terça-feira, 15 de abril de 2025

Aldo Fornazieri: A fortuna e a estabilização do governo Lula

Se aplicarmos os conceitos maquiavelianos de virtù e fortuna para analisar o governo Lula, podemos constatar alguns paradoxos e ambivalências de como eles operam na conjuntura dos últimos meses. Relembrando que, de modo geral, a virtù é um conceito que expressa as qualidades e as virtudes do líder, sua capacidade de comandar e de conferir direção e sentido aos acontecimentos políticos. Ela está relacionada, por um lado, com meios (de diversas ordens como, por exemplo, a capacidade persuasiva e a força política e social) que o líder dispõe para agir e, por outro, com as qualidades morais para manejar os meios e liderar. Isto quer dizer que se um líder dispor de muitos meios de poder, mas não tem qualidades de comando e de liderança, poderá fracassar.

Já, a fortuna, é força que dá origem aos eventos contingentes, aos acasos e aos imprevistos. Ela está presente em todas as ações humanas e tem uma natureza ambivalente: pode ser boa ou má – pode favorecer ou prejudicar a liderança. Quanto menos atividade política e de comando um líder, um governo exerce, mais ele abre as portas para a ação desorganizadora da fortuna. Ou seja: ele terá menos controle dos acontecimentos, os outros sujeitos políticos  ativos (incluindo a oposição ou os inimigos) criam espaços próprios de atuação, aumentando as zonas de descontrole e de ausência de governabilidade, impactando a realidade econômica, política e social.

A queda livre que o governo e Lula sofreram nas pesquisas, nos últimos meses, se deveu à sua falta de virtù, de ação, de direção e de comando. Os dados da conjuntura econômica indicavam algumas dificuldades, mas, no cômputo geral, o cenário não validava uma queda tão brusca nas avaliações. Então, os erros maiores foram de condução política e de direção de governo.

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Com o susto, o governo, o presidente e alguns ministros iniciaram reações, aumentado a atividade política, a presença pública e dando maior visibilidade às realizações e programas. À essas reações se somaram também algumas mudanças dos ventos soprados pela fortuna, passando dos malefícios aos favores em relação ao governo. Esses favores podem ser identificados na aceitação pelo STF das denúncias oferecidas pela PGR contra Bolsonaro e outros líderes do movimento golpista, da desaprovação de 56% da população à proposta de anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro, à falta de um movimento unificador da oposição e ao desempenho apenas razoável do governo Tarcísio em São Paulo.

O caos internacional causado pelo tarifaço de Trump também fez com que a fortuna sorrisse para Lula, por duas razões: 1) Bolsonaro e o bolsonarismo são associados a Trump. O presidente norte-americano é visto como alguém amalucado que semeia o pânico pelo mundo; 2) como contraponto, Lula age com racionalidade, critica o tarifaço, não radicaliza e vários de seus ministros operam soluções negociadas para evitar um estrago maior. Lula aparece como o líder que defende os interesses do país. É certo que o cenário está ainda instável e tomado por imprevisibilidades. Precisa ser decantado. Mas Lula e o governo vêm se posicionando bem e isto se transforma em ativos políticos positivos.

A soma de maior atividade dirigente com os favores da fortuna tem se traduzido numa recuperação da avaliação do governo como mostra a pesquisa Datafolha. A avaliação positiva subiu de 24% para 29% e a negativa caiu de 41% para 38%. Somados os dois ganhos, são 8 pontos e isto é significativo. Mesmo assim, a avaliação continua bastante desconfortável.

Lula lidera em todos os cenários da disputa presidencial de 2026. Mas o conjunto dos números dessas e de outras avaliações e das avaliações de outros temas, mostram que, eleitoralmente, o país continua polarizado. Mesmo que o campo de direita saia dividido em 2026, o que ainda é uma cogitação, um segundo turno será disputado de forma acirrada e a margem do vitorioso deverá ser pequena.

Com Bolsonaro fora da disputa eleitoral, o candidato potencialmente mais competitivo da direita é o governador Tarcísio. Sua avaliação positiva no governo, pelo Datafolha, é de 41%. Trata-se de uma avaliação confortável, mas não extraordinária. Juntando essa avaliação com a recuperação do governo federal e com o desempenho eleitoral de Lula, dificilmente Tarcísio arriscará uma possível reeleição no estado de São Paulo em nome de uma empreitada arriscada na corrida presidencial.

