quarta-feira, 9 de abril de 2025


 

II Guerra, 80 anos depois: como vencer o fascismo?

Dez anos atrás, eu chegava a uma pequena cidade no norte da Itália com a finalidade de pesquisar sobre a resistência partigiana durante a Segunda Guerra. Em 2015, completavam-se 70 anos da libertação dos italianos graças à coragem, luta e resiliência de brigadistas civis como Ferruccio Fellegara, sobre quem eu estava pesquisando para o processo de escrita de uma biografia.

Para minha surpresa, ao lado do Castello Visconteo, em Voghera, um local emblemático para a resistência, uma placa com seis nomes havia sido instalada. Uma homenagem a um pequeno grupo de fascistas mortos ali. Um tributo concedido fazia poucos anos pelo poder público da cidade – cada vez mais à direita – em atendimento a uma solicitação da Associação Nacional dos Familiares das Vítimas e Desaparecidos da República Social Italiana.

Desde então, a cada dia 25 de abril, familiares da “vítimas” (meia dúzia de paramilitares Camisas Negras que tinham praticado todo tipo de horror, de sabotagens e emboscadas contra jornalistas, sindicalistas, grevistas, intelectuais, ferroviários etc, e que haviam participado de um massacre ao grupo partigiano do qual fazia parte Ferruccio Fellegara, único sobrevivente) colocavam uma coroa de flores aos pés da placa. Sem demora, o revide chegava através de militantes de esquerda que arrancavam a coroa, fixavam cartazes e pichavam frases de repúdio ao fascismo. Segundo moradores, atendentes de cafés e donos de restaurantes de Voghera, as provocações vinham num crescente. O rumo das coisas, afirmavam, não era nada animador.

Naquele mesmo mês, a poucos metros dali, na Piazza Duomo, o nacionalista de extrema direita Matteo Salvini estava em comício e declamava um discurso inflamado, xenófobo, de criminalização de imigrantes, para uma população entusiasmada, que vibrava a cada frase repleta de impropérios, a cada evocação do sentimento nacional ufanista. Naquela mesma praça, onde após árdua luta, em 25 de abril de 1945 os voghereses celebraram o fim da ocupação nazista de Hitler e do regime ditatorial de Mussolini, eu assistia à um revival incômodo. Claro que, na função de jornalista, acompanhava a guinada mundial para a direita e a ascensão de partidos como a Frente Nacional na França, o Ukip no Reino Unido, o AfD na Alemanha, o FPO na Áustria, o DPP na Dinamarca, o Jobbik na Hungria, além do próprio Liga Norte de Matteo Salvini. Mas ver a olhos nus aquele ultranacionalismo hidrófobo, foi aterrador.

Eu havia desembarcado naquela região da Lombardia vindo de um Brasil em que o ano de 2015 testemunhava multidões vestidas com a camisa da seleção brasileira de futebol indo às ruas em apoio a um golpe parlamentar que catapultaria Dilma Rousseff um ano depois. Jair Bolsonaro, até então um deputado do baixo clero, um grosseirão que destratava as jornalistas mulheres, fazia pronunciamentos a favor da tortura, da ditadura e enaltecia a pena de morte, já era um nome que começava a causar alvoroço entre os verde-amarelos CBFs. Era preciso pressionar o botão do alarme.

Meu intento em contar a história de Ferruccio Fellegara embutia um recado sobre a dificuldade que é expulsar o capiroto depois que ele se instala. Se 20 anos de ditadura não pareciam provocar recordações nefastas em boa parte dos brasileiros, quem sabe um relato contundente sobre os 20 meses da intensa luta partigiana no norte da Itália. Uma luta desigual tendo, de um lado, dois exércitos (o italiano e o alemão), e do outro civis desarmados ou munidos de armas pequenas em missões praticamente suicidas para se livrarem do monstro que nascera pequeno, na figura extravagante de Mussolini. Uma personagem bufa que muitos deram como certo seu insucesso. Deu no que deu: um país destroçado, que obrigou milhares de italianos a migrarem para o Brasil, onde muitos de seus descendentes, naquele exato momento, orgulhosamente se prestavam ao papel de bucha de canhão para uma direita tosca e perversa. Uma geração de oriundi que inflava a figura de Sergio Moro, um patético arremedo do juiz Antonio di Pietro da operação Mani Pulite, que escancarava a mesma cruzada ambiciosa de carreira política evocando valores moralistas e disseminando o maniqueísmo “políticos são os vilões, magistrados são os super-heróis”. Uma reprise nauseabunda.

