terça-feira, 15 de abril de 2025

Como Equador virou principal rota de cocaína no mundo, que está em franca expansão

"A máfia albanesa me ligava e dizia: 'Queremos enviar 500 kg de drogas.' Se você não aceitasse, eles o matariam."

César (nome fictício) faz parte da Latin Kings, uma gangue criminosa de tráfico de drogas do Equador. Ele foi recrutado por um policial corrupto ligado ao combate ao narcotráfico para trabalhar para a máfia albanesa, uma das redes de tráfico de cocaína mais ativas da Europa.

A máfia albanesa ampliou sua presença no Equador nos últimos anos, atraída pelas importantes rotas de tráfico que atravessam o país. Agora, ela controla grande parte do fluxo de cocaína da América do Sul para a Europa.

O país escolhe novo presidente no segundo turno das eleições neste domingo (13/4). O atual presidente Daniel Noboa, de centro-direita, disputa votos com Luisa González, de esquerda.

O Equador não produz a droga, mas 70% da cocaína do planeta flui através dos seus portos, segundo o presidente do país, Daniel Noboa.

A cocaína é contrabandeada para o Equador dos países vizinhos, Colômbia e Peru, que são os dois maiores produtores de cocaína do mundo.

A polícia afirma ter apreendido uma quantidade recorde de drogas ilícitas no ano passado – e a droga embargada em maior quantidade é a cocaína. Isso indica que o total de exportações está aumentando.

As consequências são mortais. Em janeiro de 2025, houve 781 assassinatos – o maior número dos últimos anos em um único mês. Muitas destas mortes estavam relacionadas ao comércio de drogas ilegais.

A BBC conversou com pessoas que participam da cadeia de suprimento para entender por que a crise está se agravando – e como ela é impulsionada pelo aumento do consumo de cocaína na Europa.

César tem 36 anos de idade e começou a trabalhar com os cartéis quando tinha 14 anos. Um dos fatores, segundo ele, foram as poucas oportunidades de trabalho.

"Os albaneses precisavam de alguém para resolver problemas", explica ele. "Eu conhecia os guardas portuários, os motoristas do transporte, os supervisores das câmeras de circuito fechado."

Ele suborna estas pessoas para ajudar a contrabandear drogas para os portos do Equador ou simplesmente para olhar para o outro lado – ou virar a câmera, quando for o caso.

Depois que a cocaína chega ao Equador, da Colômbia ou do Peru, ela é guardada em armazéns, até que seus patrões albaneses saibam de algum contêiner que irá deixar um dos portos equatorianos, em direção à Europa.

As gangues usam três métodos principais para contrabandear cocaína nos navios. Eles podem esconder as drogas junto à carga antes que ela chegue ao porto, abrir contêineres no porto ou colocar as drogas nos navios em alto-mar.

César chegava a ganhar até US$ 3 mil (cerca de R$ 18 mil) por um trabalho. Mas o dinheiro não é o único incentivo.

"Se você não completar um trabalho pedido pelos albaneses, eles irão matar você", segundo ele.

César conta que se arrepende um pouco do seu trabalho no comércio de drogas, particularmente pelo que ele chama de "vítimas colaterais". Mas ele acredita que a culpa é dos países consumidores.

Para ele, "se o consumo continuar crescendo, o tráfico também irá aumentar. Será incontrolável. Se eles combaterem lá, irá parar aqui."

Além dos membros da gangue, trabalhadores comuns também ficam presos nesta cadeia de abastecimento.

Juan (nome fictício) é motorista de caminhão. Um dia, ele pegou um embarque de atum para levar até o porto. Ele conta que algo parecia estar errado.

"O primeiro alarme soou quando fomos até o armazém e havia apenas a carga, nada mais", relembra ele. "Era um armazém alugado, sem o nome da empresa."

"Dois meses depois, vi no noticiário que os contêineres haviam sido retidos em Amsterdã [na Holanda], repletos de drogas. Nós nunca saberíamos."

Existem motoristas que transportam drogas sem saber, mas outros sofrem coerção. Se eles se recusarem, serão mortos.

As gangues europeias são atraídas para o Equador devido à sua localização, mas também pelas suas exportações legais. Elas oferecem uma forma conveniente de esconder cargas ilícitas.

"As exportações de banana compõem 66% dos contêineres que saem do Equador", explica o representante da indústria da banana local, José Antonio Hidalgo. "E 29,81% deles vão para a União Europeia, onde o consumo de drogas está em crescimento."