Para Lula, o ideal seria chegar com uma avaliação positiva do governo no patamar dos 40% em 2026. Mas isto parece um pouco difícil. O mais provável é que o governo possa recuperar um patamar dos 36%, desde que faça a coisa certa, mostrando ativismo, capacidade de direção e melhoria e visibilização dos programas governamentais.

Conseguir aprovar no Congresso o projeto de isenção do Imposto de Renda até os R$ 5 mil e a cobrança para quem ganha acima de R$ 50 mil será importante para o governo melhorar o desempenho nos setores de renda média. Os dois pontos têm alta aceitação popular.

 A inflação e o endividamento das famílias continuam sendo pontos vulneráveis nas camadas de renda baixa. Os bons dados da economia não serão suficientes se Lula e o governo não melhorarem o desempenho político e a comunicação, apontando um caminho de inovação e esperança para o futuro do país.

Embora a maioria da opinião pública reprove a tese da anistia, num placar de 56% contra e 36% a favor, esse jogo ainda está sendo jogado. O fato de a oposição ter conseguido o número suficiente de assinatura na Câmara para propor rito acelerado na tramitação do projeto da anistia mostra que a articulação política do governo continua frágil e com dificuldades de coordenar os interesses políticos de partidos de centro-direita que têm assento no Ministério.

O bolsonarismo está jogando esse jogo em três tabuleiros: nas redes, nas ruas e no Congresso. Com meias verdades e inverdades inteiras, os bolsonaristas procuram revestir a campanha com alta dose de emoção, apelando para os sentimentos de solidariedade ante supostas injustiças e perseguições. A dosimetria alta das penas dos condenados tende a se tornar um problema não só para o STF, mas também para o governo e os partidos progressistas e de esquerda. É preciso encontrar justificativas e argumentos sólidos para evitar de serem empurrados novamente para posições defensivas. Afinal de contas, o defensivismo político vem sendo a marca desse terceiro mandato. Não é uma posição confortável nas vésperas de uma disputa presidencial.

¨      Armínio Fraga, que geriu R$ 16 bi em fundo, acha que Brasil deve congelar salário mínimo por 6 anos, Esta é a cara da direita

Nesta sexta-feira, em palestra realizada na Brazil Conference, nos Estados Unidos, o ex-presidente do Banco Central Armínio Fraga apresentou o que, segundo matéria da CNN, seria uma "receita" para que os problemas econômicos brasileiros possam ser superados.

“Algo que seja realista e palatável. A receita é: congela o salário-mínimo e reduz os gastos tributários em 2% do PIB. Isso daria 3% do PIB (em redução de gasto público) e o Brasil virava o jogo”, afirmou.

Ele seguiu dizendo que as prioridades do gasto público no país estão “totalmente equivocadas”. “A soma do gasto com folha de pagamento e Previdência no Brasil atinge 80% dos gastos. Deveria ser 60% do gasto primário”, estimou.

<><> Sem justiça social

"PERVERSO! O ex-presidente do Banco Central, Armínio Fraga, disse que o salário mínimo não deveria ter aumento real durante SEIS ANOS, para fazer um aperto fiscal e conter o gasto público. Esses banqueiros só querem uma coisa: que os pobres sejam eternamente pobres! BILTRE!", disse em seu perfil no X, ex-Twitter, o deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP).

Armínio Fraga não é exatamente conhecido por demonstrar preocupações sociais. Em outubro de 2024, por exemplo, defendeu que o modelo do Sistema Único de Saúde (SUS), como foi concebido pela Constituição de 1988, não seria mais adequado para o Brasil. "Não acredito que seja possível voltar ao modelo original do SUS. Acho que seria mais fácil caminhar para um modelo que seja mais um híbrido de alguns modelos europeus", pontuou.

Sim, um modelo baseado em países desenvolvidos, adequado para um país em desenvolvimento como o Brasil, um dos piores do planeta em distribuição de renda, seria uma boa ideia, de acordo com a avaliação "técnica" do ex-presidente do BC. Até porque toda opinião de alguém alinhado à doutrina do liberalismo econômico é tida pela mídia corporativa como se fosse dotada de todo conhecimento supostamente técnico e, por consequência, incontestável, se assemelhando mais a um dogma religioso da Idade Média.