A biografia de Ferruccio Fellegara era meu primeiro livro. Depois de pronto, o livro de um autor desconhecido não alcançou quase ninguém além de amigos e familiares, muitos deles com ascendência italiana e até parentes de abnegados e combativos partigiani que, para surpresa de zero pessoas, desgostaram da publicação uma vez que estavam receosos com o “bolivarianismo comunista”. Deu no que deu: aquelas pessoas que não viram nada de errado no áudio “com o Supremo, com tudo”, alguns anos depois invadiram com tudo o Supremo, o Congresso e o Palácio do Planalto.

“Vai pra Cuba”, me ordenavam. Fui para a Itália, onde o caldo para uma ressurgência fascista ao poder estava mais do que nítido em 2015 com aqueles “personagens que parecem ter sido selecionados para uma filmagem do Monty Python”, como escreve Giuliano Da Empoli no livro Os Engenheiros do Caos. Segundo Empoli, a Itália sempre exerceu a função de balão de ensaio para experiências políticas populistas, frequentemente destinadas a serem reproduzidas em outras partes do mundo. Não à toa Steve Bannon, nessa mesma época, criou um centro de formação de extrema direita para jovens católicos ultraconservadores num mosteiro na Itália. O Instituto para a Dignidade Humana é um projeto ideológico obscuro, descrito como “escola de gladiadores para guerreiros culturais”.

Eu testemunhava tudo aquilo e só me lembrava de Antonio Gramsci: “O velho mundo está morrendo. O novo mundo demora a aparecer. E nesse interregno surgem os monstros”.

Algo precisava ser feito. Entretanto, não raramente ao longo da história nota-se certa dificuldade na percepção da iminência de um monstro, de sua gestação antes do parto. E nada foi feito.

Assim, dez anos depois, em 2025 “o país da bota” não apenas tem como primeira-ministra Giorgia Meloni, a neofascista que se elegeu com o infatigável lema Deus, pátria e família, como vê seu Supremo Tribunal decidir que saudações fascistas são legais. O gesto mais famoso da dupla Adolf e Benito – o braço direito erguido com a mão espalmada voltada para baixo – só é considerado ilegal “se puser em perigo a ordem pública ou promover o ressurgimento de ideologias fascistas”. Bugou, leitor? Eu também.

Como negacionistas de plantão buscaram a relativização alegando a possibilidade ser também a “saudação romana”, um eufemismo esdrúxulo e sem amparo nenhum na história, pois ela não tem nem nunca teve qualquer relação com a Roma Antiga, e sim com a fundação do movimento fascista italiano em 1919, hoje não podemos nos surpreender com os braços direitos erguidos de Elon Musk e Steve Bannon na “maior democracia do mundo”. E assim mundo afora temos essas demonstrações desavergonhadas com o ressurgimento de centenas de grupos neonazis.

Uma década depois de minha pesquisa sobre a derrocada do fascismo e expulsão das tropas nazistas pelas brigadas partigianas, a ressurgência nazifascista alcança o poder em diversos países e eu só me lembro do microconto de Augusto Monterosso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Enquanto dormíamos, o monstro cresceu e desenvolveu tentáculos. Após os primeiros sinais – ou nem tão primeiros assim -, hoje acompanhamos Netanyahu promover um genocídio com transmissão ao vivo; vemos Trump ameaçar invadir e eliminar a Palestina (a Polônia para Hitler) para sempre, além de comandar verdadeiros pogroms e determinar o envio de imigrantes (os judeus da vez) para campos de concentração em Guantánamo, ao mesmo tempo em que concede indulto a todos os Proud Boys (a versão atual das Schutzstaffel e dos Camisas Negras); assistimos a Alemanha colocar 151 representantes da extrema direita no Parlamento e formar assim a segunda maior bancada; temos até um aparvalhado e oportunista Javier Milei anunciar que irá construir muros; lemos as notícias de eleições em diversos países cujos resultados têm consagrado líderes que vomitam abertamente um discurso homofóbico, transfóbico, xenófobo, que prometem – e cumprem – deportação desumana.

