II
Guerra, 80 anos depois: como vencer o fascismo?
Dez
anos atrás, eu chegava a uma pequena cidade no norte da Itália com a finalidade
de pesquisar sobre a resistência partigiana durante a Segunda Guerra. Em 2015,
completavam-se 70 anos da libertação dos italianos graças à coragem, luta e
resiliência de brigadistas civis como Ferruccio Fellegara, sobre quem eu estava
pesquisando para o processo de escrita de uma biografia.
Para
minha surpresa, ao lado do Castello Visconteo, em Voghera, um local emblemático
para a resistência, uma placa com seis nomes havia sido instalada. Uma
homenagem a um pequeno grupo de fascistas mortos ali. Um tributo concedido
fazia poucos anos pelo poder público da cidade – cada vez mais à direita – em
atendimento a uma solicitação da Associação Nacional dos Familiares das Vítimas
e Desaparecidos da República Social Italiana.
Desde
então, a cada dia 25 de abril, familiares da “vítimas” (meia dúzia de
paramilitares Camisas Negras que tinham praticado todo tipo de horror, de
sabotagens e emboscadas contra jornalistas, sindicalistas, grevistas,
intelectuais, ferroviários etc, e que haviam participado de um massacre ao
grupo partigiano do qual fazia parte Ferruccio Fellegara, único sobrevivente)
colocavam uma coroa de flores aos pés da placa. Sem demora, o revide chegava
através de militantes de esquerda que arrancavam a coroa, fixavam cartazes e
pichavam frases de repúdio ao fascismo. Segundo moradores, atendentes de cafés
e donos de restaurantes de Voghera, as provocações vinham num crescente. O rumo
das coisas, afirmavam, não era nada animador.
Naquele
mesmo mês, a poucos metros dali, na Piazza Duomo, o nacionalista de extrema
direita Matteo Salvini estava em comício e declamava um discurso inflamado,
xenófobo, de criminalização de imigrantes, para uma população entusiasmada, que
vibrava a cada frase repleta de impropérios, a cada evocação do sentimento
nacional ufanista. Naquela mesma praça, onde após árdua luta, em 25 de abril de
1945 os voghereses celebraram o fim da ocupação nazista de Hitler e do regime
ditatorial de Mussolini, eu assistia à um revival incômodo. Claro que, na
função de jornalista, acompanhava a guinada mundial para a direita e a ascensão
de partidos como a Frente Nacional na França, o Ukip no Reino Unido, o AfD na
Alemanha, o FPO na Áustria, o DPP na Dinamarca, o Jobbik na Hungria, além do
próprio Liga Norte de Matteo Salvini. Mas ver a olhos nus aquele
ultranacionalismo hidrófobo, foi aterrador.
Eu
havia desembarcado naquela região da Lombardia vindo de um Brasil em que o ano
de 2015 testemunhava multidões vestidas com a camisa da seleção brasileira de
futebol indo às ruas em apoio a um golpe parlamentar que catapultaria Dilma
Rousseff um ano depois. Jair Bolsonaro, até então um deputado do baixo clero,
um grosseirão que destratava as jornalistas mulheres, fazia pronunciamentos a
favor da tortura, da ditadura e enaltecia a pena de morte, já era um nome que
começava a causar alvoroço entre os verde-amarelos CBFs. Era preciso pressionar
o botão do alarme.
Meu
intento em contar a história de Ferruccio Fellegara embutia um recado sobre a
dificuldade que é expulsar o capiroto depois que ele se instala. Se 20 anos de
ditadura não pareciam provocar recordações nefastas em boa parte dos
brasileiros, quem sabe um relato contundente sobre os 20 meses da intensa luta
partigiana no norte da Itália. Uma luta desigual tendo, de um lado, dois
exércitos (o italiano e o alemão), e do outro civis desarmados ou munidos de
armas pequenas em missões praticamente suicidas para se livrarem do monstro que
nascera pequeno, na figura extravagante de Mussolini. Uma personagem bufa que
muitos deram como certo seu insucesso. Deu no que deu: um país destroçado, que
obrigou milhares de italianos a migrarem para o Brasil, onde muitos de seus
descendentes, naquele exato momento, orgulhosamente se prestavam ao papel de
bucha de canhão para uma direita tosca e perversa. Uma geração de oriundi que
inflava a figura de Sergio Moro, um patético arremedo do juiz Antonio di Pietro
da operação Mani Pulite, que escancarava a mesma cruzada ambiciosa
de carreira política evocando valores moralistas e disseminando o maniqueísmo
“políticos são os vilões, magistrados são os super-heróis”. Uma reprise
nauseabunda.
