quinta-feira, 10 de abril de 2025

Como Japão 'parou no tempo' depois de milagre econômico

Japão tem fama de ser um país moderno, com tecnologia de ponta, quase futurista.

Mas, no ano passado, os japoneses comemoraram o fim de uma guerra um tanto quanto inusitada.

Uma guerra silenciosa, que passou despercebida para maior parte do mundo. Uma guerra contra... disquetes.

Em 2021, o então ministro de Transformação Digital, Taro Kono, reclamou que os japoneses ainda eram obrigados a usar disquetes quando precisavam mandar documentos ao governo.

Três anos depois, essa exigência foi finalmente aposentada, e ele declarou triunfante: "Vencemos a guerra contra os disquetes!".

O exemplo é simbólico de como o Japão, que costumava ser visto já como o país do futuro, acabou ficando preso no passado.

Nos anos 1980, muito do que existia de mais moderno no mundo vinha do Japão.

Na época, a economia japonesa se tornou a segunda maior do mundo e muita gente achava que ela poderia até acabar ultrapassando a dos EUA — inclusive os próprios americanos.

Mas não foi isso que aconteceu. No fim, o Japão que todo mundo esperava nunca veio. O país simplesmente estagnou.

·        Milagre japonês

Quando a Segunda Guerra acabou, o Japão estava destruído.

Como parte de um projeto pra se reerguer, o país decidiu se voltar para a indústria - e teve um aliado muito importante: os EUA.

É o que explica o professor Hiroaki Watanabe, da Universidade Ritsumeikan de Kyoto.

"Depois do fim da Segunda Guerra Mundial, o mundo estava vivendo um sistema dividido em dois polos, capitalistas versus comunistas, durante a Guerra Fria. E claro que, para os EUA, o Japão passou a ser muito importante", diz Watanabe.

Na época, tudo indicava que os comunistas venceriam a guerra civil na China — como de fato aconteceu. Por isso, era importante para os americanos que a economia do Japão estivesse forte pra conter a influência do movimento comunista na região.

E a estratégia de apostar na industrialização deu certo. Durante os anos 1960, o Japão crescia muito mais do que os EUA — em um ritmo que chegou a ultrapassar 10% ano ano.

Na época, era relativamente fácil para o Japão exportar seus produtos. A moeda local, o iene, valia pouco em relação ao dólar — o que fez com que os produtos japoneses ficassem muito baratos no resto do mundo.

Os EUA, especialmente, acabaram sendo tomados por produtos japoneses, como carros da Toyota e walkmen da Sony.

E o Japão se tornou a segunda maior economia do mundo.

·        Comércio desequilibrado

Só que esse crescimento forte do Japão tinha um problema: os japoneses vendiam muito mais aos EUA do que compravam — e, com o tempo, isso passou a incomodar.

Em 1985, os dois países fizeram um acordo em que basicamente o Japão concordava em valorizar o iene em relação ao dólar — o que tornou os produtos japoneses mais caros e muito mais difíceis de exportar.

Por que o Japão concordou com esse plano?

"Eu acho que essencialmente é porque… um grande motivo é que o Japão depende dos EUA para a segurança. Então é muito difícil resistir a uma demanda dos EUA com esse tipo de desequilíbrio de poder", diz Watanabe.

Com a diminuição das exportações, a economia japonesa desacelerou.

Para tentar resolver esse problema, o governo decidiu baixar seus juros. A ideia era incentivar as pessoas e empresas a gastarem, já que pegar dinheiro emprestado estava mais barato.

Esse dinheiro foi usado tanto na bolsa de valores quanto para a compra de imóveis — o que provocou uma disparada nos preços das ações e o do metro quadrado.

Na época, analistas chegaram a dizer que só uma área próxima do Palácio Imperial de Tóquio valia o mesmo que todo o Estado da Califórnia, mais de 400 mil vezes maior em área.

Os bancos passaram a aceitar propriedades caríssimas como garantia para fazer empréstimos.

Mas na prática, não havia justificava para um aumento tão grande nem no valor dos imóveis, nem no valor das ações.

Em outras palavras: se tratava de uma bolha.

E no início dos anos 1990 essa bolsa finalmente estourou. A bolsa entrou em colapso, milhares de negócios quebraram e o valor dos imóveis despencou.

Com isso, os bancos, que contavam com o valor desses imóveis como garantia, também ficaram em situação difícil. E os empréstimos pararam — inclusive para o setor privado, que ficou sem dinheiro para investir.

O que ninguém esperava é que esse impacto fosse durar décadas, como explica a professora de Sociologia da London School of Economics and Political Science (LSE), Kristin Surak.

"É uma pergunta difícil de responder, o que causou a estagnação, ou por que o Japão está levando tanto tempo pra se recuperar. E eu acho que mesmo no Japão não há uma resposta clara", diz.

