controle jurisdicional sobre crimes e ilícitos cometidos por
meio de redes sociais de cunho político.
·
PL 3312/2023, de autoria do Deputado Adilson Barroso
(PL/SP)
Com
texto e abrangência coincidente com os projetos anteriores, o PL 3312/2023,
traz disposição sobre anistia “a todos aqueles que, no período das
eleições de 2022 tenham praticado atos que sejam investigados ou processados
sob a forma de crimes de natureza política e eleitoral” (art. 1º),
sobre os efeitos das condenações da Justiça Eleitoral (Art. 2º) e à multa por
litigância de má-fé imposta pelo TSE (art. 1º, § 5º).No §3º, o PL especifica
que “consideram-se relacionados os fatos praticados pelas autoridades
do Poder Judiciário e suas funções, que violem o devido processo legal ou a
ofensa à independência do Poder Legislativo e Pode Executivo”, previsão
aberta que permitiria a revisão de qualquer decisão do Poder Judiciário que
fosse considerada ofensivas à atribuição dos demais poderes. Trata-se de
cláusula preocupante – além de notoriamente inconstitucional – já que o §2º
dispõe que “caso ocorra o descumprimento desta lei, será caracterizado
como abuso de autoridade, nos termos do art. 27 da Lei no 13.869, de 5 de
setembro de 2019, nos casos em que decorra a instauração de procedimento
investigatório referente aos fatos caracterizados no caput”.
Em
resumo, além da anistia criminal e eleitoral, o projeto constrange a atuação do
Poder Judiciário, impedindo sua atuação de qualquer forma aos fatos
relacionados a manifestações golpistas de 2022-2023.
·
PL 5643/2023, de autoria do Deputado Cabo Gilberto Silva
(PL/PB)
Trata-se
de PL específico para os crimes cometidos no 8 de janeiro. Seu texto prevê que
“Fica concedida anistia, nos termos do art. 48, VIII, da Constituição
Federal, a todos que, em razão das manifestações ocorridas em Brasília na Praça
dos Três Poderes, no dia 08 de janeiro de 2023, tenham sido ou venham a ser
acusados ou condenados pelos crimes definidos nos arts. 359-L e 359-M do
Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal”.
·
PL 5793/2023, de autoria do Deputados Delegado Ramagem
(PL/RJ) e outros
Inicialmente,
há de se pontuar que o Deputado que encabeça a lista dos signatários do Projeto
de Lei foi denunciado pela Procuradoria-Geral da República por crimes contra o
Estado Democrático de Direito e hoje figura como réu em ação penal que tramita
perante o Supremo Tribunal Federal. O projeto procura alterar disposições
legais do Código Penal pelo qual o deputado é hoje processado. Ele prevê a
inserção de um artigo no diploma dos Crimes Contra o Estado Democrático que (i)
exclui a aplicação dos conceitos atinentes aos crimes multitudinários –
utilizada na condenação de criminosos do 8 de janeiro -, (ii) exige o emprego
de violência ou grave ameaça seja de fato efetivados de alguma forma, para além
do seu potencial e planejamento, e procura restringir a imputação dos crimes
por participação e co-autoria.Além disso, o projeto altera regras de conexão
que, taxativamente, poderiam excluir a competência do Supremo Tribunal Federal
para apurar os crimes pelos quais o Deputado é processado.
A toda
evidência, é um PL que, malgrado possua disposições sobre conceito doutrinário
que poderia levar a revisão de processos dos condenados do 8 de janeiro,
possuem incidência preponderante nas ações penais relativas aos membros do alto
escalão do Governo Federal na administração anterior.
·
PL 1216/2024, de autoria do Deputado Helio Lopes (PL/RJ)
Projeto
que procura eximir os participantes das depredações do 8 de janeiro,
beneficiados por Acordo de Não-Persecução Penal, de repararem os danos
cometidos por suas ações.O Art. 2º, propõe que “a condição de pagamento
de prestação pecuniária prevista no inciso IV do art. 28-A do Decreto-Lei nº
3.689, de 3 de outubro de 1941 (Código de Processo Penal), para oferta de
acordo de não persecução penal, não se aplica aos investigados pelos atos ocorridos
no dia 8 de janeiro de 2023, em Brasília-DF, que estejam inscritos no Cadastro
Único (CadÚnico) ou que comprovarem hipossuficiência conforme os critérios
desta lei”.Segundo o §2º, do art. 2º, “a condição de
hipossuficiência para os fins desta Lei deverá ser atestada por meio de
autodeclaração de hipossuficiência”.
