Conquistas da Revolução Cubana: 64 anos da
campanha que erradicou o analfabetismo em Cuba
Há 64
anos, em meados de março de 1961, tinha início a Campanha Nacional de
Alfabetização de Cuba. Criada dois anos após o triunfo da Revolução Cubana, a campanha
mobilizou cerca de 270 mil voluntários — sobretudo jovens estudantes, enviados para as
zonas rurais e urbanas de todo o país para ensinar os mais velhos a ler e a escrever.
Considerada uma das mais bem sucedidas
iniciativas educacionais da história, a campanha reduziu a taxa de
analfabetismo em Cuba de 38% para 3,9% em apenas nove meses. Já em dezembro
1961, Cuba foi reconhecida como Território Livre de Analfabetismo.
A campanha ajudou a promover a inclusão
social e consolidou o apoio popular ao governo revolucionário. O modelo cubano
de alfabetização tornou-se uma referência internacional, servindo de base para
uma série de projetos em diversos países nas décadas seguintes.
- Os
desafios da revolução
Até meados do século 20, Cuba enfrentava
enormes problemas de escolaridade. O sistema educacional era marcado pela
desigualdade de acesso e de oportunidades, excluindo as camadas mais pobres da
população.
No fim da década de 1950, a taxa de
analfabetismo em Cuba chegava a 38%. Nas áreas rurais, o problema era ainda
mais grave — 47,1% dos adultos não sabiam ler ou escrever. Cerca de dois
milhões de cubanos eram analfabetos ou semianalfabetos.
A alta incidência de pobreza levava os jovens
a interromperem os estudos para trabalhar, alimentando a evasão escolar. Em
1958, 600 mil crianças em idade escolar estavam fora das escolas.
O combate ao analfabetismo estava entre as
prioridades estabelecidas pelo Movimento 26 de Julho em sua fase inicial. Ainda
durante a Revolução Cubana, os guerrilheiros instalaram escolas e criaram
programas de alfabetização para camponeses nas áreas libertadas de Serra
Maestra e Serra Cristal.
Em
março de 1959, apenas dois meses após a queda de Fulgencio Batista, o governo
revolucionário criou a Comissão Nacional de Alfabetização e Educação
Fundamental, voltada a organizar o trabalho pedagógico e a formação de
alfabetizadores. Em setembro de 1960, na tribuna da Assembleia Geral da
ONU, Fidel Castro anunciou que
Cuba se tornaria “o primeiro país das Américas a não ter nenhum cidadão
analfabeto”.
A
educação era vista como uma ferramenta essencial para o sucesso da Revolução
Cubana — um meio de buscar a hegemonia do pensamento revolucionário, inspirando
a população a se engajar na construção de uma sociedade mais justa, fraterna e
igualitária. Associava-se também à retórica da criação do “Novo Homem”
defendida por Che Guevara, como elemento
indispensável para fomentar o altruísmo e a cooperação entre os trabalhadores.
Partiu
de Che Guevara a sugestão para
que o governo cubano declarasse 1961 como “o ano da educação”. O revolucionário argentino também supervisionou a
criação das primeiras brigadas de alfabetização.
- A
campanha
A Campanha Nacional de Alfabetização teve
início em março de 1961, envolvendo o governo central, províncias, municípios e
organizações da sociedade civil. As ações foram elaboradas de forma a
incentivar o contato entre segmentos da sociedade que não interagiam, de modo a
possibilitar a troca de experiências, a superação das barreiras sociais e o
fortalecimento da solidariedade e da identidade nacional.
Assim, professores das áreas urbanas foram
enviados para ambientes rurais, para que vivenciassem as condições de vida e as
dificuldades dos camponeses. “Vocês vão ensinar e vocês também vão aprender”,
esclareceu Fidel
Castro aos alfabetizadores.
A campanha foi conduzida por um grupo de 15
mil profissionais, reunidos na “Brigada dos Professores”. Eles foram
responsáveis por estabelecer o programa didático e produzir todo o material
utilizado na campanha. Também foram inaugurados 844 novos centros educacionais.
Havia duas cartilhas principais:
“Alfabeticemos”, para uso dos educadores, e “Venceremos”, utilizada pelos
educandos. Na primeira fase, foi criada a “Brigada dos Alfabetizadores
Populares”, composta por adultos alfabetizados que se voluntariavam a ensinar
colegas de trabalho, vizinhos e familiares a ler e escrever.
Houve um cuidado especial com a inclusão de
trabalhadores fabris. Ao menos 13 mil operários de fábricas foram preparados
para alfabetizar os colegas de trabalho após o expediente.
