Acordos
MEC-USAID: como EUA e ditadura militar se uniram para atacar a educação
brasileira
No
início de fevereiro, um anúncio feito pelo presidente norte-americano Donald
Trump causou grande celeuma na mídia. O mandatário afirmou que fecharia a
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID), órgão que concentra
a provisão de assistência externa e as ações de “ajuda humanitária” do governo
norte-americano.
Trump
justificou a ação apelando para o chauvinismo patriótico do “America first”,
dizendo que o órgão desperdiçava o
dinheiro dos
contribuintes para fazer caridade em terras alheias. Acusou igualmente a
agência de “promover a ideologia woke”, um espantalho frequentemente utilizado
para mobilizar seus apoiadores no Partido Republicano.
O
anúncio de Trump escandalizou a imprensa liberal, gerando uma onda de
reportagens lamentando o fim da agência “responsável por fornecer 40% de toda a
ajuda humanitária do mundo”. O possível fechamento da USAID comoveu até mesmo
parlamentares da esquerda brasileira, que foram às redes sociais denunciar a
tragédia iminente.
A
comoção, no entanto, é mal justificada. Um olhar mais crítico sobre o histórico da USAID revelaria que a
agência tem causado muito mais danos com sua “filantropia” do que benefícios.
Desde
sua fundação em 1961, a USAID tem servido como uma ferramenta para
avançar os interesses geopolíticos e econômicos do governo norte-americano. Durante a Guerra
Fria, buscando combater a influência soviética e os movimentos populares de
esquerda na América Latina, a USAID apoiou operações de desestabilização,
ingerência política, troca de regime e fortalecimento da extrema-direita —
frequentemente mascarando o repasse de recursos sob fachada humanitária.
No
Brasil, a agência foi uma das principais parceiras da ditadura militar. E o
nosso sistema público de ensino foi uma de suas vítimas.
- Os Acordos
MEC-USAID
Desde
fim dos anos 50, o governo
norte-americano já buscava intervir na política brasileira, mobilizando os
setores conservadores através da ação de think tanks ligados à CIA — o
Instituto Brasileiro de Ação Democrática (IBAD) e o Instituto de Pesquisas
Econômicas e Sociais (IPES).
Esses
esforços foram intensificados a partir de 1961, depois que João Goulart assumiu
à Presidência. A USAID se tornou um vetor adicional da ofensiva
norte-americana. A agência passou a financiar os governadores que faziam
oposição a Goulart, fornecendo recursos para serem empregados em programas de
forte impacto social.
As
agências e organizações ligadas ao governo norte-americano tiveram papel
fundamental em articular a ruptura institucional, financiando campanhas
antigovernistas, cooptando parlamentares e organizações conservadoras e
articulando protestos. Por fim, o governo dos Estados Unidos garantiu aos
golpistas brasileiros apoio militar para efetuar a deposição de Goulart durante
a “Operação Brother Sam”.
Com a
deposição de João Goulart em 1964 e a subsequente instauração da ditadura
militar (1964-1985), o governo brasileiro iniciou uma série de modificações das
políticas públicas nacionais, visando adequá-las aos ditames do governo
norte-americano.
Uma das
primeiras medidas tomadas pelos militares após o golpe foi assinatura dos
Acordos MEC-USAID, firmados entre o Ministério da Educação do Brasil (MEC) e a
Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional. Para efetuar a
implementação do programa, o governo norte-americano impôs ao regime militar a
contratação de assessoramento remunerado, pago com verbas do erário.
Os
Acordos MEC-USAID tinham como proposta inicial avançar a agenda de privatização
do ensino público, motivo pelo qual demandavam limitação dos investimentos do
governo na educação. O acordo também previa a redução do ensino de ciências
humanas.
Matérias
como filosofia, sociologia e educação política foram retiradas do currículo
escolar, sob a alegação de que eram “obsoletas”. O curso de história, por
exemplo, teve sua carga horária cortada pela metade. Por outro lado,
criaram-se novas disciplinas, como “Educação Moral e Cívica”.
O
objetivo dessas alterações era substituir matérias que fomentassem o pensamento
crítico e a capacidade analítica por outras que facilitassem a doutrinação, o
controle social e a exaltação ufanista do regime. Ao mesmo tempo, o enfoque
tecnicista visava subordinar o currículo do ensino público às necessidades
econômicas e aos interesses do mercado.
A
reforma instituiu o ensino obrigatório da língua inglesa nas escolas públicas e
adaptou o currículo-base de todas as matérias ao conteúdo programático dos
cursos norte-americanos. O ensino básico foi reduzido de 12 para 11 anos,
resultando em um ciclo de níveis inferior ao dos Estados Unidos, Canadá e
países europeus.
Os
antigos cursos primário (cinco anos) e ginasial (quatro anos) foram fundidos
com o nome de “primeiro grau” e duração total de oito anos. O curso científico
e o clássico também foram fundidos e renomeados como “segundo grau”. O regime
militar também se comprometeu a privatizar as universidades públicas e investir
verbas do erário no fomento às fundações e universidades particulares.
- A reação dos
estudantes
Em
1966, documentos relacionados aos Acordos MEC-USAID vazaram para o público,
causando forte repercussão negativa. Educadores e estudantes se indignaram com
a ingerência de um país estrangeiro nos assuntos educacionais brasileiros e
iniciaram uma série de protestos. O governo militar respondeu com repressão
brutal, além de colocar as entidades estudantis na clandestinidade.
As
críticas, entretanto, continuaram e logo ecoaram na imprensa internacional.
Pressionado, o regime militar acabou por instituir um grupo de estudos para
modificar a reforma ditada pela Casa Branca em 1968.
A
reforma foi “abrasileirada” e os tópicos mais controversos — tais como a
privatização das universidades públicas — foram retirados da pauta. A maioria
das modificações efetuadas pelos Acordos MEC-USAID, entretanto, continuaram em
vigor e muitos elementos dessa reforma seguem existindo até hoje no ensino
público.
- Fortalecimento
das forças repressivas
Além da
reforma educacional, a USAID financiou um amplo programa de fortalecimento das forças
policiais e dos órgãos de repressão do governo brasileiro. Embora tenha sido
iniciado antes do golpe de 1964, o programa foi substancialmente ampliado
durante a ditadura.
Por
intermédio da USAID, o governo norte-americano forneceu treinamento,
equipamentos e apoio técnico às forças de repressão no Brasil. Forças policiais
receberam armas, veículos, sistemas de comunicação e de vigilância. Os agentes
recebiam cursos de “combate a atividades subversivas” e de “manutenção da
segurança interna” e os oficiais eram mandados para treinamentos especiais na
Academia Interamericana de Polícia, na base militar de Fort Davis, no Panamá.
O apoio
da USAID foi fundamental para o consolidar o aparato repressivo do regime
militar, pavimentando o caminho para a criação do Departamento de Ordem
Política e Social (DOPS) e dos Destacamentos de Operações de Informações –
Centros de Operações de Defesa Interna (DOI-CODI). Essas unidades seriam
responsáveis por perseguir, torturar e assassinar centenas de de opositores
políticos, estudantes, sindicalistas e militantes da esquerda.
Fonte:
Por Estevam Silva, em Opera Mundi

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