'Francisco fez um papado de resistência à
extrema direita'
O papa
Francisco liderou a inclusão da Igreja Católica no século 21 e
tornou seu papado um foco de resistência à ascensão global da direita mais
conservadora, analisa o teólogo e historiador Gerson Leite de Moraes, professor
na Universidade Presbiteriana Mackenzie. À frente do Vaticano por 12
anos, Francisco tornou o
catolicismo mais aberto aos homossexuais, ao autorizar que casais do mesmo sexo
recebam a benção de padres, e adotou posicionamentos firmes em questões
globais, como o repúdio à concentração de riqueza e à exclusão de imigrantes,
exemplifica.
"Com
um capital político gigantesco advindo da sua força religiosa, ele soube dar os
recados aos poderosos, aos pretensos tiranos. Foi uma voz muito profética de
combate a essa extrema direita no mundo", afirma Moraes. "Acho que o
maior recado de Francisco é que é possível ser um cristão praticando
verdadeiramente o Evangelho no século 21. E isso significa saber escolher as
lutas corretas, e, principalmente, ter uma prática coerente com a prática de
Jesus Cristo, com a prática de um evangelho vivido na sua integralidade",
continuou.
Para o
teólogo, a continuidade desse legado dependerá da escolha do seu sucessor.
Na sua
visão, o papa Franscisco "foi muito sagaz" na nomeação de novos
cardeais ao longo do seu papado. Foi ele que escolheu a maioria dos que vão
eleger o novo papa (108 dos 135 eleitores), incluindo mais cardeais de fora da
Europa e
com visões de mundo mais próximas à sua. Moraes aponta como forte na disputa o
cardeal filipino Luis Antonio Tagle, conhecido como o "papa Francisco
asiático". Na sua leitura, porém, a conjuntura política pode levar a
escolha de um papa europeu. "A Europa corre o risco hoje de ficar
emparedada entre os interesses de superpotências: os interesses da China, os
interesses de Trump [presidente Estados Unidos], os interesses de um Putin
[presidente da Rússia] com amplos poderes, com um desejo autocrático gigantesco",
analisa. "Então, a escolha de um papa europeu, com bom trânsito e com uma
cabeça arejada, não me surpreenderia nem um pouco nesse momento. Porque, antes
de mais nada, é uma escolha espiritual, mas é também uma escolha política, sem
sombra de dúvida", disse ainda.
Confira
a seguir os principais trechos da entrevista:
·
Qual foi o principal legado do papa Francisco? Qual a
importância do seu papado?
Gerson
Leite de Moraes – Depois de um papado de um homem [Bento 16] muito ligado
às questões doutrinárias, às questões relativas à ordem, à disciplina, o papa
Francisco aparece em cena e começa a pautar a Igreja em relação a temas
extremamente importantes. Ele toca nas questões ambientais, ele toca nas
questões de concentração de riqueza. Ele fala às mulheres, fala aos
divorciados, fala à comunidade LGBTQIA+, e fala com muita propriedade. Ele
ataca as questões relativas às guerras. Então, quando você faz um balanço do
papado de Francisco, você percebe que ele é um papa que colocou a Igreja pra
tocar em determinadas feridas que precisam ser tocadas. Mais do que ser um
homem da ortodoxia, ele foi um homem da ortopraxia, da prática correta. Ou
seja, se eu quiser que o evangelho ressoe de uma maneira coerente para as
pessoas, eu preciso viver isso. E é um recado claro para a Igreja. Uma igreja
que enfrenta inúmeras crises. Ele mesmo pegou uma igreja com problemas de
pedofilia e corrupção e, de repente, atacou essas questões. É lógico que você
não muda um transatlântico como a Igreja Católica da noite pro dia. Então, isso
ainda vai depender muito do próximo papa. A gente ainda vai sentir os efeitos
dessas mudanças do Francisco ou não. Se você tiver um papa mais conservador, isso
poderá ser um sério problema para a vida da Igreja.
·
O papa Francisco se destacou por uma postura mais simples
e pelas falas que você citou. O legado dele fica mais nesse campo da imagem que
projetou e das coisas que falou, ou ele também foi capaz de adotar medidas mais
concretas que atualizaram e modificaram a Igreja?
