sexta-feira, 4 de abril de 2025

Mundo se prepara para guerra comercial após tarifas de Trump

Países em todo o mundo se preparam, nesta quinta-feira (03/04), para responder à mais generalizada rodada de tarifas até o momento, anunciada pelo presidente dos Estados Unidos,Donald Trump, ontem, no que o republicano chamou de "Dia da Libertação".

Trump impôs uma sobretaxa mínima de 10% a todas as importações ao país, mas adotou um conceito de reciprocidade que se traduziu em alíquotas de quase 50% em alguns casos.

A reação dos governos mais afetados se limitou a promessas e comunicados até agora, enquanto autoridades calibram as respostas com base no alcance das taxas. No entanto, os mercados financeiros amanheceram com fortes perdas globalmente, diante da avaliação de que a comunidade internacional já começa a "se armar" para uma custosa guerra comercial.

<><> Europa prepara pacote de medidas

União Europeia(UE) confirmou que prepara um pacote de medidas em contraposição à tarifa de 20% da qual é alvo, mas demonstrou estar aberta a negociações para evitar uma disputa mais ampla. O bloco já vinha finalizando planos de taxar o equivalente a 26 bilhões em produtos americanos, na esteira de sobretaxas ao aço e ao alumínio iniciadas em março por Trump. 

A presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyn, classificou a situação como um "grande golpe à economia mundial".  "Parece não haver ordem na desordem. Nenhum caminho claro através da complexidade e do caos que está sendo criado à medida que todos os parceiros comerciais dos EUA são atingidos", afirmou, durante cúpula com líderes da Ásia Central no Uzbequistão.

Além dos anúncios da véspera, também entram em vigor nesta quinta-feira tarifas de 25% sobre veículos importados pelos americanos. A Associação da Indústria Automotiva da Alemanha, que têm os EUA como principal mercado, pediu a UE que "mantenha a cabeça fria" para evitar "uma escalada que apenas agravaria os danos".

Fora do bloco europeu, o Reino Unido dispõe de "uma ampla gama de instrumentos e não hesitará em usá-los", mas "permanece calmo e comprometido", de acordo com o ministro de negócios, Jonathan Reynolds. Os EUA cobrarão uma tarifa recíproca de 10% dos britânicos.

<><> China promete resposta, mas não detalha planos

Outro alvo central da Casa Branca, a China exortou os EUA a "cancelarem imediatamente" a ofensiva tarifária e prometeu impor "contramedidas resolutas" por meio de comunicado do ministério do Comércio.  Pequim, porém, não detalhou os planos. "Não há vencedores em uma guerra comercial, e não há saída para o protecionismo", ressalta a nota.

Para o país asiático, tarifas recíprocas de 34% serão acrescidas a sobretaxas já existentes de 20%. O total, de 54%, se aproxima da alíquota de 60% prometida por Trump durante a campanha eleitoral.

No Japão, o ministro do Comércio, Yoji Muto, exortou Washington a desistirem da tarifa de 24% aplicadas aos produtos do país asiático. Já o presidente interino da Coreia do Sul, Han Duck, reconheceu que uma "guerra tarifária global se tornou uma realidade".

<><> Especialistas consideram tarifas agressivas

As palavras duras refletem a percepção de que as tarifas foram agressivas, embora ainda haja incerteza sobre a implementação.  Para o estrategista Jim Reid, do Deutsche Bank, as taxas cumpriram as expectativas mais pessimistas.

"No geral, o tamanho das tarifas aumentou a sensação de um impulso para uma reorganização política radical pela nova administração dos EUA", escreveu Reid em relatório a investidores. Mas elas "não aumentaram muito a confiança de que haja um plano de implementação estratégica aprofundado".

O economista-chefe da consultoria britânica Capital Economics, Neil Shearing, também considerou as alíquotas mais altas que o esperado, particularmente para China e outros países asiáticos. Por outro lado, o Brasil está entre os "vencedores" por ter sido alvo apenas da tarifa mínima de 10%, na visão dele.

<><> "Impacto mínimo na economia brasileira”

Antes parceiros indispensáveis, EUA e Brasil se tornaram concorrentes diretos no comércio global em setores como agricultura e energia, explica à DW o chefe da Moody's Analytics para América Latina, Jesse Rogers. O resultado é que os embarques brasileiros para a maior economia do mundo são relativamente limitados, em comparação com Europa e Ásia.

"As tarifas recíprocas terão impacto mínimo na economia brasileira, já que o país não importa muito dos EUA", resume Rogers.

O economista vê potencial impacto no setor de energia, uma vez que o Brasil é grande exportador de petróleo refinado. Mas o mercado americano pode ser facilmente substituído por praças asiáticas e do Oriente Médio, de acordo com ele. Os efeitos devem ser mais indiretos. "Se as tarifas desacelerarem as economias chinesa e global, o Brasil e a América do Sul sentirão o impacto", especula.De qualquer forma, o Congresso aprovou um projeto de lei que prevê mecanismos para reciprocidade comercial. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva indicou que o país pode recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC).

