quinta-feira, 24 de abril de 2025

Como pensa Leonardo Steiner, o cardeal da Amazônia que vai ajudar a escolher o próximo papa

Passava um pouco das 15h de Manaus nesta terça-feira (22) quando o cardeal arcebispo Leonardo Ulrich Steiner, franciscano de Forquilhinha, Santa Catarina, atendeu à reportagem da BBC News Brasil, via chamada de vídeo. Um dos sete brasileiros que participarão do conclave que deve eleger o sucessor do papa Francisco (1936-2025), ele ainda não tinha arrumado a mala nem comprado a passagem.

"Ela está aberta em cima da cama esperando os objetos. Ainda não deu tempo", desculpou-se, alegando agenda cheia entre entrevistas e preparativos para a viagem.

Explicou que o bilhete aéreo deve ser flexível, já que a data de volta depende do fim do encontro eleitoral que deve começar na semana que vem no Vaticano. Mas afirmou que deve estar em Roma antes de sábado, para acompanhar o sepultamento do sumo pontífice que morreu na última segunda (21).

Steiner não está entre os favoritos da sucessão papal, mas aparece em algumas listas, principalmente pelo fato de ocupar um posto muito simbólico no atual cenário geopolítico mundial.

O religioso de 74 anos é o primeiro cardeal da Amazônia, elevado ao colégio dos purpurados pelo próprio Francisco em consistório realizado em 2022. Em tempos de catástrofe climática é natural que holofotes do planeta mirem sua atuação e, principalmente, seus discursos.

Na conversa com a reportagem, ele desconversa sobre ser ou não papável. "Não, não tem nenhum perigo não. Eu não dou conta nem de Manaus." E diz que espera contribuir com os debates a serem travados durante as assembleias do cardinalato.

Steiner foi ordenado padre em 1978 e nomeado bispo em 2005. Em 2019 papa Francisco o designou para comandar a Arquidiocese de Manaus. Três anos depois, o pontífice concedeu a ele o anel cardinalício — pela primeira vez a Amazônia tinha um representante na alta cúpula da Igreja.

LEIA A ENTREVISTA:

•        Nos próximos dias o senhor estará no Vaticano. Como é a sensação de participar de um conclave pela primeira vez?

Olha, estou recebendo os comunicados por correio eletrônico. Já aconteceram as duas congregações, que são as reuniões dos cardeais que já estão em Roma. Tomaram algumas decisões. […] E as congregações vão continuar.

Eu, na hora em que chegar lá, começo a participar também. Devo estar presente ao enterro [de Francisco, no sábado] e, depois, se faz a preparação para o conclave. Como vai ser eu não sei, porque eu nunca participei.

Mas desejo dar minha contribuição. Tem os momentos de oração e diálogo. E eu desejo participar, dar a minha contribuição para assim podermos continuar a ser uma Igreja de esperança, uma Igreja que está muito presente no mundo.

•        Sente-se papável?

Steiner: Não, não tem nenhum perigo não. Eu não dou conta nem de Manaus.

•        Mas não é importante ter lá a voz da Amazônia?

Steiner: Deixa isso para o conclave.

•        O senhor é o primeiro cardeal da Amazônia. De que forma acredita que Francisco acabou dando um peso para a região, para o bioma, para o olhar sobre a floresta?

Cardeal Leonardo Steiner: Segundo o próprio papa, durante a Conferência de Aparecida [de 2007, evento no qual o argentino Jorge Bergoglio, então arcebispo de Buenos Aires, foi o relator], os brasileiros acentuaram a importância da Amazônia, mas a Amazônia como um todo: cultura, religião, igreja, água, pulmão do mundo. Ele mesmo nos falou isso: "eu descobri a importância da Amazônia durante a Conferência de Aparecida".

E talvez seja até a Conferência de Aparecida que tenha despertado o papa Francisco para escrever a Laudato Si' [encíclica de Francisco dedicada ao meio ambiente, publicada em 2015] e ao diálogo com os bispos sobre a Amazônia.