Gerson
Moraes – As
duas coisas. Para ele, o simbolismo era importante, mas um simbolismo que
pudesse ser construído na prática. Então, por exemplo, ele adotou medidas que
puniam com muito mais rigor os pedófilos. Ele adotou medidas que afastavam
clérigos envolvidos em corrupção. E, nesse sentido, eu acho que ele tem uma
dupla imagem na sua personalidade. Ele é um jesuíta. E, quando Inácio de Loyola
organizou a Companhia de Jesus, os primeiros princípios da Companhia de Jesus
eram de obedecer como um cadáver. Perinde ac cadaver é a
expressão latina. Ele obedeceu como um cadáver, foi um homem da igreja, mas
quando ele assumiu o papado e o Bergoglio virou Francisco, assumiu uma outra
postura, que é a opção preferencial pelos pobres, pelos necessitados. Então ele
é um jesuíta, mas um jesuíta franciscano. Por exemplo, acabou aquela tradição
de enterrar o papa em três caixões. Até o ano passado, o enterro de um papa
teria que acontecer num caixão de cipreste, num caixão de chumbo e num caixão
de olmo. E, de repente, ele vai lá e simplifica tudo isso. Então, até no
momento da morte ele concilia o símbolo e a prática, assumindo uma postura
humilde do começo ao fim. No fundo, ele sabia que a hora dele, a Páscoa dele,
chegaria. Mesmo depois de morto, ele continua assumindo uma postura muito
interessante.
·
O papado do Francisco foi marcado por uma mudança na
conjuntura internacional, com a ascensão de uma direita mais conservadora em
muitos países. Qual foi o papel do seu papado nesse contexto?
Gerson
Moraes – O
papado dele é uma resistência a tudo isso. Com um poder gigantesco nas mãos, um
capital político gigantesco advindo da sua força religiosa, ele soube dar os
recados aos poderosos, aos pretensos tiranos. Então, nesse sentido, ele foi uma
voz muito profética de combate a essa extrema direita no mundo, que, no fundo,
é um grande retrocesso. Porque é uma onda reacionária que, no final das contas,
trabalha com a lógica da exclusão. Francisco era um homem que tentava incluir,
um homem que tentava trazer para dentro da Igreja todos os segmentos.
·
Quais foram esses recados?
Gerson
Moraes – Acho
que o maior recado de Francisco é que é possível ser um cristão praticando
verdadeiramente o Evangelho no século 21. Essa é a grande mensagem dele. E isso
significa saber escolher as lutas corretas, as pautas corretas e,
principalmente, ter uma prática coerente com a prática de Jesus Cristo, com a
prática de um evangelho vivido na sua integralidade.
·
Quais pautas seriam essas? A questão ambiental, a
desigualdade de renda, a pauta dos imigrantes?
Gerson
Moraes – Sim,
todas elas, porque todas elas trabalham com a lógica de optar pelo mais fraco. Quando
ele critica a renda concentrada, ele está dizendo "esse mundo é
injusto". Quando ele critica o tratamento que as superpotências dão aos
imigrantes, ele está dizendo "isso não faz sentido, afinal de contas, quem
mais sofre são as pessoas mais humildes que estão se deslocando no mundo, não
porque querem, mas porque precisam sobreviver". E quando ele critica
guerras, por exemplo, ele está dizendo claramente que quem mais sofre são
crianças, são idosos, são pessoas necessitadas. Quer dizer, aqueles que não têm
nada a ver com os interesses dos poderosos são aqueles que acabam padecendo sob
o tacão da tirania.
·
Em 2023, o Vaticano autorizou padres a abençoar
relacionamentos de casais do mesmo sexo, mas manteve proibido o casamento
homossexual. O papa Francisco se equilibrava entre o progressismo e as
estruturas milenares da Igreja?
Gerson
Moraes – Ele
está mudando um transatlântico. Ou seja, são séculos, milênios de
posicionamentos da Igreja Católica. E a política, mesmo a política
eclesiástica, ela é a arte do possível. Então, o que foi possível, o que esteve
ao alcance dele, ele implementou. "Ah, mas não foram as mudanças que nós
precisamos ou que gostaríamos". Mas foi o que foi possível. Ou seja, você
coloca mais um degrau, você abre mais um espaço. E, nessa disputa por espaço é
importante que esses avanços continuem acontecendo. O difícil seria um
retrocesso nesses avanços conquistados por Francisco. Por exemplo, pouca gente
fala, e eu também não quero criar polêmica com isso, mas Francisco meio que
protestantizou o casamento para os homossexuais. Em que sentido? Veja só, o que
é um casamento pra um evangélico, pra um protestante? É uma bênção. O casal vai
lá na frente do pastor, já se casaram no civil, mas eles pedem a bênção de Deus
através desse sacerdote, que é um pastor. Ora, por quê? Porque na igreja
evangélica e na igreja protestante, o casamento não é um sacramento. Ele é uma
benção. É um culto onde os noivos estão pedindo a benção de Deus. O que o
Francisco faz? Ele vai lá e diz: os gays podem receber uma benção. É um
casamento. Mas não é um casamento no estilo católico, no estilo sacramental,
mas não deixa de ser uma bênção. Então, se vale para o protestante, vale para o
católico homossexual. Ou seja, é possível fazer isso, ter essa saída? Então
vamos adotá-la. Então, está aí a sabedoria do Francisco.
