quarta-feira, 9 de abril de 2025

Moraes à revista New Yorker: pressão dos EUA só fará efeito se 'porta-aviões chegar até o Lago Paranoá', em Brasília

Um juiz poderoso - mas que está "testando os limites de sua autoridade" - numa cruzada contra a direita radical digital no mundo. É assim que o ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF) é apresentado aos leitores da revista americana The New Yorker, uma das mais influentes do mundo, em um perfil publicado na segunda-feira (07/04).

Num longo texto assinado pelo renomado jornalista Jon Lee Anderson, Moraes - ou Big Alex, numa adaptação para o inglês do apelido Xandão - é classificado como um "um jurista combativo", "frequentemente descrito como o segundo homem mais poderoso do Brasil" e que se coloca numa guerra sobre quem detém o poder para definir a realidade política atual.

"De um lado, estavam Alexandre de Moraes e seus aliados. Do outro, uma coalizão internacional de influenciadores da direita, incluindo [o ex-presidente] Bolsonaro, [o bilionário] Elon Musk e, cada vez mais, [o presidente americano] Donald Trump", diz o texto de Anderson, autor do livro Che Guevara: uma biografia, sobre um dos líderes da Revolução Cubanae de inúmeros perfis de líderes políticos, como o do chileno Augusto Pinochet ou o do venezuelano Hugo Chávez.

À revista, após apresentar suas justificativas sobre o enfrentamento digital que incluiu o bloqueio de redes sociais como Telegram, X e, mais recentemente, Rumble, Moraes ironizou sobre a possibilidade de sofrer pressões do governo dos EUA.

"Eles podem entrar com processos, podem colocar o Trump para falar", disse.

"Se eles mandarem um porta-aviões, aí a gente vê. Se o porta-aviões não chegar até o Lago Paranoá, não vai influenciar a decisão aqui no Brasil", completa o ministro, referindo-se ao lago de Brasília que pode ser visto desde o seu escritório no STF.

Moraes é alvo de ações nos EUA movidas pela empresa de mídia do presidente dos EUA, a Trump Media, e o Rumble (uma plataforma digital de compartilhamento de vídeos). As companhias acusam o magistrado de infringir a primeira emenda da Constituição americana, que garante liberdade de expressão, ao determinar remoção de contas de influenciadores de direita.

Os "esforços de Alexandre de Moraes para combater o extremismo", como destaca a New Yorker, vêm da percepção do ministro de que as redes sociais são hoje "o maior poder de todos" e que vêm sendo usadas "para influenciar eleições."

"A direita radical percebeu, durante a Primavera Árabe, que as redes sociais podiam mobilizar pessoas sem intermediários."

"Se Goebbels [o ministro da propaganda de Hitler] estivesse vivo e tivesse acesso ao X (ex-Twitter), estaríamos condenados. Os nazistas teriam conquistado o mundo", declarou Moraes, descrito como um homem não tão alto para obter a alcunha de Xandão, mas "visivelmente em forma", diante de uma rotina de corrida, levantamento de pesos e aulas de Muay Thai, uma arte marcial tailandesa.

O perfil será distribuído impresso na edição da próxima segunda-feira (14/04) da revista, sob o título de "Homens Fortes".

  • 'Lavagem cerebral'

Em uma das entrevistas dadas a Anderson desde o fim do ano passado, Moraes defende que o Brasil serve hoje como um campo de testes para iniciativas que buscam exercer poder político pela internet.

O jornalista explica que os brasileiros são extremamente ativos online e, ao contrário de outros países, têm as eleições conduzidas pelo Judiciário.

"A direita radical quer tomar o poder — não dizendo que é contra a democracia, porque isso não ganharia apoio popular, mas afirmando que as instituições democráticas são manipuladas", disse Moraes.

"É um populismo altamente estruturado e altamente inteligente. Infelizmente, no Brasil e nos EUA, ainda não aprendemos como reagir."

O ministro continua com suas críticas à direita radical dizendo que o grupo liderado por Bolsonaro "manipulou com sucesso" a palavra "liberdade", fazendo as pessoas acreditarem que eles são os verdadeiros defensores da democracia.

"É uma façanha impressionante de lavagem cerebral", declarou.

O perfil de Moraes também traz declarações do presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobre a guerra política no mundo digital.

O presidente sugere que a internet tornou quase impossível de se governar, com os Estados muito enfraquecidos. "Acho que, em nenhum país do mundo, ainda temos uma forma sofisticada de garantir soberania", disse Lula, fazendo críticas à presença massiva da empresa de internet de Elon Musk, a Starlink, na Amazônia.

"[Antes], autoritarismo significava fechar o Congresso, paralisar o Judiciário ou colocar tropas nas ruas. Agora, alguém pode falar com 213 milhões de brasileiros sem nunca ter pisado no Brasil."

Batendo na mesa, o presidente completou: "Nenhuma empresa, por mais poderosa que seja, colocará nossa democracia em risco."

