Paulo Kliass: BC - Após a “independência”, a
captura
Em meio
às turbulências causadas pela iniciativa de Donald Trump e seu tarifaço global,
algumas iniciativas na política local acabaram passado meio desapercebidas dos
grandes meios de comunicação. Em especial, causou grande preocupação a
manifestação pública do líder do Partido dos Trabalhadores (PT) no Senado
Federal, Rogério Carvalho, a favor da PEC 65/23. Trata-se de um
documento que foi apresentado ao poder legislativo ainda em novembro de 2023 e
que foi protocolado pelo senador Vanderlan Cardoso (PSD/GO) em conjunto com
uma lista extensa de colegas seus, todos do campo conservador.
A
matéria foi assinada por parlamentares claramente identificados com o
bolsonarismo, a exemplo de Ciro Nogueira (PP/PI), Damares Alves (REPUBL/DF),
Eduardo Girão (NOVO/CE), Flávio Bolsonaro (PL/RJ), Marcos do Val (PODEMOS/ES),
Cleitinho (REPUBL/MG), Hamilton Mourão (REPUBL/RS), Sergio Moro (UNIÃO/PR) e
Astronauta Marcos Pontes (PL/SP). Além deles, outros políticos da direita
também acompanharam o texto, como Esperidião Amin (PP/SC), Rogerio Marinho
(PL/RN) Alessandro Vieira (MDB/SE) Eduardo Gomes (PL/TO) e Nelsinho Trad
(PSD/MS). O elemento que deu a liga necessária para que esse bloco de oposição
ao terceiro mandato do presidente Lula conseguisse tal unidade foi a
intervenção do então presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
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PEC 65 é iniciativa do bolsonarismo!
O
indicado por Jair Bolsonaro para comandar a regulação e fiscalização do sistema
financeiro já havia conseguido a aprovação de uma legislação a seu favor,
quando a Lei Complementar 179/21 avançou no tema da independência do Banco
Central e conferiu mandato a todos os diretores da autarquia que haviam sido
nomeados pelo presidente da República que perderia as eleições em outubro de
2022. Não contente com tal golpe legislativo, o neto de Roberto Campos passou boa parte de
seu mandato, já com Lula despachando no Palácio do Planalto, a deixar
encomendada uma nova armadilha envolvendo o órgão responsável também pela
política monetária.
Não é
por mero acaso que nenhum membro do Senado que seja identificado com o campo
progressista e de esquerda assinou o texto. Afinal, trata-se de uma matéria que
fere ainda mais todo e qualquer espírito republicano no trato da coisa pública.
O documento foi resultado da articulação de Campos Neto com seus colegas e
interlocutores da nata do financismo, assim como havia ocorrido quando da
elaboração da proposta do Novo Arcabouço Fiscal (NAF), que terminou sendo
encaminhado pelo ministro Fernando Haddad ao presidente Lula. Ou seja, trata-se
de uma encomenda para consolidar a “independência” do BC, tema esse tão caro às
elites do nosso sistema financeiro e que termina sendo corroborado pelos
papagaios de pirata de outros setores de nossas classes dominantes.
Apesar
disso, o líder do PT no Senado parece se
dispor a trabalhar em prol de tal medida, em clara iniciativa a favor do atual
presidente do órgão e sem nenhuma preocupação com as consequências que tal
alteração provocaria para o futuro do Brasil. Os argumentos de senador
sergipano são, a um só tempo, risíveis e trágicos:
(…)
“A finalidade é a gente conseguir tornar o Banco Central efetivamente autônomo,
seja do governo, mas também do mercado (…) Autonomia de verdade, um instrumento
para exercer a autonomia como autoridade monetária: é isso o que a gente quer e
acho que o Galípolo vai conseguir imprimir e vai ter o apoio nosso para que ele
tenha uma autonomia de verdade” (…)
O
parlamentar mal consegue esconder seu deslumbramento com o novo comandante do
BC e parece apoiar a medida que confere independência ao órgão apenas pelas
qualidades que ele considera relevantes no seu ídolo:
(…)
“Ele tem uma cabeça matemática, ele consegue administrar as variáveis e saber
como essas variáveis vão estar daqui a um mês, daqui a 60 dias, daqui a um ano,
como um conjunto delas vai interagir para produzir um resultado. É uma mente
matemática, uma mente preditiva” (…)
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Independência do BC: sonho de consumo do financismo
Ocorre
que, na verdade, esse novo desenho de um órgão ainda mais independente atende
tão somente aos desejos desse povo do oligopólio privado da banca. O BC
passaria a usufruir de uma quase total independência frente aos poderes
constituídos e da maioria da população, permanecendo completamente refém dos
desejos e das intenções do financismo. A atual excrescência, que conferiu aos
dirigentes do órgão um mandato fixo, passaria a ser elevada à enésima potência
caso os dispositivos da PEC mencionada acima fossem aprovados.
A
proposição que passou a contar com a vergonhosa aprovação por parte do líder do
PT no Senado transforma o BC em uma empresa pública. Um completo absurdo! Um
órgão com tamanho poder econômico e político, além de imensa responsabilidade
institucional, passaria a ser regido também pelas leis do direito privado.
