Como pensa Leonardo Steiner, o cardeal da
Amazônia que vai ajudar a escolher o próximo papa
Passava um pouco das 15h de Manaus nesta
terça-feira (22) quando o cardeal arcebispo Leonardo Ulrich Steiner,
franciscano de Forquilhinha, Santa Catarina, atendeu à reportagem da BBC News
Brasil, via chamada de vídeo. Um dos sete brasileiros que participarão do
conclave que deve eleger o sucessor do papa Francisco (1936-2025), ele ainda
não tinha arrumado a mala nem comprado a passagem.
"Ela está aberta em cima da cama
esperando os objetos. Ainda não deu tempo", desculpou-se, alegando agenda
cheia entre entrevistas e preparativos para a viagem.
Explicou que o bilhete aéreo deve ser
flexível, já que a data de volta depende do fim do encontro eleitoral que deve
começar na semana que vem no Vaticano. Mas afirmou que deve estar em Roma antes
de sábado, para acompanhar o sepultamento do sumo pontífice que morreu na
última segunda (21).
Steiner não está entre os favoritos da
sucessão papal, mas aparece em algumas listas, principalmente pelo fato de
ocupar um posto muito simbólico no atual cenário geopolítico mundial.
O religioso de 74 anos é o primeiro cardeal
da Amazônia, elevado ao colégio dos purpurados pelo próprio Francisco em
consistório realizado em 2022. Em tempos de catástrofe climática é natural que
holofotes do planeta mirem sua atuação e, principalmente, seus discursos.
Na conversa com a reportagem, ele desconversa
sobre ser ou não papável. "Não, não tem nenhum perigo não. Eu não dou
conta nem de Manaus." E diz que espera contribuir com os debates a serem
travados durante as assembleias do cardinalato.
Steiner foi ordenado padre em 1978 e nomeado
bispo em 2005. Em 2019 papa Francisco o designou para comandar a Arquidiocese
de Manaus. Três anos depois, o pontífice concedeu a ele o anel cardinalício —
pela primeira vez a Amazônia tinha um representante na alta cúpula da Igreja.
LEIA A ENTREVISTA:
• Nos
próximos dias o senhor estará no Vaticano. Como é a sensação de participar de
um conclave pela primeira vez?
Olha, estou recebendo os comunicados por
correio eletrônico. Já aconteceram as duas congregações, que são as reuniões
dos cardeais que já estão em Roma. Tomaram algumas decisões. […] E as
congregações vão continuar.
Eu, na hora em que chegar lá, começo a
participar também. Devo estar presente ao enterro [de Francisco, no sábado] e,
depois, se faz a preparação para o conclave. Como vai ser eu não sei, porque eu
nunca participei.
Mas desejo dar minha contribuição. Tem os
momentos de oração e diálogo. E eu desejo participar, dar a minha contribuição
para assim podermos continuar a ser uma Igreja de esperança, uma Igreja que
está muito presente no mundo.
• Sente-se
papável?
Steiner: Não, não tem nenhum perigo não. Eu
não dou conta nem de Manaus.
• Mas
não é importante ter lá a voz da Amazônia?
Steiner: Deixa isso para o conclave.
• O
senhor é o primeiro cardeal da Amazônia. De que forma acredita que Francisco
acabou dando um peso para a região, para o bioma, para o olhar sobre a
floresta?
Cardeal Leonardo Steiner: Segundo o próprio
papa, durante a Conferência de Aparecida [de 2007, evento no qual o argentino
Jorge Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, foi o relator], os
brasileiros acentuaram a importância da Amazônia, mas a Amazônia como um todo:
cultura, religião, igreja, água, pulmão do mundo. Ele mesmo nos falou isso:
"eu descobri a importância da Amazônia durante a Conferência de
Aparecida".
E talvez seja até a Conferência de Aparecida
que tenha despertado o papa Francisco para escrever a Laudato Si' [encíclica de
Francisco dedicada ao meio ambiente, publicada em 2015] e ao diálogo com os
bispos sobre a Amazônia.
