O que é o projeto de anistia, origem da nova
ofensiva de bolsonaristas no Congresso
O
projeto que prevê a anista - ou o perdão - a pessoas envolvidas na invasão das
sedes dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro de 2023 foi a pauta de
mais uma manifestação convocada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em São Paulo no
domingo (6/4).
A
estratégia dos bolsonaristas é de testar o poder do ex-presidente nas
mobilizações nas ruas, enquanto pressionam para o projeto ser colocado na pauta
da Câmara dos Deputados.
Por
isso, durante o ato, o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), foi
pressionado, sendo chamado de "vergonha da Paraíba" pelo pastor e
aliado de Bolsonaro, Silas Malafaia.
Dos
Estados Unidos, o deputado federal licenciado Eduardo Bolsonaro (PL-SP) disse,
na sexta-feira, que Motta age como "esquerdista do PSOL", em
entrevista à rádio Auriverde Brasil.
"Ele
tem falado basicamente igual a um esquerdista do PSOL, falando que é contra
anistia, [pela] democracia e aquelas coisas todas que estamos acostumados a
ouvir da boca de Lula e de outros puxadinhos do PT."
Diante
das pressões, Motta afirmou que o projeto de lei da anistia não é a "pauta
única" do Brasil e do Congresso, enquanto ponderou que é preciso avançar
nas discussões sobre supostos exageros nas penas aplicadas pelo Supremo
Tribunal Federal (STF).
"Defendo
dois pontos. Primeiro, a sensibilidade para corrigir algum exagero que vem
acontecendo com relação a quem não merece receber uma punição. Acho que essa
sensibilidade é necessária, toca a todos nós", afirmou Motta a jornalistas
em um evento em São Paulo nesta segunda-feira (7/4).
"E
a responsabilidade de poder, na solução desse problema, que é sensível e é
justo, nós não aumentarmos uma crise institucional que nós estamos
vivendo."
Em
fevereiro, o presidente da Câmara disse, em entrevista à Globo News, que não
admitiria "qualquer flerte com a ditadura", e lembrou que quem decide
a pauta das votações é o Colégio de Líderes, composto por todos os líderes
partidários.
"Vamos
tratar tudo de forma muito tranquila e de maneira muito serena. Nosso trabalho
será a busca de uma pacificação nacional, de harmonia, para que os Poderes
constituídos tenhamos uma pauta de convergência nacional. É isso que o Brasil
espera de nós."
Analistas
apontam que, ao colocar o projeto da anistia em votação, Motta compraria uma
briga com o Supremo Tribunal Federal (STF), que acabou de aceitar a denúncia contra Bolsonaro, tornando-o réu,
junto a outras sete pessoas, por envolvimento em uma suposta trama golpista.
Diante
do impasse com Hugo Motta, os aliados de Bolsonaro correm para tentar reunir as
assinaturas necessárias para o projeto ser votado com urgência, o que pularia
as etapas de discussões nas comissões e levaria a votação direto ao plenário.
O líder
do PL na Câmara, deputado Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), afirmou que vai
conseguir as 257 assinaturas necessárias para o requerimento de urgência e
ameaçou expor que ainda não havia assinado, por meio da publicação dos nomes
daqueles que aderiram ao projeto.
A
promessa de Cavalcante era de publicar a lista na manhã desta segunda-feira,
algo que, até o fechamento desta reportagem, ainda não havia ocorrido.
Até o
momento, a base bolsonarista na Câmara afirma ter conseguido cerca de 180
assinaturas. Por isso, os deputados correm também por outra via, tentando
obstruir a pauta para forçar a votação do projeto.
O
recurso é utilizado pelos parlamentares para impedir o prosseguimento dos
trabalhos e para ganhar tempo, por meio de pronunciamentos, pedidos de
adiamento da discussão e da votação e ausência no plenário para evitar quórum
para as votações.
Na
semana passada, a obstrução do PL foi suspensa para os parlamentares votarem a
lei da reciprocidade contra as tarifas anunciadas por Donald Trump. Mas a
promessa é de seguir com a obstrução nesta semana.
Motta
ressaltou que a obstrução regimental do PL é legítima, mas há outras pautas que
interessam ao país. "Vamos tratar as pautas dos outros partidos, não
podemos ficar uma Casa de uma pauta só", disse.
Nesta
segunda, Motta afirmou novamente que "Não vamos ficar restritos a um só
tema, vamos levar essa decisão ao Colégio de Líderes, vamos conversar com o
Senado e com os Poderes Judiciário e Executivo, para que uma solução de
pacificação possa ser dada. Aumentando uma crise, não vamos resolver esses
problemas, não embarcaremos nisso"
A
manifestação do domingo reuniu 44,9 mil pessoas, segundo o Monitor do Debate
Político do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria
com a ONG More in Common. A mesma metodologia contabilizou 18,3 mil pessoas no
ato de Copacabana, ocorrido em 16 de março.