A
biografia de Ferruccio Fellegara era meu primeiro livro. Depois de pronto, o
livro de um autor desconhecido não alcançou quase ninguém além de amigos e
familiares, muitos deles com ascendência italiana e até parentes de abnegados e
combativos partigiani que, para surpresa de zero pessoas, desgostaram da
publicação uma vez que estavam receosos com o “bolivarianismo comunista”. Deu
no que deu: aquelas pessoas que não viram nada de errado no áudio “com o
Supremo, com tudo”, alguns anos depois invadiram com tudo o Supremo, o
Congresso e o Palácio do Planalto.
“Vai
pra Cuba”, me ordenavam. Fui para a Itália, onde o caldo para uma ressurgência
fascista ao poder estava mais do que nítido em 2015 com aqueles “personagens
que parecem ter sido selecionados para uma filmagem do Monty Python”, como
escreve Giuliano Da Empoli no livro Os Engenheiros do Caos. Segundo
Empoli, a Itália sempre exerceu a função de balão de ensaio para experiências
políticas populistas, frequentemente destinadas a serem reproduzidas em outras
partes do mundo. Não à toa Steve Bannon, nessa mesma época, criou um centro de
formação de extrema direita para jovens católicos ultraconservadores num
mosteiro na Itália. O Instituto para a Dignidade Humana é um projeto ideológico
obscuro, descrito como “escola de gladiadores para guerreiros culturais”.
Eu
testemunhava tudo aquilo e só me lembrava de Antonio Gramsci: “O velho mundo
está morrendo. O novo mundo demora a aparecer. E nesse interregno surgem os
monstros”.
Algo
precisava ser feito. Entretanto, não raramente ao longo da história nota-se
certa dificuldade na percepção da iminência de um monstro, de sua gestação
antes do parto. E nada foi feito.
Assim,
dez anos depois, em 2025 “o país da bota” não apenas tem como primeira-ministra
Giorgia Meloni, a neofascista que se elegeu com o infatigável lema Deus,
pátria e família, como vê seu Supremo Tribunal decidir que saudações
fascistas são legais. O gesto mais famoso da dupla Adolf e Benito – o braço
direito erguido com a mão espalmada voltada para baixo – só é considerado
ilegal “se puser em perigo a ordem pública ou promover o ressurgimento de
ideologias fascistas”. Bugou, leitor? Eu também.
Como
negacionistas de plantão buscaram a relativização alegando a possibilidade ser
também a “saudação romana”, um eufemismo esdrúxulo e sem amparo nenhum na
história, pois ela não tem nem nunca teve qualquer relação com a Roma Antiga, e
sim com a fundação do movimento fascista italiano em 1919, hoje não podemos nos
surpreender com os braços direitos erguidos de Elon Musk e Steve Bannon na
“maior democracia do mundo”. E assim mundo afora temos essas demonstrações
desavergonhadas com o ressurgimento de centenas de grupos neonazis.
Uma
década depois de minha pesquisa sobre a derrocada do fascismo e expulsão das
tropas nazistas pelas brigadas partigianas, a ressurgência nazifascista alcança
o poder em diversos países e eu só me lembro do microconto de Augusto
Monterosso: “Quando acordou, o dinossauro ainda estava lá”. Enquanto dormíamos,
o monstro cresceu e desenvolveu tentáculos. Após os primeiros sinais – ou nem
tão primeiros assim -, hoje acompanhamos Netanyahu promover um genocídio com
transmissão ao vivo; vemos Trump ameaçar invadir e eliminar a Palestina (a
Polônia para Hitler) para sempre, além de comandar verdadeiros pogroms e
determinar o envio de imigrantes (os judeus da vez) para campos de concentração
em Guantánamo, ao mesmo tempo em que concede indulto a todos os Proud Boys (a
versão atual das Schutzstaffel e dos Camisas Negras); assistimos a Alemanha
colocar 151 representantes da extrema direita no Parlamento e formar assim a
segunda maior bancada; temos até um aparvalhado e oportunista Javier Milei
anunciar que irá construir muros; lemos as notícias de eleições em diversos
países cujos resultados têm consagrado líderes que vomitam abertamente um
discurso homofóbico, transfóbico, xenófobo, que prometem – e cumprem –
deportação desumana.