¨      União Europeia se diz pronta para responder tarifaço de Trump

Chefe do Executivo da União Europeia, Ursula von der Leyen, afirmou que o bloco está "pronto para responder" às tarifas recíprocas anunciadas por Donald Trump nesta quarta-feira (2).

"Estamos preparando pacotes de medidas para proteger os nossos interesses", disse. "Nós permaneceremos juntos, nossa união é a nossa força".

Apesar do tom de confronto, von der Leyen também afirmou que a UE pretende negociar com os Estados Unidos e que ações serão tomadas caso a negociação falhe.

Segundo Trump, as tarifas recíprocas serão metade das alíquotas cobradas por outros países. Além disso, os EUA imporão uma alíquota mínima de 10% aos seus parceiros comerciais, incluindo o Brasil.

Desde o anúncio na tarde desta quarta (2), líderes mundiais têm exposto suas reações. Alguns países mostraram cautela e vontade de negociar.

<><> Veja a repercussão:

>>> Reino Unido

O secretário de Comércio do Reino Unido, Jonathan Reynolds, disse que o país não vai repensar suas regras fiscais por causa dos Estados Unidos. O representante também afirmou que os EUA permanecem com o status de "amigos" mesmo após as taxas.

Mais cedo, Reynolds disse que a reação inicial era ter calma.

"Os EUA são nossos aliados mais próximos, então nossa resposta é manter a calma e o comprometimento em fazer um acordo, que esperamos que mitigue o impacto do que foi anunciado hoje", disse Reynolds.

"Temos uma gama de ferramentas à nossa disposição e não hesitaremos em agir. Continuaremos a nos envolver com as empresas do Reino Unido, inclusive em sua avaliação do impacto de quaisquer medidas adicionais que tomarmos."

>>> Alemanha

O ministro das Finanças da Alemanha afirmou que a União Europeia precisa reagir de forma contundente às tarifas dos Estados Unidos, mas que o bloco comercial permanece aberto a buscar um acordo.

"Seria ingênuo pensar que, se apenas ficarmos parados e deixarmos isso acontecer, as coisas irão melhorar, então espero uma resposta forte da União Europeia", disse Joerg Kukies.

>>> China

A China solicitou aos EUA que cancelem as tarifas imediatamente e afirmou que pretende tomar contramedidas para proteger seus próprios interesses.

Segundo o Ministério do Comércio chinês, a medida dos EUA desconsidera o equilíbrio de interesses alcançado em negociações comerciais multilaterais ao longo dos anos e o fato de que o país tem se beneficiado grandemente do comércio internacional.

>>> Taiwan

O gabinete de Taiwan classificou as tarifas recíprocas como "muito irracionais" e afirmou que irá tratar do assunto com o país.

O órgão afirmou que a taxa de tarifa proposta não reflete a real situação do comércio entre Taiwan e os Estados Unidos.

>>> Coreia do Sul

O Ministério da Indústria da Coreia do Sul informou que Seul buscará consultas com autoridades norte-americanas, tanto em nível sênior quanto operacional, sobre as tarifas.

O órgão disse ainda que pretende analisar seu impacto específico nas indústrias e preparar medidas emergenciais de apoio o mais rápido possível.

>>> Noruega

O primeiro-ministro do país afirmou que tem a pretensão de negociar com os EUA se tiver a oportunidade.

>>> França

O presidente da França, Emmanuel Macron, disse que se reunirá com os setores afetados pelas tarifas nesta quinta-feira (3).

>>> Suíça

A associação empresarial Economiesuisse afirmou que as tarifas dos Estados Unidos sobre as importações suíças são prejudiciais e injustificadas.

>>> Austrália

Anthony Albanese, premiê da Austrália, outro aliado próximo dos EUA, disse que a decisão de Trump não é "o ato de um amigo", mas disse que seu país não vai adotar tarifas recíprocas em resposta.

"É o povo americano que pagará o maior preço por essas tarifas injustificadas. É por isso que nosso governo não buscará impor tarifas recíprocas. Não entraremos em uma corrida para o fundo do poço que leva a preços mais altos e crescimento mais lento."

>>> Irlanda

"A União Europeia e a Irlanda estão prontas para encontrar uma solução negociada com os EUA. Negociação e diálogo são sempre o melhor caminho a seguir", declarou o ministro do Comércio, Simon Harris.

>>> Espanha

Destoando da maioria das respostas, de tom mais conciliatório, o premiê espanhol, Pedro Sánchez, disse que o país "protegerá suas empresas e trabalhadores e continuará comprometido com um mundo aberto."

>>> Itália

A primeira-ministra italiana, Georgia Meloni, prometeu "fazer tudo o que pudermos para trabalhar em prol de um acordo com os Estados Unidos, com o objetivo de evitar uma guerra comercial que inevitavelmente enfraqueceria o Ocidente em favor de outros atores globais."

