China – o combate ao neocolonialismo
Em entrevista à Fox News no
último dia 10 de abril, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Pete
Hegseth, acusou o governo Barack Obama de ter negligenciado a crescente
influência da China na América Latina, e declarou que, sob o governo de Donald
Trump, os Estados Unidos recuperarão o seu “quintal”.
Como parte desse processo, estariam sendo
tomadas medidas como a ajuda para “recuperar o Canal do Panamá da influência
comunista chinesa”. Em contraste com a arrogância de Pete Hegseth, o chanceler
chinês Wang Yi respondeu, no dia 14 de abril, que os países da América Latina
“não são quintal de ninguém” e que “os povos latino-americanos querem é
construir seu próprio lar”.
Mais do que apenas mais um entre tantos
episódios em que autoridades estadunidenses expõem o caráter neocolonial de sua
visão de mundo, esse episódio evidencia com clareza o contraste entre as
posturas da China e dos Estados Unidos, ilustrando opções de relacionamento com
o Sul Global que são radicalmente opostas.
Trata-se, portanto, de um elemento importante
para elucidar a falsa polêmica que permeia o debate sobre o significado das
crescentes relações de cooperação entre a China e os países da América Latina e
do Caribe, e se essas relações estariam reproduzindo os padrões de dominação
que historicamente marcaram os vínculos com as grandes potências ocidentais.
São já amplamente conhecidas as recorrentes
narrativas anti-China que vêm se disseminando nos últimos anos. Atualizando as
velhas metáforas de matriz anticomunista, tais discursos reiteram acusações
infundadas sobre o “totalitarismo”, o “imperialismo chinês” e a “armadilha da
dívida”, entre outras. A maioria representa as visões da “linha-dura”
anti-China, ou seja, daqueles que se opõem abertamente a qualquer expressão do
sucesso da República Popular da China, e que exercem considerável influência
sobre importantes círculos de poder das grandes potências norte-atlânticas,
como demonstram declarações recentes de altos funcionários do governo de Donald
Trump.
Quando esse debate é deslocado para o
contexto dos países em desenvolvimento, a oposição aberta à China encontra um
número bastante inferior de apoiadores. Contudo, nessa seara vem se
proliferando uma outra narrativa que, por meios distintos, acaba por afirmar
conclusões semelhantes, mas operando sob o disfarce de uma pretensa
“neutralidade”. Trata-se do discurso que exorta os países em desenvolvimento a
evitar tornar-se alvos da “disputa entre grandes potências”, sugerindo
falsamente um suposto confronto entre imperialismos ou interesses nacionais
equivalentes — o americano, o europeu, o chinês, etc. Nada poderia ser mais
equivocado. E a declaração de Wang Yi, em resposta à de Pete Hegseth, ilustra
com clareza esse equívoco.
A China não pode, em nenhuma medida, ser
reduzida à condição de mera potência entre outras, pois tal categorização
ignora a materialidade e a historicidade dos vínculos que os chineses vêm
cultivando com os povos do mundo ao longo das últimas décadas, e o próprio
significado do modelo de desenvolvimento econômico e social que conduz
domesticamente.
Antes de tudo, é necessário recordar que a
República Popular da China surgiu da luta do povo chinês não só contra os
capitalistas e os senhores feudais, mas também contra o colonialismo, pondo fim
ao Século de Humilhação e à dominação imperialista ocidental e japonesa sobre
porções significativas de seu território nacional. Desde os primeiros anos de
sua existência, a China não poupou esforços para contribuir com as lutas dos
povos oprimidos contra a violência colonial.
Foi com esse espírito que apoiou ativamente a
resistência da Coreia e do Vietnã às agressões imperialistas, fortaleceu a
unidade dos países em desenvolvimento na Conferência de Bandung e promoveu
notáveis gestos de solidariedade com as forças progressistas do Sul Global nas
guerras de libertação nacional.
Mesmo em momentos de dificuldades econômicas,
a China realizou importantes sacrifícios em nome do desenvolvimento dos povos
irmãos – como demonstra a construção da ferrovia Tazara, conectando Tanzânia à
Zâmbia. Marco histórico da cooperação sino-africana e símbolo da solidariedade
terceiro-mundista, a Tazara permitiu que a Zâmbia exportasse seu cobre sem
depender de rotas controladas por regimes coloniais, contribuindo para a
independência econômica dos dois países. A China, em um gesto sem precedentes,
forneceu um empréstimo sem juros de 988 milhões de yuans, quase 1 milhão de
toneladas de equipamentos e materiais, e enviou mais de 56.000 especialistas e
trabalhadores, que em cinco anos e oito meses construíram os 1.860 km da
ferrovia, um legado de amizade que perdura até hoje.
