Garimpo ilegal migra na Amazônia e dispara na
TI Sararé (MT), alerta Greenpeace
Um estudo do Greenpeace publicado nesta terça
(8) revela que o garimpo ilegal em terras indígenas (TIs) migrou. Em três dos
quatro territórios monitorados pela organização não governamental, as novas
áreas destruídas pelo garimpo tiveram uma queda em 2024 na comparação com 2023:
caiu 7% na TI Yanomami, 31% na Kayapó e 57% na Munduruku. Só que o aumento na
outra TI monitorada, a Sararé, foi tão grande (93%), que a área total destruída
por garimpeiros nessas quatro terras indígenas subiu de 2.029 para 2.190 hectares,
um aumento de quase 8%.
Somados os dois anos, destaca o relatório, a
área de floresta derrubada pelo garimpo nos quatro territórios chegou a 4.129
hectares, uma área maior do que o Parque Nacional da Tijuca, no Rio de Janeiro.
As TIs Yanomami (entre Roraima e Amazonas), Munduruku (PA) e Kayapó (PA) são,
historicamente, as que mais têm sofrido com o problema, mas nos últimos dois
anos a Sararé (MT), uma terra indígena bem menor em área do que as outras três,
começou a chamar atenção. Hoje é a TI mais afetada pelo garimpo.
O garimpo ilegal, aponta o estudo, tem
envolvido “operações cada vez maiores, uma força de trabalho mais numerosa e
maquinaria pesada, levando a impactos ambientais significativamente mais
graves”. O uso de mercúrio na extração do ouro, uma substância tóxica que
contamina rios, animais e os próprios indígenas, é apontado como um dos
principais impactos da atividade criminosa. O aumento vertiginoso na capacidade
de destruição da atividade ilegal coincide com o avanço da presença do crime
organizado na região.
O relatório “Ouro tóxico – Como a exploração
ilegal de ouro na Amazônia alimenta a destruição ambiental, as violações dos
direitos indígenas e um comércio global obscuro” destaca o impacto positivo que
as ações de combate ao garimpo ilegal tomadas ao longo do governo Lula (PT) vêm
alcançando depois de quatro anos de leniência do governo Bolsonaro (PL).
Ressalta, no entanto, que é preciso ir além para evitar, por exemplo, que o
garimpo volte após o fim das operações ou chegue a áreas que não são alvo das
ações policiais.
Entre os pontos positivos, o relatório cita o
aumento significativo em operações de desintrusão e a adoção de nota fiscal
eletrônica. Também foi suspensa, pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a
“presunção de boa-fé”, que dispensava a apresentação de documentos para provar
a legalidade do minério, bastando uma declaração da regularidade pelo vendedor.
Ainda assim, “é muito fácil lavar o ouro
ilegal no Brasil”, aponta Jorge Eduardo Dantas, porta-voz da Frente de Povos
Indígenas do Greenpeace. “É preciso manter o trabalho nos territórios,
prosseguir com as desintrusões, ter uma presença mais permanente do Estado
nesses lugares, mas também é preciso olhar com um pouco mais de rigor para a
cadeia de custódia do ouro. Não há uma solução bala de prata que resolva tudo.
É preciso ter várias medidas estratégicas, integradas, sendo executadas para
diminuir essa problemática”, diz.
Uma das medida sugeridas pela organização não
governamental é a realização de uma auditoria nas Permissões de Lavra
Garimpeiras (PLGs) atualmente ativas, que são emitidas pela Agência Nacional de
Mineração (ANM).
De acordo com Dantas, as PLGs são
frequentemente usadas para “esquentar” ouro extraído de terras indígenas ou de
outras áreas protegidas. “Um exemplo básico: tem uma remessa de uma quantidade
‘x’ de ouro que veio de um determinado lugar. Mas quando se olha a imagem de
satélite, a floresta [onde teria ocorrido a extração] está intocada. Esse é um
indício de que esse documento, essa autorização, está sendo usado para lavar
ouro que vem de outro lugar”, explica.
O documento sugere ainda que as autoridades
brasileiras proíbam a utilização de mercúrio na extração de ouro e preste
assistência às pessoas contaminadas, além de promover a reutilização do ouro
confiscado para financiar a recuperação das áreas afetadas.
