Microsoft, 50 anos: como Bill Gates previu a
era da internet em 1993
Quando a BBC transmitiu pela primeira vez uma
entrevista com o cofundador da Microsoft Bill Gates, em junho de 1993,
calculava-se que a internet tivesse, ao todo, apenas 130 websites.
O respeitado programa da BBC sobre ciências
Horizon investigava a nova "Fronteira Eletrônica". Era uma época em
que a "informação começava a redefinir o nosso mundo, sua geografia e sua
economia".
Gates declarou ao programa que "esta é a
era da informação, o computador é a ferramenta da era da informação e o
software irá determinar a facilidade com que podemos conseguir toda essa
informação".
Naquela oportunidade, os telespectadores
podiam enviar um cheque de duas libras (cerca de R$ 15, pela cotação atual) e
receber a transcrição do programa pelo correio.
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A indústria dos computadores já havia
crescido com a maior rapidez da história. Mas o caminho para obter lucros no
futuro era criar algo que fosse portátil e intuitivo.
O programa questionava: "Precisamos de
informação infinita ou eles precisam vendê-la para nós?"
Em um mundo em que quase todos os websites
existentes caberiam em uma lista nos dois lados de uma folha de papel, a World
Wide Web não chegou sequer a ser mencionada. Ainda assim, as ideias exploradas
no programa estavam muito à frente do seu tempo.
Nos primeiros tempos da Microsoft, Bill Gates
e Paul Allen (1953-2018) tinham como objetivo colocar um computador em cada
mesa e em cada residência – todos, é claro, rodando produtos da Microsoft.
Eles se conheceram quando eram crianças, em
uma escola particular de Seattle, nos Estados Unidos. Foi naquela época que
eles descobriram sua paixão em comum pelos computadores.
Os dois foram para a faculdade, mas
abandonaram os estudos para criar a Microsoft. A empresa recebeu este nome
porque fornecia software para microcomputadores.
A grande virada da empresa surgiu em 1980,
quando a Microsoft concordou em produzir o sistema operacional para o
computador pessoal sendo desenvolvido pela IBM, a maior empresa de computadores
da época.
Em um golpe de mestre para os negócios, a
Microsoft conseguiu autorização para licenciar seu sistema operacional para
outros fabricantes. Esta medida gerou uma indústria de computadores pessoais
"compatíveis com IBM", que dependiam do produto MS-DOS para
funcionar.
O dinheiro começou, então a entrar – e não
parou até hoje.
• 'Cara,
ele é bom!'
Bill Gates era o nerd da computação, com a
mente mais séria. E Paul Allen era seu irmão mais velho e excêntrico.
Allen trabalhou na Microsoft até 1983. Ele
deixou a linha de frente da empresa quando recebeu o diagnóstico de câncer no
sangue – mas se recuperou da doença e se tornou um investidor de sucesso.
Como manteve sua participação na empresa,
Allen foi presença garantida na lista dos mais ricos do mundo até sua morte, em
2018, aos 65 anos de idade.
Ele usou sua vasta fortuna para investir nas
suas paixões pessoais. Allen comprou a equipe de basquete Portland Trail
Blazers e o time de futebol americano Seattle Seahawks, vencedor do Super Bowl
em 2013.
Sua saída da Microsoft também permitiu que
ele tivesse mais tempo para aperfeiçoar seu desempenho com a guitarra.
O lendário produtor musical Quincy Jones
(1933-2024) chegou a afirmar em entrevista que Allen "canta e toca como
[Jimmy] Hendrix [1942-1970]".
"Fui viajar no seu iate e lá estavam
David Crosby, Joe Walsh, Sean Lennon...", contou Jones. "Nos dois
últimos dias, Stevie Wonder veio com sua banda e fez Paul vir tocar com ele –
cara, ele é bom!"
O design do Museu de Cultura Pop de Seattle,
nos Estados Unidos (fundado por Allen), já foi comparado com uma guitarra
amassada. A criação é do superastro da arquitetura Frank Gehry.
Allen saiu da Microsoft antes que produtos
como o Windows, Excel e Word chegassem a escritórios e residências espalhados
pelo planeta.
No início dos anos 1990, a visão de Gates
para os computadores em rede fizeram as vendas e os lucros dispararem. Mas o
sonho inicial da dupla, de colocar um computador rodando software da Microsoft
em todas as casas e escritórios do mundo, ainda não havia se realizado.
O processamento de texto e as planilhas de
cálculos eram negócios lucrativos, mas a corrida incessante da Microsoft para
se expandir precisava explorar novos domínios.
A etapa seguinte foi levar multimídia para as
casas das pessoas, transformando o computador pessoal em um aparelho de
comunicação. Gates precisava entrar naquele mundo de entretenimento que Allen
tanto adorava.
• 1
mil canais de TV – e nada de bom
Bill Gates declarou à BBC em 1993 que
"as residências serão uma fronteira mais difícil de conquistar". Mas
ele estava confiante no sucesso da Microsoft.
"Se você considerar um espaço de tempo
de 15 anos ou, certamente, 20 anos, não tenho dúvida de que a visão de um
computador em cada casa será totalmente atingida – embora ele não vá se parecer
com os computadores de hoje", afirmou ele.