·
PL 4485/2024, de autoria do Deputado Marcos Pollon
(PL/MS)
O
projeto tem por objetivo abolir as sanções relativas aos crimes contra o Estado
Democrático de Direito impostas aos condenados do 8 de janeiro, mantendo-se as
condenações apenas pelos delitos de dano.O art. 1º prevê que “Ficam
revogadas, para todos os efeitos legais, as sanções aplicadas aos indivíduos
acusados e condenados pelos atos ocorridos nos dias 8 e 9 de janeiro de 2023,
em relação aos crimes de associação criminosa armada, abolição violenta do
Estado Democrático de Direito, tentativa de golpe de Estado e incitação ao
crime”. Já o art. 3º propõe que “a revogação dos crimes
relacionados ao evento de 8 e 9 de janeiro de 2023 não impede a continuidade de
investigações sobre eventuais crimes de dano cometidos durante os atos, que
devem ser processados conforme os princípios do direito penal”.
Trata-se
de projeto que propõe solução intermediária que sugere a persecução apenas pelo
delito de dano que, mesmo em sua forma qualificada, prevê penas de 6 meses a 3
anos de reclusão e admitem uma série de benefícios processuais.
·
Conclusões
A
análise pormenorizada de cada um dos projetos de lei permite a visualização
exata do que, de fato, está sendo discutido na Câmara do Deputados e a quem
recairiam os benefícios propostos pela base bolsonarista. Evidentemente, nenhum
dos projetos possui objetivo específico de tratar com mais leniência os presos
na Esplanada dos Ministérios, por conta das depredações ocorridas em 8 de
janeiro de 2023. Pelo contrário, carregam disposições que beneficiariam o alto
escalão do governo envolvido em tramas golpistas ora objeto de ação penal
proposta pela Procuradoria-Geral da República, perante o Supremo Tribunal
Federal.
Mais do
que isso, são projetos que possuem disposições de constrangimento ao Poder
Judiciário, relativas, inclusive, a fatos não relacionados com as manifestações
golpistas e a tentativa de abolição do Estado Democrático de Direito.
São
projetos que, ainda, recairiam sobre a ordem e autoridade da Justiça Eleitoral
e cassariam decisões que determinam a inelegibilidade, não apenas do
ex-Presidente Jair Messias Bolsonaro, como de qualquer condenado por ilícitos
relacionados.
A
compreensão global do que está sendo proposto é indispensável para a formação
da opinião pública e parlamentar. Pesquisas de opinião deveriam formular
perguntas específicas sobre a concordância e discordância em relação a cada um
dos tópicos de proposição, sob pena de se eclipsar o debate, como se
restringisse aos manifestantes da Esplanada dos Ministérios.
Da
mesma forma, parlamentares que hoje se mostram favoráveis à discussão da
anistia, deveriam deixar claro para seus eleitores e representados se realmente
são a favor do beneplácito total a agentes que, segundo a própria
Procuradoria-Geral da República, dedicaram-se a cometer crimes contra o Estado
Democrático de Direito.
O exame
ora proposto vai muito além de mero preciosismo jurídico. Trata-se de atividade
necessária para a iluminação do discurso público. E de precaução necessária
para que eventuais “jabutis” não se tornem verdadeiros “cavalos de tróia”.
<><>
PL da Anistia protocola requerimento de urgência e aumenta pressão sobre
projeto
Foi protocolado,
na tarde desta segunda - feira, o requerimento de urgência sobre o projeto da
anistia. O líder do PL, Sóstenes Cavalcante, decidiu antecipar a apresentação
do documento para conter a ofensiva do governo, que pressionava deputados da
base a retirarem as respectivas assinaturas. O requerimento recebeu o apoio de
264 deputados, 7 a mais do que o mínimo necessário. Agora, cabe ao presidente
da Câmara, Hugo Motta, pautar o requerimento. Hugo, no entanto, tem sinalizado
a aliados que pretende encontrar uma solução que envolva os três poderes, a fim
de não assumir o desgaste da matéria e conseguir uma resposta consensual.
Fonte:
Brasil 247
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