Nos últimos anos, a China tem estado na
vanguarda dos esforços pela construção de uma ordem internacional multipolar,
que contemple a plena afirmação da soberania política e do desenvolvimento
econômico e social dos países do Sul Global. A defesa constante do
multilateralismo, da cooperação e de soluções negociadas para os conflitos
internacionais tem sido um traço permanente de sua atuação diplomática. Da
mesma forma, tem destacado a necessidade de reformas nas estruturas das
instituições multilaterais que possam reflitam melhor o peso econômico e
demográfico crescente dos países em desenvolvimento.
A China promove ativamente mecanismos de
cooperação centrados na dimensão Sul-Sul, como os BRICS e seu Novo Banco de
Desenvolvimento, a Iniciativa Cinturão e Rota, o Fórum de Cooperação
China-África (FOCAC), o Fórum China-Países Árabes, os fóruns junto dos países
da ASEAN e da Ásia Central, o Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura
(AIIB), além de diversas parcerias com os principais organismos multilaterais
globais voltadas às necessidades urgentes de países da África, Ásia e América
Latina.
Nesse mesmo espírito, a China teve papel de
destaque nas iniciativas de solidariedade internacional durante a pandemia de
Covid-19, contrastando com a postura das grandes potências, que bloqueavam e
dificultavam exportações de vacinas, priorizando suas próprias populações e
lucros extraordinários. Na contramão destas, os chineses lideraram a doação de
milhões de doses para países em desenvolvimento, venderam vacinas a preços
reduzidos e ofereceram crédito facilitado, além de doarem equipamentos médicos e
oferecerem treinamento especializado.
Importa reconhecer que a China não apenas
apoia as pautas fundamentais da ampla frente de países do Sul Global, como
também segue compondo ativamente suas fileiras. Permanece um país em
desenvolvimento, enfrentando dilemas domésticos e internacionais muitas vezes
semelhantes aos de seus parceiros. A prioridade conferida, nas últimas décadas,
ao combate à pobreza extrema é um exemplo emblemático: mais de 800 milhões de
chineses superaram essa condição nos últimos 40 anos, representando, segundo o
Banco Mundial, cerca de 80% da redução global da pobreza extrema nesse período.
Apesar de seu expressivo desenvolvimento
econômico, o país ainda convive com significativas desigualdades regionais e
mantém indicadores como PIB per capita e padrões de renda típicos de países
emergentes. Não surpreende, portanto, sua ênfase constante na superação das
assimetrias globais, na autodeterminação dos povos e na não ingerência nos
assuntos internos de outros Estados – postura que reflete não apenas sua
condição histórica e a compreensão da relevância dessas diretrizes para o
fortalecimento da soberania dos países em desenvolvimento, mas também a
realidade contemporânea do próprio país.
Ao transpor esse panorama para a América
Latina e o Caribe, torna-se evidente o contraste entre os vínculos da China com
a região e aqueles historicamente estabelecidos pelas grandes potências
norte-atlânticas. A “influência comunista chinesa” de que fala Pete Hegseth
nada mais representa do que a soberana e voluntária decisão dos países
latino-americanos – a grande maioria deles inquestionavelmente capitalista – de
estreitar laços com a China, motivados pela percepção de que tais relações
geram benefícios recíprocos.
Ironicamente, quem de fato exerceu, ao longo
da história, uma ocupação militar e neocolonial sobre os arredores do Canal do
Panamá foram os Estados Unidos – desde o controle direto da Zona do Canal
durante grande parte do século XX até a violenta invasão militar de 1989, que
deixou milhares de mortos e cicatrizes profundas na memória coletiva do povo
panamenho.
Também foram os Estados Unidos – e não os
operários, camponeses ou empresários chineses – que intervieram e intervêm
diretamente nas políticas internas dos países latino-americanos. Suas ações
vitimaram não apenas os ideais de diversas gerações, mas também muitos de seus
mais brilhantes talentos e lideranças: Pablo Neruda, Víctor Jara, Rodolfo
Walsh, Salvador Allende, Omar Torrijos, Augusto Sandino, Farabundo Martí, entre
tantos outros mortos pelas ditaduras militares, governos títeres e operações
encobertas apoiadas por Washington e seus aliados.