É evidente que esses líderes políticos cometem essas barbaridades apoiados no descontentamento da chamada “geração precária” que, quando empregada, ganha salários miseráveis. Uma geração que nasceu e cresceu ouvindo que a culpa é dos imigrantes, que não tem discernimento para compreender que a precarização é causada pelo próprio liberalismo econômico que defendem (não causa surpresa que a palavra do ano passado tenha sido brainrot). O saldo é a grande quantidade de partidos de extrema direita se reunindo mundo afora em conferências ultranacionalistas e marchas de grupos supremacistas e neonazis.

No início dos anos 1920, Mussolini era visto como uma figura ridícula e pouca importância lhe foi atribuída. Dez anos depois, o Partito Nazionale Fascista era o único admitido na Itália e seu admirador, Hitler, dava seus passos totalitários, igualmente desconsiderados. Dez anos depois, ele havia colocado o mundo em guerra.

Em 2025, passou da hora de refletirmos como estaremos daqui 10 anos. Iremos acordar e dar de cara com um dinossauro ainda maior, ou ele já terá nos devorado?

¨      O Brasil é dos brasileiros. Por Oliveiros Marques

Por onde andarão os brasileiros com bonés vermelhos na cabeça com a inscrição MAGA – Make America Great Again? Estariam treinando seu inglês para pedir pipocas ou sorvetes na Disneylândia? Ou ensaiando o hino norte-americano para cantar enquanto batem continência para a bandeira do país do Tio Sam? A verdade é que, quando a conta do tarifaço de Trump chegar aos lares brasileiros, a história lhes cobrará.

Vem do país exemplo de capitalismo para eles, da pena do seu líder quase espiritual, do seu farol da liberdade, da sua infantaria anticomunista, as medidas mais protecionistas, mais antiliberais e contra o livre-comércio que nem mesmo a China comandada pelo Partido Comunista seria capaz de praticar.

A queda nas bolsas de valores registrada nesta segunda-feira foi um verdadeiro aperitivo perto do desarranjo na economia mundial que esse arroubo de imperador de Trump pode causar — caso ele não recue, como aliás é do seu costume.

A incerteza colocada por essas medidas nas planilhas e telas dos investidores não especulativos vai reduzir a atividade econômica planetária. Isso vai gerar desemprego. Inclusive nos Estados Unidos. Crise de abastecimento, com consequentes aumentos de preços e pressão inflacionária, vem a reboque.

Interessante seria ver alguns personagens da política brasileira fazendo vídeos para suas redes, mostrando o quanto subiram nos Estados Unidos os preços do café, dos automóveis — ou melhor, dos ovos — a partir do tarifaço de seu guru, Donald Trump.

Mas a verdade é que a política protecionista de Trump vai afetar — e muito — o Brasil. E não se trata apenas das sobretarifas. A nossa economia é bastante vulnerável aos acontecimentos no cenário mundial, e uma bagunça lá fora nos atingirá com força.

Contudo, ee o cálculo que esses apoiadores de Trump em território brasileiro estão fazendo é que eleitoralmente uma crise pode lhes ser favorável, penso que eles têm tudo para dar com os donkeys in the water. Trump está dando ao governo Lula o inimigo externo a ser enfrentado, assim como está mostrando a desgraça que a insensatez, os delírios e a irresponsabilidade dessa gente pode causar.

Em 2026, o povo brasileiro deverá dizer um sonoro: MAGA é o caramba. Porque o Brasil é dos brasileiros e brasileiras.

¨      Rudá Ricci: A supercoalizão corrói Lula 3

Saiu, no final de semana, pesquisa Datafolha que registra avaliação dos brasileiros sobre o governo federal. Na aparência, uma notícia melhor que a pesquisa Quaest apresentou dias atrás. Na aparência. Vamos à pesquisa.