O perfil também traz entrevistas com a deputada Tabata Amaral (PSB-SP) e o senador Alessandro Vieira (MDB-SE), que defendem no Congresso uma legislação para responsabilizar as empresas de redes sociais por notícias falsas e discursos de ódio, além de relatos da jornalista Patrícia Campos Mello, alvo de uma campanha de desinformação e ódio promovida durante o governo Bolsonaro.

  • 'Esquerda me chamava de golpista'

O perfil da New Yorker também traz a trajetória profissional de Alexandre de Moraes até se tornar o nome mais proeminente do atual STF.

Filho de um empresário e uma professora de São Paulo, Moraes se formou em direito na USP e logo ganhou notoriedade na carreira jurídica, tornando-se promotor e autor de livro.

No mundo político, ocupou cargos em São Paulo até se tornar o secretário de Segurança Pública linha-dura na gestão de Geraldo Alckmin, hoje vice-presidente da República.

A revista ressalta que a chegada de Moraes ao STF passa longe da percepção bolsonarista de que o ministro é um defensor da esquerda.

Anderson escreve que a ascensão nacional de Moraes acontece com a chegada de Michel Temer à Presidência, em 2016, após o impeachment da então presidente Dilma Rousseff.

"O mandato [de Temer] já começou sob a sombra de um possível escândalo: um chantagista havia invadido o celular de sua esposa e ameaçava divulgar fotos comprometedoras dela. A história era perfeita para os tabloides — Temer tinha 75 anos, e sua esposa, uma ex-miss, 32", escreve Anderson

"Ao ouvir o relato do problema, Moraes rapidamente montou uma equipe de investigadores para encontrar o chantagista e prendê-lo. Como em um gesto de gratidão, Temer o nomeou ministro da Justiça do Brasil", completa.

Quando surgiu uma vaga no STF, Temer indicou Moraes à Suprema Corte.

"Quando me tornei ministro da Justiça, toda a esquerda me chamava de golpista. Eles me odiavam. Agora, é a direita radical que me odeia", declarou Moraes

No STF, escreve Anderson, Moraes esperava atrair polêmicas, mas não poderia imaginar "que a democracia brasileira estaria em risco", com relata o ministro.

"Assim, o Supremo Tribunal Federal, invocando um dispositivo que lhe dá poder para investigar qualquer 'violação da lei penal nas dependências da Corte', abriu sua própria investigação — essencialmente se tornando vítima, promotor e juiz", diz o texto da revista sobre a abertura do chamado inquérito das fake news, em 2019, por decisão do então presidente do STF, Dias Toffoli.

Moraes acabou sendo sorteado para relator do caso - que acabou se desdobrando em investigações sobre as milícias digitais e as invasões em Brasília em 8 de janeiro de 2023, promovidas por apoiadores de Bolsonaro.

Assim, Moraes acabou no centro de disputas altamente polarizadas.

O texto da New Yorker explica que o STF, uma Corte que não podia ser considerada "liberal" diante das decisões que tomava sobre temas como aborto, acabou se unindo em torno de Moraes, diante das disputas com Bolsonaro e seus apoiadores.

Na entrevista ao jornalista americano, o ministro defendeu que o julgamento recente que tornou Bolsonaro réu acusado do crime de tentativa de golpe de Estado faz cair por terra o discurso de perseguição política.

"Não foi só a Polícia Federal que os acusou — o próprio procurador-geral decidiu apresentar denúncia", disse Moraes, que declarou ainda não haver "a menor possibilidade" de o STF reverter a inelegibilidade de Bolsonaro.

Bolsonaro está proibido pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de disputar eleições até 2030, por abuso de poder e uso indevido dos meios de comunicação, referente a uma reunião convocada com diplomatas estrangeiros para divulgar notícias falsas sobre insegurança das urnas eletrônicas.

Ao longo do perfil de Moraes, Jon Lee Anderson entrevista especialistas que questionam, porém, a extensão do poder do ministro. Entre eles, o jornalista Felipe Recondo, autor de livros sobre o STF e para quem o "risco" é se criar uma autoridade sem controle.

Anderson escreve que "por vezes, as investigações de Moraes extrapolaram os limites de sua autoridade".

Como exemplo, o jornalista cita o bloqueio de mais de cem contas em redes sociais sem fornecer explicações às plataformas e da multa de R$ 50 mil estipulada por Moraes a quem furasse o bloqueio do X no Brasil.

¨      STF começa a recuar das penas que usou. Por Wálter Maierovitch

Desesperado, o ex-presidente Jair Bolsonaro aproveita-se dos exageros sancionatórios, dos impedimentos evidentes, do corporativismo despudorado e das celebridades de vestes talares sob um presidente “rempli de soi-même”, além dos desacertos desmoralizantes do STF para sobreviver politicamente.

Na prática, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, não deixa que as provas falem por si. Em seu lugar, impõe-se o protagonismo togado.

UM EXEMPLO 

As provas eram abundantes para o recebimento da denúncia contra Bolsonaro e seus aliados golpistas. No entanto, Alexandre de Moraes roubou a cena, polemizou e agitou as redes sociais —uma conduta incompatível com a de um juiz. Durante a sessão de julgamento, comentou sobre a repercussão nas redes e respondeu a críticas. Até isso aconteceu!