E as avaliações são sempre desinteressadas e neutras. Não importa se Fraga foi o presidente do BC que elevou os juros a um patamar de 45% em sua gestão, no governo de Fernando Henrique Cardoso, período em que o desemprego atingiu níveis recordes. Na Grande São Paulo, por exemplo, o índice chegou a 20,4% em abril de 2002.

<><> Capital improdutivo

Fraga assumiu a presidência do Banco Central no início de 1999, no segundo mandato de FHC. À época, o Real sobrevalorizado já fazia água e o câmbio fixo, grande alicerce da nova moeda, era substituído pelo regime de câmbio flutuante e de metas de inflação, junto com a imposição de resultados primários positivos, formando o sacrossanto tripé macroeconômico, que limita as opções econômicas do Brasil até hoje.

Ainda que muitos economistas critiquem a fórmula, eles não são ouvidos na mídia corporativa. Armínio Fraga é. Assim como outros que fizeram gestões malsucedidas, como um ex-ministro cuja gestão resultou em uma hiperinflação de mais de 80% ao mês e é tido como alguém capaz de criticar de forma ácida a política econômica e propor alternativas.

O problema de propor supostas soluções que ignoram as consequências sociais em um país cujo déficit social é histórico e ainda sem resolução não é apenas uma questão ideológica, mas se conecta com uma economia cada vez mais financeirizada e mais conectada ao chamado "mercado" do que ao capital produtivo.

Fraga é gestor da Gávea Investimentos, fundada por ele em 2003, logo depois de ter deixado a presidência do Banco Central. Em 2021, administrava R$ 16 bi em recursos que ficam restritos à ciranda financeira.

Resta perguntar: quem contribui mais para o país? Um investidor que pouco ou quase nada paga de impostos, cujo dinheiro também não é direcionado para investimentos produtivos de fato, ou o assalariado, que ganha o piso que ajuda a economia a rodar? Não é só uma questão de justiça social, é também escolha econômica que vai além de dogmas que, nem sendo repetidos ad nauseam, se tornarão verdade.

¨      Cappelli trata Armínio como 'parasita' e diz que a elite brasileira perdeu a vergonha de vez

A proposta de congelamento do salário mínimo por seis anos, defendida pelo financista Armínio Fraga durante a Brazil Conference realizada na Universidade de Harvard e no MIT, nos Estados Unidos, segue repercutindo de forma crítica entre membros do governo e da sociedade civil. Neste domingo (13), o presidente da Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI), Ricardo Cappelli, utilizou as redes sociais para reagir com dureza à fala de Fraga.

“Claro, e você topa viver esses 6 anos com este salário mínimo? A elite brasileira perdeu a vergonha de vez. Resolveu assumir sem nenhum pudor sua origem escravocrata. O desespero desses parasitas do mercado financeiro é que @LulaOficial vai ganhar DE NOVO”, escreveu Cappelli em publicação feita no X (antigo Twitter).

A manifestação do presidente da ABDI vai além da crítica econômica: denuncia o que considera ser uma postura histórica e ideológica das elites brasileiras, que se mostram dispostas a impor sacrifícios aos mais pobres enquanto preservam os privilégios de uma minoria que vive do rentismo. O uso do termo “parasitas do mercado financeiro” escancara o grau de indignação diante de uma proposta que, na prática, congela o poder de compra de trabalhadores, aposentados e pensionistas, atingindo diretamente a base da pirâmide social.

A fala de Armínio Fraga — um dos homens mais ricos do país, com patrimônio bilionário e ex-presidente do Banco Central durante o governo Fernando Henrique Cardoso — foi divulgada pelo UOL Economia. Segundo ele, o salário mínimo “não é uma boa política pública” e deveria ser corrigido apenas pela inflação por seis anos. Fraga sugeriu que os recursos economizados fossem redirecionados a transferências diretas e serviços públicos.

