terça-feira, 8 de abril de 2025

Conquistas da Revolução Cubana: 64 anos da campanha que erradicou o analfabetismo em Cuba

Há 64 anos, em meados de março de 1961, tinha início a Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba. Criada dois anos após o triunfo da Revolução Cubana, a campanha mobilizou cerca de 270 mil voluntários — sobretudo jovens estudantes, enviados para as zonas rurais e urbanas de todo o país para ensinar os mais velhos a ler e a escrever.

Considerada uma das mais bem sucedidas iniciativas educacionais da história, a campanha reduziu a taxa de analfabetismo em Cuba de 38% para 3,9% em apenas nove meses. Já em dezembro 1961, Cuba foi reconhecida como Território Livre de Analfabetismo.

A campanha ajudou a promover a inclusão social e consolidou o apoio popular ao governo revolucionário. O modelo cubano de alfabetização tornou-se uma referência internacional, servindo de base para uma série de projetos em diversos países nas décadas seguintes.

  • Os desafios da revolução

Até meados do século 20, Cuba enfrentava enormes problemas de escolaridade. O sistema educacional era marcado pela desigualdade de acesso e de oportunidades, excluindo as camadas mais pobres da população.

No fim da década de 1950, a taxa de analfabetismo em Cuba chegava a 38%. Nas áreas rurais, o problema era ainda mais grave — 47,1% dos adultos não sabiam ler ou escrever. Cerca de dois milhões de cubanos eram analfabetos ou semianalfabetos.

A alta incidência de pobreza levava os jovens a interromperem os estudos para trabalhar, alimentando a evasão escolar. Em 1958, 600 mil crianças em idade escolar estavam fora das escolas.

O combate ao analfabetismo estava entre as prioridades estabelecidas pelo Movimento 26 de Julho em sua fase inicial. Ainda durante a Revolução Cubana, os guerrilheiros instalaram escolas e criaram programas de alfabetização para camponeses nas áreas libertadas de Serra Maestra e Serra Cristal.

Em março de 1959, apenas dois meses após a queda de Fulgencio Batista, o governo revolucionário criou a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação Fundamental, voltada a organizar o trabalho pedagógico e a formação de alfabetizadores. Em setembro de 1960, na tribuna da Assembleia Geral da ONU, Fidel Castro anunciou que Cuba se tornaria “o primeiro país das Américas a não ter nenhum cidadão analfabeto”.

A educação era vista como uma ferramenta essencial para o sucesso da Revolução Cubana — um meio de buscar a hegemonia do pensamento revolucionário, inspirando a população a se engajar na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e igualitária. Associava-se também à retórica da criação do “Novo Homem” defendida por Che Guevara, como elemento indispensável para fomentar o altruísmo e a cooperação entre os trabalhadores.

Partiu de Che Guevara a sugestão para que o governo cubano declarasse 1961 como “o ano da educação”. O revolucionário argentino também supervisionou a criação das primeiras brigadas de alfabetização.

  • A campanha

A Campanha Nacional de Alfabetização teve início em março de 1961, envolvendo o governo central, províncias, municípios e organizações da sociedade civil. As ações foram elaboradas de forma a incentivar o contato entre segmentos da sociedade que não interagiam, de modo a possibilitar a troca de experiências, a superação das barreiras sociais e o fortalecimento da solidariedade e da identidade nacional.

Assim, professores das áreas urbanas foram enviados para ambientes rurais, para que vivenciassem as condições de vida e as dificuldades dos camponeses. “Vocês vão ensinar e vocês também vão aprender”, esclareceu Fidel Castro aos alfabetizadores.

A campanha foi conduzida por um grupo de 15 mil profissionais, reunidos na “Brigada dos Professores”. Eles foram responsáveis por estabelecer o programa didático e produzir todo o material utilizado na campanha. Também foram inaugurados 844 novos centros educacionais.

Havia duas cartilhas principais: “Alfabeticemos”, para uso dos educadores, e “Venceremos”, utilizada pelos educandos. Na primeira fase, foi criada a “Brigada dos Alfabetizadores Populares”, composta por adultos alfabetizados que se voluntariavam a ensinar colegas de trabalho, vizinhos e familiares a ler e escrever.

Houve um cuidado especial com a inclusão de trabalhadores fabris. Ao menos 13 mil operários de fábricas foram preparados para alfabetizar os colegas de trabalho após o expediente.

Na segunda fase do projeto, as escolas foram temporariamente fechadas e mais de 100 mil estudantes voluntários, cursando da 6ª série em diante, foram organizados nas frentes estudantis da “Brigada Conrado Benitez”. Os estudantes recebiam treinamento intensivo e eram então enviados para todas as regiões de Cuba, sob a orientação de tutores, para alfabetizar a população não letrada.