É
evidente que esses líderes políticos cometem essas barbaridades apoiados no
descontentamento da chamada “geração precária” que, quando empregada, ganha
salários miseráveis. Uma geração que nasceu e cresceu ouvindo que a culpa é dos
imigrantes, que não tem discernimento para compreender que a precarização é
causada pelo próprio liberalismo econômico que defendem (não causa surpresa que
a palavra do ano passado tenha sido brainrot). O saldo é a grande
quantidade de partidos de extrema direita se reunindo mundo afora em
conferências ultranacionalistas e marchas de grupos supremacistas e neonazis.
No
início dos anos 1920, Mussolini era visto como uma figura ridícula e pouca
importância lhe foi atribuída. Dez anos depois, o Partito Nazionale
Fascista era o único admitido na Itália e seu admirador, Hitler, dava
seus passos totalitários, igualmente desconsiderados. Dez anos depois, ele
havia colocado o mundo em guerra.
Em
2025, passou da hora de refletirmos como estaremos daqui 10 anos. Iremos
acordar e dar de cara com um dinossauro ainda maior, ou ele já terá nos
devorado?
¨
O Brasil é dos brasileiros. Por Oliveiros Marques
Por
onde andarão os brasileiros com bonés vermelhos na cabeça com a inscrição MAGA
– Make America Great Again? Estariam treinando seu inglês para pedir pipocas ou
sorvetes na Disneylândia? Ou ensaiando o hino norte-americano para cantar
enquanto batem continência para a bandeira do país do Tio Sam? A verdade é que,
quando a conta do tarifaço de Trump chegar aos lares brasileiros, a história
lhes cobrará.
Vem do
país exemplo de capitalismo para eles, da pena do seu líder quase espiritual,
do seu farol da liberdade, da sua infantaria anticomunista, as medidas mais
protecionistas, mais antiliberais e contra o livre-comércio que nem mesmo a
China comandada pelo Partido Comunista seria capaz de praticar.
A queda
nas bolsas de valores registrada nesta segunda-feira foi um verdadeiro
aperitivo perto do desarranjo na economia mundial que esse arroubo de imperador
de Trump pode causar — caso ele não recue, como aliás é do seu costume.
A
incerteza colocada por essas medidas nas planilhas e telas dos investidores não
especulativos vai reduzir a atividade econômica planetária. Isso vai gerar
desemprego. Inclusive nos Estados Unidos. Crise de abastecimento, com
consequentes aumentos de preços e pressão inflacionária, vem a reboque.
Interessante
seria ver alguns personagens da política brasileira fazendo vídeos para suas
redes, mostrando o quanto subiram nos Estados Unidos os preços do café, dos
automóveis — ou melhor, dos ovos — a partir do tarifaço de seu guru, Donald
Trump.
Mas a
verdade é que a política protecionista de Trump vai afetar — e muito — o
Brasil. E não se trata apenas das sobretarifas. A nossa economia é bastante
vulnerável aos acontecimentos no cenário mundial, e uma bagunça lá fora nos
atingirá com força.
Contudo,
ee o cálculo que esses apoiadores de Trump em território brasileiro estão
fazendo é que eleitoralmente uma crise pode lhes ser favorável, penso que eles
têm tudo para dar com os donkeys in the water. Trump está dando ao governo Lula
o inimigo externo a ser enfrentado, assim como está mostrando a desgraça que a
insensatez, os delírios e a irresponsabilidade dessa gente pode causar.
Em
2026, o povo brasileiro deverá dizer um sonoro: MAGA é o caramba. Porque o
Brasil é dos brasileiros e brasileiras.
¨
Rudá Ricci: A supercoalizão corrói Lula 3
Saiu,
no final de semana, pesquisa Datafolha que registra avaliação dos brasileiros
sobre o governo federal. Na aparência, uma notícia melhor que a pesquisa Quaest
apresentou dias atrás. Na aparência. Vamos à pesquisa.