Historicamente, o BC sempre foi instituído como autarquia. Um órgão subordinado
ao Ministério da Fazenda, mas cuja institucionalidade e organização financeira
sempre estiveram nos marcos do arranjo da administração pública federal.
Afinal, o BC é responsável pela política monetária e pela política cambial. Ele
define, dentre outros aspectos, a taxa oficial de juros e a taxa de câmbio. Não
é pouca coisa não!
Além
disso, ele é o órgão governamental responsável pela regulação e pela
fiscalização dos sistemas bancário e financeiro. Ainda que as mais diversas
gestões passadas do BC não tenham cumprido com tais missões, ele deveria cuidar
de práticas criminosas verificadas pelas empresas reguladas como “spreads” nas
operações de crédito e empréstimo, bem como se ocupar de escândalos como as
tarifas abusivas ou práticas de cartel e de abuso econômico contra os
interesses da maioria da população. O BC atua, na prática, como defensor dos
interesses dos bancos. A conhecida estória do mecanismo de captura, quando os
dirigentes do órgão regulador atuam na defesa das empresas reguladas.
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Lula precisa impedir tal crime de lesa Pátria
Ora, se
em condições normais de pressão e temperatura já existem obstáculos para a
implementação de tal comportamento republicano na ação do órgão, caso a PEC
seja aprovada, a emancipação do BC se consolidaria a perder de vista. A
proposição confere ao BC independência financeira, transformando os atuais
ganhos do banco nas operações macroeconômicas em receitas próprias que se
tornariam inatingíveis pelos demais poderes da República. A ideia é incorporar
como receitas da futura empresa pública volumes bilionários como os derivados
da prática da senhoriagem e os ganhos das intervenções no mercado cambial. Ou
seja, ao invés de caminhar pela necessária inclusão de tais valores no
Orçamento Geral da União (OGU), o projeto avança ainda mais no processo da
independentização de tais valores em relação às regras institucionais
republicanas.
Os
riscos que tal proposição apresentam para um país que se pretende democrático e
capaz de atingir padrões de desenvolvimento social, econômico e ambiental são
mais do que evidentes. Os economistas e analistas do campo progressista já nos
manifestamos a respeito e imaginávamos que a matéria ficaria esquecida nas
prateleiras do Congresso Nacional. Entidades do movimento sindical também se
apresentam condenando a medida, a exemplo do Sindicato dos funcionários do BC
(Sinal)
e a própria Central Única dos Trabalhadores (CUT).
É mais
do que urgente que o presidente da República se pronuncie contrariamente a mais
esta aventura bolsonarista avançando no interior de sua equipe de governo. Os
interesses do financismo e da Faria Lima seguem, deforma surpreendente e
escandalosa, encontrando eco e apoio junto a seus colaboradores próximos, em
oposição às necessidades do país e da maioria da nossa população.
¨ Pipoqueiros e
sorveteiros de todos os países… Por Felipe Bueno
…uni-vos,
pois é chegada a hora de o Brasil oferecer ao mundo não apenas o milho a partir
do qual se faz a pipoca, nem somente os sorvetes consumidos por turistas e
locais derretidos pelo nosso calor. É tempo de entregar ao mundo um novo modelo
de nossa pauta de exportações de soft power, talvez até um
pouco hard, mas é o que temos para o momento: o assédio à verdade.
“Popcorn
and ice cream sellers sentenced for coup in Brasil”, proclamou o ex-presidente
diante de dois quarteirões de pessoas na Avenida Paulista. Pensando no próprio
futuro, ele misturava seus devaneios – e necessidades – aos de alegados
verdadeiros representantes do povo, pessoas cujos destinos se uniram desde o
dia em que o ex-deputado se metamorfoseou de ninguém a líder de um país
trágico.
Forjados
nos gabinetes do poder e nos subterrâneos da sociedade, políticos assim, – a
História tem nos contado faz muito tempo – não são nada sem o respaldo de
massas que por várias razões enxergam no bezerro de ouro da ocasião a chance de
varrer para baixo do tapete as próprias fraquezas e mediocridades – e se houver
quem pense diferente, a ponta da praia estará sempre disponível.
O
comportamento escancarado da extrema direita não é exclusividade do Brasil;
podemos dizer inclusive que nosso país nem é pioneiro no setor.
Porém, numa demonstração de rápida “evolução”, em pouco tempo deixamos de ser
importadores e passamos a trocar ideias com o mundo fascista de igual para
igual, fornecendo estrategistas, financiadores e apoiadores de um futuro pior
em nome de uma nação reacionária e uma divindade ressentida.
A
fabricação de mentiras transformadas em verdades enfraquece a democracia de
baixo para cima. De dentro para fora. Pois alimenta de ódio cada simples pessoa
que tem a mais poderosa arma para destruir um país: o direito de votar.
A
anistia defendida no último 6 de abril não é para vendedores de sorvete e
pipoca. É para uma visão de mundo e para aqueles e aquelas que tentaram
perpetrá-la e tentarão novamente.
Falando
em soft power, pipoca e sorvete, sugiro a você, caso sobre-lhe tempo, que
assista a Popcorn und Himbeereis, obra trash do
cinema alemão de 1978. Bem menos pornográfico que usar camisa falsificada da
CBF num domingo de garoa na Avenida Paulista.
Fonte: Outras Palavras/Jornal GGN
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