Na segunda fase do projeto, as escolas foram
temporariamente fechadas e mais de 100 mil estudantes voluntários, cursando da
6ª série em diante, foram organizados nas frentes estudantis da “Brigada
Conrado Benitez”. Os estudantes recebiam treinamento intensivo e eram então
enviados para todas as regiões de Cuba, sob a orientação de tutores, para
alfabetizar a população não letrada.
Na terceira e última fase, o governo
instituiu uma frente remunerada — a “Brigada Pátria ou Morte”, reunindo 15 mil
trabalhadores contratados para identificar e incluir grupos remanescentes de
analfabetos no programa e lecionar em locais remotos ou de difícil acesso.
Mais de um milhão de cubanos atuaram na
Campanha Nacional de Alfabetização, incluindo 268 mil voluntários. A adesão em
massa dos cubanos reflete o otimismo e o entusiasmo com as mudanças operadas ao
longo do processo revolucionário.
Para os voluntários, atuar na campanha era um
meio de contribuir com a própria revolução — um chamariz particularmente
atraente para os mais jovens, que se ressentiam de não terem participado da
guerra revolucionária.
A campanha também contou com ampla
participação feminina, com mulheres perfazendo maioria entre os educadores. A
alfabetização em massa das mulheres cubanas contribuiu enormemente para a
autonomia feminina, estimulando a participação das mulheres no movimento
revolucionário e sua inserção em áreas tradicionalmente dominadas por homens.
- O
legado da campanha
A identificação dos educadores como agentes
ideológicos do governo revolucionário estimulou uma série de ataques contra a
Campanha Nacional de Alfabetização, rotulada por opositores como “lavagem
cerebral”.
Dezenas de alfabetizadores foram assassinados
por milicianos durante a Revolta de Escambray — levante armado
contrarrevolucionário financiado pela CIA.
O governo norte-americano também conduziu
secretamente uma campanha de pânico moral, ajudando a difundir o boato de que o
governo cubano pretendia abolir os direitos parentais e internar as crianças em
centros de doutrinação comunista (o chamado “Embuste da Patria Potestad”). O
boato gerou um êxodo clandestino de 14 mil crianças rumo aos Estados Unidos,
viabilizado por meio da Operação Peter Pan.
Apesar dos percalços, a campanha foi
extremamente bem sucedida. Mais de 700 mil cubanos foram alfabetizados em um
semestre. A taxa de analfabetismo, que era de 38% em 1959, despencou para 3,9%
ao término da campanha.
Em apenas oito meses, Cuba passou a deter um
dos melhores índices de alfabetização do mundo, análogo ao das nações
desenvolvidas. Em 22 de dezembro de 1961, a Unesco reconheceu Cuba como
“Território Livre de Analfabetismo”.
Cuba segue até hoje como o país com a menor
taxa de analfabetismo das Américas (0,2%). O sistema educacional cubano também
é reconhecido pelo Banco Mundial como o melhor da América Latina.
A Campanha Nacional de Alfabetização de Cuba
tornou-se uma referência internacional e inspirou projetos análogos em 15
países. O governo cubano enviou missões educacionais para implementar projetos
baseados na experiência em nações como Haiti, Nicarágua e Moçambique.
A campanha também serviu de base para que a
educadora cubana Leonela Relys criasse um método inovador de alfabetização de
adultos intitulado “Yo, sí puedo”. O método foi aplicado com sucesso em mais de
30 países, ajudando a alfabetizar 3,5 milhões de pessoas e a erradicar o
analfabetismo na Bolívia e na Venezuela.
No Brasil, o método “Yo, sí puedo” é
utilizado em projetos de alfabetização conduzidos pelo Movimento dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em reconhecimento aos esforços do país na
luta contra o analfabetismo, a Unesco concedeu a Cuba o Prêmio de Alfabetização
Rei Sejong.
¨
Cuba sob ataque: 65 anos
da explosão do La Coubre
Há 65 anos, em 4 de março de 1960, o navio a
vapor francês “La Coubre”, carregado de armas adquiridas pelo governo de Cuba,
explodia após atracar no porto de Havana, deixando um saldo de centenas de
mortos e feridos.
A explosão do cargueiro, fruto de sabotagem,
foi denunciada por Fidel Castro como uma das primeiras agressões bélicas
perpetradas pelos Estados Unidos contra o governo revolucionário cubano.
<><> Armas para a revolução
O triunfo da Revolução Cubana em 1959
representou um grande revés para os interesses dos Estados Unidos no Caribe. A
queda de Fulgencio Batista retirou Cuba do círculo de influência dos Estados
Unidos e alimentou o ímpeto nacionalista do povo cubano em favor do ideário de
soberania e autodeterminação.
O governo revolucionário confiscou terras e
nacionalizou os ativos de bancos e empresas norte-americanas. Washington
respondeu acusando Cuba de “violar os direitos humanos” e “seguir a agenda
bolchevique”, buscando isolar a nação caribenha na arena diplomática e preparar
o terreno para as subsequentes sanções econômicas.