Ele acabou convocando o Sínodo Sobre a Amazônia [realizado em 2019] que foi uma confirmação da caminhada que a Igreja vinha fazendo na Amazônia e também um incentivo para que permaneçamos fiéis nessa caminhada, que é uma caminhada longa […].

O papa conhece essa história. […] E percebia que havia a necessidade inclusive de uma inserção maior e um cuidado maior em relação aos povos indígenas que aqui habitam.

•        Atualmente, no cenário politico polarizado, é comum que a pauta ambiental seja vista como uma pauta da ala progressista. De que forma, o senhor enxerga, nesse cenário, a atuação de Francisco em prol da Amazônia?

Steiner: Estão politizando. E se politizassem bem estava ótimo, porque realmente a questão do meio ambiente é uma questão política, não é uma questão ideológica. O problema é que a política está virando ideologia.

Agora, a questão ambiental realmente é uma questão política, não tem como fugir disso. Mas não é só uma questão para a Amazônia. Se formos olhara para África, Ásia, é uma questão que está ficando gritante. Então é o mundo inteiro.

E o papa Francisco tinha essa noção muito clara, [demonstrava] nos diálogos pessoais que eu tinha com ele, […] ele sempre abordava essa questão.

Então colocar a questão do meio ambiente como uma questão progressista não é… É uma questão hoje quase de sobrevivência. Não vejo como uma questão de quem pensa diferente. Nós não podemos ideologizar essa questão. Hoje é questão de sobrevivência.

E o papa foi muito feliz em dizer que moramos em uma "casa comum". Foi muito feliz com essa expressão, muito feliz porque ele remeteu a Francisco de Assis, onde as criaturas são irmãs e irmãos. Ele parte de um universo muito diferente de um universo ideológico, de uma ideologia de dominação, de mercado, de dinheiro, de poder econômico, que não é o cuidado da casa, o cuidado da Terra. […]

Se eu vejo por exemplo a questão do garimpo na Amazônia, [para os que exploram isso] é uma questão de dinheiro, claro. Não interessa a água, os indígenas, se o mercúrio vai para os rios. Isso não interessa. Não interessa se os peixes se contaminarem, se os indígenas vão morrer. [Para os garimpeiros] só interessa o ouro. Isso parece uma questão ideológica que visa à destruição.

Então, [como contraponto a isso] ser chamado de progressista, eu não vejo como progressista: eu vejo como uma necessidade urgente. E o papa Francisco entendeu a gravidade. E nós vamos cada vez mais sentir a gravidade, dada a reação, por exemplo, da saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris.

Vamos sentir essa questão ainda com uma gravidade muito maior. Estamos destruindo a nossa Terra, o lugar onde habitamos. E quem acha que tem tudo, não tem nada. Porque não vai levar nada. E vai deixar o quê para os outros? A destruição.

•        O senhor fala em questão política e de sobrevivência. Ser cardeal na Amazônia é mais do que uma questão de fé?

Steiner: Tenho a impressão de que o papa Francisco me nomeou cardeal pensando na Amazônia. Não havia outra razão. Pensando na Amazônia, no carinho dele pela Amazônia.

Nomeou então o bispo daqui como cardeal e cada vez que nós nos encontrávamos ele perguntava pela Amazônia, pelos indígenas. Era uma preocupação real […] por nós que estamos aqui, pelos povos indígenas, pelos pobres […].

Quer dizer: era um homem com uma visão extraordinária. Não se tratava de pensar apenas a ecologia como cuidado da mata, da água, da floresta. Não. Ele pensava o todo.

•        Uma preocupação que transcende a própria Igreja, a própria religião…

Steiner: Sim. Ele falava de se inculturar [o processo de incorporar na celebração aspectos do contexto cultural local]. Imagina um papa falando que a espiritualidade [indígena] tem de ser inculturada…

Eu cada vez mais compreendo melhor isso, conversando com os indígenas, ouvindo os indígenas. É um outro modo de pensar, diferente do nosso modo ocidental de pensar.