·        As décadas perdidas

A partir do início dos anos 1990, o Japão passou cerca de 20 anos praticamente sem inflação.

Na prática, isso significa que era possível comprar alguns produtos em 2010 pagando quase o mesmo preço que em 1992.

E quando as pessoas compram pouco, os preços caem — e as empresas podem ir à falência.

Por um lado, isso permitiu que os japoneses mantivessem seu poder de compra — porque os salários também continuaram praticamente iguais durante todo esse período. Só que eles tinham baixo poder de compra.

Para tentar incentivar o consumo, o país começou a imprimir mais dinheiro e baixou ainda mais a taxa de juros. Essa é uma das principais ferramentas de um governo para estimular a economia.

Mas, no caso do Japão, não deu certo.

"O governo estava tentando fazer a economia se aquecer o tempo todo. [Imprimir mais dinheiro] é uma escolha óbvia para qualquer governo. Mas o Japão não estava reagindo às soluções clássicas da economia que geralmente são oferecidas."

Mesmo com a taxa de juros próxima de zero, as pessoas continuavam sem gastar — o que alguns analistas atribuem pelo menos em parte a uma questão cultural.

"Os japoneses se preocupam muito com o futuro, com a saúde e aposentadoria. Então, em vez de gastar, se eles ganham algum dinheiro, eles economizam."

Para deixar a situação ainda mais complexa, o Japão foi também a primeira potência industrial que viu sua população encolher. O país vem registrando cada vez menos nascimentos e pode perder um quinto da sua população atual até 2050.

E é difícil aumentar a produção tendo menos gente para produzir.

Nesse caso, a saída é aumentar a produtividade — ou seja, a capacidade de fazer mais com menos.

Mas o Japão também é o país com a menor produtividade entre as sete maiores economias do mundo.

E parte da explicação talvez pareça contraintuitiva: a taxa de desemprego é muito baixa. Só que isso acontece justamente porque muitas das pessoas que estão empregadas estão em trabalhos pouco produtivos ou desempenhando funções que, em outros países, já foram automatizadas.

"No Japão, por exemplo, você encontra talvez seis pessoas orientando o trânsito em um estacionamento pequeno, e isso não precisa acontecer", diz Surak.

O ex-correspondente da BBC em Tóquio, Rupert Wingfield-Hayes, passou muitos anos no Japão. Ele foi embora em 2023, e antes de sair fez a seguinte análise: "Quando pensamos nos elegantes trens-bala do Japão ou na maravilhosa fabricação em linha de montagem da Toyota, podemos facilmente pensar que o Japão é o modelo da eficiência. Mas não é. A burocracia pode ser assustadora e enormes montantes de dinheiro público são gastos em atividades de utilidade duvidosa".

Um exemplo estaria bem debaixo dos pés de quem passa em ruas do Japão: os bueiros. Ou melhor, as tampas dos bueiros. Elas são lindas — mas são, também, caras.

Em 2023, cada uma podia custar até US$ 900, ou mais de R$ 5 mil.

Existe inclusive uma Sociedade Japonesa das Tampas de Bueiro, que afirma que existem milhares de desenhos de tampas diferentes no país.

Muita gente vê nisso tudo uma indicação dos motivos que levaram o Japão a ter uma das maiores dívidas públicas do mundo, atrás apenas do Sudão.

E essa conta é agravada por uma população envelhecida que não consegue se aposentar devido à pressão sobre as aposentadorias e o sistema de saúde.

·        Tranquilidade

Mas, apesar de tudo isso, não há nenhum protesto nas ruas.

Pra quem vê de fora, parece inclusive que as coisas na verdade estão indo até que surpreendentemente bem.

A criminalidade é muito baixa e a expectativa de vida é muito alta. A educação é uma das melhores do mundo, e o índice de desemprego não é um problema.

Além disso, como a população está encolhendo, ainda há muita oferta de emprego.

"A situação não é tão ruim quanto em vários outros países, pelo menos é relativamente fácil conseguir um emprego hoje em dia, ainda que não seja bem pago. O salário é bastante baixo, mas dá para sobreviver", diz Watanabe.

Parte da explicação para essa normalidade aparente pode estar no fato de que, antes de parar de crescer, o Japão era muito rico.

Tão rico que, apesar de ter passado 30 anos estagnado, o Japão caiu apenas do segundo para o quarto lugar entre as maiores economias do mundo.

Mas, em 2022, as coisas começaram a mudar — ainda que de leve. A inflação ultrapassou os 2% depois da pandemia e do início da Guerra da Ucrânia — e se manteve acima desse patamar desde então. E o Banco do Japão elevou a taxa de juros para o patamar mais alto desde 2008.