Na terceira e última fase, o governo instituiu uma frente remunerada — a “Brigada Pátria ou Morte”, reunindo 15 mil trabalhadores contratados para identificar e incluir grupos remanescentes de analfabetos no programa e lecionar em locais remotos ou de difícil acesso.

Mais de um milhão de cubanos atuaram na Campanha Nacional de Alfabetização, incluindo 268 mil voluntários. A adesão em massa dos cubanos reflete o otimismo e o entusiasmo com as mudanças operadas ao longo do processo revolucionário.

Para os voluntários, atuar na campanha era um meio de contribuir com a própria revolução — um chamariz particularmente atraente para os mais jovens, que se ressentiam de não terem participado da guerra revolucionária.

A campanha também contou com ampla participação feminina, com mulheres perfazendo maioria entre os educadores. A alfabetização em massa das mulheres cubanas contribuiu enormemente para a autonomia feminina, estimulando a participação das mulheres no movimento revolucionário e sua inserção em áreas tradicionalmente dominadas por homens.

  • O legado da campanha

A identificação dos educadores como agentes ideológicos do governo revolucionário estimulou uma série de ataques contra a Campanha Nacional de Alfabetização, rotulada por opositores como “lavagem cerebral”.

Dezenas de alfabetizadores foram assassinados por milicianos durante a Revolta de Escambray — levante armado contrarrevolucionário financiado pela CIA.

O governo norte-americano também conduziu secretamente uma campanha de pânico moral, ajudando a difundir o boato de que o governo cubano pretendia abolir os direitos parentais e internar as crianças em centros de doutrinação comunista (o chamado “Embuste da Patria Potestad”). O boato gerou um êxodo clandestino de 14 mil crianças rumo aos Estados Unidos, viabilizado por meio da Operação Peter Pan.

Apesar dos percalços, a campanha foi extremamente bem sucedida. Mais de 700 mil cubanos foram alfabetizados em um semestre. A taxa de analfabetismo, que era de 38% em 1959, despencou para 3,9% ao término da campanha.

Em apenas oito meses, Cuba passou a deter um dos melhores índices de alfabetização do mundo, análogo ao das nações desenvolvidas. Em 22 de dezembro de 1961, a Unesco reconheceu Cuba como “Território Livre de Analfabetismo”.

Cuba segue até hoje como o país com a menor taxa de analfabetismo das Américas (0,2%). O sistema educacional cubano também é reconhecido pelo Banco Mundial como o melhor da América Latina.

A Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba tornou-se uma referência internacional e inspirou projetos análogos em 15 países. O governo cubano enviou missões educacionais para implementar projetos baseados na experiência em nações como Haiti, Nicarágua e Moçambique.

A campanha também serviu de base para que a educadora cubana Leonela Relys criasse um método inovador de alfabetização de adultos intitulado “Yo, sí puedo”. O método foi aplicado com sucesso em mais de 30 países, ajudando a alfabetizar 3,5 milhões de pessoas e a erradicar o analfabetismo na Bolívia e na Venezuela.

No Brasil, o método “Yo, sí puedo” é utilizado em projetos de alfabetização conduzidos pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em reconhecimento aos esforços do país na luta contra o analfabetismo, a Unesco concedeu a Cuba o Prêmio de Alfabetização Rei Sejong.

¨      Cuba sob ataque: 65 anos da explosão do La Coubre

Há 65 anos, em 4 de março de 1960, o navio a vapor francês “La Coubre”, carregado de armas adquiridas pelo governo de Cuba, explodia após atracar no porto de Havana, deixando um saldo de centenas de mortos e feridos.

A explosão do cargueiro, fruto de sabotagem, foi denunciada por Fidel Castro como uma das primeiras agressões bélicas perpetradas pelos Estados Unidos contra o governo revolucionário cubano.

<><> Armas para a revolução

O triunfo da Revolução Cubana em 1959 representou um grande revés para os interesses dos Estados Unidos no Caribe. A queda de Fulgencio Batista retirou Cuba do círculo de influência dos Estados Unidos e alimentou o ímpeto nacionalista do povo cubano em favor do ideário de soberania e autodeterminação.

O governo revolucionário confiscou terras e nacionalizou os ativos de bancos e empresas norte-americanas. Washington respondeu acusando Cuba de “violar os direitos humanos” e “seguir a agenda bolchevique”, buscando isolar a nação caribenha na arena diplomática e preparar o terreno para as subsequentes sanções econômicas.