Ele acabou convocando o Sínodo Sobre a
Amazônia [realizado em 2019] que foi uma confirmação da caminhada que a Igreja
vinha fazendo na Amazônia e também um incentivo para que permaneçamos fiéis
nessa caminhada, que é uma caminhada longa […].
O papa conhece essa história. […] E percebia
que havia a necessidade inclusive de uma inserção maior e um cuidado maior em
relação aos povos indígenas que aqui habitam.
• Atualmente,
no cenário politico polarizado, é comum que a pauta ambiental seja vista como
uma pauta da ala progressista. De que forma, o senhor enxerga, nesse cenário, a
atuação de Francisco em prol da Amazônia?
Steiner: Estão politizando. E se politizassem
bem estava ótimo, porque realmente a questão do meio ambiente é uma questão
política, não é uma questão ideológica. O problema é que a política está
virando ideologia.
Agora, a questão ambiental realmente é uma
questão política, não tem como fugir disso. Mas não é só uma questão para a
Amazônia. Se formos olhara para África, Ásia, é uma questão que está ficando
gritante. Então é o mundo inteiro.
E o papa Francisco tinha essa noção muito
clara, [demonstrava] nos diálogos pessoais que eu tinha com ele, […] ele sempre
abordava essa questão.
Então colocar a questão do meio ambiente como
uma questão progressista não é… É uma questão hoje quase de sobrevivência. Não
vejo como uma questão de quem pensa diferente. Nós não podemos ideologizar essa
questão. Hoje é questão de sobrevivência.
E o papa foi muito feliz em dizer que moramos
em uma "casa comum". Foi muito feliz com essa expressão, muito feliz
porque ele remeteu a Francisco de Assis, onde as criaturas são irmãs e irmãos.
Ele parte de um universo muito diferente de um universo ideológico, de uma
ideologia de dominação, de mercado, de dinheiro, de poder econômico, que não é
o cuidado da casa, o cuidado da Terra. […]
Se eu vejo por exemplo a questão do garimpo
na Amazônia, [para os que exploram isso] é uma questão de dinheiro, claro. Não
interessa a água, os indígenas, se o mercúrio vai para os rios. Isso não
interessa. Não interessa se os peixes se contaminarem, se os indígenas vão
morrer. [Para os garimpeiros] só interessa o ouro. Isso parece uma questão
ideológica que visa à destruição.
Então, [como contraponto a isso] ser chamado
de progressista, eu não vejo como progressista: eu vejo como uma necessidade
urgente. E o papa Francisco entendeu a gravidade. E nós vamos cada vez mais
sentir a gravidade, dada a reação, por exemplo, da saída dos Estados Unidos do
Acordo de Paris.
Vamos sentir essa questão ainda com uma
gravidade muito maior. Estamos destruindo a nossa Terra, o lugar onde
habitamos. E quem acha que tem tudo, não tem nada. Porque não vai levar nada. E
vai deixar o quê para os outros? A destruição.
• O
senhor fala em questão política e de sobrevivência. Ser cardeal na Amazônia é
mais do que uma questão de fé?
Steiner: Tenho a impressão de que o papa
Francisco me nomeou cardeal pensando na Amazônia. Não havia outra razão.
Pensando na Amazônia, no carinho dele pela Amazônia.
Nomeou então o bispo daqui como cardeal e
cada vez que nós nos encontrávamos ele perguntava pela Amazônia, pelos
indígenas. Era uma preocupação real […] por nós que estamos aqui, pelos povos
indígenas, pelos pobres […].
Quer dizer: era um homem com uma visão
extraordinária. Não se tratava de pensar apenas a ecologia como cuidado da
mata, da água, da floresta. Não. Ele pensava o todo.
• Uma
preocupação que transcende a própria Igreja, a própria religião…
Steiner: Sim. Ele falava de se inculturar [o
processo de incorporar na celebração aspectos do contexto cultural local].
