quarta-feira, 23 de abril de 2025

China – o combate ao neocolonialismo

Em entrevista à Fox News no último dia 10 de abril, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete Hegseth, acusou o governo Barack Obama de ter negligenciado a crescente influência da China na América Latina, e declarou que, sob o governo de Donald Trump, os Estados Unidos recuperarão o seu “quintal”.

Como parte desse processo, estariam sendo tomadas medidas como a ajuda para “recuperar o Canal do Panamá da influência comunista chinesa”. Em contraste com a arrogância de Pete Hegseth, o chanceler chinês Wang Yi respondeu, no dia 14 de abril, que os países da América Latina “não são quintal de ninguém” e que “os povos latino-americanos querem é construir seu próprio lar”.

Mais do que apenas mais um entre tantos episódios em que autoridades estadunidenses expõem o caráter neocolonial de sua visão de mundo, esse episódio evidencia com clareza o contraste entre as posturas da China e dos Estados Unidos, ilustrando opções de relacionamento com o Sul Global que são radicalmente opostas.

Trata-se, portanto, de um elemento importante para elucidar a falsa polêmica que permeia o debate sobre o significado das crescentes relações de cooperação entre a China e os países da América Latina e do Caribe, e se essas relações estariam reproduzindo os padrões de dominação que historicamente marcaram os vínculos com as grandes potências ocidentais.

São já amplamente conhecidas as recorrentes narrativas anti-China que vêm se disseminando nos últimos anos. Atualizando as velhas metáforas de matriz anticomunista, tais discursos reiteram acusações infundadas sobre o “totalitarismo”, o “imperialismo chinês” e a “armadilha da dívida”, entre outras. A maioria representa as visões da “linha-dura” anti-China, ou seja, daqueles que se opõem abertamente a qualquer expressão do sucesso da República Popular da China, e que exercem considerável influência sobre importantes círculos de poder das grandes potências norte-atlânticas, como demonstram declarações recentes de altos funcionários do governo de Donald Trump.

Quando esse debate é deslocado para o contexto dos países em desenvolvimento, a oposição aberta à China encontra um número bastante inferior de apoiadores. Contudo, nessa seara vem se proliferando uma outra narrativa que, por meios distintos, acaba por afirmar conclusões semelhantes, mas operando sob o disfarce de uma pretensa “neutralidade”. Trata-se do discurso que exorta os países em desenvolvimento a evitar tornar-se alvos da “disputa entre grandes potências”, sugerindo falsamente um suposto confronto entre imperialismos ou interesses nacionais equivalentes — o americano, o europeu, o chinês, etc. Nada poderia ser mais equivocado. E a declaração de Wang Yi, em resposta à de Pete Hegseth, ilustra com clareza esse equívoco.

A China não pode, em nenhuma medida, ser reduzida à condição de mera potência entre outras, pois tal categorização ignora a materialidade e a historicidade dos vínculos que os chineses vêm cultivando com os povos do mundo ao longo das últimas décadas, e o próprio significado do modelo de desenvolvimento econômico e social que conduz domesticamente.

Antes de tudo, é necessário recordar que a República Popular da China surgiu da luta do povo chinês não só contra os capitalistas e os senhores feudais, mas também contra o colonialismo, pondo fim ao Século de Humilhação e à dominação imperialista ocidental e japonesa sobre porções significativas de seu território nacional. Desde os primeiros anos de sua existência, a China não poupou esforços para contribuir com as lutas dos povos oprimidos contra a violência colonial.

Foi com esse espírito que apoiou ativamente a resistência da Coreia e do Vietnã às agressões imperialistas, fortaleceu a unidade dos países em desenvolvimento na Conferência de Bandung e promoveu notáveis gestos de solidariedade com as forças progressistas do Sul Global nas guerras de libertação nacional.

Mesmo em momentos de dificuldades econômicas, a China realizou importantes sacrifícios em nome do desenvolvimento dos povos irmãos – como demonstra a construção da ferrovia Tazara, conectando Tanzânia à Zâmbia. Marco histórico da cooperação sino-africana e símbolo da solidariedade terceiro-mundista, a Tazara permitiu que a Zâmbia exportasse seu cobre sem depender de rotas controladas por regimes coloniais, contribuindo para a independência econômica dos dois países. A China, em um gesto sem precedentes, forneceu um empréstimo sem juros de 988 milhões de yuans, quase 1 milhão de toneladas de equipamentos e materiais, e enviou mais de 56.000 especialistas e trabalhadores, que em cinco anos e oito meses construíram os 1.860 km da ferrovia, um legado de amizade que perdura até hoje.