Mas ainda não se sabe qual vai ser o impacto disso no longo prazo.

"Se você falar com economistas no Japão e com o governo, eles geralmente são bem realistas dizendo algo como: "nós queremos ficar entre as 10 maiores economias do mundo", uma coisa que você não ouve com frequência de países que até recentemente eram a segunda maior economia do mundo", diz Surak.

Pelo menos parte desse pessimismo em relação ao futuro se deve ao fato de que os próprios japoneses reconhecem que em muitas áreas o país ainda continua preso ao passado.

No mesmo dia em que declarou guerra contra os disquetes, o então ministro de Transformação Digital prometeu se livrar de um outro inimigo da modernidade: a máquina de fax.

Mas, pelo menos por enquanto, ela continua firme e forte — inclusive nos prédios do próprio governo.

¨      Como ‘ressentimento’ de Trump com o Japão alimentou fixação por tarifas que já dura 40 anos

Quando a sorte de Donald Trump piorou nos anos 1990 e havia a necessidade de conseguir dinheiro rápido, ele navegou em seu superiate de 85 metros — o Trump Princess — para a Ásia, com o objetivo de atrair investimentos no Japão.

Não foi a primeira vez que o empresário procurou compradores ou credores japoneses para os projetos que tinha em mente.

No mundo implacável do mercado imobiliário de Nova York dos anos 1980, Trump tinha uma posição privilegiada de seu arranha-céu na Quinta Avenida para assistir à compra de marcas e propriedades icônicas dos Estados Unidos — como o Rockefeller Center — por investidores de Tóquio.

Foi nesse caldo que a visão de mundo de Trump sobre o comércio e as relações dos EUA com aliados começou a ser formada — e a fixação com tarifas e impostos sobre importações, surgiu.

"Ele tinha um tremendo ressentimento pelo Japão", destaca Barbara Res, ex-vice-presidente executiva da Trump Organization.

O atual presidente dos EUA assistiu com inveja enquanto os empresários japoneses eram vistos como gênios, lembra Res.

Trump achava que os Estados Unidos não recebiam o suficiente em troca de ajudar o aliado Japão em setores como defesa militar.

<><> As primeiras opiniões sobre o assunto

Trump frequentemente reclamava que tinha dificuldades em fazer negócios com grandes grupos de empresários japoneses.

"Estou cansado de ver outros países roubando os Estados Unidos."

Essa frase dita por Trump poderia ter sido retirada de campanhas políticas, mas na verdade é do final dos anos 1980, quando ele fez uma aparição no programa Larry King Live da CNN, na época em que se lançou pela primeira vez como um potencial candidato à presidência.

Logo após compartilhar sua filosofia empresarial num livro de 1987, A Arte da Negociação, Trump fez um discurso contra as políticas comerciais dos Estados Unidos em outras entrevistas.

Numa conversa animada com Oprah Winfrey diante de uma plateia ao vivo no programa The Oprah Show, ele disse que lidaria com a política externa de forma diferente, ao fazer que os aliados do país "pagassem uma parte justa".

Ele acrescentou que não existia livre comércio quando o Japão "despejava" produtos no mercado americano, mas tornava "impossível fazer negócios" lá.

Jennifer Miller, professora associada de História no Dartmouth College, nos EUA, explica que outros profissionais do ramo dos negócios compartilhavam as mesmas preocupações sobre a economia naquela época.

O Japão representava uma concorrência para o mercado de manufatura dos EUA, particularmente em eletrônicos de consumo e carros.

À medida que as fábricas dos EUA fechavam e novas marcas japonesas entravam no mercado, os especialistas falavam sobre o Japão ultrapassar os EUA como a primeira economia mundial.

"Trump é meio que um símbolo de muitas pessoas que questionavam a liderança americana na ordem internacional liderada pelos EUA, e se essa ordem realmente servia aos Estados Unidos", diz Miller.

Antes de sua aparição no programa da Oprah, Trump gastou quase US$ 100 mil (R$ 580 mil, na cotação atual) para lançar uma "carta aberta" em anúncios de página inteira em três grandes jornais dos Estados Unidos.

A manchete dizia: "Não há nada de errado com a Política de Defesa Externa dos EUA que um pouco de coragem não possa curar."

No texto, ele defendia que o Japão e outras nações tiravam vantagem dos EUA há décadas.

Ele afirmava que "os japoneses, sem impedimentos pelos enormes custos de se defenderem (desde que os Estados Unidos o façam de graça), construíram uma economia forte e vibrante com superávits sem precedentes".

Trump acreditava que a solução óbvia era "taxar" essas nações ricas.

"O mundo dá risadas dos políticos americanos enquanto protegemos navios que não possuímos e transportamos petróleo que não precisamos, destinados a aliados que não nos ajudarão", escreveu ele à época.

