quarta-feira, 9 de abril de 2025

"Adolescência": como a internet molda a mente dos jovens

A série Adolescência, da Netflix, que retrata as consequências da radicalização online de meninos por influenciadores misóginos como Andrew Tate, chamou a atenção para o que há muito já se suspeitava: passar tempo demais na internet pode fazer mal às mentes dos mais jovens.

A série está impactando até mesmo decisões governamentais. Após o primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, dizer que assistiu a ela, o governo do Reino Unido quer agora buscar soluções para o "problema emergente e crescente" representado pela radicalização online de meninos.

O temor de que os adolescentes estejam sendo corrompidos por coisas fora do controle dos pais sempre existiu: nos tempos antigos, era Sócrates; na década de 1960, foram os Rolling Stones. A diferença em comparação aos dias atuais é que o pânico moral sobre o uso de smartphones é apoiado por evidências.

•        O poder destrutivo da internet

A ciência agora mostra que o uso excessivo de telas está, pelo menos em parte, por trás do aumento de problemas de saúde física e mental em adolescentes.

A preocupação dos especialistas em saúde é de que isso esteja reprogramando os cérebros dos adolescentes. Alguns estudos inclusive associam o tempo excessivo de tela à redução da capacidade de atenção e à interrupção dos padrões de sono em adultos e adolescentes.

Os dados variam ao redor do mundo, mas mais da metade dos adolescentes dos EUA passam atualmente uma média de sete horas por dia em frente a telas. As estatísticas não são muito diferentes na Europa e na América Latina.

"Vemos mais pacientes jovens lutando contra ansiedade e problemas de autoestima ligados ao uso excessivo de internet. Muitos pais não percebem o quanto a saúde mental de seus filhos está sendo moldada pelo mundo digital", diz Stephen Buchwald, terapeuta de saúde mental no Manhattan Mental Health, em Nova York, EUA.

Entre 2016 e 2023, problemas de saúde mental aumentaram 35% entre adolescentes americanos. Atualmente, mais de 20% dos jovens nos EUA têm um diagnóstico de alguma condição mental ou comportamental, como ansiedade, depressão ou problemas de conduta comportamental.

•        Exposição a ideologias extremas

Alguns argumentam que o importante não é tanto quanto tempo os adolescentes passam online, mas sim o conteúdo que eles consomem.

Os adolescentes estão cada vez mais expostos a teorias da conspiração e desinformação, ou à masculinidade tóxica e ideologias extremas. E são elementos como esses que estão moldando as ideias dos meninos e aumentando as taxas de violência de gênero.

Aplicativos de smartphones e plataformas de mídia social exploram o instinto de socialização e o elevam a níveis viciantes. Vício em pornografia, jogos e redes sociais – todos têm aumentado entre adolescentes.

Por trás dos números está a própria natureza da internet, que é movida a algoritmos: quando alguém interage com determinado conteúdo, ele é repetidamente exposto a material semelhante. Isso pode levar ao "efeito Red Pill", onde adolescentes absorvem, sem saber, narrativas nocivas e antifeministas que apoiam a supremacia masculina.

"Muitas crianças não procuram conteúdo perigoso, mas são atraídas por algoritmos. Um simples vídeo sobre condicionamento físico pode levar a uma cultura de dieta extrema; um clipe sobre autoaperfeiçoamento pode se transformar em uma retórica de masculinidade tóxica. Os pais precisam estar cientes do que seus filhos estão assistindo", diz Buchwald.

•        Outros hábitos da vida moderna também têm prejudicado a saúde

O uso de smartphones não é a única razão pela qual os problemas de saúde física e mental estão em alta.

Um estudo descobriu que quase metade dos adolescentes australianos vive com uma doença crônica ou de desenvolvimento, como TDAH ou autismo.

"Nós [também] sabemos que condições atópicas como asma, eczema, alergias alimentares e rinite alérgica têm prevalência particularmente alta em [outros] países ocidentalizados", afirma a principal autora do estudo, Bridie Osman, especialista em nutrição da Universidade de Sydney, Austrália.

Os pesquisadores descobriram que o tempo de tela estava significativamente associado à apresentação de pelo menos um desses problemas, mas os comportamentos do "mundo real" tiveram mais impacto na saúde dos adolescentes.

"Aqueles que consumiam mais alimentos ultraprocessados, álcool e tabaco tinham pior saúde mental. [Isso foi] associado a todas as dez doenças e condições medidas", aponta Osman.

As evidências são claras de que estilos de vida sedentários, muitas vezes associados a altos níveis de tempo em frente às telas e às chamadas "dietas ocidentais", são ruins para a saúde das pessoas.

•        O que pode ser feito para melhorar a saúde dos adolescentes?

Alguns países têm implementado leis para coibir o uso de smartphones.

No Brasil, por exemplo, o presidente Lula assinou um projeto de lei em janeiro limitando o acesso a smartphones nas escolas, seguindo ações semelhantes de governos na China, França e Itália.

Já na Austrália, foram implementadas proibições de mídia social para crianças menores de 16 anos, enquanto apelos por uma legislação semelhante também são observados em outros países, como a Alemanha.

Mas especialistas alertam que isso não deve chegar à raiz do problema. Em vez disso, os adultos precisam ajudar a construir as defesas dos jovens contra os perigos do mundo virtual.

Para Osman, é essencial que os adultos consultem e envolvam os adolescentes ao discutir tais questões, em vez de simplesmente decidir o que é melhor para eles. Para isso, é fundamental que haja um bom relacionamento e uma boa comunicação entre pais e filhos.

Ao se manterem informados e engajados, pais podem ajudar seus filhos a desenvolver um equilíbrio saudável entre a vida online e offline.

Buchwald acrescenta que há maneiras práticas de os pais trabalharem com os adolescentes a fim de criar esse equilíbrio saudável:

• Defina limites claros de quando as telas podem ser usadas.

• Incentive hobbies alternativos que não envolvam telas, como leitura, esportes ou artes.

• Em vez de proibir certos aplicativos, tenha discussões abertas sobre o conteúdo que seus filhos consomem.

• Use ferramentas de controle parental que limitem o tempo de tela e criem filtros de conteúdo, e combine isso com educação sobre alfabetização digital.

Os adultos também devem conhecer seus próprios hábitos de tela e dar o exemplo para seus filhos.

"O objetivo não é eliminar as telas completamente, mas criar um relacionamento mais saudável com a tecnologia. Pais que se envolvem em conversas, estabelecem limites e educam seus filhos sobre alfabetização midiática os ajudarão a navegar no mundo digital com segurança", avalia Buchwald.

Além de regular o tempo de tela, especialistas em saúde pedem ainda programas educacionais sobre a importância da prática de exercícios e de uma dieta saudável e nutritiva.

 

Fonte: DW Brasil

 

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