Nos últimos anos, a China tem estado na vanguarda dos esforços pela construção de uma ordem internacional multipolar, que contemple a plena afirmação da soberania política e do desenvolvimento econômico e social dos países do Sul Global. A defesa constante do multilateralismo, da cooperação e de soluções negociadas para os conflitos internacionais tem sido um traço permanente de sua atuação diplomática. Da mesma forma, tem destacado a necessidade de reformas nas estruturas das instituições multilaterais que possam reflitam melhor o peso econômico e demográfico crescente dos países em desenvolvimento.

A China promove ativamente mecanismos de cooperação centrados na dimensão Sul-Sul, como os BRICS e seu Novo Banco de Desenvolvimento, a Iniciativa Cinturão e Rota, o Fórum de Cooperação China-África (FOCAC), o Fórum China-Países Árabes, os fóruns junto dos países da ASEAN e da Ásia Central, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura (AIIB), além de diversas parcerias com os principais organismos multilaterais globais voltadas às necessidades urgentes de países da África, Ásia e América Latina.

Nesse mesmo espírito, a China teve papel de destaque nas iniciativas de solidariedade internacional durante a pandemia de Covid-19, contrastando com a postura das grandes potências, que bloqueavam e dificultavam exportações de vacinas, priorizando suas próprias populações e lucros extraordinários. Na contramão destas, os chineses lideraram a doação de milhões de doses para países em desenvolvimento, venderam vacinas a preços reduzidos e ofereceram crédito facilitado, além de doarem equipamentos médicos e oferecerem treinamento especializado.

Importa reconhecer que a China não apenas apoia as pautas fundamentais da ampla frente de países do Sul Global, como também segue compondo ativamente suas fileiras. Permanece um país em desenvolvimento, enfrentando dilemas domésticos e internacionais muitas vezes semelhantes aos de seus parceiros. A prioridade conferida, nas últimas décadas, ao combate à pobreza extrema é um exemplo emblemático: mais de 800 milhões de chineses superaram essa condição nos últimos 40 anos, representando, segundo o Banco Mundial, cerca de 80% da redução global da pobreza extrema nesse período.

Apesar de seu expressivo desenvolvimento econômico, o país ainda convive com significativas desigualdades regionais e mantém indicadores como PIB per capita e padrões de renda típicos de países emergentes. Não surpreende, portanto, sua ênfase constante na superação das assimetrias globais, na autodeterminação dos povos e na não ingerência nos assuntos internos de outros Estados – postura que reflete não apenas sua condição histórica e a compreensão da relevância dessas diretrizes para o fortalecimento da soberania dos países em desenvolvimento, mas também a realidade contemporânea do próprio país.

Ao transpor esse panorama para a América Latina e o Caribe, torna-se evidente o contraste entre os vínculos da China com a região e aqueles historicamente estabelecidos pelas grandes potências norte-atlânticas. A “influência comunista chinesa” de que fala Pete Hegseth nada mais representa do que a soberana e voluntária decisão dos países latino-americanos – a grande maioria deles inquestionavelmente capitalista – de estreitar laços com a China, motivados pela percepção de que tais relações geram benefícios recíprocos.

Ironicamente, quem de fato exerceu, ao longo da história, uma ocupação militar e neocolonial sobre os arredores do Canal do Panamá foram os Estados Unidos – desde o controle direto da Zona do Canal durante grande parte do século XX até a violenta invasão militar de 1989, que deixou milhares de mortos e cicatrizes profundas na memória coletiva do povo panamenho.

Também foram os Estados Unidos – e não os operários, camponeses ou empresários chineses – que intervieram e intervêm diretamente nas políticas internas dos países latino-americanos. Suas ações vitimaram não apenas os ideais de diversas gerações, mas também muitos de seus mais brilhantes talentos e lideranças: Pablo Neruda, Víctor Jara, Rodolfo Walsh, Salvador Allende, Omar Torrijos, Augusto Sandino, Farabundo Martí, entre tantos outros mortos pelas ditaduras militares, governos títeres e operações encobertas apoiadas por Washington e seus aliados.