Algumas das gangues chegam a criar falsas companhias de importação ou exportação de frutas, na Europa e no Equador, para servirem de fachada para suas atividades ilícitas.

"Estes traficantes europeus posam de homens de negócios", segundo o promotor José (nome fictício), que combate grupos do crime organizado. Ele concordou em falar de forma anônima, devido às ameaças que já recebeu.

Um exemplo famoso é o de Dritan Gjika. Ele é acusado de ser um dos líderes mais poderosos da máfia albanesa no Equador.

Os promotores afirmam que ele é acionista de empresas exportadoras de frutas no Equador e de companhias de importação na Europa, usadas por ele para o tráfico de cocaína.

Gjika permanece foragido, mas muitos dos seus cúmplices foram condenados após uma operação policial multinacional.

A advogada Monica Luzárraga defendeu um dos seus associados. Agora, ela fala abertamente sobre seu conhecimento a respeito da forma de operação destas redes.

"Naquela época, a exportação de banana para a Albânia explodiu", ela conta.

Luzárraga parece frustrada pelo fato de as autoridades não terem deduzido mais cedo que os grupos criminosos estavam usando estes negócios como frente de operações.

"Toda a economia por aqui está estagnada", ela conta. "Mas aumentou a exportação de um produto, que é a banana. Logo, dois mais dois é igual a quatro."

·        Por que as exportações estão aumentando

Nos portos do Equador, a polícia e as forças armadas tentam controlar a situação.

Barcos patrulham as águas e a polícia examina caixas de banana em busca de tijolos de cocaína. Até mergulhadores da polícia procuram drogas escondidas embaixo dos navios.

Todos são fortemente armados – até aqueles que simplesmente vigiam as caixas de bananas antes de serem carregadas nos contêineres.

Isso porque, se forem encontradas drogas em uma busca, provavelmente estará envolvido um funcionário corrupto do porto, o que pode ocasionar um incidente violento.

Apesar de todos estes esforços, a polícia afirma que a quantidade de cocaína contrabandeada com sucesso para fora do Equador atingiu níveis recorde. O aumento da demanda e fatores econômicos são indicados como as causas deste aumento.

Cerca de 300 toneladas de drogas foram apreendidas no ano passado. Este número representa um novo recorde anual, segundo o Ministério do Interior equatoriano.

O major Christian Cozar Cueva, da Polícia Nacional equatoriana, afirma que "houve um aumento de cerca de 30% das apreensões de mercadorias destinadas à Europa nos últimos anos".

Este aumento dos embarques de cocaína intensificou os riscos para as pessoas envolvidas na cadeia de suprimento. O motorista de caminhão "Juan", por exemplo, afirma que o aumento da "contaminação dos contêineres" o deixou mais vulnerável.

Ele conta que os policiais confiscaram um contêiner no dia anterior, com duas toneladas de drogas.

"Costumavam ser quilos, agora falamos em toneladas", segundo ele. "Se você não contaminar os contêineres, terá duas opções: deixar o seu emprego ou acabar morto."

Fustigada pela pandemia de covid-19, a economia equatoriana deixou mais pessoas vulneráveis ao recrutamento pelas gangues criminosas.

O Estado com dificuldades financeiras após a pandemia, uma força de segurança com pouca experiência no combate ao crime organizado e regras antes permissivas de emissão de vistos facilitaram a presença das gangues no Equador após 2020.

Monica Luzárraga afirma que 2021 foi o ano em que a "infiltração da máfia albanesa decolou". Ela conta que o período coincidiu com um "fluxo de entrada" de cidadãos albaneses e um pico nas exportações de banana, incluindo para a Albânia.

Para ela, "este é um negócio lucrativo que prejudica o Equador e beneficia as organizações criminosas. Como podemos aceitar uma economia construída com base no sofrimento?"

·        Recado para a Europa

A ira equatoriana contra os cartéis estrangeiros não surpreende, considerando sua contribuição para o aumento da violência no país.

Mas os responsáveis pelo combate ao comércio ilegal e certos traficantes estão de acordo em um ponto: o comércio é alimentado pelos consumidores, particularmente na Europa, Estados Unidos e Austrália.

Dados das Nações Unidas demonstram que o consumo global de cocaína atingiu níveis recorde. E as pesquisas da ONU indicam que o Reino Unido é o segundo maior consumidor de cocaína do mundo.