"De qualquer forma, como sempre, agiremos pelo interesse da Itália e de sua economia, também nos envolvendo com outros parceiros europeus", acrescentou.

>>> Suécia

"Não queremos barreiras comerciais crescentes. Não queremos uma guerra comercial", disse o primeiro-ministro, Ulf Kristersson. "Queremos encontrar nossa rota de volta para um caminho de comércio e cooperação junto com os EUA, para que as pessoas em nossos países possam desfrutar de uma vida melhor."

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>>> União Europeia

Mais cedo, a UE informou que a expectativa do anúncio já havia provocado reações antes mesmo do discurso do republicano na Casa Branca. Ursula von der Leyen disse na terça que a União Europeia tem um "plano forte" para retaliar as tarifas impostas por Washington.

"Não queremos necessariamente retaliar. Mas se for necessário, temos um plano forte para retaliar e o usaremos", afirmou, num discurso ao Parlamento Europeu em Estrasburgo. "Nosso objetivo é uma solução negociada. Mas é claro que, se necessário, protegeremos nossos interesses, nosso povo e nossas empresas."

Os EUA anunciaram uma tarifa de 20% sobre produtos europeus.

¨      Primeiro trimestre de Trump deteriora economia americana, reorganiza dinâmicas globais e acelera surgimento de ordem multipolar

A combinação de políticas protecionistas agressivas, realinhamentos geopolíticos disruptivos e deterioração econômica resume o primeiro trimestre de 2025 dos EUA e, consequentemente, de todo o mundo. 

Enquanto o presidente americano reorganiza as relações internacionais através de tarifas punitivas e de uma abordagem agressiva na diplomacia, os indicadores econômicos domésticos pintam um quadro preocupante: as bolsas americanas acabam de fechar seu pior trimestre desde 2022, com S&P 500 recuando 4,6% e Nasdaq despencando 10,4% no primeiro trimestre de 2025. 

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Ainda há uma tendência de piora nestes dados econômicos, tendo em vista o pacote de tarifas que serão anunciadas nesta quarta-feira (2), o “dia da libertação” da economia norte-americana, nas palavras do próprio presidente. O mercado internacional espera mais detalhes sobre o tamanho e a agressividade do conjunto de medidas econômicas para dimensionar danos e, aí sim, refletir em indicadores. 

O setor tecnológico, motor da economia americana nas últimas décadas, foi particularmente castigado: ações da Nvidia caíram 13,2%, Meta 13,7%, e a Tesla chegou a despencar 15,4% em um único dia após declarações ambíguas de Trump sobre a economia. 

As tarifas sobre insumos críticos como aço e alumínio já pressionam os custos de produção, enquanto a ameaça de sobretaxar os "15 Sujos" - países considerados com piores práticas comerciais - cria um ambiente de paralisia decisória entre investidores. 

Este cenário, somado às diversas ameaças que Donald Trump e seus assessores próximos vêm fazendo a países nos quatro cantos do mundo, vem afastando parceiros históricos dos EUA da dinâmica econômica ocidental, que nos habituamos a chamar de globalização. 

A reunião entre China, Japão e Coreia do Sul em Tóquio, neste domingo (30), por exemplo, representa um sintoma claro desta nova realidade. As três gigantes economias asiáticas estão buscando aprofundar uma cooperação econômica regional, em conjunto, em busca de uma alternativa ao sistema ocidental. 

Quando o chanceler japonês Takeshi Iwaya fala em "ponto de virada na história", em seu discurso na ocasião, refere-se ao reconhecimento de que a ordem liderada pelos EUA já não oferece a estabilidade de outrora. Portanto, é preciso olhar para os vizinhos como canais de cooperação econômica mais viáveis. 

Já a União Europeia se vê forçada a repensar sua dependência econômica e estratégica de Washington. Sob o impacto de sobretaxas de 25% sobre veículos europeus e ameaças de medidas similares em outros setores, o bloco acelera planos para reduzir vulnerabilidades, desde incentivos à indústria local até a diversificação de parcerias comerciais com China e Mercosul. 

Os primeiros meses do governo Trump 2.0 revelam uma contradição fundamental: enquanto suas políticas buscam reafirmar a hegemonia americana, seus efeitos imediatos minam as bases econômicas dessa mesma liderança. A OCDE já revisou para baixo as previsões de crescimento global, de 3,3% para 3,1% em 2025, citando justamente as "barreiras comerciais" e "incertezas políticas" geradas por Washington.

Neste novo tabuleiro geopolítico, onde Trump trata soberanias como ativos negociáveis, os países são forçados a repensar suas alianças e estratégias. O risco é que, ao buscar fortalecer o poder americano através da força bruta econômica, a administração Trump acabe catalisando justamente o surgimento de uma ordem multipolar onde os EUA terão, no máximo, um assento à mesa - não a cadeira de comando.

 

Fonte: DW Brasil/g1/Brasil 247

 

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