Seja por meio de discursos abertamente anti-China — envoltos na desgastada narrativa da luta entre “democracia” e “totalitarismo” —, seja por meio da falsa simetria entre as “grandes potências”, o fato é que nenhum desses discursos consegue demonstrar, concretamente, como tais conceitos se encaixam na realidade.

É, portanto, no mínimo irônico, se não trágico, que o país que mais exporta armamentos no mundo e mantém mais de 750 bases militares no exterior atue como

se fosse o protetor da soberania e do desenvolvimento dos países do Sul Global, em suposto combate contra a “ameaça chinesa”. A comparação ou equiparação dos interesses de Estados Unidos e China, embasada em análises “geopolíticas”, perde ainda mais concretude quando se percebe o contraste entre o histórico de ambos frente aos países em desenvolvimento: enquanto uns acumulam centenas de episódios em que atuaram em frente única com interesses do neocolonialismo e da ampliação das clivagens Norte–Sul, outros dedicaram-se à luta constante contra o imperialismo e os males do subdesenvolvimento.

Em vez de tentarem, mais uma vez, tutelar os destinos de Estados nacionais soberanos, os Estados Unidos fariam melhor se, a exemplo da China, investissem em alternativas multilaterais de cooperação, construindo soluções conjuntas para os dilemas sociais e econômicos da América Latina e do Caribe.

O certo é que o plano de minar os sólidos vínculos já existentes não encontra respaldo nos anseios dos povos da região, mas sim nos objetivos de política externa do seleto clube das grandes potências imperialistas – grupo do qual a China definitivamente não faz parte, e que ela antagoniza em múltiplas esferas.

¨      Jeffrey Sachs critica tarifas de Trump e aponta novos caminhos para a economia global

Trump, tarifas e o desafio da China. “A medida protecionista dos Estados Unidos é uma resposta tardia e desesperada”, afirmou Jeffrey Sachs ao comentar as tarifas impostas à China. No episódio do podcast “UN in China”, Sachs explicou que, enquanto os EUA perderam tempo, a China avançou em tecnologias essenciais como carros elétricos, energia renovável […]

<><> Trump, tarifas e o desafio da China.

“A medida protecionista dos Estados Unidos é uma resposta tardia e desesperada”, afirmou Jeffrey Sachs ao comentar as tarifas impostas à China. No episódio do podcast “UN in China”, Sachs explicou que, enquanto os EUA perderam tempo, a China avançou em tecnologias essenciais como carros elétricos, energia renovável e inteligência artificial.

Para Sachs, a decisão do governo americano de aumentar tarifas contra produtos chineses é uma tentativa de frear um processo irreversível: “O protecionismo atual é o reconhecimento tardio de que os Estados Unidos ficaram para trás em várias áreas-chave da nova economia”.

O economista detalhou que, enquanto as indústrias automotiva e de energia limpa nos EUA e na Europa postergaram mudanças, a China investiu pesado em pesquisa, desenvolvimento e infraestrutura. “Volkswagen e Daimler-Benz passaram anos procrastinando. Na China, enquanto isso, centenas de fabricantes de veículos elétricos surgiram em competição intensa, criando líderes mundiais.”

Segundo Sachs, o protecionismo norte-americano não é apenas uma resposta econômica, mas também uma tentativa de travar um reposicionamento geopolítico: “Estamos agora em um mundo multipolar. China, Índia, Rússia e outros países emergentes desempenham papel de grande poder.”

Ele também defendeu que, diante das restrições impostas pelos EUA, a China deveria ampliar ainda mais a Iniciativa Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative): “A capacidade produtiva chinesa em tecnologias verdes é um presente para o mundo. Dizer que há excesso de capacidade é ridículo. Precisamos de ainda mais capacidade para enfrentar a crise climática”.

<><> Ucrânia, OTAN e o futuro dos BRICS

Sachs também comentou de forma crítica a guerra na Ucrânia e o papel da OTAN. Segundo ele, o conflito atual é fruto de um fracasso diplomático: “Estamos vendo guerras em toda parte, o que impede avanços no desenvolvimento sustentável e coloca em risco a sobrevivência humana.”

O economista lembrou que a expansão da OTAN para leste, ignorando alertas de diversos analistas, criou tensões desnecessárias com a Rússia. “Alguns políticos não entendem, outros fingem não entender: nunca houve situação tão perigosa para a humanidade como a atual, em termos de guerra e crise ambiental combinadas.”