Cálculos da Agência Nacional do Crime do Reino Unido (NCA, na sigla em inglês) indicam que o país consome cerca de 117 toneladas de cocaína por ano e detém o maior mercado da Europa.

As evidências indicam que o consumo no Reino Unido está aumentando. Análises do esgoto realizadas pelo Ministério do Interior britânico indicam que o consumo de cocaína aumentou em 7% entre 2023 e 2024.

O NCA apreendeu cerca de 232 toneladas de cocaína em 2024 durante suas operações, contra 194 toneladas no ano anterior.

O vice-diretor de liderança de ameaças do NCA, Charles Yates, afirma que isso faz do Reino Unido o "país preferido" dos grupos do crime organizado, que lucram com a alta demanda.

Ele estima que o mercado de cocaína britânico totalize cerca de 11 bilhões de libras (cerca de R$ 84,4 bilhões) e que as gangues criminosas lucrem cerca de 4 bilhões de libras (cerca de R$ 30,7 bilhões) por ano, somente no Reino Unido.

Os responsáveis pelo combate às gangues no Equador, como o procurador José, afirmam que cabe aos "países cujos cidadãos são consumidores exercer maior controle" sobre os financiadores deste comércio.

Suas vítimas assumem muitas formas. Para Hidalgo, os exportadores de bananas estão sofrendo danos econômicos e de reputação. Para Luzárraga, são "as crianças e adolescentes que estão sendo cooptados por gangues criminosas".

"Na Europa, existem cidadãos dispostos a pagar grandes quantias em dinheiro pelas drogas que consomem", segundo ela. "As drogas acabam custando a vida dos cidadãos equatorianos."

A NCA destaca que, além destes efeitos "catastróficos" sobre as comunidades ao longo da cadeia de suprimento, o uso de cocaína é responsável pelo aumento das mortes entre os usuários, devido aos seus impactos psicológicos e cardiovasculares.

Houve 1.118 mortes relacionadas à cocaína no Reino Unido em 2023 – um aumento de 30%, em comparação com o ano anterior.

A NCA também alerta que a droga agrava a violência doméstica.

Yates afirma que as ações policiais para combater o abastecimento claramente não são suficientes.

Para ele, "as ações do lado do fornecimento isoladamente nunca serão a resposta. O que realmente importa é alterar a demanda."

Dos membros das gangues de drogas até o presidente do país, esta também é a mensagem do Equador para a Europa.

O presidente equatoriano, Daniel Noboa, concorre à reeleição no segundo turno presidencial neste domingo. Ele fez do combate às gangues criminosas uma das suas principais prioridades e convocou os militares para enfrentar a violência relacionada às gangues.

Noboa declarou à BBC que "a cadeia que termina em 'diversão no Reino Unido' envolve muita violência".

"O que é divertido para uma pessoa provavelmente envolve 20 homicídios pelo caminho", afirmou o presidente.

¨      A expansão pelo Brasil dos traficantes que se veem como 'soldados de Jesus'

Quando policiais fluminenses apreenderem tijolos de cocaína ou trouxinhas de maconha em operações contra o tráfico no Rio, podem encontrar uma nova marca estampando esses produtos ilegais: a Estrela de Davi. O símbolo religioso não está ali em alusão à fé judaica, mas sim refletindo a crença evangélica de que o retorno de judeus a Israel resultará na segunda aparição de Jesus Cristo. A facção conhecida por traficar drogas com essa nova roupagem é o Terceiro Comando Puro (TCP), um dos grupos criminosos mais poderosos do Rio — que controla o tráfico no Complexo de Israel e é notório tanto por desaparecimentos forçados quanto por sua forte crença evangélica.

A expressão mais visível da fé desse grupo criminoso é a Estrela de Davi azul neon instalada no alto de uma caixa d'água em Parada de Lucas, a primeira de cinco comunidades da Zona Norte da capital fluminense que foram progressivamente controladas pelo grupo, e que passaram a compor, a partir de 2016, o chamado Complexo de Israel. O complexo é formado pelas comunidades Parada de Lucas, Cidade Alta, Pica-pau, Cinco Bocas e Vigário Geral. O território foi tomado depois que um líder do TCP teve o que acreditou ser uma revelação divina, de acordo com a teóloga e pastora Vivian Costa, autora do livro Traficantes Evangélicos – Quem são e a quem servem os novos bandidos de Deus (2023).

