Capitais brasileiras têm mais imóveis vazios
do que pessoas sem teto, mas falta política contra especuladores
O avanço das legislações urbanísticas no
Brasil não foi acompanhado pela melhoria da qualidade dos cadastros unificados
existentes nas prefeituras das maiores cidades do país. A ausência de
informações sobre vazios urbanos continua a dificultar o planejamento
estratégico e a aplicação de instrumentos que poderiam transformar imóveis
subutilizados em soluções para o déficit habitacional. A lacuna no
monitoramento desses espaços evidencia uma falha estrutural nas políticas
públicas, revelando o desafio de aliar eficiência administrativa à promoção da
função social da propriedade.
Os vazios urbanos, definidos como áreas
infraestruturadas mas inativas, são frequentemente mantidos ociosos devido à
especulação imobiliária e à ausência de fiscalização eficaz. No entanto, a
inexistência de uma base de dados centralizada por parte das administrações
municipais transforma a identificação desses imóveis em um processo custoso e
demorado. Pesquisadores, planejadores e movimentos sociais, na tentativa de
superar essa barreira, recorrem a fontes secundárias, como dados de
concessionárias de energia e água, levantamentos acadêmicos e observações
diretas em campo.
Em cidades como Belo Horizonte, por exemplo,
a dificuldade para mapear imóveis ociosos no hipercentro é emblemática.
Enquanto o déficit habitacional da cidade alcança números alarmantes, milhares
de imóveis permanecem vazios ou subutilizados. Dados do IBGE e de
concessionárias locais, como a Cemig e a Copasa, revelam que a capital mineira
possui mais de 200 mil instalações elétricas inativas e 52 mil imóveis sem
consumo de água registrado. Ainda assim, as informações permanecem desconexas,
dificultando a aplicação de instrumentos como o Parcelamento, Edificação ou
Utilização Compulsória (PEUC), previsto no Plano Diretor.
Esse cenário não é isolado. Segundo
levantamento do WRI Brasil, entre 1993 e 2020, as cidades brasileiras cresceram
em volume de construções em ritmo superior ao crescimento populacional. Ainda
assim, a crise habitacional se agravou. A pesquisa evidencia uma contradição
estrutural: o aumento da verticalização e da produção de edificações não
significou maior acesso à moradia. Isso porque grande parte dessas novas
unidades está voltada à especulação imobiliária, e não à demanda habitacional
real. Dados da Fundação João Pinheiro apontam que o Brasil registrava, em 2022,
um déficit habitacional superior a 6 milhões de domicílios — número que exclui,
inclusive, a população em situação de rua, o que sugere uma carência ainda
maior.
A ausência de informações integradas não é
apenas um problema técnico, mas também um entrave político e econômico. A falta
de um cadastro consolidado alimenta o ciclo de especulação imobiliária,
favorecendo a retenção estratégica de imóveis por proprietários que aguardam
valorização do mercado. Enquanto isso, populações de baixa renda são empurradas
para as periferias, agravando desigualdades socioespaciais e aumentando os
custos para o Estado em infraestrutura e transporte.
A questão dos vazios urbanos em Belo
Horizonte representa um dos principais desafios do planejamento urbano
contemporâneo. Enquanto milhares de imóveis permanecem ociosos no centro da
cidade, o déficit habitacional continua a crescer, empurrando famílias para
áreas periféricas com pouca infraestrutura. Essa contradição reflete a
especulação imobiliária e a falta de políticas eficazes para a reintegração
desses espaços ao tecido urbano. Dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE) e da Fundação João Pinheiro revelam que a Região
Metropolitana de Belo Horizonte conta com mais de 109 mil imóveis desocupados.
Ao mesmo tempo, o déficit habitacional atinge cerca de 95 mil domicílios. Essa
contradição evidencia a necessidade urgente de políticas públicas que promovam
o uso socialmente responsável desses imóveis, evitando sua retenção
especulativa e incentivando o aproveitamento para habitação popular.
A especulação imobiliária, apontada por
diversos estudos, contribui para a valorização artificial do solo urbano,
afastando populações de baixa renda para regiões periféricas e exacerbando a
segregação socioespacial. Além disso, a ausência de um cadastro imobiliário
municipal atualizado dificulta a identificação e a regularização dessas áreas
ociosas, tornando a gestão urbana ainda mais complexa. No entanto, algumas
metodologias inovadoras vêm sendo desenvolvidas para mapear esses vazios
urbanos. Um estudo recente realizado por Ada Penna McMurtrie, da Universidade
Federal de Minas Gerais (UFMG), propõe a identificação de imóveis desocupados a
partir do consumo zero de recursos, como energia elétrica e água, permitindo a
delimitação mais precisa das áreas subutilizadas. Ferramentas de
geoprocessamento também têm sido utilizadas para monitoramento e planejamento
urbano, possibilitando uma abordagem mais estratégica e sustentável.
Diante desse cenário, torna-se fundamental
que o poder público adote medidas mais rigorosas para coibir a especulação
imobiliária e garantir que os imóveis vazios cumpram sua função social. Entre
as possíveis soluções, destacam-se a atualização dos cadastros municipais, a
implementação de impostos progressivos sobre imóveis ociosos e a destinação
desses espaços para programas habitacionais de interesse social.
O Estatuto da Cidade (Lei Federal nº
10.257/2001) oferece uma série de instrumentos que possibilitam ao poder
público incidir diretamente sobre imóveis subutilizados e garantir o
cumprimento da função social da propriedade, como o Parcelamento, Edificação ou
Utilização Compulsória (PEUC), o IPTU Progressivo no Tempo e a desapropriação
com pagamento em títulos da dívida pública.
Além disso, iniciativas bem-sucedidas em
outras cidades podem servir de referência para Belo Horizonte. Em São Paulo,
por exemplo, programas como o Plano Municipal de Habitação têm utilizado dados
geoespaciais para identificar e destinar imóveis ociosos à moradia social. Já
no Rio de Janeiro, o IPTU Progressivo tem sido aplicado como forma de
desestimular a retenção especulativa de terrenos e edificações subutilizadas.
A ocupação racional dos vazios urbanos não só
contribuiria para reduzir o déficit habitacional, mas também fomentaria um
desenvolvimento urbano mais inclusivo e sustentável. É preciso repensar o
modelo de cidade que se deseja construir, priorizando o direito à moradia e à
cidade para todos os cidadãos.
Outro aspecto fundamental é o papel da
sociedade civil e dos movimentos sociais na luta pelo direito à moradia.
Organizações comunitárias e coletivos urbanos têm pressionado gestores públicos
a adotarem políticas mais eficazes, além de promoverem ocupações organizadas em
imóveis abandonados. Essas ações não apenas evidenciam o problema, mas também
demonstram alternativas viáveis para garantir moradia digna à população de
baixa renda.
Por fim, o debate sobre vazios urbanos deve
ser ampliado para incluir a participação ativa da população na definição das
políticas urbanas. A transparência na gestão dos cadastros imobiliários e a
criação de plataformas de monitoramento acessíveis ao público podem fortalecer
o controle social sobre o uso do solo urbano. Somente com uma abordagem
integrada, envolvendo governo, sociedade civil e setor privado, será possível
transformar os vazios urbanos de Belo Horizonte em oportunidades reais para a
inclusão social e o desenvolvimento sustentável da cidade.
Fonte: Marco Zerro Conteúdo

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