Seja por meio de discursos abertamente
anti-China — envoltos na desgastada narrativa da luta entre “democracia” e
“totalitarismo” —, seja por meio da falsa simetria entre as “grandes
potências”, o fato é que nenhum desses discursos consegue demonstrar, concretamente,
como tais conceitos se encaixam na realidade.
É, portanto, no mínimo irônico, se não
trágico, que o país que mais exporta armamentos no mundo e mantém mais de 750
bases militares no exterior atue como
se fosse o protetor da soberania e do
desenvolvimento dos países do Sul Global, em suposto combate contra a “ameaça
chinesa”. A comparação ou equiparação dos interesses de Estados Unidos e China,
embasada em análises “geopolíticas”, perde ainda mais concretude quando se
percebe o contraste entre o histórico de ambos frente aos países em
desenvolvimento: enquanto uns acumulam centenas de episódios em que atuaram em
frente única com interesses do neocolonialismo e da ampliação das clivagens
Norte–Sul, outros dedicaram-se à luta constante contra o imperialismo e os
males do subdesenvolvimento.
Em vez de tentarem, mais uma vez, tutelar os
destinos de Estados nacionais soberanos, os Estados Unidos fariam melhor se, a
exemplo da China, investissem em alternativas multilaterais de cooperação,
construindo soluções conjuntas para os dilemas sociais e econômicos da América
Latina e do Caribe.
O certo é que o plano de minar os sólidos
vínculos já existentes não encontra respaldo nos anseios dos povos da região,
mas sim nos objetivos de política externa do seleto clube das grandes potências
imperialistas – grupo do qual a China definitivamente não faz parte, e que ela
antagoniza em múltiplas esferas.
¨
Jeffrey Sachs critica
tarifas de Trump e aponta novos caminhos para a economia global
Trump, tarifas e o desafio da China. “A
medida protecionista dos Estados Unidos é uma resposta tardia e desesperada”,
afirmou Jeffrey Sachs ao comentar as tarifas impostas à China. No episódio do
podcast “UN in China”, Sachs explicou que, enquanto os EUA perderam tempo, a
China avançou em tecnologias essenciais como carros elétricos, energia
renovável […]
<><> Trump, tarifas e o desafio
da China.
“A medida protecionista dos Estados Unidos é
uma resposta tardia e desesperada”, afirmou Jeffrey Sachs ao comentar as
tarifas impostas à China. No episódio do podcast “UN in China”, Sachs explicou
que, enquanto os EUA perderam tempo, a China avançou em tecnologias essenciais
como carros elétricos, energia renovável e inteligência artificial.
Para Sachs, a decisão do governo americano de
aumentar tarifas contra produtos chineses é uma tentativa de frear um processo
irreversível: “O protecionismo atual é o reconhecimento tardio de que os
Estados Unidos ficaram para trás em várias áreas-chave da nova economia”.
O economista detalhou que, enquanto as
indústrias automotiva e de energia limpa nos EUA e na Europa postergaram
mudanças, a China investiu pesado em pesquisa, desenvolvimento e
infraestrutura. “Volkswagen e Daimler-Benz passaram anos procrastinando. Na China,
enquanto isso, centenas de fabricantes de veículos elétricos surgiram em
competição intensa, criando líderes mundiais.”
Segundo Sachs, o protecionismo
norte-americano não é apenas uma resposta econômica, mas também uma tentativa
de travar um reposicionamento geopolítico: “Estamos agora em um mundo
multipolar. China, Índia, Rússia e outros países emergentes desempenham papel
de grande poder.”
Ele também defendeu que, diante das
restrições impostas pelos EUA, a China deveria ampliar ainda mais a Iniciativa
Cinturão e Rota (Belt and Road Initiative): “A capacidade produtiva chinesa em
tecnologias verdes é um presente para o mundo. Dizer que há excesso de
capacidade é ridículo. Precisamos de ainda mais capacidade para enfrentar a
crise climática”.
<><> Ucrânia, OTAN e o futuro dos
BRICS
Sachs também comentou de forma crítica a
guerra na Ucrânia e o papel da OTAN. Segundo ele, o conflito atual é fruto de
um fracasso diplomático: “Estamos vendo guerras em toda parte, o que impede
avanços no desenvolvimento sustentável e coloca em risco a sobrevivência
humana.”
O economista lembrou que a expansão da OTAN
para leste, ignorando alertas de diversos analistas, criou tensões
desnecessárias com a Rússia. “Alguns políticos não entendem, outros fingem não
entender: nunca houve situação tão perigosa para a humanidade como a atual, em
termos de guerra e crise ambiental combinadas.”