Segundo Costa, os traficantes no local se veem como "soldados de Jesus" e se autodenominam Tropa de Aarão, referência ao mais velho irmão de Moisés. Quem chega de trem a Parada de Lucas vê a bandeira israelense logo na plataforma da estação, na placa que saúda: "Seja bem-vindo ao Complexo de Israel." Esse território virou sinônimo do avanço da fé evangélica entre criminosos e das restrições que impõem a fiéis de outras religiões, sobretudo as de matriz africana. "Tanto as manifestações no espaço público como no espaço privado foram proibidas de existir nesses territórios, com muitas casas de umbanda e candomblé destruídas e queimadas", afirma Costa. Nesses locais, a facção deixa sua assinatura e marca de domínio: "Jesus é dono do lugar".

Entretanto, de acordo com antropóloga Ana Paula Miranda, professora da Universidade Federal Fluminense (UFF), esse modus operandi tem se espalhado pelo Brasil, com ataques a terreiros de umbanda e candomblé replicados por traficantes em favelas de outras metrópoles, como Fortaleza e Salvador — e não apenas em territórios do TCP. "Esse não é um problema apenas do Rio. Virou um problema das grandes cidades", afirma Miranda, que coordena o Ginga-UFF, grupo de pesquisa dedicado a conflitos de natureza étnica, racial e religiosa. "Em Fortaleza, por exemplo, vimos a mesma estratégia em favelas do Comando Vermelho [CV]. Eles [traficantes] entram nas áreas, quebram objetos, picham paredes e assinam 'CV abençoado."

Miranda fala em "traficrentes" para descrever o fenômeno. Há quem se refira a narcopentecostais ou a traficantes evangélicos. São denominações que despertam controvérsias, não só pela própria natureza dos termos. Também pela incompatibilidade que muitos enxergam entre seguir esta fé e levar uma vida no crime. O que para alguns pesquisadores é uma apropriação estratégica pelos traficantes em busca de legitimação e poder, é, para outros, um fenômeno natural em um país cada vez mais evangélico.

<><> 'Vida sob o cerco'

A população evangélica no Brasil tem aumentado rapidamente, e há projeções que indicam que pode ultrapassar a de católicos na próxima década, passando a compor o principal grupo religioso do país. À medida que a presença evangélica aumenta na sociedade, a capilaridade e o estilo carismático sobretudo de denominações neopentecostais tornam sua presença expressiva em periferias e favelas. Criminosos que exercem muitas vezes controle sobre esses locais não estão isentos desta influência.

De acordo com Christina Vital, professora de sociologia da UFF, o "cerco" para moradores de comunidades vem se apertando em múltiplos níveis — político, territorial, emocional, de consumo. No caso do Complexo de Israel, soma-se um cerco à religião, que ocorre de forma "muito significativa". "Os moradores de lá podem professar outras religiões, mas sem dar visibilidade a elas", afirma Vital, que coordena o Laboratório de Estudos Sócio Antropológicos em Política, Arte e Religião (Lepar/UFF). "Não é folclore, não é exagero falar de intolerância religiosa naquele território."

De acordo com a pesquisadora, terreiros de umbanda e candomblé foram fechados não apenas dentro das comunidades do complexo, como também nos bairros da cercania. Em julho deste ano, houve relatos publicados na imprensa de que algumas paróquias católicas na Zona Norte do Rio haviam sofrido represálias e cancelado missas e atividades, o que Arquidiocese do Rio de Janeiro negou. De acordo com Vivian Costa, o catolicismo no complexo também passou a ser celebrado forma mais privada, sem ocupar praças ou pendurar faixas nas ruas.

O preconceito sofrido por religiões de matriz africana é histórico e está longe de vir apenas de traficantes. Mas os ataques têm impacto mais grave e abrangente quando partem desses grupos, diz Rita Salim, que comanda a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) do Rio. "Esses casos têm maior gravidade porque partem de uma organização criminosa, por um grupo com um líder, que impõe medo a todo o território que domina", afirma a delegada. "Ele consegue concretizar aquele crime sem muita resistência, já que aquele espaço é dele. Dificilmente a vítima vai chamar a polícia ou fazer um registro de ocorrência, porque fica receosa." De acordo com ela, alguns casos são o suficiente para dar o exemplo e ditar a norma de que "somente uma fé pode ser professada aqui". Apesar de o temor inibir denúncias, Salim ressalta um mandado de prisão emitido contra o traficante que chefia o Complexo de Israel, acusado de ordenar o ataque de templos de matriz africana em outra comunidade, na Baixada Fluminense.

