Endereço em Londres que 'juiz Edward' deu à
polícia é de britânico 'que não sabe nada do Brasil'
Edward Albert
Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield. Foi
com esse nome que um homem conseguiu se matricular no curso de direito da
Universidade de São Paulo (USP), ser aprovado em um concorrido concurso de juiz
e assinar sentenças no Tribunal de Justiça de São Paulo por mais de duas
décadas.
Mas, de acordo com o Ministério Público de
São Paulo (MP-SP), tratava-se de uma personalidade falsa.
A suposta fraude teria sido descoberta quando
o juiz, hoje aposentado, tentou tirar em outubro de 2024 uma segunda via de RG
com o sobrenome Wickfield numa unidade do Poupatempo na Sé, em São Paulo (SP).
Depois, o sistema acusou que as impressões
digitais colhidas estavam ligadas a outra identidade, de um homem com um nome
mais comum: José Eduardo Franco dos Reis.
José foi chamado pela Polícia Civil para
explicar o que aconteceu.
No seu depoimento, em dezembro de 2024, ele
disse que estava tentando renovar o RG para o seu irmão gêmeo — que se
chamaria, ele sim, Edward —, que teria sido doado na infância a outra família,
britânica.
José disse que o irmão era professor e,
depois da aposentadoria, teria voltado para Londres. Não houve qualquer menção
à carreira de juiz.
José informou à polícia um telefone e um
endereço que seriam do irmão aqui em Londres.
A BBC News Brasil ligou para o número, sem
sucesso, e foi até a residência indicada por José, que fica em um bairro de
classe média alta na região oeste de Londres.
Depois de algumas tentativas, conseguimos
contatar por interfone o morador do apartamento indicado no depoimento de José
à polícia.
Com um forte sotaque britânico, o morador
disse que não se chama Edward, que ninguém com este nome mora no local e que
não sabe nada sobre o Brasil.
O morador não aceitou conversar com a
reportagem e pediu para não ser mais incomodado com o assunto.
A reportagem também mostrou a alguns vizinhos
uma foto que seria de Edward, mas todos afirmaram nunca tê-lo visto.
A denúncia do MP-SP, de fevereiro, foi aceita
pela Justiça em 31 de março — tornando José Eduardo Franco dos Reis réu.
• Um
suposto irmão gêmeo
À polícia, José Eduardo se apresentou como
filho de José dos Reis e Vitalina Franco dos Reis, nascido em 16 de março de
1958, na cidade de Águas da Prata (SP).
Informou ter 66 anos, ser solteiro e
trabalhar como artesão.
Em seu depoimento, ele disse que ficou
sabendo da existência de um irmão gêmeo apenas após a morte de seu pai. De
acordo com ele, foi sua mãe quem revelou que esse irmão teria sido entregue a
outra família, britânica.
José Eduardo disse não saber se o irmão foi
registrado no Brasil, mas afirmou que teve o primeiro contato com ele no início
da década de 1980, quando o suposto irmão veio ao país.
De acordo com seu relato, esse irmão se chama
Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield.
• Denúncia
aponta se tratar da mesma pessoa
Caterham Wickfield -, José Eduardo teria
conseguido se formar em direito na USP
A denúncia do MP-SP aponta que José criou a
figura do Edward como uma segunda personalidade — e mantinha documentação
dupla.
Ele teria inserido informações falsas sobre
seu nome e seus pais tanto no sistema do Departamento de Trânsito (Detran)
quanto no cadastro do Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt
(IIRGD), responsável pela emissão de documentos de identidade no Estado de São
Paulo.
As investigações do MP-SP mostram que, em
julho de 1973, José Eduardo Franco dos Reis apresentou seu verdadeiro nome ao
se registrar na cidade de Águas da Prata (SP).
Na época, ele usou sua certidão de nascimento
verdadeira, de 1958, e recebeu um número de identidade legítimo.
Mas, em setembro de 1980, ele teria
registrado no IIRGD outro nome: Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham
Wickfield.
Junto com esse nome, informou quem seriam
seus pais: Richard e Anne Marie Wickfield.
Além disso, apresentou documentos como título
de eleitor, carteira de trabalho e documento do Exército, que, segundo a
denúncia, eram mais fáceis de falsificar na época porque não tinham tantos
elementos para atestar a autenticidade.
O documento do MP-SP destaca que, na época,
tampouco existia um sistema eletrônico para cruzar dados e impressões digitais
de forma automática.
Assim, José Eduardo teria conseguido um novo
RG com nome falso e passou décadas utilizando documentos como Edward — por
exemplo, para se matricular na USP nos anos 1980, para ser aprovado como juiz
em 1995 e para atividades cotidianas, como comprar um carro.
Enquanto isso, em outras ocasiões, usou
documentos com o nome José Eduardo Franco dos Reis — obtendo segunda via do RG
em 1993, quando se identificou como vendedor, e em 2022.
Fonte: BBC News Brasil

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