·
Francisco nomeou a maioria dos cardeais que elegerá o
novo papa (108 dos 135) e ampliou a diversidade, com mais cardeais de fora da
Europa. Como isso vai impactar na escolha do novo papa?
Gerson
Moraes –
Então, Francisco foi muito sagaz nessa composição da Cúria, nessa composição
dos cardeais que vão participar do conclave. Esses cardeais foram escolhidos
por ter uma certa afinidade com o pensamento do papa. Não significa que todos
eles serão fiéis no momento em que estarão votando, mesmo porque há toda uma
conjuntura política que transcende essas questões. Nós tivemos um papa
latino-americano, que deu um recado para o mundo, que foi uma forma de
resistência ao poder da extrema direita. E aí, diante dessa situação toda, a
gente espera que a Igreja continue com essas mudanças. Mas tem gente que aposta
no seguinte: "a Igreja é como o mar, às vezes avança, às vezes
recua". Então, houve um certo recuo com o Bento 16, agora houve um avanço
com o papa Francisco, pode ser que o próximo papa seja mais conservador? Pode,
faz sentido, mas ninguém consegue imaginar como a Igreja vai se posicionar. Algumas
pistas podem ser elencadas. Por exemplo, eu acho muito complicado o cenário
europeu neste momento. A Europa é um local amplamente secularizado, com uma
força secularizante gigantesca. Então, isso mereceria um olhar especial da
Igreja, como já aconteceu no passado. Mas tem outro agravante: a Europa corre o
risco hoje de ficar emparedada entre os interesses de superpotências: os
interesses da China, os interesses de Trump [presidente Estados Unidos], os
interesses de um Putin [presidente da Rússia] com amplos poderes, com um desejo
autocrático gigantesco. Então, a escolha de um papa europeu, com bom trânsito e
com uma cabeça arejada, não me surpreenderia nem um pouco nesse momento.
Porque, antes de mais nada, é uma escolha espiritual, mas é também uma escolha
política, sem sombra de dúvida.
·
O papa Francisco foi o primeiro não europeu em mais de
mil anos. A escolha de um novo papa da América do Sul ou, especificamente, do
Brasil não está no radar?
Gerson
Moraes – Acho
pouco provável. Se acontecer, será uma grande surpresa. A América Latina foi
contemplada [com a escolha do papa Francisco]. Então, agora precisamos olhar
para outros lugares. Há um filipino [cardeal Luis Antonio Tagle] chamado de
papa Francisco asiático, que desponta com muita força também, mas há outros que
vão aparecendo.
¨
Como crítica ferrenha do
papa Francisco aos poderosos impactou muito além de seus fiéis
Durante
12 anos profundamente significativos, o papa Francisco conduziu
a Igreja Católica por territórios
inexplorados, de maneiras que terão reverberações por muito tempo no futuro. O
pontífice trabalhou para suavizar a imagem da Igreja Católica para muitos,
afrouxou o controle do Vaticano sobre o poder e interveio em algumas das
principais questões sociais do nosso tempo.
Dentro
do catolicismo, ele certamente teve
seus críticos; alguns tradicionalistas, em particular, ficaram muitas vezes
indignados com ações que consideravam um afastamento radical do ensinamento da
Igreja. Apesar de ser um pacifista vocal e crítico de ações de grandes nações
que ele via como prejudiciais, também houve quem achasse que ele deveria
ter sido mais progressista.
Desde o
momento em que foi eleito em 2013, o papa Francisco
chegou com uma informalidade e um sorriso que deixavam as pessoas à vontade. Era
simbólico de um princípio que orientava sua crença de que a Igreja deveria
alcançar as pessoas em sua vida cotidiana, onde quer que elas estivessem no
mundo. "No início do meu papado, eu tinha a sensação de que ele seria
breve: pensei que duraria no máximo três ou quatro anos", disse Francisco
em sua autobiografia Esperança, lançada em janeiro
de 2025, um livro que nos dá uma visão das reflexões do papa sobre seu legado.