Um ano antes da entrevista, Bruce Springsteen
havia emplacado um sucesso, ao se queixar que ele tinha "57 canais de TV
(e nada de bom)".
Nathan Myhrvold, da Microsoft, não se
intimidou com o cinismo de Springsteen. E falou sobre um futuro no qual
teríamos até 1 mil canais de televisão.
"Pode parecer um pesadelo, mas acho
maravilhoso", destacou ele. "Imagine como seria sua livraria favorita
se ela tivesse apenas cinco livros."
Myhrvold prosseguiu, descrevendo um sistema
que relembra os serviços de streaming atuais.
Ele mencionou um "guia interativo
online, que irá usar tecnologia de computador para organizar os canais,
mostrá-los para você por tema e até aprender sobre o material de que você gosta
e apresentá-lo de forma elegante, na própria televisão".
Myhrvold ofereceu uma visão tentadora do
futuro: um mundo que ficasse ao alcance das nossas mãos. Nele, você poderia
comprar um CD da banda En Vogue ou ingressos para o show de Prince
instantaneamente.
• Privacidade
e direito autoral
Mas o que isso representaria para a
privacidade pessoal?
Sobre este tema, o programa de 1993 incluiu
um alerta da jornalista Denise Caruso, editora da revista Digital Media.
"A facilidade de se sentar em frente à
sua TV interativa daqui a cinco anos e poder fazer compras usando o controle
remoto significa que a informação sobre você irá trafegar por uma rede",
explicou ela.
"Ou seja, quem quer que esteja no outro
lado da rede sabe a qual programa você está assistindo na televisão, pode pegar
o seu número de cartão de crédito e saber muitas coisas sobre você que, talvez,
você não queira que aquela pessoa saiba."
Caruso também levantou questões levantadas
atualmente no debate sobre os modelos de IA generativa, que são treinados
devorando material protegido por direitos autorais.
Para ela, "ao transformar a informação
em uma commodity, você realmente altera a natureza de como as pessoas pensam
sobre as ideias, o seu trabalho e o que elas fazem".
"Sou escritora. Minha mercadoria à venda
são ideias. E, quando você tenta traçar fronteiras entre o que é informação, de
onde veio uma ideia, quem teve originalmente aquela ideia e em qual guardanapo
ela foi traçada em primeiro lugar – quando você começa a mover informações para
aquele campo, começa a ficar muito confuso onde termina a ideia de uma pessoa e
começa outra."
Caruso destacou que a informação é uma
mercadoria incrível, mas ela não tem valor nenhum, a menos que possa ser
protegida. Mas como você pode proteger algo que não tem existência física e
pode ser copiado ou alterado de forma indetectável?
Para ela, "a questão é que as soluções
são tão complexas quanto os problemas".
"Você quer confinar todas as
informações? É claro que não. Não teríamos progresso científico se os
cientistas fossem incapazes de trocar ideias e informações livremente."
"Vamos ter simplesmente um vale-tudo e
dizer que todas as informações são livres? Bem, também não podemos fazer isso,
pois as pessoas, na verdade, ganham a vida com o fruto do seu trabalho, [que] é
a informação, seja ela um livro, filme ou música."
"Acho que a tecnologia é algo incrível e
muito poderoso, mas é poderoso nos dois sentidos. É muito importante para todos
nós compreendermos isso antes de simplesmente adotá-la", conclui Denise
Caruso.
•
nascimento do e-mail
A World Wide Web não apareceu no programa de
1993. Mas aquela foi a primeira apresentação do conceito de correio eletrônico,
ou e-mail, para muitas pessoas.
Enquanto a Microsoft prosseguia na sua voraz
expansão, o vice-presidente de Recursos Humanos da empresa, Mike Murray,
declarava que o e-mail "cria uma aldeia eletrônica [que] nos permite
transcender as fronteiras do tempo ou as barreiras geográficas".
Suas palavras podem, agora, parecer pomposas.
Mas, na época, poder se comunicar instantaneamente com uma ou mais pessoas no
outro lado do mundo, sem necessidade de uma ligação telefônica internacional de
alto custo, era uma ideia revolucionária.
No final de 1993, o número estimado de
websites era de 623, dobrando a cada três meses. No final de 1994, já eram
10.022.
Alguns comentaristas consideravam a Microsoft
lenta demais para reconhecer as possibilidades e o crescimento da Web. Mas, em
maio de 1995, Gates enviou um memorando para seus funcionários sênior,
intitulado "O Maremoto da Internet".
Bill Gates definiu a rede como "o
desenvolvimento mais importante desde a introdução do PC da IBM, em 1981".
Três meses depois, a Microsoft lançava seu
portal web MSN, paralelamente ao lançamento do Windows 95. Algumas versões do
software tinham seu novo navegador Internet Explorer embutido, gerando
controvérsias.
O futuro estava novamente disponível para
todos. E Bill Gates, mais uma vez, tinha grandes ideias sobre como conquistar
este futuro.
Fonte: BBC Culture

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