Ao analisar a situação da Europa, Sachs disse
que o continente está pagando o preço pela submissão às estratégias de
Washington: “A Europa poderia ter sido uma ponte entre o Ocidente e o Oriente,
mas se alinhou cegamente a políticas que não atendem seus próprios interesses
de longo prazo.”
Sachs reforçou ainda que uma ordem
internacional mais equilibrada é urgente e destacou o papel dos BRICS nessa
construção: “Precisamos de uma multipolaridade cooperativa, não de um novo tipo
de guerra fria.”
Sobre a inclusão de novos membros nos BRICS,
como Arábia Saudita, Irã e possivelmente outros países africanos, Sachs disse
que isso reflete o enfraquecimento da hegemonia ocidental: “O BRICS está se
fortalecendo como um contraponto vital às abordagens unilaterais.”
Em todo o diálogo, Jeffrey Sachs se mostrou
preocupado, mas também otimista de que a cooperação internacional, baseada no
multilateralismo e em novos equilíbrios globais, possa ainda resgatar os
Objetivos de Desenvolvimento Sustentável.
“Se conseguirmos juntar a ética, a análise
correta dos problemas e o financiamento adequado, poderemos resolver muitos dos
desafios que hoje parecem impossíveis”, concluiu.
¨
Fundos chineses reduzem
investimentos em empresas privadas dos EUA
Fundos estatais chineses estão interrompendo
novos aportes em veículos de investimentos que compram participações em
empresas fora da bolsa norte‑americana, segundo várias fontes próximas — mais
um capítulo da guerra comercial travada contra o presidente Donald Trump.
Nas últimas semanas, esses fundos deixaram de
aplicar dinheiro em gestoras sediadas nos Estados Unidos, relatam sete
executivos do setor. Três deles afirmam que a ordem veio diretamente de Pequim.
Alguns desses investidores também pedem para
ficar de fora de operações que comprem fatias de companhias norte‑americanas,
mesmo quando os negócios são liderados por gestores instalados em outros
países.
A guinada ocorre no momento em que a China
sofre o impacto das novas tarifas dos EUA, anunciadas há três semanas, que
podem frear o comércio entre as duas maiores economias do planeta. Trump elevou
os impostos de importação para até 145 %, e Pequim reagiu com taxas de
125 %.
Vários executivos dizem que, desde o início
da disputa, os investidores chineses passaram a recusar convites para novos
fundos dos EUA. Em alguns casos, desistiram de alocações que ainda não haviam
sido formalizadas.
A China Investment Corporation (CIC) é um dos
fundos que recuaram, de acordo com duas fontes. Outros veículos estatais
adotaram postura semelhante.
<><> Por que isso importa
Private equity — ou capital de participação — é um tipo de fundo
que levanta recursos de investidores institucionais para comprar participações
em empresas que não têm ações na bolsa, reformular seus negócios e revendê‑las
depois de alguns anos, buscando alto retorno. Nos últimos 30 anos, esse
modelo saiu de um nicho para uma indústria que hoje administra cerca de
US$ 4,7 tri.
<><> Um fluxo que já foi
bilionário
Nas décadas passadas, fundos soberanos
chineses investiram bilhões em gigantes como Blackstone, TPG e Carlyle.
Executivos do mercado dizem que esses aportes já vinham desacelerando: a CIC,
por exemplo, criou parcerias para aplicar recursos no Reino Unido,
Arábia Saudita, França, Japão e Itália.
Investidores tradicionais — como fundos de
pensão do Canadá e da Europa — também estão revendo sua exposição a gestoras
dos EUA, noticiou o Financial Times neste mês.
Jonathan Gray, presidente da Blackstone,
admitiu em teleconferência de resultados que o ambiente geopolítico levanta
dúvidas entre clientes globais: “Há, sem dúvida, questionamentos sobre o que
está acontecendo”, afirmou.
Segundo dados regulatórios e fontes do setor,
gestoras norte‑americanas que receberam capital estatal chinês incluem Global
Infrastructure Partners (comprada pela BlackRock no ano passado),
Thoma Bravo, Vista, Carlyle e a própria Blackstone. Durante o primeiro
mandato de Trump, a CIC lançou um “fundo de parceria” com o Goldman Sachs
para comprar participações nos EUA e no Reino Unido.
Fonte: Por Tiago Nogara, em A Terra é Redonda/O
Cafezinho/Financial Times

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