Ao analisar a situação da Europa, Sachs disse que o continente está pagando o preço pela submissão às estratégias de Washington: “A Europa poderia ter sido uma ponte entre o Ocidente e o Oriente, mas se alinhou cegamente a políticas que não atendem seus próprios interesses de longo prazo.”

Sachs reforçou ainda que uma ordem internacional mais equilibrada é urgente e destacou o papel dos BRICS nessa construção: “Precisamos de uma multipolaridade cooperativa, não de um novo tipo de guerra fria.”

Sobre a inclusão de novos membros nos BRICS, como Arábia Saudita, Irã e possivelmente outros países africanos, Sachs disse que isso reflete o enfraquecimento da hegemonia ocidental: “O BRICS está se fortalecendo como um contraponto vital às abordagens unilaterais.”

Em todo o diálogo, Jeffrey Sachs se mostrou preocupado, mas também otimista de que a cooperação internacional, baseada no multilateralismo e em novos equilíbrios globais, possa ainda resgatar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.

“Se conseguirmos juntar a ética, a análise correta dos problemas e o financiamento adequado, poderemos resolver muitos dos desafios que hoje parecem impossíveis”, concluiu.

¨      Fundos chineses reduzem investimentos em empresas privadas dos EUA

Fundos estatais chineses estão interrompendo novos aportes em veículos de investimentos que compram participações em empresas fora da bolsa norte‑americana, segundo várias fontes próximas — mais um capítulo da guerra comercial travada contra o presidente Donald Trump.

Nas últimas semanas, esses fundos deixaram de aplicar dinheiro em gestoras sediadas nos Estados Unidos, relatam sete executivos do setor. Três deles afirmam que a ordem veio diretamente de Pequim.

Alguns desses investidores também pedem para ficar de fora de operações que comprem fatias de companhias norte‑americanas, mesmo quando os negócios são liderados por gestores instalados em outros países.

A guinada ocorre no momento em que a China sofre o impacto das novas tarifas dos EUA, anunciadas há três semanas, que podem frear o comércio entre as duas maiores economias do planeta. Trump elevou os impostos de importação para até 145 %, e Pequim reagiu com taxas de 125 %.

Vários executivos dizem que, desde o início da disputa, os investidores chineses passaram a recusar convites para novos fundos dos EUA. Em alguns casos, desistiram de alocações que ainda não haviam sido formalizadas.

A China Investment Corporation (CIC) é um dos fundos que recuaram, de acordo com duas fontes. Outros veículos estatais adotaram postura semelhante.

<><> Por que isso importa

Private equity — ou capital de participação — é um tipo de fundo que levanta recursos de investidores institucionais para comprar participações em empresas que não têm ações na bolsa, reformular seus negócios e revendê‑las depois de alguns anos, buscando alto retorno. Nos últimos 30 anos, esse modelo saiu de um nicho para uma indústria que hoje administra cerca de US$ 4,7 tri.

<><> Um fluxo que já foi bilionário

Nas décadas passadas, fundos soberanos chineses investiram bilhões em gigantes como Blackstone, TPG e Carlyle. Executivos do mercado dizem que esses aportes já vinham desacelerando: a CIC, por exemplo, criou parcerias para aplicar recursos no Reino Unido, Arábia Saudita, França, Japão e Itália.

Investidores tradicionais — como fundos de pensão do Canadá e da Europa — também estão revendo sua exposição a gestoras dos EUA, noticiou o Financial Times neste mês.

Jonathan Gray, presidente da Blackstone, admitiu em teleconferência de resultados que o ambiente geopolítico levanta dúvidas entre clientes globais: “Há, sem dúvida, questionamentos sobre o que está acontecendo”, afirmou.

Segundo dados regulatórios e fontes do setor, gestoras norte‑americanas que receberam capital estatal chinês incluem Global Infrastructure Partners (comprada pela BlackRock no ano passado), Thoma Bravo, Vista, Carlyle e a própria Blackstone. Durante o primeiro mandato de Trump, a CIC lançou um “fundo de parceria” com o Goldman Sachs para comprar participações nos EUA e no Reino Unido.

 

Fonte: Por Tiago Nogara, em A Terra é Redonda/O Cafezinho/Financial Times

 

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