Imagina um papa falando que a espiritualidade [indígena] tem de ser
inculturada…
Eu cada vez mais compreendo melhor isso,
conversando com os indígenas, ouvindo os indígenas. É um outro modo de pensar,
diferente do nosso modo ocidental de pensar.
Eles ainda têm um modo muito originário, uma
relação com a natureza que não é destrutiva.
Claro que, devagar, vai entrando a nossa
visão ocidental. Mas existe uma relação, uma religiosidade de fundo muito
próprio. […] Não se trata de uma questão interna, a Igreja participa dessa
realidade toda e dá a contribuição para que haja justiça, fraternidade, para
que sejamos todos moradores de uma mesma casa, uma casa comum.
• Quais
são os desafios de ser um cardeal na Amazônia?
Steiner: Olha, ser cardeal não muda muita
coisa, não. É um título, um conselheiro mais próximo do papa. É claro que o
pessoal acha que, oh, cardeal… Mas a vida continua igual, sempre continua sendo
a vida de um bispo do povo. Claro que certas questões levamos ao papa, mas não
é… O desafio maior é ser bispo mesmo.
• Então
quais os desafios de ser um bispo na Amazônia?
Steiner: Ser bispo aqui nessa realidade…
Manaus é uma cidade com 2,3 milhões de pessoas. Não é uma cidade pequena. Há rios
bastante poluídos, saneamento básico bastante precário, desmatamento contínuo,
invasões, e tudo isso acompanhando, como estar presente… Muito povo de rua… Mas
graças a Deus a gente conta com bons padres e muitos leigos. Os leigos aqui são
atuantes, se sentem Igreja e se sentem irmãos dos pequenos.
• O
senhor está elencando problemas sociais e ambientais. O papel do bispo é
denunciar? Suprir a carência do Estado?
Steiner: É que isso faz parte da vida do
cristão. Ele mora aqui. Ele está nessa sociedade. Ele participa da política.
Ele participa das decisões do judiciário, das câmaras municipais. Ele não pode
se acomodar. Ele está ali, claro.
Isso gera também suas tensões, mas nós não
podemos nos ausentar porque queremos cuidar da nossa casa, da sociedade. Manaus
é uma cidade onde a violência cresce e nós queríamos que houvesse mais paz.
E isso fazemos com as comunidades, que têm de
se sentir responsáveis pelo local em que vivemos, pelos irmãos. Não só os
irmãos da comunidade católica, mas todos. Devagarinho isso vai crescendo e
graças a Deus estamos dando continuidade a isso.
• Quem
são os cardeais brasileiros que podem votar para escolher novo papa
Com a morte do papa Francisco, inicia-se um
processo longo, que passa por um período de luto e pelos rituais fúnebres, até
a eleição de um novo pontífice.
Os papas são tradicionalmente escolhidos por
cardeais em um processo eleitoral extremamente secreto que remonta aos tempos
medievais.
Ao todo, 135 cardeais podem participar do
processo eleitoral desta vez – há mais cardeais do que isso em todo o mundo,
mas aqueles com mais de 80 anos não têm permissão para votar.
Os cardeais são membros sêniores da Igreja
Católica escolhidos pessoalmente pelo papa. Geralmente são bispos de
importantes dioceses do mundo, mas padres ou diáconos também podem ser
nomeados.
Atualmente, sete cardeais brasileiros podem
participar e votar no conclave para escolher o novo papa.
O Brasil tem um oitavo cardeal, o Arcebispo
Emérito de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis. Porém, aos 88 anos, o
religioso não é mais considerado um cardeal-eleitor.
Veja, a seguir, quem são os brasileiros que
podem ajudar a eleger o novo papa.
<><> Cardeal Odilo Scherer
Arcebispo Metropolitano de São Paulo, o
gaúcho Dom Odilo Pedro Scherer tem 75 anos e participou do conclave que elegeu
o papa Francisco em 2013. Na época, Scherer chegou a ser mencionado pela
imprensa mundial como um possível candidato para suceder Bento 16.