Eles ainda têm um modo muito originário, uma relação com a natureza que não é destrutiva.

Claro que, devagar, vai entrando a nossa visão ocidental. Mas existe uma relação, uma religiosidade de fundo muito próprio. […] Não se trata de uma questão interna, a Igreja participa dessa realidade toda e dá a contribuição para que haja justiça, fraternidade, para que sejamos todos moradores de uma mesma casa, uma casa comum.

•        Quais são os desafios de ser um cardeal na Amazônia?

Steiner: Olha, ser cardeal não muda muita coisa, não. É um título, um conselheiro mais próximo do papa. É claro que o pessoal acha que, oh, cardeal… Mas a vida continua igual, sempre continua sendo a vida de um bispo do povo. Claro que certas questões levamos ao papa, mas não é… O desafio maior é ser bispo mesmo.

•        Então quais os desafios de ser um bispo na Amazônia?

Steiner: Ser bispo aqui nessa realidade… Manaus é uma cidade com 2,3 milhões de pessoas. Não é uma cidade pequena. Há rios bastante poluídos, saneamento básico bastante precário, desmatamento contínuo, invasões, e tudo isso acompanhando, como estar presente… Muito povo de rua… Mas graças a Deus a gente conta com bons padres e muitos leigos. Os leigos aqui são atuantes, se sentem Igreja e se sentem irmãos dos pequenos.

•        O senhor está elencando problemas sociais e ambientais. O papel do bispo é denunciar? Suprir a carência do Estado?

Steiner: É que isso faz parte da vida do cristão. Ele mora aqui. Ele está nessa sociedade. Ele participa da política. Ele participa das decisões do judiciário, das câmaras municipais. Ele não pode se acomodar. Ele está ali, claro.

Isso gera também suas tensões, mas nós não podemos nos ausentar porque queremos cuidar da nossa casa, da sociedade. Manaus é uma cidade onde a violência cresce e nós queríamos que houvesse mais paz.

E isso fazemos com as comunidades, que têm de se sentir responsáveis pelo local em que vivemos, pelos irmãos. Não só os irmãos da comunidade católica, mas todos. Devagarinho isso vai crescendo e graças a Deus estamos dando continuidade a isso.

•        Quem são os cardeais brasileiros que podem votar para escolher novo papa

Com a morte do papa Francisco, inicia-se um processo longo, que passa por um período de luto e pelos rituais fúnebres, até a eleição de um novo pontífice.

Os papas são tradicionalmente escolhidos por cardeais em um processo eleitoral extremamente secreto que remonta aos tempos medievais.

Ao todo, 135 cardeais podem participar do processo eleitoral desta vez – há mais cardeais do que isso em todo o mundo, mas aqueles com mais de 80 anos não têm permissão para votar.

Os cardeais são membros sêniores da Igreja Católica escolhidos pessoalmente pelo papa. Geralmente são bispos de importantes dioceses do mundo, mas padres ou diáconos também podem ser nomeados.

Atualmente, sete cardeais brasileiros podem participar e votar no conclave para escolher o novo papa.

O Brasil tem um oitavo cardeal, o Arcebispo Emérito de Aparecida, Dom Raymundo Damasceno Assis. Porém, aos 88 anos, o religioso não é mais considerado um cardeal-eleitor.

Veja, a seguir, quem são os brasileiros que podem ajudar a eleger o novo papa.

<><> Cardeal Odilo Scherer

Arcebispo Metropolitano de São Paulo, o gaúcho Dom Odilo Pedro Scherer tem 75 anos e participou do conclave que elegeu o papa Francisco em 2013. Na época, Scherer chegou a ser mencionado pela imprensa mundial como um possível candidato para suceder Bento 16.