Diante
de uma eventual condenação, e do fato de já estar inelegível em 2026, Bolsonaro
reuniu apoiadores na avenida Paulista, trazendo sete governadores da direita
que hoje brigam, justamente, pelo vácuo que o ex-presidente deixará no ano que
vem.
Estavam
com Bolsonaro os governadores de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), do Amazonas,
Wilson Lima (União Brasil), de Santa Catarina, Jorginho Melo (PL), de Mato
Grosso, Mauro Mendes (união Brasil), de São Paulo, Tarcísio de Freitas
(Republicanos), do Paraná, Ratinho Junior (PSD), e de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil).
A
ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro, apontada em pesquisas como alguém com
certo apelo entre os eleitores na ausência do ex-presidente na disputa, também
esteve presente.
Segundo
pesquisa realizada pelo instituto Datafolha e divulgada no sábado (5/4),
Michelle Bolsonaro teria 15% das intenções de voto, ficando atrás de Lula (35%)
e na frente dos demais testados neste cenário:
Ciro
Gomes (PDT), com 12%, Pablo Marçal (PRTB), com 10%, Ratinho Junior (PSD), com
5%, Romeo Zema (Novo), com 4%, Eduardo Leite (PSDB), com 3% e Ronaldo Caiado
(União Brasil), com 3%. Responderam em branco/nulo ou nenhum: 10%, e que não
sabem, 2%.
Um
relatório do Supremo Tribunal Federal (STF) de janeiro deste ano apontou que
371 pessoas haviam sido condenadas por crimes relacionados ao 8 de janeiro de
2023. Outras 527 teriam admitido a prática de crimes relacionados e feito
acordos com o Ministério Público Federal (MPF) para não serem processadas.
Este é
o segundo ato pela anistia convocado por Bolsonaro e seus apoiadores. No
primeiro, Bolsonaro postou um vídeo com a foto de quase uma dezena de mulheres
condenadas por seus envolvimentos no episódio - sem mencionar, contudo, que uma
possível aprovação da anistia poderia beneficiá-lo diretamente.
É o que
afirmam juristas ouvidos pela BBC News Brasil que avaliaram o projeto. Segundo
eles, o texto prevê a anistia para pessoas direta ou indiretamente envolvidas
no 8 de janeiro e até mesmo por atos anteriores.
Isso,
em tese, beneficiaria Bolsonaro, acusado pelos crimes de golpe de
Estado, abolição violenta do Estado Democrático de Direito, organização
criminosa armada, dano qualificado pela violência e grave ameaça contra o
patrimônio da União e deterioração de patrimônio tombado.
Mas o
que diz exatamente o projeto de anistia e quais as chances de ser aprovado?
A BBC
News Brasil questionou juristas, políticos e cientistas políticos para
responder a estas perguntas e explicar como a anistia aos presos pelo 8 de
janeiro pode, sim, favorecer também o ex-presidente.
A
reportagem procurou sua defesa, mas, até o momento da publicação, não houve
resposta.
- O que diz o
projeto?
Levantamento
realizado pelo Congresso em Foco em março, localizou ao menos sete projetos de
lei de anistia a réus na Câmara, e ao menos outros quatro no Senado.
O
projeto mais avançado de anistia ao 8 de janeiro é de autoria do ex-deputado
federal Major Vitor Hugo (PL-GO), um dos principais aliados de Bolsonaro
durante seu governo.
O PL
2.858 foi apresentado em novembro de 2022 e, inicialmente, tinha o objetivo de
anistiar manifestantes que teriam participado de protestos no dia 30 de
outubro, após a derrota de Bolsonaro no segundo turno das eleições daquele ano.
Naquela
ocasião, manifestantes contra a vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) bloquearam
rodovias impedindo a circulação de pessoas e automóveis em diversas partes do
Brasil, o que gerou uma série de prisões.
Em
2023, os parlamentares mudaram o projeto para anistiar também quem participou
do 8 de janeiro. O projeto, em síntese, prevê o seguinte:
- Anistia a todos
que apoiaram ou financiaram e participaram direta ou indiretamente dos
atos de 8 de janeiro de 2023, em atividades relacionadas antes ou depois
dos protestos;
- A medida também
beneficiaria quem fez mobilizações em redes sociais em prol dos atos;
- A anistia se
aplicaria a todos já julgados ou quem ainda esteja sendo julgado, com
extinção da pena de todas as pessoas já condenadas;
- Mudanças no
Código Penal, como a exigência de que seja caracterizado o uso de
violência grave contra pessoas nos casos em que suspeitos são processados
por tentativa de abolição do Estado democrático de direito;
- Manutenção dos
direitos políticos dos condenados ou investigados;
O
projeto chegou a tramitar na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara
dos Deputados no ano passado, mas não foi votado.
- Como a anistia
poderia beneficiar Bolsonaro?
Juristas
ouvidos pela BBC News Brasil afirmam que, da forma como está escrito, o projeto
de lei pode beneficiar diretamente o ex-presidente Jair Bolsonaro.