Em 2024, o cardeal encaminhou seu pedido de
renúncia ao Vaticano - segundo as normas da Igreja Católica, todos os bispos
devem solicitar a renúncia ao completarem 75 anos. O papa Francisco acolheu o
pedido de Dom Odilo, mas requisitou que ele permanecesse no cargo até 2026.
<><> Cardeal João Braz de Aviz
Aos 77 anos, Dom João Braz de Aviz se tornou
cardeal em 2012, pelas mãos do então papa Bento 16. Também participou do
conclave que elegeu Francisco em 2013.
O cardeal natural de Santa Catarina serviu
até janeiro deste ano como prefeito do Dicastério para os Institutos da Vida
Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica no Vaticano, o departamento
responsável por gerir todas as congregações religiosas do mundo. Aviz passou 14
anos no cargo.
<><> Cardeal Orani João Tempesta
O cardeal é Arcebispo Metropolitano do Rio de
Janeiro desde 2009. Natural do interior de São Paulo, o religioso de 74 anos
faz parte da Ordem dos Monges Cistercienses. Foi criado cardeal pelo papa
Francisco em 2014.
<><> Cardeal Sergio da Rocha
Arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, o
religioso paulista é cardeal desde 2016. Antes de assumir a Arquidiocese de São
Salvador da Bahia, foi arcebispo de Brasília e de Teresina.
Em 2023, Rocha foi nomeado membro do Conselho
de Cardeais, conhecido como G-9. O conselho foi instituído pelo papa Francisco
para assisti-lo no projeto de reforma da Cúria Romana e no governo da Igreja. O
cardeal tem 65 anos.
<><> Cardeal Leonardo Steiner
Arcebispo de Manaus, se tornou cardeal em
2022. Natural de Forquilhinha, em Santa Catarina, o religioso de 74 anos foi
secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 2011
e 2019.
Dom Leonardo Steiner faz parte da Ordem dos
Frades Menores, também chamada de Ordem dos Franciscanos.
<><> Cardeal Paulo Cezar Costa
Atual Arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar
Costa é o mais novo da lista de brasileiros que participarão do conclave, com
57 anos. Se tornou cardeal em 2022, nomeado pelo papa Francisco.
<><> Cardeal Jaime Spengler
Arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler
é também o atual presidente da CNBB e do Celam (Conselho Episcopal
Latino-Americano e Caribenho). Aos 64 anos, ele foi o último brasileiro a se
tornar cardeal, tendo sido nomeado pelo papa Francisco em dezembro de 2024.
<><> Como funciona o conclave?
Os cardeais devem se reunir no Vaticano entre
o 15º e o 20º dia após a morte do papa, onde ficarão em acomodações especiais
enquanto as eleições acontecem.
Tecnicamente, qualquer homem católico romano
pode ser eleito papa. Mas desde 1379, todo papa é selecionado do Colégio de
Cardeais, o grupo que vota no conclave.
Isso significa que os sete cardeais
brasileiros que participarão do conclave também podem ser votados para se
tornar o novo papa.
Mas, para ser eleito, um cardeal precisa
receber apoio de dois terços dos cardeais-eleitores - e a votação continua até
que isso seja alcançado.
Se os cardeais não conseguirem chegar a um
acordo sobre a pessoa a ser eleita, a votação é suspensa por um dia de oração e
discussão antes de a votação começar novamente.
Na reunião, todos eles, incluindo os
aposentados, discutirão em segredo os méritos dos prováveis candidatos.
Segundo o Vaticano, os cardeais são guiados
pelo Espírito Santo. Mas embora uma
campanha pública seja proibida, a eleição
papal ainda é um processo altamente político.
Os encarregados pela coalizão têm duas
semanas para forjar alianças, e acredita-se que os cardeais mais velhos, apesar
de terem menos chances de se tornarem pontífices, reúnem maior poder de
influência.
Fonte: BBC News Brasil

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