Um de
seus primeiros atos como papa foi abrir mão do apartamento papal no terceiro
andar do Palácio Apostólico, escolhendo em vez disso viver na mesma casa de
hóspedes em que havia se hospedado como cardeal. Alguns viram isso como um
sinal de que ele estava abrindo mão dos adornos ostensivos do papado e da
humildade pela qual certamente se tornaria conhecido – afinal, ele adotou o
nome de um santo que defendia a causa dos
pobres.
Mas o principal motivo para abandonar o apartamento papal, como ele explicou
mais tarde, apontava para outra de suas características: ele gostava de estar
cercado de pessoas. Para ele, o apartamento parecia isolado e um lugar difícil
para receber convidados. Na casa de hóspedes, estava cercado por membros do
clero e raramente ficava sozinho por muito tempo.
Em
viagens ao exterior para mais de 60 países, em suas audiências no Vaticano e
durante inúmeros eventos, ficava muito claro que estar próximo das pessoas –
especialmente dos jovens – era seu combustível.
·
Questões sociais e 'católicos imperfeitos'
Dentro
do catolicismo, ele sinalizou uma mudança radical no tom em relação a algumas
questões sociais. "Todos são convidados à Igreja, inclusive pessoas
divorciadas, homossexuais e
transgêneros", escreveu ele em sua autobiografia.
Dado
que a Igreja não reconhece o divórcio em seu direito canônico e que papas
anteriores haviam se referido à homossexualidade como um distúrbio, e não como
"um fato humano", como Francisco a descreveu, essa mudança novamente
preocupou os tradicionalistas.
Mas o
papa parecia querer que a Igreja explorasse e compreendesse as lutas do dia a
dia das pessoas sob uma nova luz. Ele reconheceu sua própria jornada de
transformação em relação a temas que via de forma diferente no passado.
Progressistas
acolheram com entusiasmo a compaixão do papa pelos chamados "católicos
imperfeitos", mas também houve um reconhecimento mais amplo de que
palavras de aceitação vindas de um pontífice poderiam impactar até mesmo
aqueles fora da Igreja. "A primeira vez que um grupo de pessoas transgênero veio ao Vaticano, elas saíram em
lágrimas, emocionadas porque eu tinha segurado suas mãos, beijado-as... como se
eu tivesse feito algo excepcional por elas! Mas elas são filhas de Deus",
escreveu em Esperança.
O papa
Francisco condenou veementemente os países que consideram a homossexualidade um
crime, e falou que o divórcio às vezes é "moralmente necessário",
citando casos de violência doméstica.
No
entanto, há quem sugira que o papa poderia ter ido mais longe ao incentivar
mudanças nos ensinamentos da Igreja. "Atos" homossexuais ainda
são considerados pecado no catolicismo, o casamento ainda é restrito a homem e
mulher, o divórcio não é oficialmente reconhecido, e o próprio papa permaneceu
firmemente contra a redesignação de gênero e a barriga de aluguel.
Ao
longo de seu papado, e muito antes dele, o papa Francisco também manteve
firmemente sua crença de que as mulheres não deveriam ser sacerdotes. No entanto, ele
descreveu a Igreja como "feminina" e incentivou paróquias ao redor do
mundo a encontrar mais papéis de liderança para mulheres em formas compatíveis
com os ensinamentos católicos, que atualmente não permitem a ordenação feminina.
Em
2021, a irmã Raffaella Petrini foi nomeada secretária-geral do Estado do
Vaticano e, sob Francisco, o Vaticano começou um processo de estudo contínuo
sobre se as mulheres poderiam assumir o papel de diáconas, auxiliando nos
serviços religiosos.
Mesmo
assim, alguns reformistas ficaram desapontados com a falta de avanços maiores
na igualdade para as mulheres — especialmente considerando que a maioria dos
fiéis da Igreja são mulheres. Na parte final de seu papado, o papa lançou um
processo de consulta ambicioso de três anos, com o objetivo de ouvir o maior
número possível dos mais de 1 bilhão de católicos no mundo.
Foram
realizadas dezenas de milhares de sessões de escuta em todo o planeta, para
identificar os assuntos mais importantes para os católicos. Ficou claro que o
papel das mulheres e formas de inclusão de católicos LGBT+ estavam entre os principais temas. Embora o processo
não tenha resultado em ações decisivas, ele refletiu o desejo de Francisco de
que seu pontificado não fosse centrado em Roma ou no clero, mas sim na vida dos
fiéis ao redor do mundo.
