A
difícil busca pelos últimos criminosos nazistas vivos
A
Alemanha deve ao empenho de gente como Serge e Beate Klarsfeld a localização e
a condenação de muitos criminosos e colaboradores do nazismo. A lista de
nazistas caçados pelo casal franco-alemão inclui Klaus Barbie, que chefiou de
1942 a 1944 a Gestapo – a polícia secreta –, e cuja crueldade rendeu-lhe o
apelido "carniceiro de Lyon", e Kurt Lischka e Herbert Hagen,
responsáveis pela deportação de 76 mil judeus da França, dos quais 11,4 mil
eram crianças, para campos de concentração.
Graças
ao trabalho de Serge e Beate, esses criminosos não tiveram uma velhice
tranquila – diferentemente de outros tantos nazistas que nunca precisaram pagar
pelas monstruosidades que fizeram, e que levaram o resto de suas vidas
despreocupados.
"Perseguíamos
apenas os criminosos que decidiram sobre o destino de judeus, os líderes da
'solução final'. Nossa busca e envolvimento na prisão de Barbie após uma luta
de 12 anos, de 1971 a 1983, nos rendeu grande aprovação na França", diz à
DW o advogado e sobrevivente do Holocausto Serge Klarsfeld, hoje com 89 anos.
Barbie,
que havia fugido para a Bolívia, foi deportado em 1983 para a França – para
desespero dele, que contava com a complacência da Justiça alemã. Durante o
pós-guerra, o "carniceiro de Lyon" atuou como "caçador de
comunistas" a serviço de países do Ocidente e manteve boas conexões com a
Alemanha Ocidental, tendo visitado o país diversas vezes até a década de 1980.
Barbie foi condenado à prisão perpétua em 1987, e morreu em 1991 na prisão, aos
77 anos.
O caso
de Barbie provocou alvoroço na Alemanha, onde por décadas a busca por
criminosos do Holocausto havia se limitado a algumas poucas lideranças. O
trabalho dos Klarsfeld, que tinham na caça a nazistas uma missão de vida,
rendeu a eles em 2015 a Ordem do Mérito da República Federal da Alemanha. Eles
também receberam condecorações em 2007 e 2024 na França.
O
impacto do trabalho da dupla foi tamanho que levou o Bundestag (Parlamento) a
fazer em 1979 uma mudança histórica no ordenamento jurídico alemão, tornando
crimes de assassinato e genocídio imprescritíveis. E isso depois de quase 20
anos de debate no Parlamento sobre como lidar com os crimes do nazismo.
"Se
os alemães tivessem aceitado a lei de 1979 em 1954, os casos de milhares de
criminosos nazistas poderiam ter sido averiguados por promotores e tribunais.
Mas muitos juízes pertenceram ao partido nazista e teriam sido
complacentes", afirma Klarsfeld.
• Criminosos que restaram já são (quase)
centenários
Outros
"peixes pequenos" da máquina nazista levados a julgamento nos últimos
anos também esperavam por complacência. Era esse o caso de Irmgard Furchner,
ex-secretária do campo de concentração de Stutthof condenada em 2022 por
cumplicidade no assassinato de mais de 10 mil pessoas. Furchner, que atuou
entre 1943 e 1945, dos 18 aos 19 anos, morreu em janeiro deste ano, aos 99
anos.
O
processo dela havia sido iniciado pelo procurador Thomas Will, que há cinco
anos comanda o Órgão Central das Administrações de Justiça dos Estados para o
Esclarecimento de Crimes Nazistas.
"Nossa
missão foi e continua sendo encontrar pessoas que precisam ser processadas. Nós
ainda investigamos crimes em campos de concentração. Ainda há possivelmente
diversas pessoas vivas que passaram por esses campos, e que nós ainda não
pudemos localizar", explica Will à DW.
Mas o
procurador reconhece que, passados quase 80 anos desde o fim da Segunda Guerra,
já não restam mais muitos criminosos vivos. "Realisticamente falando, só
vêm ao caso apenas [suspeitos nascidos de] 1925 a 1927, 1928."
Atualmente
o tribunal estadual de Hanau julga o caso de um ex-vigilante do campo de
concentração de Sachsenhausen acusado de cumplicidade no assassinato de mais
3,3 mil pessoas. O réu tem 100 anos.