Prevendo que a hostilidade contra a ilha iria
se agravar cada vez mais, Fidel Castro buscou recompor o arsenal cubano, a fim
de defender o país de intentos contrarrevolucionários e eventuais intervenções
externas. Emissários do governo cubano foram então enviados à Bélgica, onde
adquiriram um grande volume de espingardas, fuzis, granadas e munições.
O material foi embarcado no porto de
Antuérpia e transportado até Havana pelo cargueiro a vapor francês “La Coubre”.
A embarcação aportou no cais de Tallapiedra em 4 de março de 1960, carregando
76 de toneladas de armamentos.
<><> A explosão
Tripulantes e estivadores tinham começado a
descarregar o navio quando a primeira bomba foi detonada no interior da
embarcação, por volta das 15 horas. O estrondo chocou os trabalhadores
portuários e uma multidão de civis se dirigiu ao local.
Soldados do Exército Rebelde, membros da
Polícia Nacional Revolucionária, bombeiros e populares se apressaram em ingressar
na embarcação para ajudar os feridos e resgatar os sobreviventes.
Meia hora depois, uma outra bomba ainda mais
potente foi detonada. A segunda explosão foi extremamente violenta, reduzindo a
embarcação a escombros e formando uma gigantesca coluna de fumaça, que podia
ser vista de todos os pontos de Havana.
No momento da explosão, Che Guevara, que era
médico formado, participava de uma reunião na sede do Instituto Nacional de
Reforma Agrária. Após ser notificado do ocorrido, dirigiu-se até o cais e
passou a prestar atendimento médico aos tripulantes e estivadores feridos.
Fidel Castro imediatamente atribuiu a
explosão à sabotagem dos Estados Unidos, afirmando ser “o trabalho de quem não
deseja que recebamos armas para nos defendermos”.
A explosão do La Coubre deixou um total de
101 mortos, 34 desaparecidos e mais de 400 feridos. Dezenas de pessoas foram
mutiladas e pelo menos 82 crianças ficaram órfãs.
A explosão do “La Coubre” indignou e comoveu
a população, que compareceu em peso à cerimônia fúnebre em homenagem às
vítimas, realizado em 5 de março no Cemitério Colón. No discurso proclamado
durante o funeral, Fidel Castro exortou o povo cubano à defesa da soberania
nacional e verbalizou pela primeira vez a expressão “Pátria ou Morte”, que se
tornaria o lema máximo dos revolucionários.
Foi também durante o funeral das vítimas do
“La Coubre” que o semblante circunspecto de Che Guevara acabou eternizado em um
registro feito por Alberto Korda — a fotografia intitulada “Guerrilheiro
Heroico”, que se converteria na imagem mais reproduzida do século XX.
<><> Responsabilidade pelo ataque
Christian Herter, Secretário de Estado da
Casa Branca durante o governo de Dwight Eisenhower, negou veementemente o
envolvimento dos Estados Unidos na sabotagem do “La Coubre”, rotulando as
acusações de Fidel Castro como “absurdas”.
Poucos dias depois, entretanto, o jornal Miami
Herald publicou um relato de Jack Lee Evans, tripulante da embarcação
que afirmava ter ouvido um militante anticomunista organizando um complô para
explodir o cargueiro em conluio com William Alexander Morgan, um miliciano
norte-americano a serviço da CIA que havia se infiltrado entre os
revolucionários.
Morgan negou ter estado na embarcação, mas
foi preso sete meses depois, após tentar derrubar Fidel Castro e incitar um
levante anticomunista durante a Revolta de Escambray. Morgan foi fuzilado pelos
revolucionários cubanos em março de 1961.
O envolvimento de Morgan sugere que a
explosão do “La Coubre” foi uma das muitas ações de sabotagem levadas a cabo
pela Operação 40 — ação clandestina conduzida pela CIA a partir de março de
1960, com o objetivo de derrubar o governo de Fidel Castro.
Outros documentos reforçam as suspeitas sobre
o envolvimento dos Estados Unidos na explosão. Relatórios coevos mostram que o
cônsul dos Estados Unidos em Antuérpia fez repetidos esforços para tentar
impedir o embarque do armamento e que agentes norte-americanos tiveram acesso à
embarcação durante paradas em Bremen, Hamburgo e Liverpool.
Os arquivos produzidos pelo Pentágono acerca
do “La Coubre” jamais foram divulgados. A Associação French Lines, sediada em
Le Havre, conserva um vasto dossiê sobre a explosão do cargueiro, mas, por
pressão do governo dos Estados Unidos, decretou a confidencialidade dos
arquivos por 150 anos.
Fonte: Estevam Silva, em Opera Mundi

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