Prevendo que a hostilidade contra a ilha iria se agravar cada vez mais, Fidel Castro buscou recompor o arsenal cubano, a fim de defender o país de intentos contrarrevolucionários e eventuais intervenções externas. Emissários do governo cubano foram então enviados à Bélgica, onde adquiriram um grande volume de espingardas, fuzis, granadas e munições.

O material foi embarcado no porto de Antuérpia e transportado até Havana pelo cargueiro a vapor francês “La Coubre”. A embarcação aportou no cais de Tallapiedra em 4 de março de 1960, carregando 76 de toneladas de armamentos.

<><> A explosão

Tripulantes e estivadores tinham começado a descarregar o navio quando a primeira bomba foi detonada no interior da embarcação, por volta das 15 horas. O estrondo chocou os trabalhadores portuários e uma multidão de civis se dirigiu ao local.

Soldados do Exército Rebelde, membros da Polícia Nacional Revolucionária, bombeiros e populares se apressaram em ingressar na embarcação para ajudar os feridos e resgatar os sobreviventes.

Meia hora depois, uma outra bomba ainda mais potente foi detonada. A segunda explosão foi extremamente violenta, reduzindo a embarcação a escombros e formando uma gigantesca coluna de fumaça, que podia ser vista de todos os pontos de Havana.

No momento da explosão, Che Guevara, que era médico formado, participava de uma reunião na sede do Instituto Nacional de Reforma Agrária. Após ser notificado do ocorrido, dirigiu-se até o cais e passou a prestar atendimento médico aos tripulantes e estivadores feridos.

Fidel Castro imediatamente atribuiu a explosão à sabotagem dos Estados Unidos, afirmando ser “o trabalho de quem não deseja que recebamos armas para nos defendermos”.

A explosão do La Coubre deixou um total de 101 mortos, 34 desaparecidos e mais de 400 feridos. Dezenas de pessoas foram mutiladas e pelo menos 82 crianças ficaram órfãs.

A explosão do “La Coubre” indignou e comoveu a população, que compareceu em peso à cerimônia fúnebre em homenagem às vítimas, realizado em 5 de março no Cemitério Colón. No discurso proclamado durante o funeral, Fidel Castro exortou o povo cubano à defesa da soberania nacional e verbalizou pela primeira vez a expressão “Pátria ou Morte”, que se tornaria o lema máximo dos revolucionários.

Foi também durante o funeral das vítimas do “La Coubre” que o semblante circunspecto de Che Guevara acabou eternizado em um registro feito por Alberto Korda — a fotografia intitulada “Guerrilheiro Heroico”, que se converteria na imagem mais reproduzida do século XX.

<><> Responsabilidade pelo ataque

Christian Herter, Secretário de Estado da Casa Branca durante o governo de Dwight Eisenhower, negou veementemente o envolvimento dos Estados Unidos na sabotagem do “La Coubre”, rotulando as acusações de Fidel Castro como “absurdas”.

Poucos dias depois, entretanto, o jornal Miami Herald publicou um relato de Jack Lee Evans, tripulante da embarcação que afirmava ter ouvido um militante anticomunista organizando um complô para explodir o cargueiro em conluio com William Alexander Morgan, um miliciano norte-americano a serviço da CIA que havia se infiltrado entre os revolucionários.

Morgan negou ter estado na embarcação, mas foi preso sete meses depois, após tentar derrubar Fidel Castro e incitar um levante anticomunista durante a Revolta de Escambray. Morgan foi fuzilado pelos revolucionários cubanos em março de 1961.

O envolvimento de Morgan sugere que a explosão do “La Coubre” foi uma das muitas ações de sabotagem levadas a cabo pela Operação 40 — ação clandestina conduzida pela CIA a partir de março de 1960, com o objetivo de derrubar o governo de Fidel Castro.

Outros documentos reforçam as suspeitas sobre o envolvimento dos Estados Unidos na explosão. Relatórios coevos mostram que o cônsul dos Estados Unidos em Antuérpia fez repetidos esforços para tentar impedir o embarque do armamento e que agentes norte-americanos tiveram acesso à embarcação durante paradas em Bremen, Hamburgo e Liverpool.

Os arquivos produzidos pelo Pentágono acerca do “La Coubre” jamais foram divulgados. A Associação French Lines, sediada em Le Havre, conserva um vasto dossiê sobre a explosão do cargueiro, mas, por pressão do governo dos Estados Unidos, decretou a confidencialidade dos arquivos por 150 anos.

 

Fonte: Estevam Silva, em Opera Mundi

 

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