Se compararmos com o dado geral da pesquisa Quaest, há uma diferença importante: 5 pontos percentuais de melhoria do índice de avaliação positiva em relação à pesquisa anterior. Esse 5 pontos fazem uma grande diferença porque, sem esta mudança, a distância entre avaliações positivas e negativas seria similar entre Quaest e Datafolha. Na comparação: a pesquisa Quaest apresentou 56% de desaprovação e a Datafolha, 38%; já os que aprovam foram 41% na Quaest e 29% na Datafolha. A primeira notícia ruim é que ambas as pesquisas, a reprovação é maior que a aprovação: 9 pontos na Datafolha e 15, na Quaest.

Mas há notícias piores que a pesquisa Datafolha entrega. O Brasil está dividido entre os que avaliam que a vida melhorou após a posse de Lula e aqueles que avaliam que piorou: 29% a 28%. O mais importante é verificar que 42% acham que não mudou nada, ou seja, trata-se de um governo morno. Outra notícia ruim é que os brasileiros com renda mais baixa, um dos segmentos do eleitorado de Lula, sustentam que o governo piorou neste ano. Não há como se iludir: a imagem de Lula está se distanciando da sua relação histórica com os mais pobres.

A notícia boa é que melhorou um pouco a avaliação positiva das mulheres. Contudo, as que avaliam negativamente ainda superam as que avaliam positivamente. Mas, a tendência é de melhoria, o que é um alívio, dado os escorregões permanentes nas falas e atitudes de Lula.

Proponho uma reflexão: onde Lula patina? Apresentarei uma resposta fatiada em parcelas.

A primeira é: Lula não apresenta um futuro aos mais pobres. Em outras palavras, o governo federal se debate com o dia presente, sem futuro nítido. Por quê? Porque está preso às circunstâncias do Congresso Nacional. Parece preso a duas circunstâncias: a maioria de direita no Congresso e o legado do desgoverno Bolsonaro. Ora, a sinalização para o público é que não fala do futuro, mas do presente e do passado. Como sugerir que o governo se apresenta como dirigente dos rumos do país se está preso às circunstâncias que o Congresso e o passado recente impõem? Como apresentar confiança no futuro se o próprio governo parece engasgar-se com o presente?

O ponto é: o governo não estaria justamente se apresentando como fraco ou frágil? Do ponto de vista subjetivo, não estaria sugerindo que está preso às circunstâncias? Se for este o caso, citar Bolsonaro o tempo todo ou sugerir que se não fizesse aliança com a direita não conseguiria vencer ou andar, não alimenta a falta de autonomia? Mais uma vez, Maquiavel. Sugeria que o governante tem que ser amado pelo povo, mas, em conjunturas desfavoráveis, espera-se firmeza e determinação para conduzir a superação do infortúnio (a tal da “virtú”).

E aqui vem outra hipótese explicativa: Lula estaria errando ao propor uma coalizão tão ampla para governar. Passou do ponto. Marcos Nobre já havia afirmado que o “peemedebismo” do sistema partidário brasileiro incentiva a formação de coalizões muito superiores ao necessário. Nobre denomina de supercoalizões que jogam os problemas para debaixo do tapete, problemas estruturais nunca enfrentados porque os governos ficam presos às negociações intermináveis e cotidianas. O fato é que a supercoalizão lulista não garante muito. Na verdade, para garantir, cede tanto que muda sua imagem e fica parecida com o governo Sarney.

Para conseguir aumentar a taxa de aprovação de projetos no Congresso no final do primeiro ano de governo, Lula deu mais cargos e verbas e acelerou uso de ferramentas da fisiologia Ora, como se afirmar diferente e melhor, se vai se conformando ao sabor da direita? Sugiro que há dados concretos para a desaprovação (preço dos alimentos e baixa qualidade de empregos), mas há fatores subjetivos (a fraqueza que o Lula 3 apresenta).

O Datafolha corrobora as preocupações reais no interior do governo federal. Sair do lamaçal que faz Lula 3 patinar exigirá um cavalo de pau. Não uma mera mudança no guarda-roupa, mas mudança de bairro. Acenar para a direita é morrer na praia.

 

Fonte: Por Mauro Donato, em Outras Palavras


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