·
Sararé teve quase 1,2 mil hectares destruídos
no ano passado
Na Sararé, principal alvo dos garimpeiros
ilegais no ano passado entre as TIs monitoradas pelo Greenpeace, a área
destruída em 2024 chegou a 1.197 hectares – o equivalente a mais de sete vezes
o tamanho do Parque do Ibirapuera, em São Paulo –, ante 619 hectares no ano
anterior. O território localizado no oeste do Mato Grosso, próximo à fronteira
com a Bolívia, é habitado por cerca de 250 indígenas da etnia Nambikwara. A TI,
demarcada em 1985, se divide entre os municípios de Conquista D’Oeste, Nova
Lacerda e Vila Bela da Santíssima Trindade.
O avanço do garimpo na Terra Sararé é ainda
mais impressionante quando comparado com os anos anteriores. Em 2019, o
Greenpeace identificou menos de um hectare de área destruída. No ano seguinte,
em meio à pandemia, o garimpo invadiu dez hectares, número que subiu para 168
hectares em 2021. Caiu para 92 em 2022, antes de explodir em 2023 e em 2024.
Para Jorge Eduardo Dantas, do Greenpeace,
além da repressão em TIs historicamente invadidas pelo garimpo, que fez com que
os criminosos buscassem outras áreas para a exploração ilegal, uma das
explicações para a explosão da atividade na Sararé é a localização do
território, cercado pela soja.
“Já há uma infraestrutura pronta. Tem
estrada, tem acesso, se consegue entrar com o maquinário pesado muito
facilmente. É diferente da realidade da TI Munduruku, por exemplo, em que se
tem que abrir estrada, abrir picada no mato. Isso não acontece lá na Sararé, é
muito mais fácil de entrar”, explica.
Segundo relatos de lideranças indígenas
destacados pelo Greenpeace, o avanço do garimpo no território também está
relacionado à presença de facções criminosas regionais, ligadas ao Comando
Vermelho (CV), e cresceu no ano passado a despeito da intensificação de ações
do Ibama no território, que já tinha sido recordista de apreensão de
escavadeiras em 2023.
Já na Terra Indígena Yanomami, o
monitoramento do Greenpeace identificou uma queda sutil: em 2024, 223 novos
hectares foram destruídos pelo garimpo ilegal, ante 239 no ano anterior. A
despeito da redução pequena, os números nos dois últimos anos são bem inferiores
ao que outras organizações vinham registrando ao longo do período anterior.
Segundo a Hutukara Associação Yanomami, somente em 2022, garimpeiros devastaram
1.782 novos hectares da TI.
O avanço do garimpo ilegal na terra Yanomami
disparou entre 2018 e 2022, contando com a leniência do governo de Jair
Bolsonaro, resultando em mortes evitáveis e contaminação generalizada de
mercúrio – uma das principais consequências da extração ilegal de ouro –, como
relatou a Pública ao longo dos últimos anos.
A invasão de garimpeiros na TI Yanomami foi
freada pelo governo Lula (PT) após vir à tona a grave crise sanitária que o
território vinha enfrentando, vitimando, sobretudo, crianças. Nos últimos anos,
a área dos Yanomami foi palco de uma série de operações de desintrusão.
Maior território indígena do país em área, a
terra indígena Yanomami é habitada por cerca de 27 mil pessoas, segundo o Censo
do IBGE de 2022, mas outras fontes falam em mais de 31 mil indígenas.
A Terra Indígena Kayapó, no Pará, também
monitorada pelo Greenpeace, viu a abertura de novas áreas pelo garimpo cair de
1.019 hectares em 2023 para 704 em 2024. Em relação a 2022, quando foram
destruídos 1.822 hectares, a queda foi de mais 61%.
O estudo, no entanto, chama a atenção para o
fato de que a TI Kayapó, habitada por cerca de 6,3 mil indígenas, liderou o
ranking de territórios mais afetados por incêndios no ano passado, com 3.246
focos de calor entre 1º de janeiro e 24 de setembro. Segundo o Greenpeace, a
maior parte dos focos estava próximo ou sobreposto a áreas de garimpo ilegal
recém-abertas. Segundo a organização, isso é um indício de que “garimpeiros
causaram incêndios dentro da Terra Indígena para abrir novas áreas para a
atividade”.
O quarto território monitorado pela ONG, a
Terra Indígena Munduruku, também no Pará, foi a que registrou maior redução na
abertura de novas áreas de garimpo segundo o estudo: foram 66 hectares no ano
passado, ante 152 em 2023. A queda é bastante significativa quando comparada ao
pico do garimpo ilegal no território, em 2020, quando 2.271 hectares foram
devastados.