Se
compararmos com o dado geral da pesquisa Quaest, há uma diferença importante: 5
pontos percentuais de melhoria do índice de avaliação positiva em relação à
pesquisa anterior. Esse 5 pontos fazem uma grande diferença porque, sem esta
mudança, a distância entre avaliações positivas e negativas seria similar entre
Quaest e Datafolha. Na comparação: a pesquisa Quaest apresentou 56% de
desaprovação e a Datafolha, 38%; já os que aprovam foram 41% na Quaest e 29% na
Datafolha. A primeira notícia ruim é que ambas as pesquisas, a reprovação é
maior que a aprovação: 9 pontos na Datafolha e 15, na Quaest.
Mas há
notícias piores que a pesquisa Datafolha entrega. O Brasil está dividido entre
os que avaliam que a vida melhorou após a posse de Lula e aqueles que avaliam
que piorou: 29% a 28%. O mais importante é verificar que 42% acham que não
mudou nada, ou seja, trata-se de um governo morno. Outra notícia ruim é que os
brasileiros com renda mais baixa, um dos segmentos do eleitorado de Lula,
sustentam que o governo piorou neste ano. Não há como se iludir: a imagem de
Lula está se distanciando da sua relação histórica com os mais pobres.
A
notícia boa é que melhorou um pouco a avaliação positiva das mulheres. Contudo,
as que avaliam negativamente ainda superam as que avaliam positivamente. Mas, a
tendência é de melhoria, o que é um alívio, dado os escorregões permanentes nas
falas e atitudes de Lula.
Proponho
uma reflexão: onde Lula patina? Apresentarei uma resposta fatiada em parcelas.
A
primeira é: Lula não apresenta um futuro aos mais pobres. Em outras palavras, o
governo federal se debate com o dia presente, sem futuro nítido. Por quê?
Porque está preso às circunstâncias do Congresso Nacional. Parece preso a duas
circunstâncias: a maioria de direita no Congresso e o legado do desgoverno
Bolsonaro. Ora, a sinalização para o público é que não fala do futuro, mas do
presente e do passado. Como sugerir que o governo se apresenta como dirigente
dos rumos do país se está preso às circunstâncias que o Congresso e o passado
recente impõem? Como apresentar confiança no futuro se o próprio governo parece
engasgar-se com o presente?
O ponto
é: o governo não estaria justamente se apresentando como fraco ou frágil? Do
ponto de vista subjetivo, não estaria sugerindo que está preso às
circunstâncias? Se for este o caso, citar Bolsonaro o tempo todo ou sugerir que
se não fizesse aliança com a direita não conseguiria vencer ou andar, não
alimenta a falta de autonomia? Mais uma vez, Maquiavel. Sugeria que o
governante tem que ser amado pelo povo, mas, em conjunturas desfavoráveis,
espera-se firmeza e determinação para conduzir a superação do infortúnio (a tal
da “virtú”).
E aqui
vem outra hipótese explicativa: Lula estaria errando ao propor uma coalizão tão
ampla para governar. Passou do ponto. Marcos Nobre já havia afirmado que o
“peemedebismo” do sistema partidário brasileiro incentiva a formação de
coalizões muito superiores ao necessário. Nobre denomina de supercoalizões que
jogam os problemas para debaixo do tapete, problemas estruturais nunca
enfrentados porque os governos ficam presos às negociações intermináveis e
cotidianas. O fato é que a supercoalizão lulista não garante muito. Na verdade,
para garantir, cede tanto que muda sua imagem e fica parecida com o governo
Sarney.
Para
conseguir aumentar a taxa de aprovação de projetos no Congresso no final do
primeiro ano de governo, Lula deu mais cargos e verbas e acelerou uso de
ferramentas da fisiologia Ora, como se afirmar diferente e melhor, se vai se
conformando ao sabor da direita? Sugiro que há dados concretos para a
desaprovação (preço dos alimentos e baixa qualidade de empregos), mas há
fatores subjetivos (a fraqueza que o Lula 3 apresenta).
O
Datafolha corrobora as preocupações reais no interior do governo federal. Sair
do lamaçal que faz Lula 3 patinar exigirá um cavalo de pau. Não uma mera
mudança no guarda-roupa, mas mudança de bairro. Acenar para a direita é morrer
na praia.
Fonte:
Por Mauro Donato, em Outras Palavras

Nenhum comentário:
Postar um comentário