<><> Prenúncio do que viria pela frente

O anúncio servia como uma introdução potente à visão de política externa de Trump, de acordo com Miller.

Ela foi construída sobre a crença de que os aliados são aproveitadores e que a abordagem internacionalista liberal que dominava desde a Segunda Guerra Mundial era fraca e tola em um mundo competitivo.

A solução, ele argumentava no artigo, era uma política comercial mais agressiva e protecionista.

"Acho que essa é uma das razões pelas quais Trump gosta tanto de tarifas. Elas se encaixam não apenas em sua ideologia transacional, mas em seu senso de si, que está profundamente enraizado na figura de um negociador bem-sucedido", avalia a especialista.

"Há também o fato de que tarifas podem ser ameaçadas; elas podem ser infligidas sobre outro país", complementa ela.

Clyde Prestowitz liderou as negociações com o Japão durante o governo Ronald Reagan como conselheiro do secretário de Comércio.

Um crítico de longa data das políticas de livre comércio, ele opina que ninguém que fosse intelectualmente sério era afiliado a Trump ou a sua abordagem simplista daquele período.

Prestowitz argumenta que o atual presidente ainda não ofereceu uma solução real para os problemas que levantou.

"Tarifas são uma coisa meio chamativa, que você pode dizer 'olha o que eu fiz, eu prejudiquei aqueles caras'... As tarifas pode dar uma ideia de um cara durão. Se elas são ou não eficazes de alguma forma é algo aberto à discussão."

Prestowitz acredita que o problema real naquela época e também agora é que os EUA não têm uma política de manufatura estratégica, apesar de reclamarem sobre um comércio supostamente injusto.

Claro, os medos da ascensão do Japão se acalmaram com o tempo e agora o país é um aliado.

Recentemente, Trump recebeu o primeiro-ministro do Japão, Shigeru Ishiba, no Salão Oval como um dos primeiros emissários estrangeiros no início de seu segundo mandato.

Em vez disso, a China se tornou o concorrente corporativo mais feroz dos Estados Unidos.

Mas a filosofia de governo de Donald Trump ainda é a mesma desde quando ele era um jovem empreendedor imobiliário.

Ele ainda acredita fortemente em tarifas como uma ferramenta para pressionar outros países a abrir mercados e a reduzir déficits comerciais.

"Ele simplesmente diz isso o tempo todo para qualquer um que queira ouvir há 40 anos. E, para ser justo com ele, você sabe que essa é uma maneira muito natural de ver o comércio internacional", pondera o economista Michael Strain, do grupo conservador American Enterprise Institute.

Strain diz que os alunos geralmente compartilham o pensamento intuitivo de Trump sobre a economia, e um dos grandes desafios que os professores enfrentam é convencê-los de que esse entendimento está errado.

O especialista não acha que, apesar do domínio de Trump no Partido Republicano, com uma postura que derrubou décadas de apoio ao livre comércio, esse discurso tenha convencido legisladores céticos, líderes empresariais e economistas.

Os pontos de discórdia permanecem nas visões de que importações estrangeiras são ruins, que o tamanho do déficit comercial é uma medida útil de sucesso político ou que o mundo ideal para a economia dos EUA é importar apenas bens que não podem ser fabricados no país.

Strain acredita que as ameaças de aumentar tarifas sobre aliados dos EUA podem reduzir o investimento empresarial e enfraquecer alianças internacionais.

<><> O que está por trás das tarifas de Trump

Já Joseph LaVorgna, que foi economista-chefe do Conselho Econômico Nacional dos EUA durante o primeiro mandato de Trump, acredita que houve um foco muito estreito nas tarifas, com uma tentativa insuficiente de entender o panorama geral do que o atual presidente quer fazer.

Para ele, Trump deseja galvanizar a indústria nacional, em particular a manufatura de alta tecnologia.

Para LaVorgna, o governo sente que pode encorajar mais corporações a virem para os EUA ao usar tarifas e combiná-las com desregulamentação, energia mais barata e impostos corporativos baixos, caso essas medidas sejam promulgadas pelo Congresso.

"Acho que o presidente Trump entende algo que é muito importante, por ser um empresário: o livre comércio é ótimo na teoria, mas no mundo real você precisa ter um comércio justo num campo de jogo nivelado."

LaVorgna aposta que Donald Trump está certo. Poucos republicanos se opuseram publicamente ao presidente, pois ele exige lealdade à agenda atual.

Ainda assim, alguns que permaneceram em silêncio entendem que os eleitores podem ser impactados pelo aumento dos preços e esperam convencer Trump a não seguir adiante com suas amadas tarifas.

 

Fonte: BBC News

 

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