Habitada por mais de 9 mil indígenas, a TI
Munduruku é outra que viu o garimpo crescer no governo Bolsonaro e refrear no
governo Lula, com o aumento de operações do Ibama e da Polícia Federal. A
contaminação por mercúrio, causada pela extração ilegal de ouro, é generalizada
entre os Munduruku, especialmente entre mulheres e crianças.
A demarcação de terras indígenas e a proteção
integral dos territórios estão no centro da pauta da 21ª edição do Acampamento
Terra Livre (ATL), que começou nesta segunda-feira (7) e vai até o fim da
semana. A maior mobilização de povos originários do Brasil ocorre em um momento
em que a mineração em terras indígenas ganhou manchetes nas últimas semanas
depois de o ministro Gilmar Mendes, do STF, propor um anteprojeto de lei que
incluía a permissão da atividade sem consentimento dos indígenas em casos de
“interesse público”.
A proposição, copiada de projetos de lei dos
governos de Michel Temer (MDB) e Bolsonaro, ocorreu no âmbito da comissão de
“conciliação” sobre o Marco Temporal, proposta pelo próprio Mendes. Após a
repercussão negativa, o trecho sobre mineração acabou retirado, e o ministro do
Supremo indicou que a temática será discutida em uma nova comissão no âmbito da
corte.
O relatório do Greenpeace destaca o impacto
do garimpo legal na “disponibilidade de áreas de caça e pesca” dos indígenas,
assim como a presença de práticas que desestruturam culturalmente os povos, com
oferta de álcool, exploração sexual e trabalho forçado. O risco de transmissão
de doenças infecciosas, especialmente para os povos isolados, também é apontado
como consequência da presença de garimpeiros.
“A gente ainda ouve bastante [das lideranças
indígenas] relatos de ameaças de morte, lideranças tendo que mudar suas rotinas
por conta disso, de ter que andar em carro particular, ter que restringir a
agenda, ter que evitar a circulação em determinados espaços, em determinadas
cidades”, afirma Dantas.
• Relatório
destaca responsabilidade do mercado internacional na mineração ilegal
A responsabilidade pela destruição da
Amazônia pelo garimpo ilegal não é apenas das autoridades brasileiras, aponta o
estudo: a crescente demanda internacional e a frouxidão no controle em países
importadores têm seu papel.
“A atual corrida pelo ouro é alimentada
também pelos bancos centrais de diversos países mundo afora [que adquirem o
ouro como ativo financeiro] e, consequentemente, exercem uma influência
significativa sobre o mercado global”, diz o relatório. Nos últimos dois anos,
o valor do ouro no mercado financeiro valorizou cerca de 75%. De acordo com o
relatório, 61.567 toneladas de ouro foram exportadas do Brasil em 2024,
movimentando mais de US$ 3,9 bilhões. A Amazônia representa 23% desse montante.
Para o Greenpeace, o caminho para que o ouro
ilegal entre na cadeia “é complexo e abrange várias etapas”. Vai “desde a
falsificação de documentos e registro de minas de ouro até o contrabando,
‘esquentamento’ e pseudo-refinação do ouro” para chegar aos principais destinos
internacionais, como a Suíça.
O relatório destaca dados divergentes entre o
que é registrado como exportação de ouro por parte do Brasil e o que é
declarado como importação por outros países. A Suíça, por exemplo, afirmou ter
importado quase 10 toneladas a mais de ouro do que o Brasil diz ter exportado
em 2022, uma discrepância de 57%. Em 2023, a diferença foram de quase 9
toneladas, ou 62% a mais do que foi computado no Brasil.
Nos EUA, as importações registradas foram 48%
maiores em 2022 e 138% maiores em 2023. Para a organização não governamental,
essas assimetrias podem significar “fraude, contrabando e/ou o comércio ilícito
de ouro”.
A organização governamental aponta uma série
de medidas que a Suíça, a União Europeia e demais governos internacionais devem
tomar, incluindo “obrigar as empresas e instituições financeiras ao longo da
cadeia de custódia de ouro a divulgarem os nomes dos seus fornecedores,
indicando o local de extração e o local de processamento” e “não importar ouro
e sinalizar cadeias de fornecimento de ouro que venham de zonas afetadas por
conflitos e de alto risco”.
Fonte: Por Rafael Oliveira, da Agencia
Pública
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