Achar
esses criminosos depois de todos esses anos não é tarefa fácil para Will e sua
equipe. É raríssimo encontrar dados pessoais completos dos suspeitos, como onde
e quando eles nasceram. E quanto menos dados os investigadores têm, menores são
as chances de levar o processo adiante. "Encontrar um Karl Müller [nome
bastante comum na Alemanha] sem informações adicionais é praticamente
impossível", exemplifica o procurador.
• Acerto de contas
Desde a
criação do Órgão Central das Administrações de Justiça dos Estados para o
Esclarecimento de Crimes Nazistas, em 1958, foram reunidos 1,78 milhão de
fichas sobre pessoas, cenas de crime e unidades nazistas. Quase 19 mil
processos foram abertos nas procuradorias e tribunais em toda a Alemanha. As
investigações, porém, têm alcance internacional – afinal, muitos criminosos
nazistas fugiram da Alemanha.
Segundo
o historiador Andreas Eichmüller, do Centro de Documentação do Nazismo em
Munique, cerca de 175 mil suspeitos foram investigados por crimes nazistas de
1945 a 2019, mas só 16.789 foram denunciados aos tribunais, dos quais 13.986
foram julgados e 6.676 efetivamente condenados, sendo mais de mil por
assassinato. Seis em cada dez processos tiveram pena de até um ano de reclusão,
e em apenas 9% dos casos a sentença de prisão foi superior a cinco anos. Só 182
pessoas foram punidas com a prisão perpétua ou, no caso dos processos até 1949,
condenadas à morte.
Esses
números consideram apenas os dados da antiga Alemanha Ocidental, mais os
processos que tramitaram após a reunificação alemã, em 1990. Muitos inquéritos
e processos acabaram engavetados por falta de provas, porque os suspeitos não
puderam ser localizados ou em função de anistias, prescrição, má saúde ou morte
dos suspeitos.
No caso
da antiga Alemanha Oriental, mais de 22 mil pessoas foram levadas a julgamento,
com 12.888 condenações. Uma parte desses processos, porém, não teve
consequências na esfera criminal, enquanto outros visavam pessoas já mortas ou
julgadas à revelia. E alguns historiadores argumentam que os processos
apresentados a partir dos anos 1949/1950 foram instrumentalizados politicamente
pelo regime comunista.
Mais de
dois terços dos julgamentos ocorreram até o fim da década de 1940,
especialmente na Alemanha Ocidental, diminuindo consideravelmente na década de
1960, com o acirramento da Guerra Fria e da disputa geopolítica entre Estados
Unidos e Rússia.
A
título de comparação: no final da Segunda Guerra, em 1945, o partido nazista
tinha cerca de 9 milhões de membros. E a SS – organização paramilitar do
partido nazista e principal responsável pela política genocida da Alemanha
nazista – teve em seu auge, em 1944, 900 mil homens.
• Por que levar idosos centenários a
julgamento?
Há quem
questione se faz sentido investigar e processar idosos centenários – que, ainda
por cima, frequentemente são declarados incapazes. O procurador Will ouve esse
questionamento com frequência e tem uma resposta clara para ele: "Só a
condenação já é muito importante, porque constata a culpa e a responsabilidade
criminal, ainda que tardiamente. E isso também é extremamente importante para
os familiares das vítimas."
Will é
uma das vozes críticas da Justiça pós-nazismo. Para ele, a Alemanha condenou
poucos criminosos daquele período. Uma das razões para isso é que o direito
penal da época não havia sido concebido para processar crimes em massa
executados a mando do Estado. Além disso, prevaleceu no passado uma concepção
que diferenciava entre os principais líderes, aqueles considerados responsáveis
por tudo, e os ajudantes "seduzidos" pelo nazismo.
"As
condições sociais tiveram que mudar primeiro. Mas, sem dúvida, mesmo assim
poderia e deveria ter havido mais condenações. Por isso, também é importante
compreender o nosso trabalho e os muitos documentos surgidos desde então como
um testemunho da forma como a sociedade alemã do pós-guerra lidou com seu
passado nazista."
Fonte:
DW Brasil

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