A declaração revela uma concepção de país baseada na contenção de direitos sociais e na manutenção da concentração de renda. Ao rebater com veemência essa proposta, Ricardo Cappelli expressa um contraponto dentro do governo Lula: o de que o desenvolvimento industrial e social exige inclusão, valorização do trabalho e enfrentamento dos privilégios históricos das elites financeiras.

¨      Pegou mal demais, Armínio. Por Leonardo Attuch

A fala de Armínio Fraga durante a Brazil Conference, em Harvard, não foi apenas infeliz. Foi sintomática de uma visão de mundo que se recusa a enxergar o Brasil real. Ao propor o congelamento do salário mínimo em termos reais por seis anos, o financista escancarou a desconexão de parte da elite econômica brasileira com a dinâmica social do país. Não faltou retórica, mas a proposta em si revelou um projeto de país onde a austeridade segue sendo aplicada de forma seletiva: aos de baixo, o arrocho; aos de cima, blindagem.

O problema fiscal brasileiro, como sabem até os iniciados no debate econômico, está diretamente associado à taxa básica de juros, uma das mais altas do planeta. Cada ponto percentual da Selic representa dezenas de bilhões de reais a mais transferidos para os rentistas, em um sistema que alimenta a concentração de renda e drena recursos do Estado. Frente a esse cenário, atacar o salário mínimo como o vilão do orçamento é não apenas incorreto do ponto de vista técnico, mas profundamente revelador do viés ideológico de quem faz essa defesa.

Valorizar o salário mínimo não é uma extravagância populista. É uma política que gera consumo, movimenta a economia local, reduz desigualdades e garante o mínimo de dignidade para milhões de brasileiros. Em um país com a desigualdade estrutural do Brasil, essa valorização deveria ser um consenso, e não alvo de propostas de congelamento vindas justamente daqueles que jamais experimentaram qualquer dificuldade financeira.

Um país menos desigual deveria interessar a todos – inclusive aos bilionários. Uma sociedade com maior inclusão social é também mais segura, mais estável e mais justa. Com menos muros, menos carros blindados, menos medo. É também mais meritocrática, como tantos do topo gostam de afirmar, mas raramente se dispõem a construir. Porque meritocracia verdadeira só é possível quando todos partem, minimamente, de uma linha de largada semelhante. E isso exige redistribuição de riquezas e oportunidades.

A fala de Armínio Fraga não apenas desconsidera essa realidade. Ela a rejeita. E, ao fazer isso, não contribui com soluções, mas com a perpetuação de um modelo que serve a poucos e fracassa para muitos. O Brasil precisa de um pacto nacional pelo combate à desigualdade. E isso passa, necessariamente, por valorizar o trabalho.

¨      Gleisi reage à "crueldade" de Armínio, que propôs congelar o salário mínimo por seis anos

A ministra das Relações Institucionais, Gleisi Hoffmann, criticou, nesta segunda-feira (14), a proposta do financista Armínio Fraga, que defendeu congelar o salário mínimo em termos reais por seis anos. Nas redes sociais, Gleisi classificou a ideia como “inacreditável” e “cruel”.

A declaração de Fraga foi feita na Brazil Conference, evento realizado na Universidade de Harvard e no MIT (Massachusetts Institute of Technology), nos Estados Unidos, no último fim de semana. Segundo o financista, o salário mínimo deveria ser corrigido apenas pela inflação durante seis anos, ou seja, sem ganhos reais.

Para a ministra, a proposta joga a conta de desajustes unicamente nas costas dos trabalhadores.

“É inacreditável que alguém defenda congelar o salário mínimo por seis anos, como fez Armínio Fraga, em palestra lá nos EUA. Não é só pelo fato inegável de que a política de aumento real do salário, criada e retomada pelo presidente Lula, promove justiça social, impulsiona a economia e faz o país crescer (diferente do tempo em que Armínio era presidente do BC). O que espanta é a crueldade da proposta, que joga unicamente nas costas dos trabalhadores a conta de desajustes que vêm de muito tempo, da apropriação de boa parte da renda pública por setores econômicos privilegiados, como ele deve saber”, escreveu Gleisi em publicação na rede social X.

Armínio Fraga foi presidente do Banco Central no governo Fernando Henrique Cardoso e, hoje, figura como um dos homens mais ricos do Brasil.

 

Fonte: Jornal GGN/Fórum/Brasil 247

 

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