·
Um legado complexo
Durante
o papado do argentino, houve um foco particular em alcançar os que estavam às
margens na economia e política, com palavras e ações incentivando os padres a
se aproximarem dos desfavorecidos.
A
dignidade dos migrantes foi uma preocupação constante, assim como a construção
de pontes com outras denominações cristãs, outras religiões e pessoas sem fé.
Em
algumas ocasiões, esse alcance foi visto por tradicionalistas como inadequado,
como em 2016, quando o papa visitou um centro de refugiados nos arredores de
Roma e lavou e beijou os pés de muçulmanos, hindus e cristãos coptas (membros
da Igreja Ortodoxa Copta de Alexandria, a maior comunidade cristã no Egito e no
Oriente Médio).
Além de
ser uma voz apaixonada pelos migrantes – inclusive
colocando uma coroa de flores nas águas onde muitos haviam morrido em suas
jornadas –, ele também associou os impactos da mudança
climática à pobreza.
Em
discursos, como ao Congresso dos EUA, e em um de seus documentos mais
importantes, o decreto Laudato Si, o papa Francisco falou dos danos
ambientais como uma forma de os países ricos prejudicarem os pobres.
Veementemente
contra a guerra, o papa frequentemente disse que o conflito era um fracasso da
humanidade.
Ele
chamou a guerra em Gaza de
"terrorismo" e desde cedo implorou por um cessar-fogo.
Francisco
se reuniu com famílias de israelenses sequestrados pelo Hamas em 7 de outubro
de 2023, mas também falou com paixão sobre o sofrimento dos civis palestinos em
Gaza, especialmente das crianças, e fazia ligações
diárias para a Igreja da Sagrada Família na Cidade de Gaza.
Mas, às
vezes, seu desejo de construir pontes foi visto por alguns como um obstáculo
para adotar posições firmes contra injustiças.
Aos
olhos de muitos, ele falhou ao não denunciar de forma inequívoca a agressão da Rússia à Ucrânia ou enfrentar a
questão da vigilância e perseguição a católicos na China.
Desde o
início de seu papado, também teve que lidar com problemas internos graves.
A
corrupção há muito tempo assombrava os altos escalões da Igreja. Logo no
início, Francisco fechou milhares de contas não autorizadas no banco do
Vaticano, e mais tarde implementou regras de transparência financeira.
Mas foi
na forma como enfrentou os horrores do abuso sexual infantil por membros da
Igreja que
ele demonstrou consciência da gravidade do problema.
"Desde
o início do meu papado, senti que estava sendo chamado a assumir a
responsabilidade por todo o mal cometido por certos padres", escreveu
em Esperança.
Para
ilustrar a dimensão do problema, em 2020 a Igreja Católica divulgou listas
de clérigos vivos nos EUA acusados de
abusos sexuais —
incluindo casos de pornografia infantil e estupro. Eram cerca de 2 mil nomes.
"Com
vergonha e arrependimento, a Igreja deve buscar o perdão pelos danos terríveis
que esses clérigos causaram com o abuso sexual de crianças, um crime que causa
feridas profundas", escreveu ele recentemente.
Entre
outras medidas, o papa Francisco criou regras que obrigam membros da Igreja a
denunciar abusos caso tenham conhecimento, sob pena de serem removidos de seus
cargos.
Embora
tenha cometido erros de julgamento — por vezes apoiando publicamente clérigos
que falharam em lidar com abusos —, o papa Francisco foi rápido em se desculpar
por seus próprios erros e pelas falhas profundas da Igreja.
Tanto
no Vaticano quanto em viagens, ele frequentemente se reunia com vítimas. Pedir
desculpas pelos abusos foi o foco principal de algumas dessas viagens.
Uma
parte enorme de seu legado é a forma como ele mudou a composição do alto clero
da Igreja por meio da escolha de novos cardeais.
Na
verdade, cerca de 80% dos cardeais que escolherão o próximo papa foram nomeados
por ele. O que se destaca nessas nomeações é a diversidade: muitos vêm da América do Sul, África
e Ásia.
Isso
fazia parte da missão de Francisco de deslocar o centro de gravidade do
catolicismo da Europa — onde está em declínio — para regiões onde ele está
florescendo, e refletir isso na liderança da Igreja.
A
comoção mundial após sua morte é talvez um sinal de que essa mudança está em
curso.
Fonte: BBC News Brasil

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