Com deslealdade e violação à lei processual, apresentou um vídeo de surpresa e substituiu o papel do Ministério Público, responsável por comprovar a materialidade dos crimes. Dessa forma, abriu caminho para a vitimização de Bolsonaro e evidenciou sua suspeição, ignorada pela maioria dos seus pares no STF.

Em resumo, o STF ofereceu a Bolsonaro um figurino pronto para se apresentar como vítima, perseguido e injustiçado.

USAR OS BAGRINHOS 

Bolsonaro não se envergonhou em voltar a explorar os bagrinhos do 8 de Janeiro, usados como massa de manobra golpista e que receberam penas estratosféricas, num foro privilegiado que nunca sonharam possuir, penas estratosféricas.

Agora, busca rotulá-los como inocentes a fim de obter a aprovação de uma lei de anistia, a ser sancionada por Lula, que o beneficiaria diretamente. Segundo entendimento do próprio STF, relativamente a assassinos, torturadores e usurpadores da ditadura iniciada em 1964, a anistia significa clemência geral, ampla e irrestrita. Se sancionada, Bolsonaro poderia proclamar: “Tô dentro e sou elegível”.

O réu Bolsonaro e seus aliados intelectuais na tentativa do golpe não serão julgados pelo plenário. O ministro Luiz Fux discordou de Moraes quanto à competência das turmas e apontou casos a mostrar que a Primeira Turma parece uma biruta de aeroporto, movida ao sabor dos ventos políticos.

TURMAS CONFLITANTES 

Lógico, Bolsonaro se aproveitou disso para destacar a divisão do STF em duas turmas com entendimentos bastante distintos.

Em uma delas —e isso é certo— estão alguns passadores de pano que beneficiam corruptos, permitindo que deixem de pagar multas e descumpram acordos de delação premiada. No contrato de colaboração com a Justiça, o delator (seja suspeito, indiciado, réu ou condenado) confessa sua culpa e responsabilidade pelos crimes cometidos.

Além disso, conforme já decidido pelo próprio STF, um réu confesso pode, para suprir sua incapacidade de postular na Corte, ter como advogada a esposa de um ministro que profere decisões monocráticas — como no caso de Dias Toffoli. Na outra turma — e isso é igualmente certo —, há dois ministros suspeitos no processo criminal contra Bolsonaro: Moraes e Dino.

SEDE DE VINGANÇA 

O ânimo punitivo e vingativo de Moraes e Dino levou esses magistrados a proferirem reprimendas individuais —aos referidos bagrinhos—, guiadas mais pelo fígado do que pela razão, e registradas com a tinta da bile —que, ironicamente, possui as cores verde-amarela.

A corte não se preocupa em alterar, ao sabor dos ventos políticos, o seu entendimento sobre foro por prerrogativa de função. Assim, aquele que perdeu a função pública ora continua com o foro privilegiado, ora não mais.

No momento, o drama de uma cabeleireira, aquela do “perdeu, mané”, gerou, pela punição desproporcional, um sentimento a misturar reprovação e piedade dos brasileiros, do Oiapoque ao Chuí.

EFEITO FUX 

O ministro Luiz Fux percebeu o excesso e freou a pena vingativa proposta por Moraes, que então concedeu prisão domiciliar à cabeleireira, que ficou desnecessariamente dois anos presa, e enviou para casa outros 11 presos pelos atos golpistas

Não deve passar despercebida, ainda, a soltura demorada, de um enfermo de câncer, que infartou na cadeia, depois de ser preso após os atos golpistas de janeiro de 2023.

Na porta do Inferno de Dante, da obra “Divina Comédia”, de Dante Alighieri, lê-se: “Lasciate ogni speranza, voi ch’entrate” (deixai toda esperança vós que entrais).

EM PLENO INFERNO

Os participantes do 8 de Janeiro entraram no Inferno pela porta do STF, submetidos a penas desproporcionais. Moraes assumiu o papel do barqueiro Caronte, remando com ódio contra os bagrinhos. Só faltou ecoar: “Guai a voi anime prave” (que se danem almas perversas).

Na suprema barca da deusa Têmis, alguns ministros começam a sentir uma brisa de bom senso, como demonstram os casos da cabeleireira Débora Rodrigues e de outros 11 presos libertados.

CONSERTAR OS EXAGEROS 

Talvez tenham percebido que estão fornecendo material para a polarização incentivada por Bolsonaro, que usa essas decisões para buscar anistia.

Um ponto fundamental, somente o STF poderá consertar os seus exageros. Não é caso de anistia. A pergunta que não quer calar: há outra saída para os bagrinhos além da anistia?

No processo de execução penal, existem incidentes que podem amenizar as penas, como a unificação. No caso dos bagrinhos, as penas por tentativa de golpe de Estado e de abolição violenta do Estado de Direito poderiam ser fundidas em uma única, por consunção. E entraria, também, a ciência chamada Política Criminal para garantir uma pena justa.

 

Fonte: BBC News Brasil/UOL

 

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