Em 2024, o cardeal encaminhou seu pedido de renúncia ao Vaticano - segundo as normas da Igreja Católica, todos os bispos devem solicitar a renúncia ao completarem 75 anos. O papa Francisco acolheu o pedido de Dom Odilo, mas requisitou que ele permanecesse no cargo até 2026.

<><> Cardeal João Braz de Aviz

Aos 77 anos, Dom João Braz de Aviz se tornou cardeal em 2012, pelas mãos do então papa Bento 16. Também participou do conclave que elegeu Francisco em 2013.

O cardeal natural de Santa Catarina serviu até janeiro deste ano como prefeito do Dicastério para os Institutos da Vida Consagrada e Sociedade de Vida Apostólica no Vaticano, o departamento responsável por gerir todas as congregações religiosas do mundo. Aviz passou 14 anos no cargo.

<><> Cardeal Orani João Tempesta

O cardeal é Arcebispo Metropolitano do Rio de Janeiro desde 2009. Natural do interior de São Paulo, o religioso de 74 anos faz parte da Ordem dos Monges Cistercienses. Foi criado cardeal pelo papa Francisco em 2014.

<><> Cardeal Sergio da Rocha

Arcebispo de Salvador e primaz do Brasil, o religioso paulista é cardeal desde 2016. Antes de assumir a Arquidiocese de São Salvador da Bahia, foi arcebispo de Brasília e de Teresina.

Em 2023, Rocha foi nomeado membro do Conselho de Cardeais, conhecido como G-9. O conselho foi instituído pelo papa Francisco para assisti-lo no projeto de reforma da Cúria Romana e no governo da Igreja. O cardeal tem 65 anos.

<><> Cardeal Leonardo Steiner

Arcebispo de Manaus, se tornou cardeal em 2022. Natural de Forquilhinha, em Santa Catarina, o religioso de 74 anos foi secretário-geral da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) entre 2011 e 2019.

Dom Leonardo Steiner faz parte da Ordem dos Frades Menores, também chamada de Ordem dos Franciscanos.

<><> Cardeal Paulo Cezar Costa

Atual Arcebispo de Brasília, Dom Paulo Cezar Costa é o mais novo da lista de brasileiros que participarão do conclave, com 57 anos. Se tornou cardeal em 2022, nomeado pelo papa Francisco.

<><> Cardeal Jaime Spengler

Arcebispo de Porto Alegre, Dom Jaime Spengler é também o atual presidente da CNBB e do Celam (Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho). Aos 64 anos, ele foi o último brasileiro a se tornar cardeal, tendo sido nomeado pelo papa Francisco em dezembro de 2024.

<><> Como funciona o conclave?

Os cardeais devem se reunir no Vaticano entre o 15º e o 20º dia após a morte do papa, onde ficarão em acomodações especiais enquanto as eleições acontecem.

Tecnicamente, qualquer homem católico romano pode ser eleito papa. Mas desde 1379, todo papa é selecionado do Colégio de Cardeais, o grupo que vota no conclave.

Isso significa que os sete cardeais brasileiros que participarão do conclave também podem ser votados para se tornar o novo papa.

Mas, para ser eleito, um cardeal precisa receber apoio de dois terços dos cardeais-eleitores - e a votação continua até que isso seja alcançado.

Se os cardeais não conseguirem chegar a um acordo sobre a pessoa a ser eleita, a votação é suspensa por um dia de oração e discussão antes de a votação começar novamente.

Na reunião, todos eles, incluindo os aposentados, discutirão em segredo os méritos dos prováveis candidatos.

Segundo o Vaticano, os cardeais são guiados pelo Espírito Santo. Mas embora uma

campanha pública seja proibida, a eleição papal ainda é um processo altamente político.

Os encarregados pela coalizão têm duas semanas para forjar alianças, e acredita-se que os cardeais mais velhos, apesar de terem menos chances de se tornarem pontífices, reúnem maior poder de influência.

 

Fonte: BBC News Brasil

 

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