·        'Neocruzada'

Casos de extremismo religioso ligados ao tráfico de drogas nas comunidades do Rio começaram a despertar alarme no início dos anos 2000. Mas o problema tem aumentado de forma dramática, de acordo com o babalorixá Márcio de Jagun, à frente da Coordenadoria de Diversidade Religiosa da Prefeitura do Rio de Janeiro.

Jagun diz que o problema tem se espalhando pelo Brasil, com ataques do gênero vistos em outras cidades. "Isso é uma forma de neocruzada", afirma Jagun. "O preconceito por trás desses ataques é religioso e étnico, discriminando religiões de matriz africana que são demonizadas há 500 anos, com foras da lei alegando querer banir o mal em nome de Deus."

Mas religião e crime sempre se entrelaçaram no Brasil, enfatiza a teóloga Vivian Costa. No passado, traficantes pediam proteção a entidades afrobrasileiras e santos católicos. "Se olharmos para o nascimento do Comando Vermelho e depois do Terceiro Comando e do TCP, a presença do catolicismo e das religiosidades afro estão ali desde a sua gênese", descreve. "Nós vamos ver a presença de São Jorge, a presença de Ogum, os corpos fechados, as tatuagens, as guias, os crucifixos, os cultos, as velas, as oferendas. Por isso, chamar de narcopentecostalismo é reduzir essa relação tão presente, tão sólida, tão histórica e tradicional do crime com a religião." Costa prefere falar em uma "narcorreligiosidade", abarcando uma relação entre religião e tráfico que sempre existiu e agora se reconfigurou para abarcar a crença evangélica, reflexo do espaço e expressão que esta ganhou na sociedade.

<><> Um fuzil e a Bíblia

O pastor Diego Nascimento é um exemplo de outra dimensão na relação da religião com o crime: a de porta de saída. Ele tem experiência nas duas frentes, o tráfico e a fé, embora não ao mesmo tempo. O pastor se tornou cristão depois de ouvir o evangelho pregado por outro traficante, empunhando um fuzil. É difícil imaginar que o pastor de 42 anos da Igreja Metodista Wesleyana, com jeito jovem, sorriso fácil e covinhas, foi outrora o DG da Vila Kennedy, chefe do tráfico na comunidade onde nasceu e cresceu, na Zona Oeste do Rio, onde agia como braço local do Comando Vermelho.

Nascimento passou quase quatro anos na prisão por tráfico de drogas, preso portando mais de 200 envelopes de cocaína. Mas o cárcere não o dissuadiu da vida no crime. Foi o crack que levou a um beco sem saída: ele foi consumido pelo vício e perdeu a confiança da organização criminosa.  "Perdi a minha família, fui para as drogas, morei na rua quase um ano. Cheguei ao ponto de vender as coisas de dentro de casa para usar o crack", conta. Quando estava no fundo do poço, um traficante com autoridade na comunidade mandou chamá-lo. "Cheguei todo sujo e ele começou a falar de Jesus para mim. Disse que aquilo não era vida para mim, e que quando ele se envolveu no tráfico, ele se espelhava em mim e queria ser como eu", lembra.

"Ele começou a pregar e a dizer que ainda tinha jeito para mim, que era só eu aceitar Jesus. E ali eu tomei uma atitude de ir para uma igreja."

O jovem viciado seguiu o conselho do traficante e procurou uma igreja, começando sua jornada para o púlpito. O traficante que pregou para ele com um fuzil já morreu, como outros amigos que pastor Diego viu serem levados pelo crime. O pastor ainda passa tempo com criminosos, mas, hoje, é por meio de seu trabalho pregando nos presídios do Complexo de Bangu, onde ele tenta ajudar outras pessoas a mudar suas vidas, dando seu próprio testemunho como exemplo de que é possível. Apesar de ter se convertido graças a um traficante, o pastor Diego considera, assim como diversos outros que seguem esta mesma fé, que a ideia de criminosos evangélicos é uma contradição em termos. "Não os vejo como pessoas que se acham evangélicas", afirma o pastor. "Vejo pelo lado do temor a Deus de quem sabe que está levando a vida errada e que quem guarda a vida deles é Deus. Acredito que não existe isso de juntar as duas coisas", prossegue. "Se a pessoa aceita Jesus e segue os mandamentos bíblicos, não pode estar no tráfico."

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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