Isto
por conta de dispositivos como um inciso do primeiro artigo do projeto:
"§
3º Fica também concedida anistia a todos que participaram de eventos
subsequentes
ou eventos anteriores aos fatos acontecidos em 08 de janeiro de
2023,
desde que mantenham correlação com os eventos acima citados".
Na
prática, o texto diz que as pessoas que participaram de eventos antes ou depois
de 8 de janeiro de 2023 que tenham conexão com os atos daquele dia também
seriam alvo da anistia.
"Do
jeito que está colocado, o projeto de anistia abre margem jurídica para
beneficiar o ex-presidente", diz o professor de Direito Penal da
Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) Davi Tangerino.
"Isso
acontece porque, na visão da PGR, Bolsonaro teria tomado medidas que levaram ao
8 de janeiro. Como o texto do projeto é amplo e prevê anistia a atos anteriores
ao 8 de janeiro, em tese, o ex-presidente poderia ser beneficiado."
Rafael
Mafei, professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), argumenta na
mesma linha de Tangerino.
"Quando
a denúncia incluiu o 8 de janeiro nesse grande enredo do golpe, ela, de certa
maneira, deu um argumento para que se possa sustentar que ele [Bolsonaro] possa
dizer que, nos termos da denúncia da PGR, tudo isso deve ser considerado conexo
ao 8 de janeiro, porque a própria PGR fez essa conexão. Então, ele teria essa
margem para construir essa interpretação ampliativa da anistia", diz
Mafei.
O
professor de Direito Penal da Universidade de São Paulo (USP) Pierpaolo Bottini
aponta que outro trecho do projeto que abre brechas para beneficiar Bolsonaro
está no inciso primeiro do artigo 1º.
"A
anistia de que trata o caput compreende os crimes com motivação política e/ou
eleitoral, ou a estes conexos, bem como aqueles definidos no Decreto-Lei nº
2.848, de 7 de dezembro de 1940 – Código Penal", diz o trecho.
Na
avaliação de Bottini, a utilização do termo "conexo" possibilita a
inclusão de Bolsonaro no rol de beneficiados pela anistia.
"Crime
conexo é o termo técnico para designar tudo aquilo que é relacionado a um
determinado fato, neste caso, os atos de 8 de janeiro", diz o professor à
BBC News Brasil.
"Dessa
forma, quaisquer atos que tenham vínculo com 8 de janeiro estariam passivos de
anistia. Isso permitiria, em tese, anistiar Bolsonaro."
Bottini
diz, no entanto, que a anistia, se fosse aplicada a Bolsonaro, não poderia, em
tese, reabilitá-lo a disputar as eleições em 2026.
Isto
porque o ex-presidente está inelegível até 2030 por conta de duas condenações
por infrações eleitorais julgadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e não
pelos supostos crimes relacionados ao 8 de janeiro.
"Até
onde se sabe, essa anistia se aplicaria apenas à esfera criminal e não à
eleitoral. Ele poderia não ser condenado pelo STF, mas isso não teria
influência sobre sua inelegibilidade", afirma Bottini.
- A palavra final
Apesar
do empenho da oposição em acelerar a tramitação do projeto da anistia,
especialistas avaliam que isso, sozinho, não será suficiente para que o perdão
aos crimes cometidos no dia 8 de janeiro sejam perdoados.
Segundo
eles, ainda que o projeto seja aprovado, poderá caber ao STF avaliar se ele é
constitucional ou não.
"Não
há a menor dúvida de quem decidirá se essa anistia vai valer ou não é o STF.
Caso ela seja aprovada, o tema será com certeza judicializado", diz o
jurista Davi Tangerino.
"O
STF vai ser chamado a decidir se essa anistia é constitucional ou não. E pelo
que temos visto, a tendência é de que a Corte decida contra uma medida dessa
natureza."
O
professor Pierpaolo Bottini diz que um dos temas a serem questionados junto ao
STF é se é possível conceder anistia a pessoas que cometerem crimes contra um
ou mais dos Poderes da República.
"A
legislação prevê anistia a crimes hediondos, e o STF já se posicionou, no caso
do deputado Daniel Silveira, que medidas como essa não podem ser adotadas
quando o crime é cometido contra um dos Poderes da República", afirma o
professor.
"Se
a anistia for aprovada, o STF deverá ser provocado a se posicionar sobre se
crimes contra os Poderes da República podem ou não ser anistiados. Creio que o
STF se posicionaria contra."
Luciana
Santana avalia de forma semelhante. "Não podemos desconsiderar que temos o
Judiciário neste processo. Com certeza, qualquer projeto de anistia pode vir a
ser judicializado e ser inviabilizado pelo Judiciário", afirma Santana.
"Considerando
que já há várias condenações sobre isso dadas pelo STF, as chances de
judicialização desse tema são muito altas."
NOTA:
PARLAMENTAR QUE APOIA NÃO MERECE RETORNAR AO CONGRESSO. FAÇA BOM USO DO SEU
VOTO.
SEM
ANISTIA
Fonte:
BBC News Brasil

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